a volta

O vôo dos salames partia às dez e dez da manhã, por isso às seis e meia já estávamos na villa entupindo o microônibus de malas. Eu fui dirigindo a Ulysse e a mala do Leo dirigindo o Astra das babás, que não tavam a fim de pilotar.

A viagem foi super light. Pegamos uma estrada menos importante, com menos movimento, e caímos direto no aeroporto, sem passar pelo anel rodoviário de Roma, que é onde a muvuca acontece sempre. Mas e pra descarregar aquele povo todo e aquelas malas todas no aeroporto, já que não dá pra estacionar? Leo falou “larga o carro aí e vem me ajudar”, e lá fui eu. Mas depois obviamente rolou um grande estresse com as duas guardas de trânsito que vieram me dizer que nunca tinham visto uma criatura tão cara-de-pau quanto o Leo, que tinha largado o carro quase no meio da rua e desaparecido no aeroporto, pra catar alguém que viesse pegar as malas dos Salames. Eu estava num estado de irritação ímpar, porque o coitado do Paolo teria que dar uma volta enorme pra retornar a Porto Ercole (ele tinha que ir a Volterra, totalmente fora de mão) e nos deixar na villa, onde pegaríamos a outra monovolume e a C3, pra levá-las ao aeroporto novamente e devolvê-las à Avis. Os Salames se despediram, me deram a minha gorjetinha básica que depois o enxerido do Leo quis saber de quanto foi e eu não disse, e foram embora. Mas ainda não dava pra me sentir aliviada, porque 1) ainda não tinha sido paga e 2) ainda não estava na minha casinha.

E aí recomeçaram os perrengues. Porque o filho da puta do Leo, que dormiu em casa todas as noites enquanto eu e Paolo dormíamos na casa de uma velha desconhecida, em vez de ir ao banco de manhã cedo pegar o dinheiro pra pagar o microônibus e a mim, veio de mãos abanando. Quando ele pediu ao Paolo pra ele dar um pulo em Orvietopra pegar o dinheiro, longe pra cacete, onde fica a agência de banco do Leo, o Paolo se irritou de verdade e começou a dizer um monte de desaforos – muito educadamente, porém, porque ele é um lord. Eu fiquei quieta mas tava doida de vontade de vociferar também. No final das contas o Leo ligou pro Renzo, o dono da companhia de ônibus, e concordaram de se encontrar em Orvieto. O que significava que eu teria que voltar a Porto Ercole com o coitado do Paolo, pegar aquela bosta da C3, voltar sozinha até Todi, deixar a C3 no estacionamento do centro commerciale onde eu tinha deixado o meu carro, deixar a chave no tabaccaio do centro commerciale, pegar o meu carro e voltar pra casa. E rezar pro Leo me pagar assim que fosse possível.

Voltei batendo papo com o Paolo e a viagem passou rápido. Despedimo-nos, ele foi embora pra Volterra e eu peguei a estrada que ele me explicou. Dei uma volta danada mas não tinha outro jeito. Passei por um monte de cidades estranhas, atravessei campos, sempre achando que tinha errado o caminho e depois vendo que não, quando a próxima placa pra Viterbo aparecia. Passei por Saturnia e Tuscania e deu uma vontade danada de parar pra ver os castelos, LINDOS. Mas fui indo.

Agora vem a parte boa.

Quando faltavam uns 30 quilômetros pra chegar a Todi, o carro começou a apitar. A anta do Leo não tinha abastecido o carro e o combustível tava no fim. Eu não tinha UM TOSTÃO, e mesmo se tivesse não queria gastar meu dinheiro botando gasolina praquele idiota. Mas o apito ficava cada vez mais insistente e eu tinha que parar em algum lugar. Entrei no primeiro posto de gasolina que vi. Diálogo:

– Encho o tanque?
– Não, deixa eu te explicar. Esse carro é de um filho da puta que encheu o meu saco durante 12 dias de trabalho e ainda não me pagou nem uma grana que ele me devia já antes desses 12 dias. Eu tenho que ir a Todi, onde ele mora, deixar esse carro e pegar o meu pra voltar pra casa, em Perugia. O negócio é o seguinte: eu quero chegar a Todi com MEIA GOTA de gasolina no tanque. Que é pra ele ligar o carro, andar dois metros e parar.

O cara me olhou meio descrente, mas fez uns cálculos de cabeça e sentenciou:
– Dois litros bastam.

Catei umas moedas no porta-níqueis, paguei os dois litros e fui embora pra Todi.

Só que eu não lembrava onde tinha largado o meu carro. Naquele primeiro dia, como eu tinha errado a estrada, acabamos dando umas voltas, e eu me confundi. Sabia que tinha deixado o carro no estacionamento de um centro commerciale, mas não sabia qual era, até porque não tinha nada escrito (se tivesse, eu com certeza lembraria). Rodei, rodei, o carro apitando loucamente de novo, parei num posto de gasolina pra pedir informações mas os caras não souberam me explicar direito, voltei a onde eu achava que era mas não era, e já estava quase chorando de ódio quando vi dois garotos entrando num carro, prontos pra sair do estacionamento. Pulei na frente do carro e expliquei a minha situação, e eles gentilmente se ofereceram pra me levar aonde eles achavam que era o tal centro commerciale. Deixei a C3 estacionada nesse lugar errado e fui com eles. Felizmente achamos o outro estacionamento, que era relativamente longe. Os meninos se ofereceram pra me levar de volta ao estacionamento errado, onde eu pegaria a C3 pra depois deixá-la no estacionamento certo, na vaga deixada pelo meu carro. Pensei bem e decidi que não, obrigada.

A essa altura era uma e meia da tarde e estava tudo fechado, por isso não tinha como deixar a chave da C3 com ninguém. Entrei no meu carro e vim embora.

Conclusão: deixei de presente pro Leo um carro de aluguel estacionado longe, sem uma gota de gasolina, e sem chave. Se eu tivesse programado tudo isso, não teria dado tão certo.

Vim rindo sozinha no carro de Todi até em casa.

**

Leo me pagou só dois dias depois. Não me deu nenhum adicional por ter dirigido todos aqueles quilômetros, coisa que não estava no acordo inicial. Três dias depois eu deixei a chave no bar aqui debaixo de casa e ele veio pegar – de carona com um amigo, porque o carro dele ainda estava na oficina. No dia seguinte me ligou pedindo pra eu falar no telefone com um cliente dele, um americano cujo carro de aluguel tinha morrido no meio da estrada, perto de Napoli. Ele me pagou por essas três ligações internacionais, do meu celular ao celular do americano? Não preciso nem responder.

O que ele não sabe é que eu venho mantendo contato regular com a garota da agência de turismo dos EUA, que organizou a viagem dos Salames. E já deixei bem claro que eu trabalho SOZINHA.