a família buscapé na holanda

O dia estava delicioso. Chegamos cedo na Arianna pra almoçar, pra dar tempo de lavar os cachorros. Acabamos também lavando o galinheiro, colhendo manjericão pra fazer pesto, quebrando as primeiras nozes do ano e arrancando um galhão gigante da nogueira, que ficou meio partido depois do último vendaval e estava ameaçando a vida de pombos, coelhos, patos, perus, galos, galinhas e gansos. Colhemos pepino na horta, os tomates ainda não estavam bons, descobrimos uma árvore que dá uma fruta que não é nem pera nem maçã, e é incomível de tão dura e fibrosa, descobrimos uma nogueira jovem que nasceu sozinha sem ninguém convidar mas vai ter que ser transferida porque está fazendo sombra por cima das abobrinhas, Legolas sentou no meio da horta pra comer nozes, pegamos ovos quentinhos pra trazer pra casa, reguei as hortênsias de fora que estavam murchas murchas, e, hear, hear, ouvimos as aventuras de Arianna e companhia na Holanda.

Arianna e Ettore nunca fazem nada de interessante e por isso nunca têm nada pra dizer além de quem casou, quem separou, quem trocou de carro, quem pariu, quem morreu. Agora eles têm a famosa viagem à Holanda pra contar. Foram pra lá pela terceira vez esse ano, mas agora com os tios do Mirco, que nunca tinham andado de avião. Guerriero não é um palerma; foi motorista de caminhão por muito tempo e conhece a Europa inteira. Sabe fazer TUDO – consertar qualquer coisa, construir tudo, cozinhar o que você inventar – mas não é exatamente descolado, entende. Então estão os quatro na estação de trem sei lá de onde pra pegar um trem não sei pra onde, e mandam o Guerriero ir pedir informações – imaginem um homenzarrão com os dedos mais grossos que você já viu na sua vida, cara de bonachão, hérnia umbilical cutucando a camiseta, sem falar nem italiano mas somente a horrível variante dialetal de Santa Maria degli Angeli (Angioli, como dizem eles). Imaginem esse homem, que nunca andou nem de metrô, pedindo informações a um holandês. Volta ele dizendo que o trem que eles tinham que pegar era aquele mesmo que eles achavam que fosse. Embarcam e começam a conversar. Passa o tempo e Guerriero começa a rir sozinho. Perguntam o que foi, e ele, que obviamente não teve coragem de ir lá perguntar nada pro holandês, solta a seguinte pérola, rolando de rir da própria piada iminente:

– Encontrei um sujeito de Castelnuovo [um buraco aqui no interior do Belize, deve ter tipo dez habitantes] e ele disse que o trem era esse…

Meno male que o trem não tava errado. Do jeito que são enrolados, era capaz de irem parar na Arábia Saudita. De trem.