Margareth foi embora de manhã cedo, então fui até o hotel tomar café da manhã com mamãe e botar as malas dela no carro pra ela voltar a se instalar aqui em casa. Normalmente adoro café da manhã de hotel, mas aqui é tudo sempre doce, e eu detesto doce, sobretudo no café. Tive que me contentar com pedaços de pão sem sal com manteiga sem sal, mas me deleitei com o café com leite.
E comi cerejas pela primeira vez esse ano! As da cerejeira lá da escola ainda estão terrivelmente azedas, mas elas que me aguardem quando amadurecerem. Não vou deixar pedra sobre pedra. Sempre gostei de cereja, e desconfio que não seja só por causa do sabor, mas porque é uma fruta prática. Tenho horror a comida complicada, que requer logística e paciência. A cereja você joga na boca, come o que tem que comer e cospe fora o caroço. Uma praticidade impressionante, acho o máximo.
Quando recebemos visitas é lógico que saímos pra comer, que é só o que há pra se fazer aqui. Então levamos mamãe, Stefania e Rob pra jantar no Sparafucile, em Foligno, aquele restaurante que não tem menu e onde você tem que comer o que te botam na mesa. Hoje foi o primeiro jantar com mesas outdoors do ano, já que só agora começou a esquentar, então o serviço estava péssimo (ele só tem uma garçonete e meia) e acabamos de comer tardíssimo. Mas vale a pena, sempre. Principalmente pelo petit gateau de chocolate feito em casa com sorvete de creme idem.
Inventei um macarrão estranho hoje. Fiz fusilli (parafuso) especial da Barilla – a massa é de 5 cereais, e eu amo tudo o que tem cereal na receita – com feijão branco enlatado e cogumelo. Com preguiça de cortar alho pra fazer refogado, refoguei com dado – caldo Knorr – de alho e salsinha e outro de ervas aromáticas mediterrâneas. Sabe que ficou uma diliça?
O bom do macarrão é que combina com absolutamente qualquer coisa. Tudo o que você joga por cima do macarrão fica uma delícia, é impressionante. Eu gosto de macarrão com feijão, com verduras tipo abobrinha, aspargos, alcachofras, ervilhas, berinjela; gosto de macarrão com atum, com moluscos, com crustáceos; massa com carne de ganso, de javali, de vitela, de lebre, de faisão, com lingüiça, com presunto, com bacon; macarrão sem nada, só com alho torradinho e azeite – minha versão do spaghetti all'aglio e olio, porque aqui eles não comem muito alho, jogam o dente inteiro, com casca, no azeite, e depois tiram, mas eu amo alho então esmago bem esmagadinho e deixo dourar devagarzinho no azeite. Macarrão é uma comida muito foda. Valeu, Marco Polo.
Como hoje eu ainda estava meio assim-assim, Mirco resolveu jantar fora. Veio me encontrar em Foligno, deixamos a Uno largada em um canteiro em um lugar de pouco movimento e fomos pra Trevi. Quem indicou o restaurante foi o Gianni, que é um amor mas meio complicado; levamos séculos pra achar o tal lugar, que é escondido pacas. Restaurante bonitinho, bisteca fiorentina cheirosa na mesa ao lado, eu não tava com muita fome porque só tinha conseguido almoçar às quatro da tarde, mas como tinha sido basicamente tudo abobrinha e cenoura e pouquíssimo macarrão, achei que poderia encarar um jantar. De primo encaramos o risotto della casa, mínimo duas pessoas (veio uma bandeja inteira, comida pra cacete), delicioso, com tartufo e uma espécie de creme de queijo (a garçonete disse que era gruyère e parmesão). Mirco pediu filetto al pepe verde, que veio mais altinho e suculento do que o normal, e eu fui de scamorza, meu queijo preferido, na grelha – nada de particular. Não conseguimos terminar a garrafa de Rosso di Montefalco, nosso vinho mais amado. Estávamos tão cansados os dois que nem curtimos nada direito. Mas foi a primeira vez que fomos a Trevi; a cidade é lindinha e de dia deve ser uma delícia. Ficamos de voltar.
E pra sair da cidade? Cacetes estrelados, mas um mínimo, um mínimo de sinalização estradal não, né? A cidade fica no alto de uma colina e é óbvio que precisávamos descer, mas por onde, se giramos em círculos várias vezes e demos de cara com várias ruas fechadas ou com mão invertida por causa de obras? Depois de uns 15 minutos conseguimos finalmente achar a estrada certa. E como quarta-feira é o pior dia da semana em termos de televisão, nada nos restou a fazer senão dormir e digerir.
E à noite jantamos, como sempre, com Marco e Michela. Não sabíamos aonde ir, e eu sugeri o La Stalla (literalmente, O Estábulo), lugar do qual já tinha ouvido muito mas que eu não conhecia. Fica no que era efetivamente o estábulo de um grande casolare antiguérrimo na subida pra Assis. Na casona funciona um hotel, e o La Stalla é o restaurante do hotel. O menu é totalmente típico e rústico e eles são famosos pela torta al testo assada nas cinzas, como naquele pé-sujo de Gubbio aonde fomos com a Roberta na Festa dei Ceri do ano passado. O pessoal aceitou a sugestão e fomo-nos.
O lugar era realmente uma estrebaria, socorro. No meio da sala principal, a "churrasqueira" gigante onde antigamente funcionava a lareira monstruosa, daquelas nas quais você pode entrar e sentar em meio ao fogo, se quiser. Por sorte nos colocaram numa sala lateral onde não fomos defumados e com um pouco mais de calma pro bebê Alessandro. A comida demorou um pouco pra chegar, mas quando chegou... Eu pedi uma torta com prosciutto logo de cara. Normalmente não gosto do prosciutto sem queijo, mas pedi como prato principal um formaggio al coccio, ou queijo na tigela de barro: gruyère (que aqui chamam groviera), caciotta, fontina e scamorza, todos queijos que eu amo, derretidos juntos com uma colherada de vinho branco na tigela de barro, na brasa. Acabou que veio a torta antes e eu acabei comendo sem queijo, mas olha, vou te dizer, tanto a torta quanto o prosciutto tavam DI-VI-NOS. O queijo chegou com o acompanhamento de uma batata assada nas cinzas, coisa de louco. E de sobremesa, porque eu não sou de ferro, um creme de café feito lá mesmo, maravilhoso. Os meninos comeram carne na brasa e se fartaram. As lingüiças tavam com uma cara ótima mesmo. Ninguém comeu massa porque todo mundo come na casa da sogra no almoço e quando tem tagliatelle fatte in casa todo mundo acaba repetindo, então no jantar tem que se controlar um pouquinho. Mas gostamos do lugar e vamos voltar. Na próxima vez vou pedir um primo. As receitas são todas supernormais – carbonara, ragù, gnocchi com abobrinha – mas se tudo é feito lá mesmo e não industrializado, deve ser o ó.
Tivemos um funeral hoje, do pai do Lello (apelido de Antonello), amigo meio afastado do Mirco. O Lello é um cara legal mas MOITO estranho e com fortes tendências de Elesbão não tem amigos. O pai tinha câncer há muito tempo e há semanas estava firme e forte na morfina.
Depois da cerimônia na igreja ridícula de San Vitale, em Viole di Assisi, não fomos ao cemitério. Passamos pra pegar o Moreno em casa e fomos pra Perugia ver Wallace and Gromit. Sinceramente, esperava coisa melhor. Talvez a dublagem também não ajude, sei lá.
Mas pra dar uma alegrada fomos jantar no Sparafucile, em Foligno. Adoramos comer lá porque a comida é bem tradicional umbra, vemos a cozinha de perto como se estivéssemos jantando na casa de um amigo, e o preço é honesto. O menu:
Antipasti: uma fatia de queijo de cabra meio mofado DELICIOSO, pedacinhos de focaccia de alecrim feita em casa com azeite cru, cebola assada com farinha de rosca polvilhada por cima, salmão defumado, alcachofras no azeite com hortelã, omeletinha de verdura.
Uma porção muito pequena de feijão branco tipo canellini ligeiramente picante, um manjar dos deuses.
Uma porção muito pequena de frascarelli (tipo um minimacarrão sem ovo na massa) cozido na lentilha com um fio de azeite por cima, de comer chorando.
Tagliatelle de brócolis com pedacinhos de lula, ótimas.
Um filé pequeno na brasa, ao ponto, com batatas assadas no forno com alecrim.
Um petit gateau de chocolate com sorvete, tudo feito ali mesmo (vimos as meninas preparando o sorvete pro dia seguinte).
Tudo isso regado a um Rosso di Montefalco de uma cantina que não conhecíamos, e que eu fiz a mongolice de derramar bem no forro do meu casaco delicioso da Sisley. É mole ou quer mais?
Toda vez que como a pizza 1822 no Penny Lane, nossa pizzaria preferida, eu penso em como gostaria que as pessoas viessem aqui me visitar. Porque eu quero compartilhar essas coisas com todo mundo, sabe. Pizza di speck (tipo um presunto cru defumado), scamorza (um queijo levemente defumado, primo distante do provolone) e milho, uma diliça. Outra que eu também amo é a Teddy Boy, com batata ralada fininha, lingüiça e alecrim. Tem a Revolver, com salaminho picante. Rapaz, tem muita pizza boa, e eu fico sempre imaginando a Hunka iria adorar essa, o Tuco iria ficar louco com essa, etc.
Venham, dahlings. Please.
Tô falando sério, poucas coisas na vida são mais gostosas do que uma focaccia de alecrim.
Só pra dizer que hoje almocei pappardelle com molho de avestruz.
Tá?
A pedidos, o risoto de camarão do Ano Novo :)
Não sei quanto botei de camarão; fui à peixaria e pedi "me dá um punhado de camarão", a menina botou na balança (não vi o peso), achei melhor pedir mais um pouco. Usei camarões cinzentos, daqueles graúdos.
Limpei os camarões direitinho, lavei bem e deixei num prato com alho picadinho, azeite e salsinha picada, de manhã até a hora do jantar.
Refoguei um tiquinho de cebola ralada em um pouco de manteiga, juntei o arroz (usei o tipo arboreo, mas qualquer um pra risoto vai bem) e deixei refogar uns minutinhos. Juntei um pouco de vinho branco, esperei evaporar e adicionei duas conchas de caldo de camarão (o ideal é ferver as cascas e cabeças pra fazer o caldo, mas os meus crustáceos vieram descabeçados, então usei um caldo Knorr sabor camarão mesmo, que trouxe do Brasil porque aqui não tem). O chato do risoto é que tem que ficar vigiando, senão cozinha demais e fica uma bosta, ou então seca e cola tudo na panela. Quando estiver um pouco mais cru que al dente, junte umas abobrinhas picadas em cubinhos (eu boto sempre uma abobrinha por pessoa, pra dar mais volume não-calórico ao prato, mas meia por pessoa já tá de bom tamanho) e os camarões temperados. Quando o arroz estiver al dente, os camarões cor-de-rosa e a abobrinha já cozida mas não desmanchando, pelamordedeus, o risoto tá pronto. Se quiser dar um tcham final, misture um pouco de açafrão – só quando já estiver quase pronto, senão fica amargo. Se fizer como eu e usar o caldo Knorr, preste atenção pra não exagerar no sal. Sirva quentíssimo, E SEM PARMESÃO.
Sábado fomos jantar com Gianni aqui. Aluno Endocrinologista já tinha me falado desse restaurante, onde ele comeu o peixe mais fresco da sua vida, e depois o Gianni foi a uma despedida de solteiro lá e também ficou encantado. E resolvemos conferir.
Chiara não foi porque estava em um retiro espiritual, o que quer que isso seja. Fomos nós três; o restaurante é aqui pertinho de casa, coisa muito prática. O dono é um siciliano de Palermo muito simpático, que se recusa a cozinhar o "básico" dos frutos do mar, ou seja, cocktail de camarão e insalata di mare.
O jantar foi uma diliça. Saiu carinho porque pedimos uma degustação, mas os pratos no menu têm preços bem razoáveis. Resolvemos deixar o proprietário e chef, o Roberto, à vontade pra escolher o menu pra nós, por um motivo muito simples: ele não trabalha com intermediários, e compra o peixe não de peixarias mas de um pescador que trabalha diretamente com ele, e traz peixe fresco todo santo dia. Se hoje não cair nenhuma lagosta na rede, por exemplo, ele não pode servir lagosta, porque não trabalha com congelados. Então ninguém melhor que ele pra saber o que rola de bom naquele dia. Pescaram uma cernia espetacular hoje, querem? É assim que funciona – adoro essas coisas; essa intimidade imediata do italiano com todo mundo, principalmente quando tem comida no meio, é sensacional. Então tivemos um salmão marinado delicioso, um peixe que não sei traduzir marinado no vinagre com sementes de romã (esse eu dispensei, dispenso qualquer tipo de vinagre e qualquer aceno de fruta na comida), ma-ra-vi-lho-sos mariscos (cozze e vongole) fresquíiiiiiiiiiiiissimos, e depois uma das coisas mais gostosas e delicadas que eu já comi em termos de peixe: spaghetti com pesto feito na hora (eu detectei, além do manjericão, um toque de hortelã, que ele confirmou) e "saltati in padella" com camarõezinhos. Uma coisa de louco – com uma pimentinha moída na hora por cima, então... O prato principal foi um mix de crustáceos ao vapor: meia lagosta cada um, lagostins e camarões gigantes e médios. Olha, eu não sou expert em cozinha e muito menos em frutos do mar, que só fui aprender a comer aqui na bota, mas realmente a diferença é morrrrrrrrtal. Os mexilhões tinham cheiro de praia, os lagostins só faltavam piscar o olho pra gente. Tudo isso acompanhado de duas garrafas de ótimo vinho branco, cuja origem desconheço porque fiquei com preguiça de ir até o balde de gelo olhar o rótulo, muito levinho e gostoso. Mirco ainda comeu sobremesa, os meninos tomaram café e dois copos de grappa cada um. E ainda ficamos batendo papo, depois que os outros clientes saíram, com o proprietário e o menino francês que trabalha como garçom. Agradabilíssimos e muito educados.
