Background histórico
A cidade de Volterra tem mais ou menos uns três mil anos de história. Há evidências de TODOS os periodos históricos desde os primeiros habitantes, o que confere à cidade um aspecto artistico único. A antiguidade dos muros, a imponente Porta dell’Arco Etrusco abaixo, a Necrópolis de Marmini e os inúmeros achados arqueológicos conservados no Museo Etrusco, como a famosa estatueta L’Ombra della Sera abaixo, as urnas funerárias e jóias finamente trabalhadas são testemunhas do período etrusco. O Teatro di Vallebona é do período de Augusto, o que sugere a importância de Volterra durante o domínio romano.
Hoje a cidade conserva sobretudo um aspecto medieval, não somente pelos muros do século XII mas também pela estrutura urbana, de ruas estreitas, palácios, casas-torre e igrejas. O Paolo, motorista do segundo ônibus (que vocês ainda não conhecem), é de Volterra e me contou um monte de coisas interessantes sobre a cidade. Basicamente morar numa casa-torre era demonstração de potência econômica e de status social. S. Gimignano chegou a ter 72 delas hoje são 11, se não me engano. Volterra tinha bem menos torres, mas tinha. Hoje não sobrou nenhuma, porque quando foi conquistada por Pisa, que hoje é a província à qual pertence Volterra, suas torres foram literalmente capadas, prática comum na época. Quem ganha corta as torres de quem perde, que assim fica de mãos abanando em termos de status. Ele também falou que Volterra, originalmente Velathri (que nome lindo!!!), foi a mais importante cidade etrusca, dominando toda a área ao redor.
O Renascimento teve grande importância na cidade, mas não alterou seu caráter medieval. Desse período são a Fortezza Medicea (foto abaixo), que, acreditem, hoje é um presídio de segurança média, e o Convento di San Girolamo.
A cidade tem uma tradição longuíssima de artesanato em alabastro. As lojas e estúdios de alabastro são infinitos e alguns trabalhos são realmente lindíssimos. Os cacarecos pra turista ainda são relativamente poucos, ao contrário de Assis. Paolo falou que, ao contrário da terra de São Francisco, há uma lei contra quem pendura cacarecos fora das lojas, por isso a cidade parece muito mais organizada e limpinha, menos poluída visualmente. Eu comprei um potinho de alabastro branco com uma florzinha em bronze na tampa, pra Arianna, e um outro também com apliques em bronze pra minha tia Ilse, que adora esses trequinhos.
22 de junho
Em vez de me deixar em paz, lendo, Leo me fez ir com ele até o escritório do Massimo, em Larniano, ao lado da villa dos Salames, pra tentar achar o bendito microônibus. Eles estavam sem telefone, por isso Massimo nos levou a Poggibonsi, cidade maiorzinha, mais funcional e menos turística ali perto, onde fica o escritório central da empresa onde ele trabalha. O proprietário dessa villa di Larniano e de outras é um certo Senhor Niccolai, que de operário passou a dono de uma empresa de trailers aqueles que neguinho usa pra viajar gastando pouco (pouco uma ova, porque um trailer custa MUITA grana). A empresa vende e aluga trailers no caso do aluguel, os maiores clientes são prostitutas da área, que alugam por um dia (ou noite) pra ter um lugar pra levar os clientes. Homem esperto e de muita visão, seu Niccolai comprou, há séculos, antes do boom da Toscana, um monte de antigas ville a preços ridículos, reestruturou todas e hoje valem uma grana preta e rendem mais ainda, visto que ele não é bobo e vender, não vende nada, só aluga pra turistas endinheirados. Então lá estamos nós no escritório em Poggibonsi ligando pra todos os transportadores, taxistas e alugadores de carro e ônibus da província. Levamos a manhã inteira nisso, e eu, entediada, abri meu diário e comecei a escrever. Lá vem a besta do Leo encher meu saco:
– O que que você tá escrevendo?
– Um diário.
– Você escreve um diário?
– Sim.
– Nossa, você é uma brasileira muito atípica.
– Por que, porque sei ler e escrever melhor que você? Leo, na boa, se você continuar enchendo o meu saco com essas idiotices eu vou me irritar seriamente. E você NÃO QUER ME VER IRRITADA SERIAMENTE. Nem eu quero me ver irritada seriamente. Pára de me torrar a paciência.
