28.05.06

ufa

Fazer turismo na Itália é coisa pra entendido. Porque nada funciona, ninguém sabe dar informações, tudo é confuso e impreciso. A minha dica é: NÃO FALE COM PESSOAS. Lidar com gente aqui é uma coisa muito complexa, sujeita a variáveis infinitas. Muito mais seguro se relacionar com máquinas. Eu já havia dito isso à Margareth, que veio do aeroporto pra Assis sozinha de trem, mas elas compraram a passagem Roma-Assis na mesma agência que vendeu as passagens pra Paris. E a idiota da mulher não explicou que um dos trens da tarde não era direto, precisava mudar em Foligno. A maquininha que vende passagem avisa logo: tem conexão em Foligno, quer encarar? Lógico que as duas não foram capazes de ler o tabelão dos trens (não é difícil de entender, juro, mas você tem que ter a inspiração de ir lá olhar pra ele) e perderam a estação. Foram parar em Nocera Umbra, que não é tão longe assim mas é um buraco. Mamãe me ligou rindo de nervoso dizendo que não tinha la-da ali perto, nem um bar, um orelhão, uma banca de jornal, nada. Então lá fomos nós pegar as duas na estação de Nocera Umbra.

A cidade é uma gracinha, mas foi o epicentro do terremoto de 97 e ainda está completamente destruída (as igrejas não, lógico, foram as primeiras a ser reformadas). Fica no alto de um platô e é bem visível já de longe. Mas realmente não tem NADA, e a estação, microscópica e só com duas plataformas, fica no fundo de uma espécie de beco sem saída. Visão mais bizarra do que aquelas duas sentadas ali no banquinho, rodeadas de sacolas da Galeria Lafayette, ainda está pra ser criada.

Acabamos jantando na festa aqui embaixo de casa mesmo, por falta de vontade de cozinhar. E como custei a dormir por causa da música alta, comecei Sidetracked, mais um do Mankell.

Postado por leticia em 22:48

25.05.06

ai meus sais

Começou a maldita festa da primavera aqui embaixo de casa. Aquela cafonice de sempre, cantoras louras-Blondor com saias assimétricas e botinhas brancas, músicos com terno cor de vinho com paetês na lapela, gente de cabelo crespo e franja, the usual. Mas o que enche o saco realmente é que a música é MUITO alta. O palco fica pertinho da varanda, e a música é tão alta que parece que estão tocando num estádio pra 200.000 pessoas, em vez dos quatro gatos pingados que dançam mazurca e polca no chão de cimento vermelho. Parece que neguinho tá cantando dentro da minha orelha. Porreeeeeeee!

Postado por leticia em 23:03

15.05.06

gubbio, de novo

E hoje mamãe encarou o cansaço pós-viagem e fomos a Gubbio ver a Festa dei Ceri. Já falei dela ano passado, quando fui com Mirco e Robertinha. Esse ano fomos mais cedo e acompanhamos a festa desde a Alzata ("levantada"), de manhã. Vimos desfile, cavalos, trombetas, estandartes e tudo o mais. E estávamos em ótima companhia: passamos o dia com o pessoal do curso de narração. Almoçamos na casa do Arturo e no meio da tarde saímos pras ruas pra pegar lugar e ver os Ceri passar. Dessa vez vimos de pertiiiiiiiiinho, aquele bicho enorme de madeira vindo todo torto voando pela rua, os hominhos carregando aquele troço com o rosto vermelho, as mãos cheias de bolhas, suor no suvaco, cabelo molhado de suor colado na testa, gritando, gemendo, grunhindo, e o pessoal aplaudindo e pulando uhuuuuuuuuuuu! É MUITO maneiro. Mas passa assim, ó, voando, e quando você vê, já passou, foi-se. Depois dessa primeira passada saímos correndo ladeira acima pra ver os Ceri antes da segunda e última pausa, no alto da ladeira antes da praça. A troca de carregadores na subida da ladeira é emocionante pacas. Arturo contou que no ano passado um dos carregadores do primeiro Cero, o de Santo Ubaldo, tava bêbado (porque a festa começa no dia anterior) e caiu; caiu todo mundo do Cero e os outros dois Ceri que estavam vindo se embolaram na muvuca e caíram também. Mas aí é só levantar e tirar a poeira e dar a volta por cima e correr pra praça, pra dar as três voltinhas e continuar subindo até a igreja. Se Santo Ubaldo chega muito antes dos outros, fecha a porta, dá mais três voltinhas lá dentro, reza um pouquinho e deixa os outros dois pamonhas lá fora, esperando a sua boa vontade. Esse ano parece que chegaram todos juntos, e assim entraram juntos na igreja.