O problema do restaurante é que não tem clientes. Porque o umbro é idiota e só freqüenta lugares da moda. O restaurante da moda em termos de peixe é o Massimo, que é superfora de mão pra gente porque é láaaaaaaaa no Lago Trasimeno, e os preços são assim como dá na telha do Massimo, sabe; por menus absolutamente idênticos já chegamos a pagar 3 preços diferentes em três ocasiões diferentes. Mas é fashion, então em vez de ir ali em Ospedalicchio que é do lado de casa – estou falando aqui do vale, de Bastia e adjacências – neguinho se despenca lá pro lago só pra encher a boca quando contar que jantou no Massimo. E aí o coitado do Roberto fica sem clientes. Então, já sabem: peixe na Umbria é no La Cigale. De verdade.
Os tratores nas estradas e as moscas em casa são sinais de que o calor chegou de vez. Só que nos últimos dois dias tem feito um certo fresquinho, e chovido a cântaros. Mirco e Moreno tão doidos pra que pare de chover, pra poder catar lesmas no mato. Depois da chuva, elas saem todas assanhadas dos buracos onde normalmente vivem, que não tenho a menor idéia de onde fiquem, e como não são animais exatamente dinâmicos e ariscos, basta um pouco de paciência e uma lanterna pra encher o balde delas. Depois devem ficar em jejum de não sei quantos dias, pra depurar o intestino, dizem, e aí a técnica de cozimento e tempero depende de cada um. Desnecessário dizer que lesma é uma iguaria que eu jamais tive intenção de provar, não importa o quanto o Moreno encha o saco insistindo.
Não, não vou nem tocar no assunto do asilo político ao ex-presidente do Equador. Tenho vergonha. Falo de lula mesmo, o animal (pun intended).
Por algum motivo misterioso que desconheço, mas que muito provavelmente tem a ver com a igreja católica, aqui as peixarias só abrem às quintas e sextas. Pra felicidade do bolso da minha mãe e pra grande prejuízo da minha vida social, só fui aprender a gostar de frutos do mar aqui na Itália. Como consequüência, não sei cozinhar frutos do mar – praticamente só sei fazer peixe frito, que aqui é coisa quase desconhecida. Por sorte, todas as peixarias oferecem coisinhas já semi-prontas, ridiculamente fáceis de preparar, como espetinhos de lula e camarão, filé de peixe já empanado em uma mistura de farinha de rosca e salsinha (pra fazer na brasa ou então na panela forrada de papel-manteiga e com pouco óleo), peixes inteiros também já marinados, prontos pra ir ao forno. Os meus preferidos são o condimento per la pasta e l'insalata di mare. O segundo é, literalmente, salada de mar, e nada mais é do que pedacinhos de frutos do mar das mais variadas espécies, cozidos, temperados com azeite, alho e salsinha, com uns pedaços de azeitona pra dar um tchan e pra aumentar o volume (eu dou todos pro Mirco porque tenho pavor de azeitona). Come-se fria, como antepasto. No supermercado há várias versões em embalagens de plástico, mas normalmente envolvem vinagre na preparação, o que, pra mim, é praticamente sinônimo de incomível. O condimento per la pasta (literalmente, tempero ou molho pra macarrão) é uma mistura de salmão, camarão, mariscos vários, pedacinhos de lula e de polipetti (polvinhos pequenininhos muito comuns aqui), mini-lagostins, enfim, um pouco de tudo. É tudo cru, então é só botar numa frigideira com um pouco de vinho branco, dar uma cozinhada rápida e misturar ao macarrão. Ao contrário do meu pai, que acha que peixe só combina com batata, eu adoro massa com frutos do mar. Linguini allo scoglio, spaghetti con le vongole, pasta con le cozze, eu topo tudo. E essa misturinha deles é realmente una diliça. Compro quase toda sexta, quando tenho que ir a S. Maria resolver outras coisas.
Eu tenho aquele vício de pobre que é aceitar tudo o que seja oferecido de graça. E nessa já recolhi uma interessante coleção de mini-livros de receitas, que dão nos supermercados, na peixaria, às vezes em lugares insólitos, como na farmácia. Pois então, ontem estava inspirada e, imaginando que encontraria alguma receita interessante nesses livrinhos, resolvi fazer lula. Uma clássica receita de lula aqui é seppie e piselli, lula com ervilhas. Nada mais é do que o bicho feito como carne de panela, com molho de tomate e ervilhas. Nunca tinha feito em casa, mas resolvi arriscar. Primeiro foi um parto comprar o bicho, porque eu não sabia se comprava seppie ou calamari. Pra mim são iguais, a seppia é maior e os calamari são pequenos, mas a cara é praticamente a mesma. Claro que nada que tenha a ver com comida aqui na Bota é tão simples quanto parece, e o velhinho safado da peixaria foi logo perguntando o que eu queria fazer com a lula. Respondi que queria fazer com ervilhas, e ele indicou as seppie, que têm mais carninha. Perguntei qual a diferença entre um bicho e outro, e ele respondeu que os calamari são mais magricelinhos e portanto ficam melhores fritos ou grelhados (de fato, anelli di calamari fritti, anéis de lula fritos à milanesa, são um antepasto clássico). Ah, tá, então tá bom. Ele separou quatro belas seppie pra mim e paguei a conta: 21 euros por quatro lulas médias, insalata di mare pra duas pessoas e condimento per la pasta pra duas pessoas.
Ontem comemos o antepasto e a massa, e deixei as lulas pra hoje. Só que eu não achava o diabo da receita em lugar nenhum. Tudo bem que não deve ser tão difícil, mas com o preço das coisas é melhor não desperdiçar fazendo cagada, e também não queria detonar logo de cara minha primeira experiência no campo dos frutos do mar. Mandei um SMS pro Mirco perguntando se ele queria lula com ervilhas ou lula no macarrão, ele responde: sim. Eu sabia que ele tava numa conversa importante com o contador e por isso não tava prestando atenção em nada do que eu escrevia, mas mesmo assim insisti e mandei outra mensagem me explicando melhor. Ele responde: lula. Ora bolas, então vou fazer macarrão e dane-se.
Aí o outro parto: limpar os bichos. Um dos meus livrinhos grátis explicava como comprar, limpar e conservar os diversos produtos do mar. Dizia pra arrancar a cabeça da seppia que ela saía inteira, com os órgãos internos. Ou então pra cortar com uma tesoura os olhos e o bico, se os órgãos internos e o "osso" já tivessem sido retirados – era o meu caso. Cortar com uma tesoura os olhos de um bicho morto? Hipótese imediatamente descartada. Então, pedindo mil desculpas às pobres lulas, optei por arrancar a cabeça inteira mesmo. Não tive coragem nem de cortar os tentaculozinhos. Desperdício, mas sei que se tivesse insistido teria vomitado ali mesmo na pia da cozinha. Não bom. Lavei bem os corpinhos que parecem feitos de plástico branco, cortei em tirinhas de aspecto borrachudo, e refoguei com alho e azeite. Normalmente na peixaria eles dão salsinha de brinde, mas dessa vez esqueceram, e eu esqueci de pedir, e não tinha em casa, então foi sem salsinha mesmo. Dei uma molhadinha com vinho branco e deixei cozinhar bem. Juntei uns tomates-cereja pra dar uma cor e no final ainda joguei umas ervilhinhas básicas. Escorri a massa pouco antes de ficar al dente, joguei na frigideirona T-fal onde estavam as lulas, e deixei terminar de cozinhar ali, no molhinho. Um toque de gengibre, um peperoncino esmigalhado pra ficar levemente picante, e voilà! Ficou ó-te-mo.
Semana que vem provavelmente vou pegar uns filés de merluzzo (que descobri, não sem uma pontinha de horror, que nada mais é do que o bacalhau fresco), pra fazer enroladinhos com talvez uma cenourinha dentro. Ou então cozze (mexilhões), pra fazer com macarrão ou como antepasto quente, com molho de tomate e pimenta-do-reino. Ou então salmão, que faço no forno como minha avó ensinou, numa caminha de batatas e cebolas em rodelas e um tiquinho de manteiga. Ou então vou de lula de novo, pra fazer com arroz, como se come no Brasil e aqui nunca se ouviu falar.
Gostei do negócio. Limpar o peixe ainda é um problema grande, mas me empolguei com a parte da cozinha. Vamos ver se as futuras experiências vão funcionar.
Morar em cidade pequena tem suas vantagens, com certeza.
Eu compro verdura e fruta na Rita, quando posso. Arianna compra nela há anos, e sempre que tenho que fazer alguma coisa em S. Maria, dou um pulo lá pra me reabastecer. Como eu consumo fruta e verdura só por obrigação moral, não vejo a diferença entre uma alface de supermercado e uma alface da horta, mas o Mirco é daqueles que em duas dentadas extermina, feliz da vida, um pepino, uma cenoura, um pedaço de aipo e um funcho inteiro, então evito comprar essas coisas no supermercado.
A barraca da Rita sempre ficou na praça da Banca dell'Umbria, ao lado do jornaleiro e de frente praquele monstro que é a Basílica. Com as obras na praça, que alteraram todo o trânsito e embolaram o meio de campo de um modo assustador, ela foi transferida pra pracinha dos correios, a duzentos metros. Mais cômodo pra quem compra, porque tem mais lugar pra parar. Outra vantagem é que ela agora está num quiosque moderno, com portas que podem ser fechadas, facilitando a vida dos pobres clientes que antes esperavam ao aberto, chovesse ou fizesse sol (ou pior, vento gelado). Ela mora aqui perto de casa mas nossos horários não batem e nunca nos encontramos.
A coisa legal da Rita é que ela não vende coisas que não estejam na estação justa ou que não estejam boas. A não ser os tomates, que hoje crescem praticamente em qualquer condição meteorológica. As coisas são todas fresquíssimas e ela dá várias dicas de culinária. Sempre pergunta o quê que a gente vai fazer com o que está comprando, porque, por exemplo, há berinjelas e berinjelas. Se eu peço uma berinjela, ela pergunta se é pra grelhar, pra fazer conserva ou pra fazer molho pro macarrão. Porque há berinjelas redondas, pretas, grandes, cor de berinjela, macias, duras, com semente, sem semente. O tomate é pra fazer molho, pizza ou salada? O cogumelo é pro macarrão ou pra grelhar? A cenoura é pra comer crua ou cozida? A maçã é pra morder ou pra fazer torta? A batata é pra fazer pirê ou pra fritar? A abobrinha é pra macarrão ou pra rechear? Hoje ela se recusou a me dar cebolas douradas, porque eram mais velhas. Acabei trazendo três das brancas e achatadas, mais incômodas pra segurar e cortar, mas mais frescas. Outro dia ela também se recusou a me vender mais de duas cabeças de alho (pra bruschetta ou pra refogado?), porque senão estraga, vai por mim. Alho, aliás, delicioso, nada indigesto, sem aquela coisinha amarga no meio, sem cheiro fortíssimo nas mãos.
Ela também dá sempre de brinde, pra quem faz compras razoáveis, os odori – literalmente, os odores. Por odori se entende salsinha (prezzemolo), obrigatória pra quem compra cogumelo; hortelã (menta), pra quem leva alcachofras; cenoura e aipo (carota e sedano) pra todo mundo, pra fazer refogado. Excepcionalmente, quando há limão verde, ela guarda pra mim, ou então vende uma caixa inteira pra Arianna, porque sabe que uma parte vem aqui pra casa. Quando tem novidade, ela fica toda assanhada: semana passada tinha uns tomatinhos pequenos como os cereja, mas alongados, chamados datterini (ou tamarazinhas, porque realmente parecem tâmaras vermelhas), que ela torrou minha paciência pra eu comprar, no lugar dos tomates-cereja que compro levo. Mirco adorou, comeu quase chorando de emoção. Há alguns dias comprei também uns aspargos selvagens, que fiz com macarrão, mas estávamos cefaléicos ambos e mal curtimos o sabor. Tenho certeza de que em condições normais de temperatura e pressão teríamos adorado.
