da série “onde é que eu fui amarrar a minha égua”

Vamos fazer um acordo? Eu finjo que essa bodega aqui não ficou abandonada por esse tempo todo e vocês fingem que sentiram uma falta e-lor-me dos meus escritos. Beleza?

Nessa pequena e delicada pausa pacamancal muita coisa aconteceu, obviamente. Várias viagens (NY, Valencia, Orlando, Amsterdã, Rio, Paris, Boston), distribuídas ao longo do ano, mas as melhores coisas aconteceram no segundo semestre. Carol começou a ir à escolinha, uma Montessori pseudobilingue (uma hora de inglês por dia, infinitamente melhor do que a média das escolinhas aqui, que nem sempre sequer oferecem inglês e quando oferecem é só uma hora por semana, enquanto que, pasmem, as aulas de religião tomam DUAS HORAS por semana – no comment) bem legal em Santa Maria, e com isso comecei a ter um pouco de paz de manhã. Ela entra às nove e poderia ficar até as 4, mas como ela ainda precisa dormir à tarde senão fica inadministrável, vou pegá-la à uma da tarde, depois que ela almoça na escola. Ter tirado esse almoço das minhas costas foi um alívio tão grande que vocês não podem imaginar; a pior parte do meu dia desde que ela nasceu sempre foi dar comida pra ela. Então ela almoça (muito bem) na escola, eu vou pegar, ela dá uma dormidinha e depois passamos a tarde brincando. Tiramos a fralda, pra xixi sem problemas mas o cocô tá difícil. Comecei a fazer ioga, com a Petulla, uma brasileira que veio morar aqui, coitada, e é absolutamente um amor. A Fabiola teve neném, uma coisa tchutchuca chamada Ettore. A avó do Mirco, que estava deixando a minha sogra absolutamente louca por causa da senilidade (no caso dela isso inclui espalhar cocô pelas paredes do banheiro e dar pão molhado pros coelhos comerem, que depois morriam de barriga estourada pela fermentação do pão), foi morar na casa do irmão da minha sogra, de onde aliás ela nunca deveria ter saído, porque é a casa dela, com as coisas dela – ela sempre detestou ficar morando na minha sogra. De modo que agora tenho uma sogra mentalmente equilibrada de novo, um alívio. Voltei a ouvir rádio, quando volto pra casa depois de deixar a Carol na escola e depois de novo quando vou pegá-la – por sorte são os horários dos meus programas preferidos, Il Ruggito del Coniglio (o rugido do coelho) de manhã e 28 minuti, da jornalista Barbara Palombelli, na hora do almoço. Pra quem fala italiano, aconselho vivamente, principalmente Il Ruggito, que é de matar de rir (podcasts disponíveis no site daquela merda da Rai ou catando na iTunes Store). Parece besteira, mas aprendo um monte de coisas com esses programas: com os meninos do Ruggito porque, apesar de serem comediantes, têm um senso de observação afiadíssimo e comentam as notícias do dia com pontos de vista que nunca passariam pela minha cabeça, e com a Barbara Palombelli porque ela sempre entrevista pessoas interessantes e fala-se de tudo, de economia e política a usos e costumes, passando por fecundação heteróloga e literatura. Não tenho conseguido ler muito, mas o pouco que tenho lido tem sido bem interessante. Aumentamos o limite de kW de casa, com a esperança de que a luz pare de cair toda vez que ligo o forno e a máquina de lavar roupa ao mesmo tempo (pra ficar tudo perfeito só faltava ter um ralo no banheiro e na cozinha, mas aí também já é querer demais). Minha mãe se mudou pra Ipanema, o que é sempre uma coisa positiva.

Lógico que nem tudo são flores: meu sogro vai encarar a segunda operação no joelho semana que vem, o país está falindo, minha psoríase anda cada vez mais galopante, com a Fabíola recém-parida fica difícil socializar, o Alessandro, o Menino Que Não Pode Suar e melhor amigo da Carolina, entrou pra escola primária e passou a ter aulas aos sábados, o que significa que não conseguimos mais nos ver às sextas, e a Carol sente falta. Nem vou comentar as chuvas em Gênova nas últimas semanas porque é coisa de arrepiar os cabelos: morreu gente, as avenidas da cidade viraram rios, foi uma coisa horrorosa e nunca vista antes naquela parte do país. Por aqui o tempo hoje está ótimo, solzinho e um calorzinho inédito nessa época do ano, mas é lógico que já já o frio vai cair matando, o que é sempre um pé no saco. Descobri que praticamente estou pagando pra trabalhar, porque os impostos são altíssimos – coisa que não me incomodaria se houvesse um retorno, mas, como no Brasil, aqui você paga, paga, paga e só toma na bunda, porque obviamente o país não funciona. Ano que vem tenho que pedir a renovação do permesso di soggiorno e já estou até vendo o perrengue que vai ser (na última vez levaram TREZE MESES pra entregar a merda do documento). Aliás, vou aproveitar pra pedir a cidadania ano que vem também, pra facilitar a minha vida. Minha nova faxineira, que cobra menos que a Naima, é uma equatoriana boazinha mas burra feito uma porta e lerda, mas lerda, mas lerda que vocês não imaginam. Tivemos problemas sérios com a desgraçada da Tim, que manda contas de 9.000 euros (até agora já foram 3) e leva anos pra ajeitar as faturas. Perdi um iPhone, roubado na praça em S. Maria, e um Samsung horrível que eu detestava, que deve ter caído no aeroporto em Paris no caminho pro Rio. Carol teve o que achamos que foi sarampo quando esteve no Rio; foi uma viagem muito, muito estranha, que incluiu a morte da minha avó e várias chateações familiares dignas de novela das oito (tia filhadaputa). Perdi o voo de volta pra cá (Freud explica) e tive que pagar a passagem de novo, morrendo em 1.500 eurinhos. Carol voltou do Rio falando carioquês fluente, mas agora está ficando com sotaque paulistano por causa da influência do italiano e, pra piorar, também está transferindo um monte de maluquices do italiano pro português, tipo botar o sujeito no final da frase.

Mas enfim. Vamos explicar o título do post: ontem teve uma festa na escolinha da Carol, uma coisa tradicional das escolas Montessori, que nada mais é do que uma apresentação simpática que as crianças maiores fazem pra receber os novos alunos. Eles cantam umas musiquinhas e depois todo mundo come minipizzas e docinhos. A Carol anda cantando o hino italiano já há umas duas semanas, logicamente sem entender nada e me matando de rir com os virunduns (“memo dixipo” em vez de “delll’elmo di Scipio”), porque o hino era a última música cantada na apresentação. Comecei a cantar o hino brasileiro pra ela, que agora toda hora pede “mamãe, canta o Piranga?”. Enfim, vamos pra escola de carro de manhã, eu às lágrimas cantando o hino e ela interrompendo pra perguntar “o que é liberdade?”, “o que é magiplácida?”, “o que é enteusseio?”, “o que é a propria morte?”. Aimeussais, onde é que eu fui amarrar a minha égua, como é que eu vou explicar essas coisas pra ela? Ter filhos é muito estressante, mas pelo menos de tédio não se morre ; )

P.S.: Lógico que ela não participou da apresentação. Entrou toda calma, foi pro seu lugar, me viu, começou a chorar, pediu colo e passou o dia inteiro emburrada.