Tipo assim, um evento cultural suuuuuuuuuupercompreensível e normal.

Recomendo altamente.

Postado por leticia em 23:22

13.05.06

truffe abbondanti

E a Bota tá pegando fogo essa semana.

Primeiro foi a condenação a dez anos de prisão pra Vanna Marchi e a hedionda filha, Stefania Nobile, duas "magas" que fizeram fortuna e construíram um império da picaretagem vendendo números de loteria e amuletos falsos na televisão – juntamente com um brasileiro, "Mago do Nascimento", diga-se de passagem. As duas são absolutamente horrorosas, estranhas, com "PICARETA" escrito na testa, e foram denunciadas, nesse processo, por centenas de pessoas que gastaram fortunas, perderam casa, carro, patrimônio, comprando amuletos pra salvar a vida de parentes doentes. A coisa toda começou com o Striscia la Notizia, meu programa preferido, desmascarador de picaretões. Gravaram a conversa telefônica entre uma senhora, que já tinha torrado uma fortuna em sal mágico do Mar Morto (...), e a tal Stefania Nobile. A senhora dizia que não tinha mais um tostão, que não podia dar mais dinheiro, e a Stefania: a senhora merece todo o mal do mundo. A partir de hoje a senhora não dormirá nunca mais.

Muitos outros relatos parecidos foram mostrados na televisão, e os repórteres de Striscia envolvidos na investigação foram chamados ao tribunal. O processo está rolando desde 2002 – o Mago do Nascimento fugiu em tempo pra Bahia e foi inclusive achado pelo Striscia outro dia – e finalmente as duas foram condenadas essa semana. As histórias paralelas são muitas, e as declarações das telefonistas são de arrepiar os cabelos, porque eram obrigadas a fazer terrorismo psicológico com os clientes, em sua maioria gente desesperada. Ter que dizer à mãe de um menino com leucemia que se ela não vender o carro e usar o dinheiro pra comprar um amuleto mágico o filho vai morrer não deve ser muito legal. Enfim, a coisa toda é muito nojenta e complicada, e a fortuna que essas duas fizeram é uma coisa impressionante, impressionante mesmo. Lógico que a condenação de dez anos de prisão, mais a proibição de vender qualquer coisa na televisão e o dever de devolver o dinheiro às vítimas mais lesadas, foram bem vistos pelo público, e a pena foi mais pesada do que a maioria do povão estava imaginando que seria, visto que aqui tudo acaba em pizza. Lógico que a TV está faturando horrores em cima do caso, com entrevistas exclusivas, cobertura ao vivo, debates, talk shows animadíssimos. Pessoalmente acho tudo de um mau gosto tão interplanetário, sobretudo por causa da infinita arrogância das duas (sempre de óculos escuros no tribunal, aaaaaaaah seu eu fosse juíza!), que não assisto a nada e mudo de canal assim que ouço alguma palavra sobre o assunto. Sabe nojo? Nojo.

A outra notícia, não menos nojenta, foi a descoberta de uma Picaretagem de Proporções Avassaladoras no mundo do futebol. Parece que a Juventus andou comprando partidas nos dois últimos anos, e o número de pessoas envolvidas cresce a cada dia. No meio desse bololô todo estão inclusive alguns árbitros italianos que iriam participar da Copa, e agora também parece que o goleiro Buffon anda metido num giro de apostas milionárias, e provavelmente não vai jogar no Mundial. Não preciso nem dizer que o Milan, aquele do Cavaliere Berlusca, também está no meio, né. Onde tem lama, olha o tricotransplantado ali chafurdando. O fato é que o futebol aqui é uma coisa muito séria, como no Brasil. Há pouquíssimas partidas transmitidas na TV aberta, e o dinheiro que rola com o pay-per-view das partidas (e no meio temos, além da Sky, a Mediaset; adivinha a quem pertence...) é colossal. Um mundo inteiro sendo sacudido pelas acusações mais sórdidas que o esporte pode oferecer. Pessoalmente estou cagando; sempre achei o fanatismo futebolístico uma idiotice ímpar e esse império construído em torno do marketing do esporte me enoja, então de uma certa maneira é bom ver essa merda toda no ventilador. Quem sabe neguinho acorda pra vida e passa a levar um pouco menos a sério coisas como esportes e entretenimento e coisa e tal. Esporte é esporte, caramba, não pode virar religião.

Postado por leticia em 09:05

29.04.06

ainda...

Falando em política: ontem à noite, antes de cair no sono, vimos um pedaço de Matrix, o programa de entrevistas daquele pamonha ex-apresentador do TG5, mostrando o bafafá que foi a votação pra presidente do Senado.