Agora é época de fava. Ainda não estão no ponto, e as da Rita são poucas e ainda pequenas. Em maio começa a colheita – metade da horta da Arianna é fava nesse período, junto com as alcachofras; abobrinhas, tomates, berinjelas, vagem e ervilha, só mais perto do verão. O grande lance da fava, que é consumida em quantidades industriais (e crua, por favor; eu prefiro como forma de molho pro macarrão, ou cozida com um pouco de tomate e pimenta, como antipasto) só na Itália central, é o queijo pecorino. È la morte sua, como se diz aqui – adoro essa expressão, que se usa pra dizer o que combina melhor com uma determinada coisa. Hoje a Rita me deu de presente uma cebolinha fresca, porque comprei um tipo de salada, plantado só e exclusivamente aqui na Umbria, e segundo ela essa tal cebolinha, la cipollina quella piccoletta, è la morte sua. Também ganhei um pouco de rúcola esquisita de folhas largas, que só o Mirco come.
Então tá, hoje o jantar vai ser salada. Foi a Rita que decidiu por mim.
Há alguns meses a Carola me mandou, lá de Dubai, um pacotinho de curry pra carnes, um de curry pra legumes, e um de páprica. Já usei todos, de vários jeitos, mas o problema maior sempre era o molhinho, que nunca ficava legal. Hoje acho que acertei.
O peito de frango, que eu tinha no congelador, já cortado em cubinhos, ficou marinando desde manhã cedo em um pouco de azeite, o curry pra carnes, páprica, uma folha de louro e alho bem amassado. Lá pro meio-dia acendi o fogo e "saltei" o frango na frigideira anti-aderente, até pegar uma corzinha. Polvilhei um pouco de farinha de trigo e juntei um pouco de leite, que, com a farinha, engrossou um pouco. Deixei tudo cozinhando assim com a panela tampada. Resultado: o frango ficou superhipermegamacio, desmanchando na boca; o molhinho, antes pálido, pegou a cor e o sabor do curry e ficou numa consistência perfeita – pra ajustar, um tiquinho de água, se necessário. Joguei umas amêndoas tostadas no final, pra dar um tchan, e pronto. Comi com arroz selvagem bem temperadinho com alho e cebola. Ficou uma verdadeira di-li-ça. Bobo do Mirco que não gosta dessas coisas e foi de spaghetti com molho de tomate-cereja e atum.
Pro jantar de hoje vou fazer frango com cerveja no forno. O pedaço é pequeno e não identificável (a Arianna que me deu, e eles aqui cortam o frango de um jeito completamente diferente do nosso, não entendo nada); vai ficar pro Mirco, com batata palito feita no forno. Eu provavelmente vou de salada de alface com atum e milho, ou então faço uma sopinha de cereais, que com essa temperatura e essa dor de garganta cai muito bem, obrigada.
Adoro ficar em casa e ter tempo pra cozinhar com calma. Mesmo que o motivo pelo qual eu estou em casa seja uma tradução chatíssima e, conseqüentemente, interminável.
p.s.: Ah, ontem consegui meia hora pra começar a estudar Francês, e peguei no sono lendo Lady Chatterley’s Lover, que é um livro, hm, como direi, singular.
Acabo de ver no suplemento gastronômico do telejornal uma receita de chocolate quente que me deixou vendo estrelas. É o chocolate quente mais famoso de Florença, do café Rivoire, bem na praça principal da cidade. Eu nunca experimentei, mas a cor do negócio, pelo menos na TV, era linda. O lance é o seguinte: mistura-se leite e água (mais leite do que água, não entendi direito as proporções porque estava hipnotizada pelo chocolate), chocolate gianduia (pouco) e cacau em pó (o que já vem açucarado). Deve-se deixar ferver, depois desliga-se o fogo até a fervura sumir, depois ferve-se de novo, depois desliga-se o fogo de novo, umas duas ou três vezes. O que fica é um líquido cremoso mas não exagaradamente cremoso, escuríiiiiiiiiiiiiiissimo, e que deve ser realmente um manjar dos deuses. Nem vou experimentar. É mais seguro.
E semana que vem começa a famosa festa da cebola em Cannara. Espero que esse ano a gente consiga comer alguma coisa, porque ano passado e ano retrasado nós fomos, mas não tivemos coragem de enfrentar as filas quilométricas e saímos de mãos abanando.
Enquanto a cebola não vem, hoje Stefania (a cunhada) e Rob, o namorado holandês, vêm jantar aqui em casa. Como a Stefania é vegetariana (...), vou ter que fazer ensopadinho de legumes à parte pra ela, sem carne. Desisti do feijão porque tá muito quente, mas ensopadinho com batata, cenoura e abobrinha, arroz branco bem temperado e farofa já tá muito bom. De sobremesa tô pensando em fazer quadradinhos de laranja, mas tenho medo de ter um ataque e comer tudo. Provavelmente vou de cuca de banana, que todo mundo gosta, menos eu. Com os últimos 4 limões que restaram das últimas compras faço uma jarrona de limonada, e pronto.
Sexta-feira fomos jantar com um casal de amigos num restaurante em Foligno. O nome do lugar é Sparafucile (sparare = disparar, fucile = fuzil) e quem comanda o batatal é um bigodudo grisalho. O lugar é dividido em dois ambientes: a microscópica cozinha, do lado da gelateria, e, dois números depois, ou seja, depois de uma loja de roupas e de uma agência de viagens, a sala microscópica, com somente três mesas. No verão eles colocam mesas na pracinha em frente. No inverno o bigodudo e o garçom extra (no nosso caso era um cara muito lento que passou a noite inteira levando esporro do Bigode) saem da cozinha com os pratos na mão e têm que atravessar a praça correndo pra comida não esfriar durante o curto percurso até a sala de jantar.
Tem mais: o menu é único e você não sabe qual é. Você chega, diz o seu nome (tem que ter feito reserva antes senão não consegue mesa), o Bigode te indica a mesa, você senta e ele começa a te servir. Você não tem a mais remota idéia do que está por vir até o Bigode sair da cozinha com uma panela na mão, apoiá-la sobre um BARRIL e começar a colocar comida nos pratos. Mas pode ser que mais tarde ele mude de idéia e resolva mudar de prato, por isso os gnocchi que você viu o Bigode servindo a outros clientes enquanto você ainda estava no antipasto podem nunca chegar à sua mesa, e ser substituídos por uma outra coisa qualquer. Não é uma comédia esse sistema?
No nosso caso o antipasto tinha dois tipos de queijo, uma fatia de prosciutto crudo, uma fatia de melão (que dispensei), um figo aberto em flor (que o Mirco traçou), uma porção de panzanella (receita local clássica, originariamente um mero reaproveitamento de restos pra fazer salada: uma folha qualquer, tomate, pepino e pão velho molhado no vinagre. Só de ver tenho vontade de vomitar, mas neguinho aqui, e os turistas também, A-DO-RAM), um tomate recheado (que o Mirco comeu). Comemos dois primi: os gnocchi com tomate fresco e manjericão, muito gostosos, depois um risoto de frutos do mar, que não estava lá essas coisas. De secondo tivemos a oportunidade de escolher: todo mundo foi de tagliata, que seria uma carne duríssima grelhada, fatiada e que vem numa caminha de rúcola e regada com vinagre balsâmico; eu, que odeio carne dura, rúcola e principalmente vinagre, fui de filé grelhado mesmo, com saladinha. Duas garrafas de água mineral. Uma garrafa de vinho branco durante os primi, e uma de tinto do Lago Trasimeno com a carne. Ambos os vinhos escolhidos pelo Bigode, claro. De sobremesa, petit gateaux com sorvete de creme (que o Mirco repetiu), uma taça de Marsala, depois café, e o Bigode ainda ofereceu uma dose de whisky no final. Tudo isso por € 23/cabeça. Nada mal, jacaré.
Descobri no Lidl, supermercado que consegue ser ainda mais P.I.M.B.A. do que o Penny, um pão de semente de girassol que é uma coisa. Denso como um meteorito, mas delicioso.
Eu sou louca por pão. De qualquer maneira, basta que seja salgado – o que automaticamente exclui o pão cascudo e sciapo (se pronuncia chapo, literalmente sem sal) tradicional aqui da Itália central e que eu uso só pra fazer bruschetta. Adoro pães esquisitos, com texturas bizarras, grãozinhos não-identificados dentro, cores suspeitas, nham nham. Nossas férias de verão do ano passado foram estranhas, afinal de contas odiamos Berlim (o que significa que meu diploma foi comprado), mas só a loja de pães de Lubeck valeu por todo o perrengue. Claro que eu não entendia nada do que estava escrito nas etiquetas e claro que ninguém na loja falava Inglês, mas mesmo assim voltamos pra casa carregados de pães misteriosos, de todos os tipos e formas. Um deles tinha esses grãos estranhos, que eu não cheguei a identificar, e só fui reconhecer no último sábado, quando vi o tal pão-meteorito no Lidl, com um desenho de um girassol gigante na embalagem. Até hoje não sei o que mais eu comi, além de semente de girassol, naqueles outros pães de Lubeck, mas sei que tava tudo ótimo.
Almoço de hoje: penne com tomatinhos da horta da Arianna, crus, com alho, azeite e em teoria manjericão também, mas hoje esqueci. Eu, que não como tomate cru, fiz uma salada fria de trigo com cenoura, abobrinha e um ovo cozido. Depois comemos uma fatia de pão-meteorito com fontina, um queijo macio que não tem gosto de nada mas que eu adoro.
Aproveitei o ensejo pra preparar e congelar uns hamburgers básicos. Adotei a idéia da minha mãe de misturar um pouco de aveia, assim o hamburger fica crocantão. Tempero com cebola cortada pequeniniiiiinha, sal, pimenta-do-reino, ervinhas secas (uma mistura de salsinha, hortelã, alecrim, estragão) e um pouco de farinha de rosca pra render mais. Não é porque sou eu que faço não, mas é o melhor hamburger que já comemos.
E zé finí.
De volta ao conforto do lar, inventei de fazer a massa e os molhos da lasanha da sessão Fratellão de amanhã. Ficou linda, e eu, que não sei cozinhar sem provar tudo, já posso adiantar que ficou tudo uma diliça.
A festa de aniversário antecipada vai ser sexta-feira, porque a irmã e o cunhado da FeRnanda acabaram tendo um contratempo e não conseguiram ficar até segunda. Sem grilo: vou ter mais tempo de fazer meu strogonoff, coisa que não teria conseguido anteontem, porque trabalhei na loja daquele doido varrido do Fabrizio. Então amanhã vou visitar o açougueiro do supermercado, que já ficou meu amigo e hoje disse que eu tenho uma pele linda e não pareço ter 27 anos, pra comprar carne pro bendito strogonoff. O único ingrediente que não tenho é o molho inglês pra temperar a carninha, mas na hora a gente inventa...
Em tempo: a lasanha eu fiz seguindo uma receita do Cucchiaio di Argento (Colher de Prata), a bíblia da cozinha italiana, que estou comprando em volumes separados de primi piatti junto com uma revista de fofocas, uma vez por semana. Escolhi a receita clássica alla bolognese: ragù que ficou fervendo por muito tempo, temperado com cebola, alho, bacon, pimenta-do-reino e vinho (usei tinto em vez do branco indicado na receita), molho branco que pela primeira vez na vida não empelotou, e nada de mozzarella, mas só parmesão ralado e queijo tipo caciotta (um parente melhorado do queijo prato) em pedacinhos pequenininhos entre as camadas de massa, só pra dar um tchan.
A sessão Fratellão de quinta-feira, que não teve paredão mas terminou com uma nomination interessante (se a piranha da Carolina não sair agora, eu vou ter um ataque), foi à base de belisquete. O pão de queijo sumiu em dois tempos, como sempre. Depois fiz a torta de frango da Marcinha, com um recheio que ficou delicioso, com frango bem temperado, ervilha, milho e queijo ralado. Só que a massa, que ela tinha falado que ficava densa e pesada, acabou saindo fofa e leve. Não entendi nada.
Também fiz pizza, que achei que ficou meio seca, mas o Mirco adorou e só faltou aspirar com a boca as migalhas da assadeira. Não tem receita: a massa é farinha de trigo, água quente, fermento em pó e uma pitada de sal. Comentei com a Arianna sobre a secura da minha massa e ela falou pra botar um pouco de azeite na próxima vez. No final das contas saíram duas coisas sem a menor cara de pizza, de formato absolutamente irregular, porque a consistência ridícula não permitia o uso do rolo de macarrão. Uma fiz com cebola e sálvia, e a outra com alecrim e sal grosso.
A receita desses cookies foi levemente adaptada de uma do allrecipes.com, site de receitas americano que tem muita porcaria (lógico), mas de vez em quando algum lampejo de criatividade culinária. Esses cookies ficaram ÓTIMOS.
Cookies de café com gotinhas de chocolate
Ingredientes
2 ovos inteiros
1 1/4 de xícara de açúcar
1/2 de manteiga ou margarina em temperatura ambiente
2 2/3 de xícara de farinha de trigo
1 colher de sopa ou um envelope de fermento em pó
Algumas gotinhas de baunilha
2 xícaras de gotinhas de chocolate meio-amargo
Uma xicrinha de café de café (horrível essa repetição, mas fazer o quê)
Preaqueça o forno a uns 180o C. Bata, como sempre, os ovos, a manteiga e o açúcar até formar um creme claro, leve e fofo. Adicione o café (que pode ser do tipo instantâneo, desde que já dissolvido em água) e as gotinhas de baunilha. Aos poucos vá juntando a farinha de trigo e o fermento, e quanto estiver bem batido desligue a batedeira e incorpore as gotinhas de chocolate, mexendo sem muita empolgação pra não quebrá-las. Pingue a massa às colheradas em uma forma grande, untada levemente ou então forrada com papel manteiga, deixando espaço entre as "poças" de massa porque os bichinhos se espalham enquanto cozinham e viram aqueles cookies-zões típicos americanos. Em dez minutos ficam prontos: macios, com o chocolate derretendo dentro, e um perfume maravilhoso na sua casa.