Começamos a discutir ali mesmo aliás, ele berrava e eu nem tchum, continuava no meu diário. Ele tem essa mania idiota de fazer piadas bestas sobre o Brasil, país que, conforme fiz questão de lembrar-lhe várias vezes, ele não conhece. ODEIOOOOOO gente que brinca com coisas que não conhece nem de longe. No final das contas a briga acabou porque ligaram de uma companhia confirmando um ônibus de 29 lugares pra meio-dia e meia, hora em que a gente deveria ir pegar os Salames na villa. Eles queriam um ônibus maior do que o que foi pegá-los no aeroporto, que segundo eles pulava demais (engraçado que mesmo pulando eles dormiram a viagem toda…), então esse de 29 era perfeito. Lá fomos eu e Massimo inspecionar o tal ônibus, cujo proprietário se chama Renzo. Achamos que servia, apesar de não ser muito bonitinho, ser pintado em cores cafonas e não ser exatamente novo. Mas só tinha ele mesmo, então fomos à villa pegar a galera.
O motorista se chamava Michele e era um amor, um docinho. Pequenininho, dentes completamente acavalados, tímido, era só uma das crianças dar buongiorrrrrno, Michael! pra ele que ele ficava todo vermelho. Foi dirigindo devagarzinho, já sabendo que ali todo mundo tinha mania de enjoar e vomitar, até porque comem sem parar dentro do ônibus, e que o Salame não gosta de ônibus que pula. Nesse ritmo caramujo levamos séculos pra chegar a Volterra, mas eu gostei logo de cara. Desembarcamos a família na entrada da cidade e fomos almoçar, eu e a mala do Leo (o Michele tinha que ficar no ônibus, no estacionamento um pouco fora da cidade), num restaurante muito fofo chamado Web & Wine (Via Porta allArco, 11/13. Tel. 0588.81531). Leo comeu pizza mas eu não almocei, tava doida pra dar umas voltas pela cidade. Deixei o pentelho lá imprimindo e-mails no restaurante e fui dar os meus rolés.
Volterra é LINDA. É turística, sim, mas manteve a qualidade de vida. As lojas são foférrimas, super bem cuidadas, as vitrines de um incrível bom gosto, as embalagens dos produtos são lindas, as ruas são limpas, as pessoas são simpáticas. Um amor, um bijoux de cidade, fiquei louca! A piazza del Comune lembra muito a de Arezzo, mas é vários séculos mais antiga, como fez questão de frisar o Paolo. Eu não queria encontrar com os Salames na rua, pra não parecer que eu estava me divertindo às custas deles, por isso evitei o Museo Etrusco. Mas pretendo voltar a Volterra com calma e passar horas no museu e várias outras rodando pelas ruelas.
Encontrei, num beco, uma livraria chamada Lorien. Jacaré entrou? Eu também. Achei vários livros em língua original, coisas atuais, muitos livros da minha wishlist, muitas coisas fofas, e acabei comprando Lullaby, do Palahniuk, e outras coisas bubus, algumas das quais estão em processo de envelopamento e expedição pra Newlands, mas não contem pra ela não. Tirei várias fotos, a maioria escura e feia, comprei mil cartões-postais, fui aos correios expedir todos, comprei os potinhos de alabastro, voltei pra entrada da cidade e mais tarde a família chegou e fomos embora.
Largamos o povo na villa, onde eles iam jantar a comida da Giuseppina, e fomos de Alfa até a pizzaria do Francesco, ver o fatídico jogo Itália x Bulgaria. Quando estávamos estacionando ouvi a seguinte frase: “em francês também se diz assim…” e logo identifiquei a fonte. Eram cinco brasileiros sentados a uma mesa do lado de fora. Cinco engenheiros, na Itália a trabalho, todos de Santa Catarina e muito simpáticos. Ficamos horas batendo papo, e foi nessa que descobri que o Francesco falava português. Quando subi pro segundo andar, onde o Leo tinha sentado porque tinha telão, ele já tava no fim da pizza. O papo com os meninos tinha sido tão legal (talvez pra eles não, porque eu falei pra caramba, até ficar com sede) que a fome até voltou e comi uma lasanha básica. Depois do jogo fomos dormir que ninguém é de ferro.