O negócio é o seguinte: a margem de vitória da esquerda sobre a direita nas últimas eleições foi realmente muito, mas MUITO pequena, o que é assustador, mas a direita exagerou sugerindo o nome de Giulio Andreotti, o Corcunda Mafioso, pra presidente do Senado. O cara é envolvido em zilhões de escândalos de tudo que é tipo, TODO MUNDO sabe disso, e mesmo assim o corcundinha, que é senador vitalício (no comment), ainda vira candidato.

Ontem rolaram as famosas eleições. Algumas cédulas que votavam pelo candidato da esquerda tinham o seu nome escrito errado (Francesco em vez de Franco), e como a comissão não sabia o que fazer, porque é óbvio que quem votou queria votar mesmo era no Franco mas errou o nome (olha como eu sou inocente), mas ao mesmo tempo você não pode dar o voto pra um nome que oficialmente não existe, resolveram votar tudo de novo. Aparentemente adiaram a votação pras oito da noite, em meio a protestos e bagunça dentro do Senado, sininho tocando pra neguinho calar a boca e nada, aquelas tosquices italianas. Aparentemente também houve algum problema e só lá pras dez da noite nossos queridos senadores recomeçaram a votar. Acabo de ver no jornal que Marini, o candidato da esquerda, não conseguiu o número mínimo de votos por um voto só. Hoje vão repetir a votação.

Situação semelhante na Câmara dos Deputados: Bertinotti, o comunistão-mor, não atingiu o número mínimo por poucos votos, e a nova votação acabou de começar.

Gente, vocês não têm idéia do quanto é tragicômico acompanhar tudo isso de perto. Juro. Parece final de Copa do Mundo, só que os insultos de ambas as partes são mais elaborados ;) É cômico porque a gente vê que está mesmo no país da pizza, e trágico porque, cacetes estrelados, Andreotti presidente do Senado é como, sei lá, deputado que mata gente com serra elétrica! Ah.

Falando sério, a situação é muito delicada e todo mundo já acha, inclusive eu, que esse governo de esquerda que mal começou não vai durar nada. Porque aqui é assim, ninguém conclui mandato (só o Berlusca...), porque quando as pressões do contra aumentam, o governo cai. O problema é que o governo do tricotransplantado deixou o país na merda, abalou seriamente a economia e tornou a vida de milhões de pessoas incrivelmente mais difícil. Muitos dos votos pela direita nas últimas eleições, tenho certeza, foram dados simplesmente pelo medo de votar nos "comunistas", que ainda são figuras mitológicas por aqui. Sabe aquela coisa do comunista malvado que vai botar albaneses/neguinhos/turcos fedorentos dentro da sua casa? É assim. É triste ou não é?

Postado por leticia em 09:42

15.04.06

a ponte da discórdia

Tendo que sair pro batizado do Alessandro, acabei perdendo uma parte de Gaia, uma das poucas coisas assistíveis na TV de hoje. Quem apresenta é o Tozzi, um cara legal pra caramba, que fala muito bem (a cada dia que passa mais aprecio quem se expressa bem, putz) e sempre traz temas interessantes. Dessa vez falou-se de grandes obras arquitetônicas, um assunto bem amplo, que começou com as pirâmides do Egito e as novas descobertas a respeito, e foi parar no que eu acho que era o que ele realmente queria dizer, ou seja, que a ponte sobre o Estreito de Messina é uma furada daquelas homéricas.

O Estreito de Messina é uma coisa ridiculamente pequena – de barco são 20 minutos, de carro o tempo previsto é cinco minutos – que separa a Calábria da Sicília. Tudo que é político já mostrou intenção de construir a tal ponte, com projetos sempre caríiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiissimos e cheios de polêmicas. A maior polêmica é que a ponte ligaria o nada a lugar nenhum, porque o sul não tem produção industrial nem tráfego de gente tão grande que justifique uma coisa desse tipo. Todo mundo que vai e vem entre as duas regiões usa as barcas, atravessando com carros e tudo o mais. Os argumentos contra a ponte são inúmeros: a máfia tá doida pro projeto sair (Berlusconi aprovou, LÓOOOOOOOGICO) porque é uma mamação sem fim), a zona é uma das mais perigosamente sísmicas do Mediterrâneo e difícil de estudar porque a falha não é na superfície, como a de San Andreas na Califórnia, mas embaixo do fundo do mar, a ponte passaria bem no meio da rota de várias espécies de aves migratórias, os impactos ambientais foram analisados feito a cara de quem analisou, como sempre (não esqueçamos que a Itália é talvez o país menos ecology-friendly do mundo), o pedágio vai ser mais caro do que a passagem de barca hoje (mais a gasolina). Se pensamos que o túnel sob a Mancha e o Golden Gate são ambos fiascos econômicos, embora conectando áreas muito mais ricas e produtivas e populosas, não tem realmente por que aprovar a ponte sobre o Estreito. O tempo de travessia com a barca rápida não é imenso, e a estação das barcas fica perto do centro e é facilmente acessível, enquanto que de carro vai ser necessário dar uma certa volta que alonga o tempo total de viagem. Acabei perdendo os argumentos a favor da ponte, porque saímos bem no meio. Bosta.

