Toledo

Não ouvimos o despertador tocar e quando o Gianni ligou avisando que estavam descendo pra tomar café e nos esperavam no Faborit, pulamos da cama e em dez minutos estávamos na rua. Só que…

Hoje é quinze de agosto e ninguém trabalha na Europa no dia quinze de agosto. O Faborit estava fechado e acabamos tendo que nos contentar com uma bosta de café e muffins massudos no Starbucks ao lado. Nas calçadas, muita gente voltando da movida, a night dos madrileños. Às sete da manhã tinha gente tomando a última cerveja com bocadillo de jamón, muita gente cambaleando pela rua, muita gente rindo alto e cantando como se ainda estivesse na discoteca. Gente maluca.

Pegamos o metrô até a estação Atocha Renfe, a tal do atentado, onde já tínhamos ido ontem pra pegar as passagens pra Toledo que o Gianni tinha reservado pela internet. A estação é linda, com uma espécie de floresta tropical dentro, com direito a mil tartarugas banhantes e tal. Uma umidade quase estilo Manaus, mas é interessante porque é inesperado. Fiquei fã. Especialmente das tartarugas. Pegamos o trem rápido pra Toledo, que, ao contrário do Eurostar pseudoveloz italiano, saiu na hora e é muito confortável, sem esmagar seus joelhos no banco da frente. A viagem dura meia hora e a paisagem é tão diferente da paisagem umbra que parecia que estávamos em outro planeta. Nada de casas esparsas aqui e ali ou de campos verdinhos brilhando com girassóis; só distâncias grandes e amareladas, secas, rochosas – o que a gente já tinha visto do avião. A primeira coisa que me veio na cabeça foi Asterix e os Ibéricos: Obelix encontrando os ciganos no meio daquelas planícies pardas e torradas, e todos os ibéricos dizendo “ay” e “olé” o tempo todo, com aquela cara de macho e o peito inchado de orgulho. Fiquei rindo sozinha enquanto o Mirco dormia.

A estação de Toledo é de construção recente, mas o estilo é o mudéjar, aquele mix de espanhol e árabe que eu a-do-ro. Resolvemos ir a pé até o centro, subindo uma ladeira maldita. Estava quente mas não excessivamente senegalês, e o passeio foi agradável. Paramos no quiosque de informações ao turista pra pegar mapas e tal, e entramos na cidade pela Puerta Nueva de Bisagra. Logo depois de uma subidinha chegamos à Puerta Sol, ao lado da Puerta Cristo de la Luz. Pegamos essa segunda pra ver a Mezquita Cristo de la Luz, que parecia muito maior nas fotos mas é interessante como estrutura. Foi a única mesquita que sobrou na cidade, das dez existentes, depois da Reconquista católica. Ainda dá pra ver alguns afrescos nas paredes, e nas escavações arqueológicas de vez em quando vê-se uma cabeça de fêmur, um pedaço de íleo, uma costela de alguém enterrado no subsolo do templo. Uma ponte improvisada passa por cima desse sítio arqueológico e leva a um jardinzinho discreto com uma fonte no meio, e só essa agüinha e as plantinhas em volta já baixam a temperatura sensivelmente. Atravessando o jardim chega-se a uma espécie de terraço aberto de onde se vê a parte superior da Puerta Sol, linda, e a vastidão ressecada lá embaixo, intercalada com partes modernas da cidade.

Dali fomos à Plaza de Zocodover, antigo mercado de animais nos tempos dos mouros, que não tem nada de particular além de um McDonald’s bem disfarçado. Velhinhos e velhinhas batiam papos animados nos bancos da praça e turistas alugavam Segways. O sonho do Gianni era andar naquele treco, e lá foram ele e Mirco pagar 12 euros pra ficar 20 minutos aboletados naquelas coisas. Acharam divertidíssimo e começaram a planejar uma atividade parecida, de aluguel de Segway, em Assis. Então tá.

Depois da brincadeira, fomos ao Museo Santa Cruz pra ver obras de El Greco, sempre muito esquisitas e modernosas pra época, e uma tapeçaria linda, o famoso Astrolabio. Descemos a Calle Cervantes e paramos pra almoçar ali mesmo, em um buraco com cara de restaurante improvisado na beira da praia, cheirando a DDT. No fundo do lugar, as mesinhas com a famigerada toalha de plástico. Os meninos comeram salada; eu não sou fã de verdura crua e ataquei de judías con jamón – ervilhas (não as redondinhas mas a vagem da ervilha) refogadas com presunto, uma delícia. Ainda encaramos um peito de frango grelhado e uma racion de presunto com pão. Voltamos à Zocodover pra digerir por meia horinha e voltamos ao batente. A Catedral, onde não entramos porque o ingresso era caro demais e pagar pra entrar em igreja é o fim do mundo, é realmente um desbunde. Até 1851, se não me falha a memória, Madri não tinha catedral porque fazia parte da arquidiocese de Toledo ou alguma coisa assim. Ainda hoje Toledo é um centro importante da igreja católica na Espanha. E a catedral é bonita MESMO.

A Chiara é muito interessada em artes e queria ver El Entierro del Conde de Orgaz, sempre do El Greco, na igreja de S. Tomás. O quadro é interessante mesmo, mas eu acho El Greco deprimente demais. Seus amarelos me angustiam. A igreja mesmo é feia que dói, e dali saímos pra bundear pela cidade, já que tínhamos visto tudo o que podia ser visto (o Alcázar está fechado pra reformas). Andamos, andamos, andamos até as pernas caírem. Mas, sinceramente, qualquer cidadezinha histórica italiana ou francesa bota Toledo no chinelo, apesar de ser patrimônio da UNESCO e coisa e tal. Não me pareceu uma cidade típica nada. Tipo, você vê Assis e a cidade é arquitetonicamente uniforme e bem conservada. Toledo não é nada e é tudo ao mesmo tempo. Mas nem seria esse o problema se fosse tudo puramente histórico – um lugar que mudou de mãos mil vezes não pode mesmo ser homogêneo em termos de aparência – mas a minha impressão é sempre a da mesma decadência e o mesmo deixa-pra-lá de Madri. Não sei. Gostei de Toledo, mas não ameeeeeeei.

Paramos de novo na Zocodover pra comer Crispy McBacon antes de descer pra matar o tempo, porque tínhamos reservado o trem tarde da noite. E chegando em Madri paramos pra tomar vitamina de manga com leite em uma espécie de bar numa das ruelas que saem da Puerta del Sol. Gianni chocadíssimo com a quantidade de viados e xingando o Zapatero a torto e a direito, e eu morrendo de rir. Nem precisa dizer que foi a cabeça bater no travesseiro e o soninho vir, né.

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