Última manhã de arrumação na loja do Fabrizio o Louco. Não fizemos nada além de botar Baygon em pó nos cantos e remarcar preços. Tudo aumentou, porque no ano passado a chuva foi pouca e caiu a produção de azeite, tartufos, cogumelos, vinhos. Fabrizio desesperado porque alguns produtos tiveram aumentos de até 5 euros! Né nada, né nada, 20 euros por um vidrinho minúsculo de tartufo em fatias finas é coisa de doido. Até o macarrão artesanal (cof cof) que ele vende subiu pra caramba, por causa da queda na produção de trigo. Um pacote de meio quilo de pappardelle alluovo, que no supermercado compro rigorosamente igual por menos de um euro, ele vende por 3,90. Quero ver arrumar cliente pra comprar.
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Nas ruas, praticamente ninguém, apesar do dia lindíssimo. As ruas pertencem aos japoneses. Só eles têm vontade e saco de fazer turismo nessa época do ano, quando hotéis e lojas estão fechados. Desfilam em imensos grupos pra lá e pra cá, as mulheres de meia-calça colorida cobrindo pernas invariavelmente tortas e se equilibrando (mal) em saltos completamente inadequados a longas jornadas de passeios a pé, caminhando com os famosos micropassinhos saltitantes japoneses, algumas de maria-chiquinha, outras com cabelos de cores muito estranhas; todas com bolsas Burberry ou de alguma grife italiana, que só elas têm dinheiro pra comprar. Os homens de cabelo estilo capacete, muitos de cabelos tingidos de louro ou ruivo, a maioria com ralos bigodinhos adolescentes cultivados com cuidado. Todos, homens e mulheres, sempre rindo muito, entendendo pouco e tirando fotografias com o celular. Olhando pra eles, coloridíssimos contra o céu azul, parece até que estamos no verão, no auge da estação turística a única diferença é que agora eles não desfilam carregados de sacolas de compras, porque as lojas só abrem lá pra março.
Voltamos pra casa na velha Twingo vermelha do Fabrizio, que ele dirige sempre em terceira marcha e a 50 por hora, mesmo nas estradonas vazias ladeadas de agriturismos que comunicam Assis a outras cidadezinhas como a nossa. Repete trinta vezes a mesma coisa, e me diz constantemente que tenho que rezar a Deus pra nos mandar turistas porque senão a loja fecha. Ahan…
Acho engraçado essa mania de catequese que só os religiosos têm. Acho religião um assunto quase tão pessoal quanto sua vida sexual ou convicções políticas. Se ninguém te perguntou, não tem por que tocar no assunto ainda mais quando você sabe que o seu interlocutor tem idéias COMPLETAMENTE diferentes da sua. Mas não! Normalmente o que sobra em fé falta em bom senso, e eu sou obrigada a ficar ouvindo essas coisas, e sou tratada como aborígene porque não creio em nada. Vai ver que vencer pelo cansaço é uma técnica de caça dos católicos praticantes, quem sabe…
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Mirco não vem almoçar hoje. Aproveito pra comer feijão com arroz. Já resolvi que hoje à tarde não saio de casa nem por um decreto. Vou só ali no Fabrizio, do outro lado da estrada, pegar meu dinheiro por esses 4 dias de trabalho, e basta. Vou ficar em casa, fazer faxina, ler meu livrinho e o jornal, terminar de botar em ordem essas bostas de faturas. Amanhã é dia de rodar por aí resolvendo coisas, então hoje compenso não saindo da toca.