Marais, Beauburg, Les Halles, Montmartre

Acordamos às 8:30 e descemos pra tomar café. Chafé, suco de laranja com gosto de plástico, chocolate quente delicioso, leite quente; pãezinhos com manteiga ou geléia. Nós trouxemos presunto e queijo de casa, principalmente porque as embalagens já estavam abertas e se deixássemos na geladeira a semana inteira, estragar-se-iam (linda mesóclise). Fomos de metrô até o Museu Picasso. Descobri que meu pé dói mais se eu ficar parada em pé, por isso tenho que ficar caminhando o tempo todo, ou então sentadinha com o pé pra cima. Quando gostava muito de um quadro tinha que ficar passeando pra lá e pra cá em frente a ele, pra poder admirar direito. Adorei, apesar de odiar arte extremamente abstrata. Dali demos um pulo até a Place des Vosges, pra decidir aonde ir. Fomos andando até o Beaubourg, demos uma volta no Centre Pompidou, depois no Les Halles e acabamos almoçando perto do Pompidou, num restaurantezinho charmoso, com um cartaz da Bebel Gilberto na porta do banheiro. Comemos bons ravioli de ricota com molho de dois queijos, e Mirco ainda encarou um entrecôte com salada e batata frita.

Dali pegamos o metrô até Montmartre. Conselho de amiga: não pegue o teleférico pra subir até a igreja. Não precisa, e pelo preço do bilhete, € 1,60, fica menos necessário ainda. A igreja, que obviamente é a Sacré-Coeur, é um desbunde de linda. Havia uma estranha mancha vermelha, enorme, na torre direita, que não descobrimos o que era. A vista lá de cima é bonita, e não dá pra deixar de comparar com a vista que se tem de Roma lá do alto daquele diabo de Bolo de Noiva na Piazza Venezia. Paris é clara, Roma é toda em tons de terra (eu particularmente gosto mais da vista de Roma).

A torre só dá pra ver descendo a escadaria e virando à direita, na direção do centro do bairro. A praça é cheia de artistas sujinhos que fazem caricaturas e retratos, alguns cafonas, outros lindíssimos. Mil lojinhas de crepe e de kebab espalhadas por todo o lugar. Paramos pra comer um crepe com Nutella, que ninguém é de ferro, e depois voltamos pro albergue, porque meu pé tava inchado, vermelho e dolorido, bem pimba mesmo. No nosso quarto, um casal de chilenos e um de americanos, todos recém-chegados. Todos na fila do banho. A americana, imensa de gorda, levou horas pra tomar banho. Depois foi o Mirco, que assim que acabou desceu pra preparar o jantar, e depois fui eu.

O que será que leva alguém a construir um banheiro com as seguintes características:

1. Chuveiro daqueles odiosos que você aperta o botão, a água cai por alguns segundos, e depois pára, e você tem que apertar de novo.
2. Pia microscópica com torneira de jato tão forte que depois de escovar os dentes você sai do banheiro parecendo que se mijou nas calças, de tanta água que espirrou na sua cintura e nos seus países baixos.
3. NENHUM gancho ou prateleira pra apoiar shampoo, sabonete, roupas secas, toalhas, nada.

Quando finalmente consegui terminar o banho, com o pé direito apoiado na pia e fazendo acrobacias pra me lavar sem molhar as feridas (e as roupas e a toalha, que eu acabei botando em cima da única cadeira do quarto, devidamente transferida pra dentro do banheiro), eu já tava morrendo de fome. Desci e felizmente o Mirco estava dando o toque final ao macarrão com molho de tomate e ervilha. Enquanto o macarrão cozinhava, fizemos amizade com o Alessandro, italiano de Monza que tava comendo uma lasanha congelada requentada no microondas, comprada no supermercado perto da estação de metrô ali da zona (Hoche). Claro que ele aceitou sem pestanejar a oferta de um segundo round de jantar preparado comme il faut. Uma coreana que já tinha comido dois potinhos de uma coisa muito, muito nojenta com consistência de paté e cor de uma coisa que eu não vou dizer o que é, rodava pra lá e pra cá, morrendo de curiosidade sobre o que o Mirco tinha na panela. Acabou sendo convidada pra jantar também, e ficou emocionadíssima por saber que todos os ingredientes tinham sido trazidos diretamente da Itália e eram genuinamente italianos! Ela já tinha visitado a Inglaterra, a Alemanha (ela também odiou Berlim, esqueci de perguntar se o diploma dela era comprado) e agora estava na França, mas no ano que vem tinha planos de fazer a Europa Meridional – Portugal, Espanha, Itália e Grécia. Meio biruta a menina, tagarela até não poder mais, e apaixonada por um cara que ela conheceu na Inglaterra. Depois do jantar fomos todos ver TV e jogar conversa fora. Conhecemos um argentino que mora na Itália há alguns anos, o Miguel, que é cardiologista e estava em Paris a trabalho – antes que alguém pergunte o que um cardiologista estava fazendo num molambento Albergue da Juventude, eu digo logo que se eu tivesse SEIS filhos também passaria o tempo todo tentando economizar cada centavo, inclusive dormindo em albergues molambentos. A coreana biruta continuava falando sem parar, mais ainda depois de tomar umas cervejas que o Mirco e o Alessandro foram comprar no boteco turco ali do lado, e acabou me emprestando um cartão telefônico pra eu ligar pra Flabb e tentar entender onde ela mora. Achei a voz dela idêntica à de uma amiga da minha mãe chamada Baixinha.

Ali na sala de TV também conheci um geólogo brasiliense que mora no Rio e é muito gente boa, uma paulistana boba que está só há três semanas em Paris aprendendo Francês mas já quer voltar pra casa (e isso porque ela é comissária de bordo e não fala uma palavra de Inglês), e uma oxigenada horrorosa de Fortaleza que está há três meses na França “só na putaria”, palavras dela, e acha que consegue transformar um não-visto de turismo em um visto de estudo na Sorbonne. Faz-me rir. Depois que essas duas mongas foram dormir eu fiquei batendo papo com o geólogo, cujo nome nem perguntei, por mais algumas horas. Até que deu uma canseira generalizada na galera e todo mundo foi dormir.