A receita original tinha amêndoas tostadas, mas eu não achei no meu supermercado fiel e pra dizer a verdade fiquei com preguiça de procurar mais. Eu usei um fermento que já vem com baunilha, mas da próxima vez vou botar umas gotinhas de baunilha a mais na massa porque dessa vez eu nem senti o gosto.
Ah, e o café dá mais perfume e cor do que gosto.
O jantar em Deruta até que foi agradável. O restaurante, escolhido pelo Super Chefão da Iron, fica numa casa antiga de pedra muito bonita, mas com estacionamento precário e perigosíssimas escadas em caracol. O menu era fixo:
Antipasti:
Verdure grigliate – abobrinha, berinjela e pimentão na grelha
Affettati (frios fatiados) – prosciutto crudo, pancetta (bacon enrolado), salame
Fave – favas num molhinho picante delicioso
Fagioli e salsiccia – feijão e linguiça desmanchada num molhinho delicioso
Primi:
Macarrão curto in bianco (sem molho de tomate) com linguiça e aspargos
Macarrão longo alla perugina (molho de tomate com linguiça)
Secondi:
Carne fatiada com radicchio e vinagre balsâmico (nem precisa dizer que dispensei alegremente... Vinagre me faz vomitar e radicchio cru não é muito a minha praia)
Lombo fatiado com vagem refogadinha levemente picante (uma delicia)
Dolce:
Mousse de chocolate, miraculosamente bem feita – digo miraculosamente porque a maioria dos restaurantes acha que qualquer creme de chocolate é mousse, quando na verdade sabemos que mousse é aquela toda furadinha, aerada, leve, delicada.
Café, grappa, limoncello e vino liquoroso. Muita água mineral. Vinho tinto da casa, que era gostosinho, mas me deixou de herança uma dor de cabeça fenomenal hoje.
Tudo isso por 20 € por pessoa. Não é muito, se consideramos a quantidade de comida, mas é que a qualidade não era láaaaa essas coisas. O macarrão curto tava cozido demais, mas fora isso, convenhamos, massa com molho de tomate e linguiça é coisa pra se comer em casa. Quando como fora gosto de pedir coisas que normalmente não faço em casa, por falta de saco, habilidade, ingredientes, sei lá. Mas no final das contas nos divertimos, e é isso o que conta.
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Tive dois ataques de riso sérios ontem. Um por culpa dos galos de Deruta. Já expliquei aqui, pouco tempo atrás, que Deruta é famosa por aquelas cerâmicas majólicas horripilantes. A FeRnanda trabalha numa loja de souvenir em Assis que vende tudo que é cafonice de Deruta, de sininhos inúteis a porta-água-benta, passando pelas famigeradas jarras de vinho em formato de galo – o vinho sai pela boca. Quantas vezes fui visita-la na loja e ficamos horas discorrendo sobre a cafonice do galo!
Pois ontem quando chega o vinho dentro dos galos, na mesa, não resisti e mandei um SMS pra ela contando a beleza que era ter vinho servido saindo do bico do bicho. A resposta curta e rasteira me fez engasgar com o vinho:
- 16 euros a pequena.
Fiquei rindo feito uma besta por horas a fio.
Mas a pior mesmo foi a do Mirco contando suas peripécias da infância. Falava-se das aulas de catequismo, que os meninos só frequentavam pra poder jogar futebol nos intervalos e depois da aula; falava-se das freiras, que pegavam no pé dos alunos. E aí entra o comentário do Mirco:
- A irmã Fulana brigava comigo porque eu comia pedra.
Olhares estupefatos. Alguém (eu) tem a coragem de desenvolver o assunto:
- Como assim, comia pedra?
- Eu comia pedrinha. Claro que não qualquer pedrinha; eu escolhia aquelas que pra mim pareciam diamantes...
Comecei a rir e não consegui mais parar por 10 minutos, até porque cada um começou com a sua piadinha – mas a pedrinha era temperada, era al dente, era fresca, etc.
O problema é que chegamos em casa quase à uma da manhã. Acordei sozinha agora às 7, tomei banho, fiz beicinho pra névoa chata lá fora, e daqui a pouco tenho que ir pra agência. Tô mortinha...
O jantar de ontem ficou ótimo. Inventei umas receitas malucas, testei uma receita da Ane e tudo saiu gostoso. Eu, FeRnanda e Dila fofocamos muito em Português. Faz bem socializar assim de bobeira de vez em quando.
Vamos ao menu:
Antipasto: Mini-tortas de cebola e de queijo com presunto
Primo piatto: Gnocchi lunghi com molho de tomate picante
Secondo piatto: Carne Assada Boazuda
Contorno: Forminhas de batata com espinafre
Sobremesa: Panquecas de Nutella (usei a minha receita clássica de panqueca, só juntei uma colher de sopa de açúcar à massa. Passei uma grossa camada de Nutella em uma metade da panqueca, dobrei-a e pronto.)
Detonamos uma garrafa e meia de Rosso di Montefalco da Caprai, um dos nossos preferidos, e uma de Rubesco da Lungarotti que o marido da Dila trouxe.
A festa de aniversário antecipada da FeRnanda no sábado foi um sucesso. Eu passei a manhã fazendo os doces, e lá pras três da tarde, quando a FeRnanda chegou com a irmã, Renata, seu marido toscano, o Stefano, e a prima romana, Giulia,
a torta de limão
tava pronta e o bolo prestígio já estava cortado no meio, esperando o recheio de cocada ficar pronto. Prontamente botei as meninas pra trabalhar. Só que na família da FeRnanda NINGUÉM sabe cozinhar nada, nem fritar ovo, então já viu. A Renata foi sovar a massa das coxinhas, mas parecia mais que tava fazendo carinho nela.
A FeRnanda desfiou o frango que eu tinha refogado no dia anterior, mas sobrou tanta carne colada aos ossos que daria pra fazer mais umas dez coxinhas.
A Giulia e depois a Renata fizeram a massa do pão de queijo, que ficou duro, seco e denso feito um meteorito. Em um certo momento resolvemos parar tudo e ir ver a casa que, se tudo der certo, a FeRnanda e o Fabião, que chegou depois, vão comprar em Ripa, não muito longe daqui mas já fazendo parte do comune de Perugia. Ripa tem um castelo, que se chama castelo mas quer dizer burgo medieval, cercado por muralhas. Pois eles vão morar dentro dos muros, na cidadela! Protegidos contra ataques peruginos! Não tiramos fotos porque o Mirco tinha esquecido a máquina fotográfica aqui em casa, mas na próxima vez vamos tirar. O lugar é divino! Os campos em torno são maravilhosos, daquele verde indecente que só existe na Toscana e na Umbria, as casas em torno são lindas, é um lugar super tranquilo, mas ao mesmo tempo a um passo de Perugia. Como disse o cara da imobiliária, em Ripa há dois açougues! Dois! Que modernidade, que megalópole! ;) Ficamos muito felizes por eles; a casa é de pedra, medieval mesmo, linda, e adaptada às necessidades deles. Tô doida pra voltar lá pra fazer umas fotos. Eles devem se mudar em maio. Vão ficar mais longe de nós, mas fazer o quê...
Mas então, voltamos por Bettona, que é uma cidadezinha medieval no alto da colina (como 99% da Umbria, diga-se de passagem...), linda, deliciosa. Só que o frio tava foda e voltamos logo porque ninguém se aguentava em pé com aquele vento gelado na cara. A galera foi pra casa tomar banho, eu botei a quiche de couve-flor no forno e fui tomar banho também. Chegou o Moreno, amigo gatinho do Mirco do qual eu gosto muito e que convidamos pra fazer número par de convidados. Depois chegou o resto do povo e a festa começou.
Renata, Giulia, Mirco, FeRnanda, Fabiao e eu.
Como o frango não bastou pra toda a massa de coxinha que eu tinha feito, acabei fazendo uns risoles de queijo com presunto que, dizem, ficaram ótimos (eu não comi). Os pães de queijo ficaram daquele jeito meteórico mas neguinho comeu assim mesmo, e o que sobrou a FeRnanda levou pra casa pra congelar. A quiche ficou ótima, só sobrou um pedaço, que foi meu jantar de ontem. E os doces ficaram di-vi-nos.
Nós nos divertimos horrores, Fabio bebeu caipirinha demais e dormiu no sofá, Mirco e Moreno, pouco resistentes ao álcool, em meia hora já estavam com as bochechas vermelhas, eu e as meninas fofocamos horrores. Foi uma serata agradabilíssima, mas quando o povo foi embora eu tava a massa falida, com as pernas doendo de ficar em pé cozinhando e limpando o dia todo.
(Renata e o marido Stefano, Giulia, FeRnanda, Fabio, Mirco e Moreno)
(As receitas estão lá, como sempre. Só não botei a das coxinhas porque não ficou 100% do jeito que eu queria.)
Eu não sei vocês, mas eu tenho uma idéia bem precisa de quais frutas são sucáveis e quais não são. Lembro da primeira vez que vi um “tijolinho” de suco de pêra aqui na Itália. Fiquei pensando, putz grila, tanta fruta boa pra fazer suco e esse povo faz suco de PÊRA?
Com o tempo, a coisa foi piorando: fui vendo suco de maçã, de frutinhas silvestres, de DAMASCO... Damasco? Como assim, suco de damasco? Ah, a falta que faz um maracujá... Eu não gosto de suco de uva, mas pelo menos é uma coisa que eu considero normal. Aqui não tem suco de uva. Mas tem suco de kiwi com maçã verde. (...)
O pior é que muitas vezes me encontro em situações onde só há esses suquinhos estranhos. Depois da doação de sangue fiz o lanchinho clássico: pão com presunto, chocolate quente. Tava doida por um suquinho, mas pergunta se tinha uma coisa simples, tipo suco de laranja ou abacaxi? Não. Só damasco, pêssego e pêra. Pra mim são frutas pra comer, não pra beber.
Bom, pelo menos eles não tomam limonada. Porque limão amarelo já me dá nos nervos só de sentir o cheiro, mas numa limonada eu não aguentaria.
Em compensação, me habituei a algumas combinações frutíferas muito felizes: o já aqui citado maçã com banana, e o famoso ACE (pronuncia atche; tem vitaminas A, C e E), de laranja, cenoura e limão. Mais tarde chegou o ACE rosso, com suco de laranjas vermelhas da Sicilia. O suco tem uma cor linda, além de ser delicioso.
E ultimamente ando vendo algumas coisas gostosas combinando maracujá e pêssego: bebida láctea, mousse diet... O maracujá passa beeeeem longe, é verdade, mas só de ver o desenhinho dele no rótulo eu já fico feliz, mesmo que o sabor seja mais imaginado do que real.
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Tô falando isso porque ontem comprei umas uvas chilenas sem caroço e lembrei das uvas vermelhas que eu comia espremendo a bichinha na boca e engolindo todo o interior, com semente e tudo. E lembrei do suco de uva que minha avó fazia pras minhas primas, porque eu gosto da uva mas não do suco (mas do vinho sim hehehe). Eu não sou muito frutofílica. Como praticamente uma banana por dia, embora a banana daqui seja uma merda (boto mel por cima pra disfarçar). Muito raramente uma clementina, mini-tangerina sem caroço. De vez em quando, uns morangos. Mais do que isso, não rola, não gosto mesmo, até porque não gosto de doce que não seja chocolate, e como frutas são doces...
Eu não sei quem inventou a uva sem caroço, mas gostaria de dar-lhe meus parabéns. Acho que um dos motivos que me levam a desprezar as frutas é sua complicação pra comer. Não me importo de cozinhar uma coisa complicadíssima, cheia de etapas e truques. Mas não me venham dar coisas complicadas pra comer, que eu não tenho saco. Prefiro um sanduíche.
Peixe com espinha? Tô fora. Bicho assado? Como o peito, que não precisa desossar. Fruta tem que descascar, tirar semente... Um saco! Eu gosto de sentar e começar a comer; se tiver que ficar catando espinhinha eu já perco todo o tesão pela coisa. Por isso as uvas sem semente estão entre as coisas mais lindas já inventadas no mundo. Ontem comi dúzias. E hoje fiz uma limonada verdadeira, de limão verde azedo cheiroso gostoso, depois do café da manhã. Sinto que há uma patrulha virótica rondando aqui em casa, só esperando um momento de stress pra atacar, e nada como uma limonada pra contra-atacar. Porque, vocês sabem, eu ODEIO ficar doente.
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Falando em limão...
Um dos grandes prazeres da vida é dirigir comendo o pão careca fresquinho que você acabou de comprar na padaria, deveria levar pra casa mas não resistiu e vai papando aos pouquinhos, pedaço por pedaço...
