Ile de la Cité

Quando acordamos o vento uivava lá fora e o céu estava preto, preto. Meu pé doía muito, e por isso resolvemos começar o dia com um programa light: um passeio de ônibus de duas horas, passando pelos principais pontos turísticos de Paris.

E é hora de um aparte: olha, Paris é linda, é culta, é sofisticada, é linda e maravilhosa. O metrô cobre bem a cidade inteira, o tempo de espera é sempre mínimo, os mapas são bem claros e é impossível se perder. Mas PUTA QUE PARIU, UMA ESCADA ROLANTEZINHA DE VEZ EM QUANDO IA BEM, HEIN? De TODAS as estações onde saímos, entramos ou fizemos baldeação, só duas tinham escada rolante, e mesmo assim só até a metade do caminho. As que abrigam mais de uma linha, além das escadas, oferecem quilômetros e mais quilômetros de caminhada. Na boa: como é que faz o aleijado, o acidentado como eu, o velho, o mochileiro, a mulher com sapato desconfortável, o cego, a mãe com o carrinho do bebê, o exausto, o que fez compras, como é que esse povo faz pra se locomover? Numa cidade italiana eu até entendo, afinal a Itália é primeiro mundo e meio, mas pô, em Paris, a cidade mais visitada do mundo, famosa pela sua “vivibilidade”, não tem o menor sentido. Sofri como uma condenada, manquei muito por todos aqueles corredores pra mudar de linha, penei com todas aquelas escadas. Mó bola fora. Esse desconforto e os altos preços foram as únicas coisas que odiamos em Paris, de verdade.

Mas então, descemos na estação de Pyramides e fomos direto à Cityrama, agência que organiza vários passeios de ônibus, inclusive pra fora de Paris, no esquema excursão pra velhinho, sabe – com almoço incluído e coisa e tal. Compramos nossos bilhetes e entramos logo no ônibus, que por sorte saía dali a dez minutos. Botei o headphone nas zoreia e fiquei escutando as explicações em italiano. Mirco dormiu durante a primeira hora do passeio, mas acordou quando passávamos em frente à Torre. Chovia horrores mas o passeio foi ótimo; é bem legal pra quem quer ter uma idéia básica da cidade, uma noção básica de orientação. Chato mesmo é o preço: € 24 por pessoa. Ui.

Quando termina o passeio, você pode descer perto do Opéra ou em frente à agência, onde você pegou o ônibus. Descemos no Opéra mas logo tivemos que voltar correndo porque o Mirco tinha deixado a máquina fotográfica dentro do ônibus, e a mulinha da agência me disse, no telefone, que não podia fazer nada porque só tinha ela e outra pessoa na agência àquela hora. Vejam bem: o ônibus estaciona EXATAMENTE em frente à loja. Bastaria a mulinha acenar pro motorista pra ele descer, atravessar a calçada e entrar na agência pra saber o que tava pegando. Mas não, Mustafá, eu fui mancando devagar e o Mirco correndo feito um doido varrido no meio da rua pra chegar ao ônibus antes dele sair de novo, só porque a mulinha não queria abanar os bracinhos pra chamar o motorista. Mas tudo bem, a chuva parou e fomos procurar um lugar pra almoçar.

Aqui começou o problema: eu até acredito que se coma muito bem em Paris, mas nós tivemos uma certa dificuldade. Nesse dia caímos numa armadilha pra turista porque começou a chover de novo e eu, de sandália porque não conseguia usar sapato fechado, tava tremendo de frio, com os pés molhados. Não tinha como escolher; entramos no primeiro restaurante que vimos, que obviamente era uma merda, e obviamente era caríssimo. O problema todo é que o Mirco, como todo italiano, é um porre pra comer. Eu como poucas coisas, mas as coisas das quais gosto eu como até quando são mal preparadas. O Mirco não. Fora que o italiano gosta de comida simples – carne grelhada, massa com pouco molho, nada de cremes mirabolantes. Ou seja, nada de comida francesa. Eu tive graves problemas com a maionese nessa viagem. Porque eu ODEIO maionese. Como acontece com o vinagre e com o chá, só o cheiro da maionese já é suficiente pra me dar ânsia de vômito. E TUDO em Paris tem maionese, até um reles sanduíche de presunto com queijo. Mas tudo bem, fingimos que comemos bem pagando pouco e aproveitamos que a chuva parou de novo e o tempo deu a impressão de que iria firmar pra ir finalmente à Ile de la Cité.

