Sempre adorei observar gente trabalhando. Desde pequena. Quando tinha obra lá em casa eu ficava horas olhando os peões lixando, cobrindo buracos com massa, preparando tinta, forrando o chão com jornal, pintando. Quando vinha alguém consertar alguma coisa eu sempre ficava prestando atenção no que estavam fazendo. Pura curiosidade mesmo; gosto de saber como as coisas são feitas, como são por dentro, por qual motivo se quebram.
Também gosto de observar os movimentos das pessoas; os seguros e mecânicos de quem já tem uma certa experiência, os titubeantes de quem ainda está no começo da estrada. Fico analisando quem é lento e quem é dinâmico (vocês sabem perfeitamente bem em qual categoria me encaixo), quem é burrinho e quem é mais esperto, quem é distraído e quem não deixa passar nada (pra quem não sabe, estou na categoria dos distraídos). Sempre aprendo alguma coisa. Hoje, enquanto observava o garoto que lavava o carro do Mirco, aprendi que a quantidade de caraca preta que se acumula nas rodas do carro é uma coisa impressionante.
Tem um lava-carros bem do lado da oficina do Mirco, em Torgiano. Não é posto de gasolina, é só lavagem mesmo, e normalmente o Mirco deixa o carro com eles de manhã e na hora do almoço o pega limpinho e cheiroso pra voltar pra casa pra comer. Mas eles são super lentos e nem sempre conseguem cumprir o horário, e quando isso acontece eu sou a encarregada de levar o carro pra lavar. E levo ao posto ERG de Santa Maria, perto da saída pra Foligno.
Como é normal por aqui, devem ser todos parentes, primos, amigos, conhecidos. Os que eu vejo sempre são a Mini-Loura e seu provável marido, Altão Antipaticão, e o Russo, provavelmente filho deles, um jovem muito muito muito louro de cara muito muito muito vermelha. Ele é super bonitinho e tem uma cara de cafajeste que não combina muito com suas cores angelicais. Hoje de manhã não quiseram lavar o carro porque a fila tava comprida demais, e voltei à tarde, cumprindo as ordens de Mini-Loura. A fila continuava enorme, mas ela me reconheceu e disse que lavava sim, coitada de mim, já tinha vindo de manha à toa… Larguei o carro num canto do posto e sentei numa das cadeiras de jardim, de plástico, que ficam na calçada pros clientes esperarem sentadinhos enquanto o carro não sai do banho. Quem manobrou meu carro foi um rapaz alto que eu nunca tinha visto, cara de abobado, e corte de cabelo muito anos 80 digamos o Footloose. Foi direto pro outro canto do posto, onde um menino também desconhecido, de cabelo comprido, óculos e a maior cara de jogador de RPG, pilotava o aspirador de pó. Da minha cadeira encardida fiquei tentando entender o esquema de trabalho deles, mas depois de um tempo acabei desistindo. O sistema “cadeia de montagem” não existe, ou chegou mas já foi suplantado pelo clássico caos organizado que só os italianos conseguem entender. O único que não sai da sua posição é o Russo, até porque se ele parar, trava tudo. Ele faz a pré-lavagem, com uma pistola de sabão líquido e depois um jato forte de água que tira toda a caraca das rodas, da parte interna das portas, do pára-lama. Dali o carro segue pra clássica lavagem automática, com aqueles rolões estilo pom-pom. O tempo que ele tem pra pré-lavar o meu carro é exatamente o tempo que a máquina leva pra lavar a Lancia Y tinindo de nova que chegou antes de mim. Enquanto a máquina passa com o secador, um outro funcionário vem com um pedaço de couro, próprio pra enxugar carros. Eles têm uma máquina rudimentar pra secar os panos, aquela coisa de desenho animado, o pano passando entre dois rolos muito próximos entre si, que espremem toda a água. Depois alguém leva o carro pra outro canto, onde outro alguém passa um produto cheiroso no painel e sprays hidrorepelentes no pára-brisas.
E no meio disso tudo, sempre gente chegando pra botar gasolina, gente em lambreta querendo a famosa “mistura” de combustível, que é ilegal e ninguém nunca me explica o que é, gente que passa buzinando pra cumprimentar um dos meninos, gente que encosta só pra falar com o Footloose, gente que pára pra perguntar como se faz pra chegar em Cannara. Um sósia do meu irmão quando era mais novo corria pra lá e pra cá, sem saber se botava gasolina no carro velho da senhora ou se ajudava o cabeludo a enxugar a Lancia Y preta. Uma polaca botou só 2 euros de gasolina no carro, porque “benzina in Italia molto caro”. Uma menina novinha num carro super velho teve um ataque de riso porque não conseguia manobrar pra ir embora depois nos explicou que tinha acabado de tirar a carteira. Um turista holandês não conseguia explicar pra onde queria ir e por isso foi embora de tanque cheio, mas sem destino.
Meu carro ficou pronto às cinco e meia da tarde. Àquela hora Mini-Loura já não aceitava mais carros pra lavar, e todo mundo parou pra dar uma respirada (e uma fumada também. Fumam TODOS. Ao lado da bomba de gasolina). Paguei os 13 euros e vim embora, ouvindo Live.