Acabei de ler Il Libro Nero del Cristianesimo. É fascinante. Especialmente o capítulo sobre as Cruzadas. Especialmente a Santa Inquisição. Especialmente a conquista espanhola na América do Sul, um dos episódios mais cruéis da história da humanidade, e devidamente abençoada pelo clero. Especialmente… Bom, o livro TODO vale a pena. Explicado muito bem, com exemplos muito, hm, ilustrativos, dá uma certa indigestão mas é altamente iluminador. A parte sobre a história contemporânea da igreja católica é particularmente interessante. Tradução minha:

 

A Igreja e os Negócios (pág. 269)

A Santa Sede tornou-se uma potência econômica que administra fortunas tão colossais quanto discretas na economia mundial.

Com os Pactos Lateranenses de 1929 entre o governo de Mussolini e a Santa Sede, foi resolvida a querela com o Estado italiano pela anexação dos territórios submissos ao Estato pontifício.

A convenção financeira liqüidava as pendências econômicas entre as duas partes através de um conspícuo depósito da parte do governo italiano e da cessão de uma grande quantidade de títulos acionários como indenização pelos danos sofridos pela Santa Sede com a anexação dos Estados ex-pontifícios à Itália e a conseqüente liqüidação de grande parte do eixo patrimonial eclesiástico.

Naquela época o Estado garantia ao Vaticano um subsídio anual de 3.250.000 liras.

Pouco depois o Estado italiano reconheceu ao Estado Vaticano mais uma indenização una tantum de um bilhão e 750 milhões de liras da época, entre dinheiro líquido e títulos.

Para administrar este imenso patrimônio, a Santa Sede recorreu a um laico, Bernardino Nogara, ex vice-presidente do Banco Comercial Italiano, que aceitou sob a condição de ter completa liberdade de investimentos em todos os lugares do mundo e em todas as maneiras que ele julgasse apropriadas, de modo “completamente livre de qualquer consideração religiosa ou doutrinal”. [o  negrito é meu.]

(…)

Em 1968, dez anos depois da morte do engenheiro Bernardino Nogara, nominado pelo Papa administrador especial da Santa Sede,e quarenta anos depois dos Pactos Lateranenses, as várias participações do Vaticano na indústria, nas finanças e nos serviços foram estimadas em oito bilhões de dólares.

Depois de Nogara, o Vaticano recorreu aos serviços de Sindona e depois, quando este deixou de ser freqüentável [N.T.: esse Sindona se envolveu até a raiz dos cabelos em inúmeros escândalos financeiros], aos de Roberto Calvi. Será preciso esperar a falência do Banco Ambrosiano [outro escândalo intergaláctico], depois da morte de Calvi, para descobrir o envolvimento colossal do Vaticano nos negócios ilícitos operados por Sindona e Calvi.

Roberto Calvi tinha se tornado presidente do Banco Ambrosiano em 1975. Era chamado “banqueiro de Deus”, por sua proximidade com o Ior [Istituto Opere Religiose, o banco principal do Vaticano do qual o Papa é o único acionário, e suspeito de envolvimento com os nazistas alemães e croatas] de Paul Marcinkus.

Calvi criou uma rede de estruturas formada por filiais off shore nas Bahamas, uma holding em Luxemburgo, sociedades piratas na América Central e cofres na Suíça. Ao longo dos anos criou um império que se desenvolveu assustadoramente e que se transformou em um ponto crucial não somente da lavagem de dinheiro sujo da criminalidade organizada (máfia), mas também de organizações internacionais de vários calibres: do tráfego de armas para a guerra das Ilhas Falkland até o apoio à ditadura de Somoza, pasando pelo financiamento do sindicato católico polonês Solidarnosc.

Quando a posição do “banqueiro de Deus” ficou insustentável, o Ior e o Opus Dei se retiraram, retirando todo o apoio a Calvi, que foi preso. Quando foi libertado fugiu para Londres, à procura de apoio internacional e ameaçando tornar públicos alguns documentos quentes que possuía.

No dia 17 de junho de 1982 foi encontrado morto, enforcado embaixo da Blackfriars Bridge em Londres. A polícia inglesa arquivou o caso como suicídio. Somente em 1998, durante uma causa civil, um tribunal italiano declarou a morte de Calvi como homicídio porque as análises radiográficas do cadáver não mostravam nenhuma das lesões ósseas cervicais muito prováveis em caso de morte por enforcamento, por causa do contragolpe quando a corda se tensiona. A análise das unhas e das mãos de Calvi demonstrou que em nenhum momento ele tocara os tijolos encontrados nos seus bolsos, muito menos os andaimes que se encontravam por baixo da ponte. Ou seja, o banqueiro tinha sido morto antes (aparentemente a 100 metros da ponte, em um canteiro de obras) e depois o seu “suicídio” teria sido encenado.

O processo penal ainda está em andamento.

A secretária pessoal de Calvi morreu doze horas depois dele, “jogando-se” da janela da sua sala no Banco Ambrosiano. Michele Sindona (o mentor de Calvi), depois de ter encenado seu próprio seqüestro, foi preso e morreu em 1986 na prisão, depois de ter bebido um café com arsênico.

Il Libro Nero del Cristianesimo (Duemila Anni di Crimini nel Nome di Dio) de Jacobo Fo, Sergio Tomat e Laura Malucelli, editora Nuovi Mondi Media, 15,50 euros bem gastíssimos.

 

Não é uma coisa linda?