Minha maquininha de fazer macarrão fez sua estréia triunfal ontem à noite. Convidamos FeRnanda e Fabiao pra jantar; fizemos pão de queijo e tagliatelle com molho de aspargos.
Não é difícil fazer a massa do macarrão. A minha pasta ficou ótima, mas senti que ficou faltando alguma coisa que não consigo descobrir o que é. Assim que remediar esse pequeno detalhe boto receita, dicas e fotos online.
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Mirco está planejando dar um pulo à IKEA de Firenze nesse fim de semana. Êeeee! :)
Fiz panquecas pro jantar, receita da vovó:
1 xícara de farinha de trigo
1 xícara e meia de leite
2 ovos
1 colher de sopa de óleo (eu não sei mais comer óleo, só uso azeite)
Sal a gosto
Dá umas 15 panquecas, acho. Digo “acho” porque é a primeira vez que faço panqueca, e minha avo já tinha me advertido que as primeiras sempre ficam espessas demais. Realmente meia concha de massa é suficiente pra fazer uma panqueca beeeem fininha – o lance é ir girando a frigideira, quente mas fora do fogo, pra espalhar bem a massa, e só depois que não sobrar mais nada líquido na frigideira botar a bichinha no fogo. Fui testando as quantidades de massa aos poucos, então as 3 ou 4 primeiras panquecas ficaram super grossas – um desperdício de massa... Com essas espessuras malucas, minha receita deu 12 panquecas.
Fiz recheios diferentes, porque eu não tinha uma quantidade suficiente de nenhum ingrediente. Então fiz algumas de espinafre com ricota, até acabar a ricota que eu tinha na geladeira. Fiz uma de presunto e queijo – só deu uma, porque o resto do presunto tava no congelador. E mais três de cogumelo e iogurte. No fundo das assadeiras, molho de tomate bem temperado. Por cima das panquecas, mais molho de tomate, ao qual juntei um pouco de panna (tipo creme de leite), pra ficar menos tomático e combinar melhor com o espinafre, e também porque senão a panna ia estragar na geladeira; eu quase nunca uso.
Depois digo se ficou bom.
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Já falei aqui que adoro um quiz. Tem um que eu gosto muito aqui na TV, “Passaparola”. É dividido em várias partes, mas a que eu mais gosto é a das palavras difíceis. O apresentador, que é um gordinho simpático, dá uma lista de palavras completamente doidas. Ele dá uma definição, e o participante tem que adivinhar a qual palavra se refere à definição. De vez em quando aparece uma palavra com raiz latina ou grega, e me dá um ódio danado quando neguinho erra. Mas é legal, eu gosto.
Adoro jogos com palavras. Inventei um, aqui no Word. Como não tenho Word em Português instalado, vou adicionando as palavras acentuadas ao dicionário do computador, assim, quando seleciono Portoghese Brasiliano antes de começar um texto, ele acentua automaticamente as palavras já inseridas. O meu jogo é assim: pra aproveitar que a janelinha da adição de palavras está aberta, vou brincando de mudar letras da palavra que estou inserindo, pra tentar formar o máximo de palavras possível (e assim inserir o máximo de palavras de uma só vez). Exemplo bobo: a primeira vez que digitei "mão", fui lá inserir, e depois fui mudando a consoante, fazendo pão, não, tão, cão, dão, vão, e così via. Claro que a coisa vai evoluindo, e palavras como "possível" rendem possíveis, impossível, impossíveis, passível, impassível, etc. Fico horas nessa bobeira...
Eu sei que não parece, mas morar com um lanterneiro criativo tem muitas vantagens.
O bom dele ser lanterneiro é que toda e qualquer ferramenta ou está à disposição, ou pode ser facilmente comprada, e pequenos probleminhas são facilmente resolvidos. Bateu o carro? Se ele não conserta pessoalmente (ele nao, o pai, porque ele pinta máquinas industriais), conhece alguém que o faz, por pouca grana e em pouco tempo. Arranhou o carro? Ele vai lá com a pistola de tinta e resolve. Quebrou alguma coisa em casa? Ele volta pro almoço com a ferramenta justa, e conserta.
O bom dele ser criativo é que, se um problema não pode ser resolvido no modo convencional, ele inventa outra solução. Sabe aquela coisa do homem da casa? Então. É assim. E como eu também sempre fui um dos homens da minha casa, e adoro consertar coisas, abrir pra ver como funciona e por aí vai (interesses que herdei do meu pai), nos damos muito bem.
Ontem decidimos que, porque somos acumuladores de coisas, o espaço aqui no nosso escritório é pouco, e precisamos de prateleiras. IKEA? Não, do-it-yourself, que é muito mais divertido, e personalizado!
Primeiro vou explicar mais ou menos como é o escritório, que era o quarto do filho mais velho do casal dono do apartamento. Mirco inventou escrivaninhas cujas pernas são latões de solvente e cujo tampo é uma tábua super larga que ele pintou com tinta pra carro, cor verde-bandeira. Ele usou uma pintura tipo bucciata (buccia = casca, nesse caso casca de laranja), que não deixa a superfície lisinha mas coberta de “respingos” de tinta. Encostado na parede atrás da escrivaninha, uma outra tábua bucciata laranja, na qual ele fixou uma prateleirinha de mesmo material e cor, onde ficam os porta-lápis, porta-correspondência e uma foto nossa feita num restaurante em Catania no ano passado. À esquerda do computador, dois gaveteiros de madeira crua da IKEA, cheias de material de escritório – é o almoxarifado. Nós dois adoramos coisas de papelaria e escritório, e não deixamos faltar nada porque refazemos nossos estoques antes que qualquer coisa acabe ;) E empilhados no alto desses dois gaveteiros, 200.000 raccoglitori (fichários) com documentação de banco, contas da casa, fotocópias de documentos pessoais, faturas de cartão de crédito, etc. O Mirco é muito organizado com essas coisas, e aprendi muito com ele. Hoje não perco mais um documento sequer, tá tudo devidamente ordenado e fotocopiado.
No meu lado do escritório, usamos uma velha escrivaninha da Arianna, que tem gavetas mas é baixa e muito feia. O Mirco pintou um tampo de madeira em azul bucciato, um azul meio cinza que eu adoro. No canto à direita, perto da janela (que tem cortinas em renda com golfinhos, muito adequado), fica o meu computador velho. À esquerda, perto da porta, o meu gaveteiro de madeira e o porta-correspondência idem. Na parede do lado da janela, duas placas de metal bucciato prateado com fotos e coisas fofas presas com ímãs. Na parede da escrivaninha do Mirco, um poster da mostra do fotógrafo sem mão, que o Mirco comprou e quase desistiu de botar na parede quando soube que o fotógrafo tava crente que eu ia pra Austrália pra dar pra ele (mas comé que esse cavalinho foi parar na chuva? Tira ele daí, meu querido!). No canto direito da parede do Mirco, ou melhor, na parede mais estreita desse escritório pentagonal, mais duas placas de metal bucciato verde meio turquesa, com as fotos da Austrália que o Mirco ama. Na parede perto da porta, outra placa, cinza-claro, com mais fotos de viagens e contas pra pagar. Colados na porta do escritório, do lado de fora, uma placa de trânsito avisando que há koalas na área, e logo embaixo, o cartaz do Fashion Rio, desenhado pela Newlands. Do lado de dentro, um calendário horrível com fotografias de caminhões e tratores, e um folheto que veio com a nossa multi-função HP, com coisas escritas nas línguas mais estranhas da Europa.
Foram os malditos raccoglitori, que são horrorosos mas duram muito e custam una cavolata (mixaria), que nos despertaram essa vontade de ter prateleiras. Eu só tenho 2 fichários, um com meus documentos pessoais e do banco, e outro, precocemente aposentado, com os documentos e as contas do apartamento de Bastia, mas tenho uma infinidade de tralha pra organizar: MUITO material pra correspondência, muita correspondência, milhões de bloquinhos, trilhões de canetas coloridas e não, alguns dicionários, zilhões de caderninhos de endereços, agendas, diários, fotografias, letras de música, cadernos de receita, traduções feitas. Tá tudo espalhado pela casa, dentro de pastas e arquivos distribuídos pelos armários hediondos da sala. Precisam de ordem – então inventamos umas prateleiras.
Ingredientes: latas vazias, que eles na oficina compram em quantidades industriais, pra armazenar tintas de cores não tradicionais, cores inventadas pro cliente do momento. Areia pra encher as latas e fazer peso. Profilati de alumínio, que são tipo tábuas ocas de metal que servem, entre outras coisas, pra bloquear as laterais dos caminhões, evitando assim que motociclistas ou carros baixos vão parar embaixo deles, em caso de acidente. Maastricht, uma cola super hiper mega coladora, pra colar as latas.
Ontem à tarde demos um pulo na oficina pra pegar essa tralha. Cortamos os profilati com a serra que cortou um pedaço da mão do Ettore no começo do ano, escolhemos as latas, pegamos as placas de metal que estavam secando no forno, nos munimos de fita biadesiva poderosíssima, e voltamos pra casa. Os profilati são estreitos, então cada prateleira é feita de dois deles, posicionados paralelamente e colados com biadesivo. Três latas de altura entre a escrivaninha e a primeira prateleira, e duas latas entre a primeira e a segunda prateleira. As minhas latas serão pintadas de vermelho-vivo, as do Mirco de azul. Escritório mais colorido, impossível.
As minhas duas placas de metal já estão devidamente entupidas de fotos e coisas, e em breve o estarão também as latas. Sim, é uma poluição visual danada, mas a gente gosta assim...
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E à noite fomos jantar na casa de uma família amiga dos pais do Mirco. Eles se conheceram no hospital há mais de 15 anos, quando o Ettore foi operar o septo nasal, e essa família estava acompanhando um tio pra uns exames cardíacos complicados. Pietro, o patriarca sem dentes, Silvana, a esposa, de olhos azuis lindíssimos, Settimia, a filha nariguda divorciada e sem queixo, Andrea, o filho rebelde de Settimia, com cabelo mohawk mas olhar esperto (e com narigão e sem queixo), e Giovanni, o filho mais novo de Pietro, que é ligeiramente viado, apaixonado pelo Mirco, e dá aula de cozinha na escola de hotelaria de Assis há muitos anos. Todos super gentis, mas um pouco formais demais pro meu gosto. A casa, imensa mas super mal conservada porque o pai, avarentíssimo, controla o dinheiro de todo mundo na família e não gasta nem pra botar luminárias na sala (sabe lâmpada pendurada pelo fio? É assim HÁ DEZ ANOS), fica num buraco chamado Giano dell’Umbria, lá pros lados de Foligno. A estrada cheia de curvas é absolutamente deserta. Uma casa a cada quilômetro. Ou melhor, um sítio a cada quilômetro, porque ali cada família tem grandes propriedades e seus próprios pés de azeitona, de uva, suas hortas, seus galinheiros. Aqui no interior é muito comum encontrar moinhos de aluguel: você leva suas azeitonas, paga uma taxa e eles moem as bichinhas pra você e te dão o azeite pronto. O mesmo pro vinho: há cooperativas onde você leva as suas uvas, e no final do processo de produção do vinho tem direito a uma certa quantidade do produto pronto.
Então nós jantamos bruschette de alho e azeite, de cogumelo e tartufo, de berinjela (melanzana) da horta deles. Depois panquecas recheadas de cogumelo, cobertas de molho branco e molho de tomate, gratinadas ao forno (deliciosas). Depois coelho assado (coelho deles, é claro) e linguiças feitas em casa, na grelha, com batatas ao forno. Depois salada (da horta deles, obviamente). Depois rocciata, um doce esquisito com frutas secas (blergh), e spaghetti dolci, um doce que normalmente se faz na Páscoa, se não me engano, com macarrão cozido e misturado numa massa maluca de chocolate, amêndoas trituradas, açúcar, e outras coisas, tudo isso regado com licor cor-de-rosa. Parece horroroso, mas não é. Também não é nenhuma maravilha, mas é perfeitamente aceitável. Tudo isso regado a vinho branco e tinto feito em casa (eles levam à cooperativa as uvas mais tabajara, com as uvas boas eles mesmos fazem o vinho pra consumo próprio). Espetaculo. O Ettore comeu até morrer, e ainda teve a cara-de-pau de aceitar de levar uma quentinha de panquecas pra casa hehehe
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Amanhã partimos pra Belgrado. Dejan já ligou dizendo que está frio, muito frio. Ui.
Então vamos falar de cigarro. De novo.
Fumar é o ato de maior idiotice de que o ser humano é capaz. Jamais vou entender o que leva uma pessoa a sequer começar a fazer uma coisa que há anos se sabe que dá vários tipos de câncer, tem mil substâncias viciantes, causa impotência nos homens, destrói a microcirculação, deixa os dentes e as unhas amarelos, dá um bafo que chiclete nenhum do mundo é capaz de eliminar, deixa a pele envelhecida, os cabelos feios e fedorentos – e ainda por cima PAGA por isso! Maior exemplo de fraqueza eu realmente não consigo conceber. Depender de uma coisa que além de matar lentamente, fede, é absolutamente inexplicável pra mim.
