O assunto é velhinho, mas parece que só eu não comentei, então aproveito os últimos acontecimentos pra meter o meu bedelho também.

Depois das novelas do crucifixo na sala de aula e da proibição do véu pras alunas muçulmanas, uma escola do norte da Itália, Padova, se não me engano, propôs abrir uma turma só pra imigrantes muçulmanos. Os radicais de direita começaram logo a vociferar, protestar, se indignar. Eu acho a história toda um absurdo, mas não pelos mesmos motivos da Lega Nord, da Forza Italia e da Alleanza Nazionale, os radicais de direita que simplesmente não querem imigrantes e ponto final. Pra mim o absurdo-mor dessa farofada toda é o fato de haver diferenciação religosa dentro da escola. Escola é lugar de estudar, não de rezar. Educação e religião não têm NADAAAAAAAAAA a ver uma com a outra – e não digo isso porque sinto asco total e absoluto por qualquer tipo de religião, mas porque são coisas claramente distintas e que não podem caminhar de mãos dadas. Não importa se a religião oficial da Itália é o Catolicismo; acho o cúmulo escola pública ter aula de religião. Não tem que ter nada! Se você quer uma escola católica pro seu filho, coitado, que vá procurar uma – e pagar por ela, obviamente, porque todo mundo sabe que a Igreja não dá nada de graça pra ninguém. Religião não é disciplina escolar, é opção (ou, na maior parte dos casos, imposição) espiritual, ou o que quer que vocês resolvam usar como descrição. De qualquer forma, deve ser desvinculada da educação. DEVE. SEMPRE.

O segundo absurdo dessa história é a cara-de-pau dos imigrantes, querendo mudar o país onde vieram viver. Eu sou imigrante e, embora as diferenças culturais Brasil-Itália não sejam exatamente abissais, obviamente sinto as diferenças do estilo de vida no dia-a-dia. E não tenho a MENOR intenção de mudar nada por aqui. As minhas indignações são as de qualquer pessoa racional: fila tem que ser única senão não anda, e aqui ninguém sabe fazer fila; a televisão é uma merda, tão merda que saiu até comentário num jornal Inglês há pouco tempo; ninguém lê nada nem estuda línguas estrangeiras e quase ninguém faz faculdade, e isso é estatisticamente comprovado; o governo Berlusconi é uma piada de mau gosto, e isso todo o planeta sabe. Mas seria ridículo eu me indignar porque aqui eles não comem arroz com feijão. Ou porque comem primo, secondo e contorno em pratos separados. Ou porque não tem ralo – bom, isso é motivo de chateação mas eu não vou pra rua protestar pra que as empreiteiras passem a construir casas e apartamentos com ralo, nem acharia justo que elas o fizessem só pra agradar uma minoria imigrante (e limpinha). Eu vim morar aqui, não interessa o motivo, e é mais do que justo que eu me adapte – obviamente sem perder, jamais, a capacidade de criticar, porque é criticando e comparando que as coisas melhoram. É absorvendo as coisas boas que pessoas diferentes nos ensinam que a gente vai dando upgrade na gente mesma e no mundo. Se o idiota que monta as multi-filas no cinema de Perugia já tivesse ido à Disney, certamente teria montado uma fila única, porque saberia que não existe outro jeito de fazer a coisa funcionar. Se os italianos soubessem o quanto é gostoso o suco de maracujá, ele estaria em todas as prateleiras de todos os supermercados – coisa que ainda tenho esperança que irá acontecer, como foi com o abacaxi. O Mirco adora, mas se ele não estivesse comigo a probabilidade dele morrer sem nem ouvir falar no maracujá seria imensa. Se os americanos já tivessem adotado o sistema eletrônico de eleição como nós já fazemos, talvez o Bush… Hm, estou fugindo do assunto.

E se toda minoria quisesse ter turmas separadas, seria engraçado. Uma turma pra muçulmanos, uma turma pra protestantes, uma pra orientais, uma pra quem tem cabelo ruim, uma pros míopes… Que catástrofe, que pequenez de mentalidade seria.

E o terceiro absurdo é a segregação maior ainda que uma coisa dessas causaria. Se já é difícil pro pessoal de outros hemisférios se adaptar normalmente, imagina mantendo o povo separado! Pois se crianças, normalmente menos preconceituosas (ou desconceituosas, já que não entendem nada da vida ainda), brincam todas juntas sem esquentar a mufa se o amiguinho é isso ou aquilo, e são, na minha opinião, o melhor modo de integrar culturas, o que aconteceria se nem elas tivessem a oportunidade de se conhecer melhor, sem preconceitos?

A coisa toda é uma perda de tempo tão grande que eu fico até sem palavras. É o tipo de idéia que nem deveria passar pela cabeça de uma criatura, nunca – como a idéia de jogar lixo no chão. É tão óbvio, tão claro, que não há razão pra discutir. Não há razão pra discutir assuntos religiosos dentro da escola. NADA justifica religião dentro da escola, a não ser que seja um escola religiosa, mas aí é uma escolha tua.

Acho que foi esse o verdadeiro problema do véu dentro das escolas. Não vejo o menor problema no uso do véu nas escolas, tipo, não acho que seja uma ofensa pessoal a ninguém. Trabalhar com gente que tem crucifixo pendurado no pescoço também não é ofensivo pra mim – levemente ridículo, mas não ofensivo, não tô nem aí. Só acho que uma religião que decide tudo na sua vida, desde o modo de pensar até o de comer e se vestir, merece o máaaaaaaaaaximoooooooooooo do meu desprezo. Pensando bem, toda religião merece o meu máximo desprezo, mas quando começa a interferir nas coisas mais bobas do seu dia-a-dia, a coisa fica séria. Chegar a ter protesto na rua e gente perdendo tempo e dinheiro na TV por causa de um véu é um pouco demais pra mim. Tanto problema mais sério pra resolver, tanta coisa mais interessante pra fazer da vida, e neguinho vai ficar discutindo véu, crucifixo? Ai, por favor, né.

E no entanto, até eu tô perdendo meu tempo falando desse assunto, vejam só. Bobeira é uma coisa contagiosa, aparentemente. Embora no meu caso eu acho que a falta do que fazer tenha muito a ver com a história.