Acordei sozinha às cinco da manhã. Fiquei vendo reprises das Olimpíadas até umas sete, quando consegui pegar no sono outra vez, mas fui acordada às oito com um telefonema: alguém procurando, como sempre, o Doutor Eros, veterinário que um dia já foi o dono do nosso número de telefone. Mirco acabou acordando também e cismou de ir tomar café na rua, coisa que nunca fazemos. Como quase tudo tava fechado, porque em Ferragosto o país inteiro pára, fomos parar lá em Santa Maria, na pasticceria Marinella. Comemos nossos croissants com presunto e queijo, tomamos nossos sucos de fruta, papeamos rapidamente com a Piera, sogra da FeRnanda, que encontramos por lá, e resolvemos dar uma volta na Basílica de S. Maria, porque lá dentro tem um roseiral que eu nem sabia que existia e o Mirco queria me mostrar. Não é nada de extraordinário, são rosas de alguma espécie sem espinho que provavelmente neguinho acha que é milagrosa exatamente por esse motivo. Fiquei impressionada com o tamanho da igreja. Eu só tinha visto a parte interna, normal, onde tem a Porziuncola e onde se celebram as missas, mas claro que nunca fiquei passeando lá pelas entranhas. O negócio é imenso, os corredores são largos, os blocos de pedra são gigantescos e as portas são todas fechadas, obviamente. Hohoho.
Voltamos pra casa pra fazer as malas, fechar janelas, tirar tudo da tomada, essas coisas chatas pré-viagem. Voltamos a S. Maria, passamos na nossa padaria preferida pra comprar pão e fomos almoçar na Liliana, tia do Mirco. Massa curta com molho de bichos diversos (porco, carneiro e ganso), depois ganso assado com batatas ao forno, que eu dispensei porque tinham muita semente de funcho, que eu odeio com todas as minhas forças. Lá pras duas e quinze partimos. Fui dirigindo porque o Mirco tava morrendo de sono e veio roncando ao meu lado no carro, enquanto o CD player tocava os CDs de música anos 70 que eu gravei pro casamento da Renata.
Ciampino é um aeroporto ótimo. Pequeno, tranquilo, estacionamento idem e idem (mas custa a mesma fortuna que o Fiumicino). Nada de longas distâncias empurrando carrinhos, nada de saídas erradas e placas confusas. Fizemos logo o check-in e ficamos sentados vendo o povo passar.
Uma fila enorme de gente indo a Ibiza. Todos no estilo “fighettone”, óculos escuros da moda (ALGUÉM UM DIA VAI TER QUE ME EXPLICAR POR QUE NEGUINHO ACHA SUUUPERFASHION USAR ÓCULOS ESCUROS EM LUGARES FECHADOS), Havaianas com bandeirinha e tudo, calças Capri ou jeans e sandália ou tênis, algumas garotas de cabelo muito obviamente alisado, muita maquiagem, garotões tatuados e artificialmente bronzeados, porque afinal de contas é feio chegar branquelo na praia. Uma louca de saia jeans rasgada, camiseta preta e BOTAS COWBOY. Please. Na fila pro vôo pra Dortmund, um monte de turistas mal vestidos. Muitos policias rodando pelo aeroporto. As meninas sentadas ao nosso lado reclamavam que o vôo pra Ibiza estava atrasado em 4 horas. Crianças louras, inglesas e eslavas, faziam a maior bagunça, correndo ou desenhando com canetinhas coloridas. No banco em frente ao nosso, a Cenoura Celeste, uma ruiva alta e gorda vestida toda de um vaporoso tecido azul-céu. Mais à frente, a Família dos Japoneses Bizarros: a mulher imensa de gorda, com cara de suja e super mal vestida, todas coisas difíceis de ver no caso dos japoneses em geral; o marido macérrimo, de boné, com uma pequena mochila nas costas à qual estavam pendurados 5 chapéus daqueles que os japas adoram, uma caneca de metal e um rolo de fita adesiva transparente. O filho pequeno horroroso, coisa também estranha, porque filhotes de japoneses costumam ser foférrimos. Muitos italianos falando alto, alguns negros bem vestidos, muitos eslavos. Muita confusão.
O vôo saiu vinte minutos antes da hora. Descemos em Beauvais, que fica assim mais ou menos no fim do mundo. É nessas que a RyanAir te phode: a passagem pode até custar uma titica, mas com certeza você vai descer num aeroporto que fica lá no cu do Judas e vai morrer numa graninha de buzum até o centro. Não deu outra: 10/cabeça pra ir ao centro em um ônibus caindo aos pedaços, apertado, entupido de gente, fedorento, dirigido por um negão educadíssimo que no entanto demonstrava uma certa relutância em pisar direito no acelerador e foi se arrastando até o ponto final, em Porte Maillot.
Deveria ser relativamente simples: pegar o metrô em Porte Maillot, mudar de linha duas vezes e chegar até o Albergue da Juventude de Cité des Sciences. Foi simples, jacaré? Claro que não. As máquinas automáticas de bilhetes estavam quebradas, e àquela hora não havia mais ninguém trabalhando na estação. Voltamos todos pra rua, eu, Mirco e mais um monte de mochileiros irritados e sem saber o que fazer. Passou um ônibus amarelo com um M imenso igual ao M da estação do metrô; subimos sem nem nos perguntarmos pra onde ia, deduzindo que, como a estação de metrô era impraticável, o ônibus nos levaria até a próxima estação. Ledo engano. Ia pro camping, totalmente nada a ver. O motorista foi bonzinho e na volta ao centro parou no meio da rua pra chamar um motorista de táxi que ele conhecia, e explicou aonde queríamos ir. Já era meia-noite e meia e meu pé latejava horrivelmente, pra não falar na incrível necessidade de tomar banho. Vocês acham que o motorista sabia onde tinha que ir? Nãaao, seria simples demais. A bosta do albergue fica lá no fim do mundo, fora do centro, num bairro super baixo-nível, e o motorista nunca tinha passado por lá. Conseguimos chegar mais ou menos perto do albergue, com a ajuda de muitos mapas e do sistema de localização satelitária do carro, mas as ruas nas quais deveríamos virar estavam fechadas pra obras. Levamos séculos pra chegar ao albergue, eu nem sabia mais onde estava de tanta dor no pé. Mas conseguimos nos ajeitar no único beliche livre dos três que ocupam o quarto 304, tomar banho no chuveiro completamente nonsense que só alguém que toma banho uma vez na vida e outra na morte é capaz de projetar, e fui dormir. Mirco ainda arranjou forças pra descer à cozinha pra fazer um sanduíche de atum (a gente sempre viaja com comida na mala). Eu, que sucumbo facilmente à gula mas não à fome, dormi de estômago vazio mesmo. No meio da noite caiu um temporal desgraçado. Alguém levantou pra fechar a janela e evitar uma inundação, mas não sei quem foi.