Além de ser uma coisa idiota, é também um dos maiores exemplos de má educação e desrespeito pelos outros. Mesmo que o cigarro não fizesse mal, só o fedor deveria ser suficiente pra transformar o ato de fumar em uma coisa a se fazer escondido, isolado – como peidar. Se a premissa básica da vida em sociedade é não encher o saco dos outros pra que ninguém encha o seu, como é possível que seja aceitável um não-fumante voltar pra casa depois de um papo no pub, ou uma noite na discoteca, fedendo tanto que é preciso pendurar as roupas na varanda pra pegar um vento e perder o cheiro? Com o cabelo fedendo tanto que na manhã seguinte a náusea te persegue e não dá vontade nem de tomar café? Com os olhos lacrimejando por causa da merda da fumaça?
Todo o problema deriva do fato que quando um imbecil fuma (fumante = imbecil), está fazendo fumar todo mundo que está em volta. Porra, eu NÃO fumo, NÃO quero ficar fedendo, não quero aumentar as minhas já altas probabilidades genéticas de desenvolver um tumor de qualquer coisa, NÃO quero respirar essa merda de fumaça! Quer fumar? Vai fumar no SEU banheiro, trancado! Um banheiro que de preferência não seja usado por mais ninguém, porque o fedor permanece por horas a fio. Crie o seu proprio cubículo de idiotice e fique lá fumando como o idiota que você é, sem encher o saco de ninguém.
Aqui na Europa a coisa mais grave é que os fumantes se acham oooos reis da cocada. Pedir a alguém pra apagar o cigarro é como pedir, sei lá, pra plantar bananeira. Ficam te olhando como se fosse a coisa mais absurda do mundo. Como, absurdo? Absurdo é EU, que não tenho nada a ver com a história e sou muito melhor do que qualquer fumante (porque, como todo fumante é imbecil, já parte com pontos a menos, em qualquer situação. TODO fumante está errado quando fuma, SEMPRE, porque fumar é SEMPRE um ato imbecil, e portanto SEMPRE errado), ter que ficar fedendo por estar rodeada de gente idiota e fraca, que não consegue ficar uma hora ou duas sem acender aquela merda dentro de um pub ou boate!
Ontem, depois do cinema, fomos pegar a Carmen e demos um pulo na nossa pizzaria preferida, pra beliscar umas coisinhas. A Carmen fuma (e depois se pergunta por que seus cabelos caem tanto e a pele é tão feia...), sabe que eu tenho HORROR a cigarro, e mesmo assim acende sempre um cigarro quando está comigo. Ontem discutimos feio porque eu pedi a ela que me fizesse a gentileza de não fumar na minha presença. Aí começa a argumentação ridícula e estúpida de quem não tem razão (lembrem-se, o fumante NUNCA tem razão):
- Mas se todo mundo aqui fuma, não é o meu cigarro que vai fazer a diferença...
Vai sim, cara-pálida. Gente pensando como você, em relação ao cigarro, ao papel de bala no chão, ao ato de furar fila, de não pagar multa, de corromper o policial, de não recolher o cocô do cachorro na rua, é que destrói uma cidade, um país, uma geração. Eu realmente não consigo entender qual é a dificuldade em sacar que pombas, cada um faz a sua parte e tudo vai bem; cada um faz o que dá na telha e acaba fodendo tudo. Qual é a dificuldade de entender uma coisa tão óbvia? Socorro!
Resultado: voltei pra casa irritada, fedorenta e intoxicada, com muita vontade de bater em alguém, de sair incendiando todos os campos de tabaco do mundo, de boicotar toda e qualquer manifestação de qualquer coisa que seja patrocinada por empresas de cigarro. Bando de feladaputa. Estragou a minha noite, de verdade. Uma merda de um rolinho de papel com coisinhas fedidas dentro, aceso numa ponta e com um idiota sugando a fumaça na outra, conseguiu estragar a minha noite.
Cada vez mais eu tenho nojo de pertencer à espécie humana. Se eu acreditasse em reencarnação, na próxima aceitaria ser qualquer coisa, menos um ser humano. Até uma barata serviria. Barata come mal pacas, mas pelo menos não fuma.
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E passando pra outro assunto, porque esse do cigarro me deixa extremamente irritada, raivosa e violenta: o menu de Natal aqui na Umbria.
Aqui a ceia de Natal não é tão importante, e normalmente é à base de frutos do mar (aquela chatice cristã de não poder comer carne, blah blah blah. Na minha casa a gente comia lombinho, bom pra caramba...). O grande balacobaco é o almoço do dia 25. Aqui no interior do Cambodja o pessoal (leia-se as donas-de-casa, em italiano casalinghe) faz cappelletti e ravioli em casa. As superdotadas galinhas da Arianna, que botam dois ovos por dia cada uma, são as fornecedoras de parte da matéria-prima. Além dos ovos, a massa leva farinha de grano duro, numa proporção indefinida – vai no olhômetro mesmo. O recheio dos cappelletti, que são redondos, é de carne moída. O dos ravioli, aqueles com formato de travesseirinho, é espinafre com ricota. A massa é servida in brodo, ou seja, no caldo onde foi cozido o frango/peru/ganso/carneiro, e com parmesão ralado por cima, claro. Eu adoro todos os dois :)
Dia 25, na casa da Arianna, comemos os cappelletti in brodo e depois spaghetti al tartufo. A Stefania achou uns tartufos não sei onde, porque esse ano não choveu e os tartufos não só não se acham como custam os olhos da cara (algo em torno dos 3000 euros por quilo, o tartufo preto. O branco custa o dobro.), e fez um molhinho pra macarrão. Não é incomum aqui comer mais de um tipo de primo piatto. Em teoria as porções são menores, é claro – mas só em teoria.
Depois vêm as carnes, como sempre todas misturadas: tinha peru e frango cozidos (sem gosto de nada) e bistecas de carneiro empanadas e assadas no forno (eu me livrei de todo o empanado porque tinha limão, pra variar... Ô fruta desgraçada!). Como acompanhamento, alcachofras empanadas ao forno, cogumelos recheados na grelha, verdura cotta.
E de sobremesa, só coisa que eu não gosto: panetone, pandoro (acho que é uma massa parecida com a do panetone, só que com muito mais manteiga, e sem essas drogas de uva passa e fruta seca. Engorda que é uma beleza.), biscoitos de pinoli, amaretti (biscoitos de amêndoa), torrone branco, torrone de chocolate (esse eu como), e provelmente outras coisas das quais não me lembro. Sei que passei depois a tarde inteira com vontade de comer um docinho gostoso, um sorvete, sei lá.
Pra beber, vinho tinto e branco, e depois um spumante, a grappa, o limoncello, etcétera. Tudo muito light.
Eu até que me comportei, até porque o menu não era exatamente o meu favorito. Fiquei mesmo nos dois pratos de massa, comi um cogumelo e só. Depois fomos ao cinema ver Mona Lisa Smile.
Ontem, que também é feriado na Itália (Santo Stefano), almoçamos na Arianna de novo. Dessa vez foram os ravioli, com molho de tomate, muito melhor do que in brodo. E duas linguiças na brasa – linguiça feita em casa, claro. Demos umas voltas a pé em Bastia pra digerir, em Perugia idem, depois cinema de novo (Hollywood Homicide), não depois de muita fila, de uma pizza horripilante na Spizzico, e depois a chatice com a Carmen na pizzaria.
E aí eu gostaria de mostrar a vocês um exemplo de fila italiana. Quando eu digo que italiano não faz fila, faz coágulos de gente amontoada sem nenhum tipo de respeito à ordem de chegada (até porque nem eles lembram quem chegou primeiro), neguinho acha que é exagero. Então lancemos um desafio: quem conseguir me dizer onde a fila começa e onde termina ganha um cartão-postal da Sérvia. E quem acertar quanto tempo levamos pra chegar à caixa e comprar os ingressos, ganha uma foto autografada do Legolas de chapéu.
Sábado fomos jantar na casa do Dejan, eslavo que trabalha pro Mirco e que vai nos hospedar agora no reveillon. A família toda é muito simpática e educada, e está na casa dos pais do Mirco toda vez que rola balacobaco. O pai, Momo, é caminhoneiro e faz as revisões do caminhão na oficina do Mirco (e foi daí que surgiu a idéia de botar o filho dele lá pra trabalhar). Ele já rodou toda a Europa e o Oriente Médio de caminhão, e as suas aventuras no Iraque, no Kuweit e cercanias são de matar de rir. Afirmou categoricamente que as mulheres sírias são lindas (o que explica a minha estonteante beleza hohoho), que Damasco é linda, e me deixou com mais vontade do que nunca de conhecer toda aquela região. Pena que o momento não é dos mais interessantes.
A mãe, Zorika, trabalha numa empresa de arranjos de flores secas. Jelena (pronúncia iélena), mulher do filho mais velho, Mika, também trabalha lá. Quando eu e Mirco tivemos que ir à fronteira com a Eslovênia pra carimbar a bosta do passaporte, no ano passado, o Mika e a mulher também foram, porque ela tinha o mesmo problema burocrático que eu. Lembro que na época ela não falava nada de italiano e me parecia mais perdida que cego em tiroteio. Depois não nos vimos mais, mas ela já ficou mais esperta, já fala alguma coisa de italiano, e é muito simpática. Mostrou as fotos do casamento: a festa durou três dias e ela mudou de vestido milhares de vezes! (um mais cafona que o outro, diga-se de passagem. A moda cigana realmente nãaaao é pra mim). Eles são super jovens, tanto ela quanto o Mika são mais novos que eu. Ela fez escola técnica de farmácia na Sérvia, ou seja, não é nenhuma retardada, coisa que me deixou muito feliz: tô cansada de lidar com gente absolutamente ignorante aqui no interior de Madagascar.
O jantar foi super simples: entrada de frios, depois uma sopinha light com macarrõezinhos compridos demais pra ser comidos como sopa mas o caldo estava uma delícia, e depois carne de vitela e de carneiro com salada. Eles já partiram pra casa deles na Sérvia, e dia 30 vamos eu e Mirco ficar na casa deles. Se a festa de ano-novo for do mesmo estilo que a festa de casamento, eu já vi que vou me divertir horrores!
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Todo o mundo civilizado já viu The Return of the King, menos eu. Vocês sabem, aqui na Guatemala os filmes chegam com muito atraso, e dublados. Só me recuperei do trauma de ver TTT em italiano porque depois baixei o filme da internet em língua original, e de vez em quando revejo pra dar uma refrescada nas idéias. Mas pra quem já leu os livros milhares de vezes em Inglês, como eu, e sabe os diálogos de cor, ouvir tudo em italiano é o horror, o horror.
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Amanhã vou a Roma pegar o visto pra Sérvia. Engraçado foi a minha conversa telefônica com o cara do consulado, semana passada. A começar do fato que, no catálogo telefônico, ainda consta Embaixada da Jugoslavia, embora Jugoslavia não exista mais.
- Bom dia, eu sou brasileira e gostaria de ir à Sérvia [sintam a estranheza dessa afirmação], preciso de visto?
- Precisa sim, tem que trazer duasfotos3x4umacartadafamíliaquetehospedateconvidando carimbadaeassinadapelaprefeituradacidadelánaSérvia, blah blah blah
- Peraí, meu querido, vai devagar que eu tô anotando...
- Mas vocês brasileiros são tão rápidos pra jogar futebol, e você demora tanto pra escrever? [clássico comentário totalmente nada a ver, estilo o que tem o c a ver com as c... Até porque eu escrevo MOITO rápido, quem me conhece sabe.]
- ...
- Então, a família que te hospedará tem que mandar uma carta te convidando, mas essa carta tem que ser carimbada e assinada na prefeitura da cidade deles.
- Ahn. [e eu pensando, sim, é bom mesmo eles criarem essas dificuldades, porque tem TAAANTA gente querendo ir passar o ano-novo congelando na Sérvia que se eles não segurarem a onda não tem lugar pra todo mundo! Not!!!]
- E mais duas fotos 3x4, e fotocópia do passaporte e do permesso di soggiorno.
- Ahn.
- E o passaporte original e o permesso di soggiorno original.
- [lógico, seu mongo] OK, ‘brigada…
Então amanha lá vou eu pegar o raio do visto. Aproveito pra fazer umas compritchas: tô precisando de leite condensado e farinha de mandioca pra fazer um cesto de salgadinhos e doces pra família da Marta, porque não tenho a menor idéia do que dar de presente pra eles no Natal. Então vou dar coisas de comer – quer coisa melhor? Aceito sugestões de cardápio. Até agora já pensei em quibe, coxinha de galinha, brigadeiro (já comprei o granulado), torta de limão e quadradinhos de laranja. Vou fazer tudo meia receita porque o que sobra de comida nessa época do ano não tá no gibi, e como além disso todo italiano é meio xenófobo alimentar, tenho medo deles não gostarem e todos os meus preciosos ingredientes tupiniquins irem pro lixo...
Essa noite sonhei com a minha avó e, depois, sonhei que eu tinha uma amiga chamada Klevin (socorro) e com o Sidney Magal. E vocês não podem imaginar o penteado que o Sidney Magal tinha no meu sonho. Acordei compreensivelmente assustada.