Começamos pela Sainte Chapelle, cujas fotos no guia pareciam lindíssimas. Uma fila imensa. Até aí tudo bem, turista nasceu pra camelar, mesmo sendo complicado pra mim – vocês já entenderam, o pé dói horrivelmente quando eu fico em pé parada. Mas quando vimos que cobravam ingresso, aaaah não, darlings, eu não dou um centavo a nenhuma instituição religiosa, nunca, jamé – digamos que vai contra a minha religião, hohoho ;) Então caminhamos até a Notre-Dame. Que é UM DESBUNDE. E quanto brasileiro! Reconheci vários sotaques, muitos mineiros e alguns paulistas, e uma horripilante família de sotaque nordestino com as roupas mais hediondas que vocês podem imaginar. Claro que não subimos pra ver as gárgulas porque, novamente, cobravam ingresso.

Comemos um crêpe (aliás, crêpe é feminino ou masculino? Não reparei. Mula.) de Nutella ali perto, comprei o básico chaveirinho da torre pra chave do scooter, e fomos à Conciergerie. Basicamente é o lugar onde os condenados à guilhotina esperavam a hora H. Maria Antonieta ficou hospedada lá por uns tempos, tadinha. Há coisas interessantes pra ver, mas não sei se valem os € 6,10 do ingresso. O melhor foi na hora de sair: no guestbook, no alto da página na qual assinamos, algum italiano tinha deixado escrito: “Ma quanto è cara Parigi?!”

A essa altura do campeonato eu já não me aguentava mais em pé, de verdade. O tornozelo inchado e vermelho, com dois sulcos feitos pelas tiras da sandália. Bem pimba mesmo. A chuva tinha parado de vez e resolvemos voltar pro albergue, até porque tínhamos combinado de ir jantar na Flabb e ainda queríamos passar no supermercado pra comprar um vinhozinho. Tomei banho, dormi um pouquinho, peguei nossa sacola de secos e molhados (que continha um quilo de penne Spigadoro, cuja fábrica fica aqui pertinho, em Bastia, e que pertence ao avô de uma ex-namorada do Mirco; duas abobrinhas da horta da Arianna; salmão em lata; uma garrafa de Chardonnay) e saímos. Pra chegar até a Flabb mudamos de linha duas vezes e obviamente nos perdemos quando saímos da estação final, tendo que ligar pra ela, mas chegamos. Flabb acenando da janela feito uma louca e nós dois na rua, eu mancando e o Mirco repetindo “que coisa estranha encontrar uma amiga que você não conhece. Que coisa estranha você TER uma amiga que não conhece.”

Vou logo dizendo que o bairro onde ela mora é um docinho, o prédio é uma gracinha, adorei o interno azul do edifício, não gostei de ter que subir até o quarto andar de escada mas só porque estava manca, normalmente não tenho nada contra escadas. O apartamento dela é lindinho, arrumadinho, a cozinha é mínima mas espertamente aproveitada, esquecemos o macarrão no fogo enquanto batíamos papo na sala e tivemos que jogar fora (cof cof cof) e recomeçar porque o Mirco se recusa a comer massa scotta (cozida demais), ela desencavou um copo de requeijão Poços de Caldas light pra botar no macarrão, fofocamos muito, rimos, adorei a Flabb, com certeza a gente teria se conhecido de alguma maneira se tivéssemos ficado no Rio porque ela é exatamente o tipo de amiga que eu prefiro: esperta mas não cruel (de cruel já basta eu, né, por favor), boazinha mas não chata, engraçada, gosta de comer e ler, e a mãe dela tem cachorros lindos! Dei de presente pra ela um livro que eu tô querendo ler há séculos mas não tinha comprado na Itália porque não conseguia descobrir qual era a língua original. Agora já sei, é Francês, por isso vou ter que comprar a tradução mesmo. Em Português chama-se Queimada Viva e foi escrito por uma muçulmana que, claro, foi queimada pelos familiares porque fez alguma coisa que o Corão não aprovava – pediu o divórcio, acho. Vi a entrevista dessa mulher na TV há algum tempo e me interessei pela história. A Flabb me deu Autograph Man, o segundo livro da Zadie Smith (falarei dele mais tarde).

A sobremesa foi petit gateaux com um sorvete de baunilha que era uma coisa de louco. Infelizmente o vinho deixou o Mirco com sono, e eu também estava exausta e com o pé gigantesco de tão inchado, e e achamos melhor picar a mula. Fomos de táxi porque realmente não dava, crianças. Foi deitar a cabeça no travesseiro e chapar.

Ah, não tem foto do encontro porque eu sou a pessoa menos fotogênica do mundo e saí horripilante.

p.s.: Fotos feitas dentro de Notre-Dame. Reparem na última linha do cartaz que pede exorbitantes dois euros por cada velinha (detalhe que UM QUILO dessas velas, na IKEA, custa pouco mais de um euro, se não me engano): Foreign money accepted. Depois neguinho acha que eu sou radical quando digo que a Igreja Católica é simplesmente uma multinacional muito, mas muito bem sucedida. Que nojo, nojo, nojo, nojo.