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A Ane, além de ter dado a receita do gnoccho lungo, que eu tô louca pra fazer, falou da solidariedade dos italianos. Eu acho que a coisa tá mais pra solidariedade dos romanos, porque aqui onde eu moro, no interior da Nigéria, o pessoal é super fechado e desconfiado, e na maioria das vezes fica na sua em vez de ajudar os outros. Prova disso foi o episódio em que conheci o Mirco: eu e Valéria caminhamos quase meia hora no frio, debaixo de um chuvisco iminente, carregando malas em uma estrada sem acostamento, carros passando a mil por hora e o único que parou foi o Mirco, com o seu caminhão velho, mas àquela altura já estavamos quase no albergue.
Talvez em outras situações seja mais difícil ignorar alguém que precisa de ajuda. Por exemplo, acho que se eu passasse mal no meio dos correios alguém iria acabar me ajudando, porque não dá pra simplesmente fingir que não viu. Mas o pessoal aqui é mais fechadão mesmo, mais acanhado até pra dar informação na rua. Pra mim, carioca acostumadíssima a dar e pedir informações sem o menor problema, a vida aqui no Zaire é meio complicada, mas a gente se acostuma a tudo nessa vida, né não?
A loja do Fabrizio o Louco é meio que um ponto de informação a turistas ali na praça; toda hora entra alguém procurando um restaurante, um hotel, um banheiro, a caixa dos correios, uma tabaccheria pra comprar o bilhete do ônibus. Quando eu vejo que a pessoa tá mais perdida que cego em tiroteio, acompanho-a até onde deve ir. E fico triste quando me agradecem efusivamente dizendo que eu sou muito gentil: pombas, se a minha gentileza surpreende as pessoas, quer dizer que hoje em dia ninguém mais é gentil, e se isso não é motivo suficiente pra me entristecer, então me digam o que é. É como quando a gente freia antes das faixas de pedestre, quando tem alguém querendo atravessar (aqui quase não tem sinal de trânsito; atravessa-se na faixa de pedestres, e quem dirige tem a obrigação de parar pra você atravessar, embora isso quase nunca aconteça e, quando acontece, é com muita má vontade). A pessoa atravessa e normalmente agradece intensamente, e isso nos irrita (a mim e ao lanterneiro): é a nossa obrigação parar o carro, não haveria necessidade de agradecer tanto a alguém por fazer a sua obrigação, mas a coisa é tão rara hoje em dia que neguinho agradece, sorri, levanta o polegar; não em um modo desligadão, tipo valeu mermão, mas como se nós lhe estivéssemos fazendo um favor. Sintoma de que o mundo tá uma merda.
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E já que tá uma merda, continuemos a falar de comida que é bom e eu gosto. Vamos terminar a sessao cozinha italiana com a sobremesa e o que vem depois da sobremesa:
Aí depois de toda a comilança vem a fruta, pra limpar a boca. Normalmente maçã (mela), pêra (pera mesmo), kiwi, e agora nessa época do ano começa a aparecer a tangerina (mandarino).
E depois, de boca limpa, vem a sobremesa, conhecida com o nome muito generalizante de “dolce”. Um doce tradicional e que todo mundo conhece é o tiramisù, feito com queijo mascarpone, biscoitos Pavesini (sem gordura) molhados no café, ovos e chocolate em pó polvilhado por cima. Esse fim de semana vou ver se lembro de pegar a receita da Arianna, que é terrivelmente gostosa, e boto aqui.
Eles gostam muito de sorvete, no verão – e com razão, porque o gelato italiano é uma delícia, leve, colorido, ótimo. É muito comum alguém da família passar na sorveteria antes do jantar pra comprar um isoporzinho de sorvete, e a sorveteria dá as casquinhas de graça. Simpático, né? :)
Doces de colher são pouco comuns. Compota de fruta, eu só vejo de pêssego (pesca). Na verdade eles não gostam muito de doce muito doce. No sul do país a coisa muda de figura, e a galera abusa dos doces cheios de ovo e manteiga, mas aqui no centro do Gabão há coisas que eles chamam de doce, tipo os strufoli (doces típicos de Carnaval), que pra mim não são nem doces nem salgados. Acho uma bosta. Doce por definição tem que ser doce, né não?
E depois de tudo isso vem o café, sempre espresso, fortíssimo, e por isso mesmo só um dedinho no fundo da xícara pra neguinho não sair subindo pelas paredes de tanta cafeína. Tem gente, principalmente os mais velhos, que tomam caffè corretto, ou seja, “ajustado” com um pouco de bebida alcoólica, que pode ser grappa (aguardente de bagaço de uva, FORTÍSSIMA), licor de anis ou outra coisa igualmente horripilante.
E sabe que depois disso tudo muitas vezes ainda se toma um outro licorzinho qualquer, pra digerir? Um amaro, normalmente à base de ervas, podendo ser aromatizado com trufas ou outras coisas, ou então um limoncello gelado. O limoncello é um licor típico da costa amalfitana, ali perto de Napoli, feito com cascas do odioso limão amarelo marinado em álcool de cereais por não sei quanto tempo. É super forte, mas faz o maior sucesso com os turistas (e com os locais também). Eu tenho horror, claro, como a qualquer outra coisa que inclua o famigerado limão amalfitano em sua composição.
E aí no final das contas neguinho vai dormir, né, que ninguém é de ferro. Claro que nas grandes cidades todo mundo come uma besteira qualquer no almoço porque não há tempo nem pra respirar, mas aqui no interior o pessoal ainda tem um longo intervalo pro almoço (pausa pranzo) e volta pra casa pra comer, e sempre dá tempo pra uma dormidinha antes de pegar no batente de novo.
Contorni (acompanhamentos): batatas são raras, e em purê, mais ainda, pra minha infelicidade. Além de ovófila, ou completamente batatófila e as como de qualquer maneira. A Arianna faz batata assim: cortada em pedacinhos bem pequeninhos, cozida em panela baixa e coberta, com pouca água e dois dentes de alho. Nesse ponto nós somos muito mais competentes, porque batatamos dos modos mais criativos possíveis. Mas eles têm uma receita batatal que ganha de longe de qualquer batata frita: as famosas patate arrosto, assadas no forno com azeite e alecrim... Os outros contorni mais comuns são verdura cotta, sendo que "verdura" pode ser qualquer folha cozida (espinafre, chicória, bietola), ou insalata, que vem invariavelmente já temperada, pra meu grande desgosto, e normalmente significa qualquer folha, menos a nossa maravilhosamente insossa alface comum, e tomate, aipo, finocchio – o odioso funcho – e mais nada. Essas nossas invenções saladíferas aqui não são muito bem aceitas: salada é salada e pronto. Aliás, insalata significa qualquer folha que sirva pra fazer salada: alface romana, alface crespa, radicchio, etc. Eu morro de raiva porque às vezes peço verdura cotta no restaurante mas quero saber qual verdura, pombas, eu como espinafre mas tenho horror a bietola – mas pra eles é tudo a mesma coisa, e quase sempre o garçom me olha com cara de espanto e diz, è verdura, signora, verdura è verdura, no? Haja paciência!
E não esqueçamos do pão, que tem infinitas variedades, dependendo de onde se vai. Aqui no centro da Republica de Camarões – ou seja, Umbria, Toscana, Lazio e Marche – o pão é feito absolutamente sem sal, por motivos históricos (leia-se impostos altos demais sobre o sal, em tempos remotos, resultando em revolta dos padeiros que assim inventaram o pão sem sal). São aqueles pãezões enormes de um quilo, chamados filoni (no singular, filone), feios e com gosto de nada, e que já dois dias depois ficam secos, duros e incomíveis. Pra mim só serve pra fazer bruschetta, que no pão salgado fica muito estranha. No dia-a-dia como pão de forma mesmo, e de vez em quando uma baguete ou pãezinhos tipo francês que trago da loja quando sobram. O pão se usa como substituto da massa no jantar, e como acompanhamento pro secondo piatto. Italiano que é italiano não come sem pão. Eu acho um excesso de carboidratos desnecessário, e essa mania de comer com pão foi uma das poucas que eu não peguei por aqui.
Como eu estava dizendo, as variações do pão são muitas. A mais famosa é a piadina romagnola, uma massa folhada que leva ovo e gordura. Fica uma coisa achatada com cara de crepe mas com gosto muito particular – é ótima, diga-se de passagem. Come-se dobrada ao meio e recheada com qualquer coisa: linguiça aberta no meio, no sentido longitudinal, e assada na brasa ou na chapa, cogumelos, prosciutto crudo, mozzarella, rúcola, etc. Diferente da piadina, e na minha opinião iiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiinfinitamente melhor, é a já famosa (pelo menos aqui no blog) torta al testo. O testo é a plataforma refratária onde se assa a massa, que leva só farinha de trigo (que aqui se chama farina 00, doppio zero), água quente, sal, fermento e pecorino. Fica uma coisa de louco; quando a bicha está assando o ar fica com um cheiro que lembra o do pão de queijo... Como é mais alta do que a piadina, não se dobra, mas se corta em pedaços triangulares como se fosse uma pizza, e cada pedaço é dividido em duas partes, como um pão árabe, e lá dentro bota-se o recheio que quiser. Os mais tradicionais são capocollo (um embutido feito do músculo do pescoço do porco, DELICIOSO) e pecorino, e linguiça e erba (a famigerada verdura cotta; eu como sempre sem verdura, claro, já que ninguém nunca sabe me dizer que verdura é).
Um outro longo capítulo de secondi são os substitutos da carne: as leguminosas, aqui chamadas legumi, ovos, queijo, frios. Tudo aqui leva tomate, inclusive as leguminosas, que são comidas sempre em forma de sopa, até porque o arroz branco que nós conhecemos não existe por aqui, é coisa exótica, de marroquino, de tailandês. Mas então. As lentilhas, prato comum nas festas de final de ano, viram sopa de lentilha, com molho de tomate na receita. Detalhe que os grãos de lentilha aqui são muito menores que os nossos, e dizem que a melhor lentilha do mundo, que tem grãos minúsculos, é a de uma cidadezinha chamada Castelluccio di Norcia, não muito longe daqui. Vendemos essa lentilha na loja, e agora no final do ano o que mais tem é gente entrando e pedindo le lenticchie di Castelluccio. O feijão mais usado é o borlotti, que parece um feijão-manteiga, uma das minhas grandes paixões, mas não é. Com o grão-de-bico (ceci), que eu ainda não aprendi a usar, eles fazem tipo uma sopa grossa, com alguns grãos deixados inteiros, com macarrão do tipo quadradinho – são como pequenos azulejos de massa, próprios pra sopa. A Arianna faz um grão-de-bico com quadradinhos que é de comer chorando.
Os ovos são mal aproveitados, na minha opinião. Sou super ovófila: adoro ovo mexido, frito, cozido, quente. Aqui normalmente se comem os ovos cozidos e regados com azeite (claro), ou então como omelete.
E os queijos? São tantos que nem dá pra mencionar. Aqui na zona onde eu moro eles fazem alguns queijos muito bons, particularmente a caciotta, um queijo macio e mais puxado pro doce, que eu amo, e os pecorinos, de leite de cabra, um mais gostoso que o outro. Tem também o stracchino, queijo cremoso que não chega nem aos pés do nosso requeijão (que dirá do Catupiry!), e os “formaggini”, queijinhos tipo Polenguinho, que são ótimos pra dissolver na sopa, nham nham. Em casa eu uso muito Philadelphia, porque sinto falta de queijo cremoso mas não acho nada decente...
As carnes são quase sempre grelhadas ou cozidas, difícil achar alguma coisa frita. O nosso refogadinho básico de cebola alho e óleo aqui vira cenoura, cebola e aipo, e nada de deixar dourar, é só pra dar uma esquentada leve. Picadinho quase não se faz, e quando rola é com muito molho de tomate, que é aproveitado pra pasta do primo; e quase sempre é de carneiro (agnello). Bichos estranhos são servidos quase sempre assados: coelho (coniglio), pombo (piccione, é HORRÍVEL), ganso (oca), pato (anatra), javali (cinghiale). Os cortes de carne são totalmente diferentes, eu não entendo nada, só reconheço bistecca (que eu considero carne de milésima categoria, cheia de nervos, peles e tendões), a famosa fettina di vitello (um filezinho fiiiiino, anêeeemico, triiiiste), costeletas (raras), rosbife, linguiça na brasa. Muito comum é o peito de frango já empanado, pronto pra fritar, mas eles não fritam num monte de óleo como nós fazemos, mas chegam até a usar papel-manteiga no fundo da panela antes de botar pouco óleo pra esquentar. Frango assado quase não se faz, e quando se faz, o bicho é seeeempre despedaçado antes ou depois de ir ao forno. Eu achava que era maluquice da Arianna, que tem um alicatão de cortar frango e sai despedaçando tudo, cortando ossos ao meio, de forma que os pedaços ficam pequenos, mas cheios de lascas de osso. Mas comendo na casa de outras pessoas vi que é mania deles mesmo. Nunca vi um frango assado (ou ganso) chegar inteiro na mesa, coitado. Quanto aos frutos do mar, aqui na Umbria, como já comentei várias vezes, são artigo de luxo. Peixe peixe mesmo quase não se come, a galera não gosta muito, sendo mais chegada aos outros frutos do mar. Acham-se facilmente no supermercado filés de merluzo e outros peixes congelados, prontos pra cozinhar; postas de peixe-espada (que eu adoro), frutos do mar limpos, preparados prontos pra macarrão, com lula, camarão, mariscos, polvinhos. Muito comum é a receita de lula recheada: o recheio é de farinha de rosca (pan grattato) temperada com o caldinho onde foi cozida a lula. Como sempre, entopem de limão, o que torna o prato absolutamente incompatível com o meu paladar.
Uma coisa que eu aprendi aqui foi a comer linguiça, coisa que eu sempre odiei com todas as minhas forças. É bastante provável que eu não goste da linguiça brasileira, muito mais gorda e menos temperada, mas não sei, já que desde que comecei a comer a bichinha não voltei mais ao Brasil. Mas aqui eles a usam de várias maneiras, e não só na brasa ou no feijão (alias, no feijão pra eles é coisa exótica): ou cortadas ao meio no sentido longitudinal e passadas na chapa, ou então tirando a carne da pele e refogando como se fosse carne moída, pra fazer molho de tomate, pra usar como topping de pizza, pra fazer o molho (salsa) norcina, cuja receita já dei aqui... Praticamente toda vez que eu como pizza peço uma que tenha linguiça, pra matar minha vontade de uma carninha básica, e ela NUNCA vem cortada em rodelas como no Brasil, mas sempre fora da pele, em montinhos espalhados sobre a pizza (sbriciolata, literalmente esmigalhada, ou seja, em migalhinhas. Bonitinho, né? :)
Outra mania deles é de comer vários tipos de carne ao mesmo tempo: linguiças na brasa com ganso assado e talvez umas bistecas... Ou então misturam carne de carneiro, vitelo e linguiça na mesma panela, pra fazer o molho de tomate do macarrão de domingo.
Um primo piatto pode ser uma sopa (zuppa ou minestra, normalmente no jantar pra pegar mais leve com a digestão), um risoto, ou uma massa. Os risotos mais comuns são de cogumelo, de aspargo, à milanesa (com açafrão), de frutos do mar, de radicchio, mas as variedades são infinitas: abobrinha com salmão, linguiça, legumes e via discorrendo. A massa também oferece infinitas possibilidades, mas jamais se come macarrão que não seja al dente, e também jamais nadando em molho como comemos no Brasil. Ragù (o molho à bolonhesa, meu preferido) é coisa pros dias especiais. O macarrão do dia-a-dia é o clássico com pomodoro e basilico (tomate e manjericão), do qual não sou muito fã, carnívora que sou. Muito comum também o molho de tomate com atum – e aí já começa a melhorar. All’arrabbiata com molho vermelho apimentado e azeitonas. Ou então com bacon e molho de tomate. Pasta in bianco é só o macarrão com azeite e queijo ralado (amo!). Ou então spaghetti all’aglio e olio. Pasta bianca é qualquer molho que não envolva tomate: alcachofra, aspargo, cogumelos, trufa, legumes, atum, creme de leite (panna, que não é beeeem creme de leite mas dá pro gasto) com ervilhas, com frutos do mar, al pesto genovese (aquele molho de manjericao, pinoli e pecorino). Pasta al forno (lasagna, canneloni), pelo menos aqui onde eu estou, não rola quase nunca. Tem também as massas recheadas, ravioli/tortellini/cappelletti, com recheios variados, como de carne, de ricota e espinafre, de gorgonzola e nozes, de batata, de abóbora. Não preciso nem comentar a onipresença do parmigiano grattugiato, que vai bem com tudo, exceto com frutos do mar.
E os formatos do macarrão? São zilhões! E há combinações clássicas que pegam muito mal de descombinar: as orecchiette con broccoli, por exemplo. Ou penne all’arrabbiata. Ou tagliatelle al ragù.
Amanhã: i secondi piatti.
E como hoje começamos uma dupla dieta (eu pra continuar sílfide e o Mirco pra baixar os triglicerídios e perder os 8 quilos que ganhou comendo besteira em casa na minha ausência), vamos falar um pouco de comida, só pra variar um pouquinho.
Não sei se já comentei aqui, mas o mundo todo acha que sabe como é a cozinha italiana, mas não sabe coisa nenhuma. Surpreendi-me horrores quando saí do circuito dos restaurantes e passei à fase de frequentar a casa de italianos, supermercados e a minha cozinha. O macarrão deles é diferente, a pizza é diferente, a carne é diferente, os doces são diferentes. No final das contas os ingredientes são os mesmos, mas o modo de usá-los é totalmente diverso. Mas comecemos do começo.
Antipasti: pelo menos até onde eu sei, no Brasil não temos o hábito de comer antipasti, a não ser em restaurante (o famoso couvert; aqui na Itália existe um coperto, que equivale ao nosso "serviço"). Aqui de vez em quando rola, se for uma ocasião mais ou menos especial, ou se a galera for muito boa de garfo. Mas não rola nada frito, porque eles aqui não fritam quase nada. São triangulozinhos de pão de forma sem casca (pan carré) com pasta de cogumelos, de cenoura com ricota, com uma fatia de salmão. No inverno vêm as famosas bruschette (bruschetta no singular): a clássica de aglio e olio, outra clássica com tomate fresco e azeite, pasta de cogumelos (aqui na Umbria normalmente os cogumelos são combinados com a trufa negra), creme de alcachofra (como eles comem alcachofra!). Ovinho de codorna? Nem pensar; só se acha nos supermercados maiores, e mesmo assim não é sempre que tem. Eles acham super exótico. No mais, há coisinhas sott’olio e sott’aceto – leguminhos em conserva em azeite ou vinagre, um mais horripilante que o outro, ou então legumes grelhados (verdure grigliate; berinjela, abobrinha, batata, tomate, pimentão na grelha com salsinha e azeite), ou ainda uma das invenções mais nojentas do mundo: insalata de mare, um misturado pronto de frutos do mar, temperados com muito limão (amarelo, claro) e vinagre, que se come frio, BLEEERGH. Se for uma refeição sem secondo, às vezes servem-se frios como antipasto, e aí é lógico que você vai pedir um macarrão sem carne, porque se entupir de salame, presunto e linguiça seca e depois ainda encarar bolognesa não dá, né, queridos.
Amanhã: i primi piatti.
E hoje é a noite do grande jantar brasileiro! Vocês sabem que eu não sou modesta, então lá vai: meu feijão ficou su-pim-pa. Resta saber se o povo vai gostar ou vai achar temperado demais, como sempre.
Não estou nem um pouco animada, principalmente, mas não somente, porque meu nariz continua tapado, e ontem no final da tarde me veio uma dor de cabeça de matar, rapidamente eliminada com um sachet de Spidufen (ibuprofeno em pó, faz efeito rapidinho). Fui jantar na casa da Marta; tinha torta al testo, e a essa altura do campeonato todo mundo sabe que eu amo torta, e quando fazem, me chamam hehehe Foi ótimo, batemos muito papo, a família dela é ótima. Hoje de manhã fiz a torta de limão, que agora está na geladeira esperando o momento final do jantar. Só falta o arroz e a farofa, que obviamente são melhores feitos na hora. Os pães de queijo vou deixar pra Carmen e a biruta da Bettina fazerem pra mim, porque tenho que lavar os cabelos e limpar a casa antes dos meninos chegarem. Não necessariamente nessa ordem.
Deu a louca no lanterneiro e demos uma de paraibas italianos, indo ao lago pra comer peixe: jantamos no Da Massimo ontem, famoso restaurante de frutos do mar no Lago Trasimeno. O lugar fica lá na casa do chapéu, mas vive entupido de gente, e sem reserva não tem jeito, não se acha lugar, e o maître exige pontualidade, além de se irritar se você não gostar do que ele te sugerir. Entao às oito e meia da noite lá estávamos nós sentadinhos à mesa, num cantinho perto de uma das janelas do restaurante. Menu da noite:
Antipasto frio:
- Mariscos refogados com farinha de rosca dentro de uma concha tipo aquela da Shell.
- Salada de lula, polvo e camarão com repolho roxo. A lula e o camarão eu tracei, mas meu relacionamento com o polvo é como meu relacionamento com Berlim: vi, provei, não gostei, e não pretendo voltar.
- Camarões em molho rosé, dentro de outra concha tipo Shell.
- Mariscos esquisitos, de concha retangular e comprida, refogados com farinha de rosca e servidos dentro da própria concha. Deliciosos.
- Uma salada de feijão branco e camarão, DIVINA.
Antipasto quente:
- Mariscos, de diversos tipos (eu prefiro os pequenininhos), em água e sal e com salsinha picada.
- Novamente mariscos de diversos tipos, refogados em molho de tomate. Ótimos!
Primo piatto:
- Gnocchi ao molho de lagostim. Cada gnocchinho pequenininho, redondinho, lindinho! E deliciosos, levíssimos, o molho é delicadíssimo! A porção pra dois é enorme, então levei pra casa uma quentinha sem o menor pudor, e hoje meu almoço será chiquerricamente gnocchetti de lagostim. Uhu!
Secondo piatto:
- Grigliata di crustacei. Camarões enormes e uns primos dos camarões, também enormes, na grelha.
Dispensei a sobremesa porque não tinha espaço pra mais nada, mas o Mirco ainda tomou um sorbetto al limone, e eu tomei uma meletta (mela = maçã), que é uma grappa aromatizada com uma maçãzinha amarela e pequenininha, do tamanho de uma cereja. O copinho é pequeninho também; você vê o copo chegando com aquela micro-maçã nadando em grappa, o perfume da maçã é delicioso!
Tudo isso, obviamente, regado a vinho branco gelado (esqueci o nome), DELICIOSO.
Mas, darlings, sinceramente... Give me a steak any time. Pode ser o marisco mais lindo e delicioso do mundo, o Mister Universo dos camarões, mas naaaada substitui a boa e velha carne de vaca no meu não tão delicado paladar...
***
Atenção: estamos todos terminantemente proibidos de não gostar de Berlim. Porque senão neguinho que não tem o que fazer começa a afirmar que você:
1) é negra (hahahahaha)
2) morava na Rocinha e agora mora no bairro pobre de Assis (mal sabem eles que nao ha bairro pobre em Assis... Hohoho)
3) comprou o diploma (quaquaraquaqua!)
4) é subdesenvolvida e não entende que punk significa liberdade, política social (mas hein?)
Entre outras coisas.
Então ficamos combinados: é proibido não gostar de Berlim. Entendidos?
A garota da calça dourada tah aqui atras de mim dizendo que esqueceu da farinha de trigo na receita. Eh soh um pouquinho, hein! Soh pra dar mais volume, pra ficar uma massa beeeeeem mole; nao vai entupir de farinha senao depois engorda e vem botar a culpa em nos duas que demos a receita... Bota um pouquinho de leite também, um tiquinho soh. Recado dado.
Receita de omeletona da garota da calça dourada: 3 ovos, queijo emmenthal picado, 1 colher de sopa de oleo, 1 abobrinha e meia cortada em rodelas finas, um envelope (deve corresponder a uma colher de sobremesa, vou testar em casa) de fermento em poh. Bater os ovos até ficar bem fofo, acrescentar o queijo e as abobrinhas, depois o resto dos ingredientes. Levar ao forno em forma untada ou com papel manteiga até dourar.
A bicha fica gostosinha, super leve e pouco calorica. Adorei.
Aliasssss... Jantamos ontem na Sagra do Javali em Petrignano, aqui perto. Menu:
antipasto del cacciatore
1 bruschetta ao azeite
1 bruschetta de tomate
1 fatia de queijo bom
algumas fatias de salame de javali, picante
1 fatia de lombo de javali
cogumelos em conserva
primo piatto
pappardelle al ragù di cinghiale (pronuncia tchinguiale = javali) - OOOOOOOOTIMO
secondo piatto
goulash di cinghiale con torta al testo
Quase morri de tanto comer. O javali, como toda carne de caça, é magra, escura e tem sabor levemente adocicado, e se nao for preparada direito fica uma merda, fedorenta. Mas ontem o bichinho tava surreal de tao bom. O goulash estava divino, pedacinhos de carne que se desmanchavam na boca num molhinho picante sensacional. A torta al testo, que eu jah expliquei aqui mas explico de novo, estava otima também.
Entao: a torta al testo é farinha, agua, fermento e sal; vira uma massa que é esticada e depois cozida sobre uma superficie de ceramica (o tal testo), que atualmente virou uma plataforma redonda de ferro que deve estar muito muito muito quente antes de receber a massa. (Antigamente o recipiente de ceramica, fechado, era colocado sob brasas pra cozinhar). A bicha é tao boa que dah até pena. Melhor que a famosa piadina romagnola, que é mais farinhenta e leva banha na receita. Nao me levem a mal, a piadina é otima, mas muito fina e muito farinhenta pro meu gosto. A torta al testo se pode abrir, como um pao arabe, e rechear com os classicos da cozinha umbra: prosciutto crudo e queijo, ou linguiça com "erba" - sendo que "erba" (erva) eu definiria como grama, jah que nao tem gosto de nada, soh de clorofila. Eh uma planta selvagem que eles aqui comem direto, cozida como espinafre. Acho uma merda. A melhor torta, pra mim, é com linguiça. Eh de comer chorando.