Mais informações sobre o programa aqui.

Postado por leticia em 23:35

14.04.06

esse assunto dá pano pra manga

Não precisa nem dizer que a direita não aceita ter perdido as eleições, e já começaram a acusar sutilmente a esquerda de ter lalado uns votos aqui e outros ali. Pediram a recontagem dos votos, que até agora não está fazendo muita diferença. Mais: sugeriram um governo assim juntinho, o que é muito engraçado, visto que se a mesma situação tivesse ocorrido com a vitória da direita, Berlusconi era bem capaz de mandar Prodi tomar no cu ao vivo na TV.

As irregularidades, porém, existem, e como: em Taranto e, creio, em outros lugares, foram encontrados caixotes cheios de cédulas eleitorais perfeitamente válidas, mas obviamente não contabilizadas, ao lado de uma caçamba de lixo.

E alguém que viu com mais atenção me corrija se eu estiver errada: o close-up das muitas bíblias encontradas no esconderijo de Provenzano deixou ver uns santinhos de algum político – o logotipo era, creio, da Alleanza Nazionale...

Mas nada disso é novidade, lógico. Mais sobre o estranho relacionamento máfia-política aqui (dica da Ig).

Postado por leticia em 13:55

12.04.06

mafia, de novo

Hoje de manhã fiquei em casa porque meu aluno salame da fábrica de peças pra avião teve um problema no trabalho e não pôde ter aula. Acabei aprendendo muito sobre a máfia, coisa que não só é interessante mas vai servir pra prova de Linguaggi della Devianza, em junho.

Uno Mattina é um programa de variedades da Rai Uno que ocupa toda a manhã. É apresentado por uma jornalista ruiva que já esteve cobrindo guerras no mundo todo e é muito inteligente, por uma loura ex-participante do Grande Fratello e por um retardado, imbecil, debilóide, jumento, asno, que diz ser jornalista e atende pelo nome de Luca Giurato. É de uma imbecilidade irritante; basta olhar pra cara dele que eu tenho vontade de chorar de nervoso. Mas como quem se ocupa dos assuntos sérios é a ruiva, a longa entrevista dessa manhã com pessoas diretamente relacionadas com a máfia foi muito interessante. Fiquei sabendo, pelo juiz e pelo chefe da polícia especial que comandaram a operação de prisão do Provenzano, que, ao contrário do que eu disse outro dia aqui, não houve nenhum pentito, nenhum arrependido, nenhum alcagüete. Não houve nenhum tipo de interceptação telefônica de ninguém envolvido ou suspeito de envolvimento na história, por um motivo muito simples e que faz todo o sentido do mundo: pra conseguir a autorização da justiça pra plantar uma escuta, o pedido roda na mão de tanta gente que a probabilidade da informação vazar e chegar aos ouvidos dos mafiosos era grande demais. Porque their arm has grown long indeed, e que há peixes grandes com o rabo preso e que a máfia é infiltradíssima no governo é coisa há muito sabida. O objetivo foi então reduzir o número de pessoas envolvidas na investigação, e se concentrar em observar membros da família de Provenzano e seus antigos colaboradores. Foi assim que chegaram à casa muito simples, na periferia de Corleone, onde o chefão se escondia. Por que ele não picou a mula e foi cantar em outro galinheiro? Porque quando se fala de máfia, presença é poder: quem abandona o território acaba perdendo força e sendo substituído por outro mais esperto. É aquela velha história: quem foi à roça perdeu a carroça...

Aliás: imperdível isso aqui.

Postado por leticia em 11:36

11.04.06

cosa nostra

E a outra grande notícia do dia foi que finalmente prenderam Bernardo Provenzano, histórico chefe da Cosa Nostra que era fugitivo há QUARENTA E TRÊS ANOS. Mole? Adivinha onde encontraram a criança? Em Corleone, onde mais. Depois de não sei quantas cirurgias plásticas e de absolutamente ne-nhu-ma pista em todos esses anos, um dos seus ajudantes parece que abriu a boca e contou, tim-tim por tim-tim, como foi possível manter a criatura escondida por tanto tempo. Nada de tecnologia, nem mesmo celulares; toda e qualquer comunicação com o capo era feita só através de bilhetinhos. Como ninguém sabia direito a cara que ele ganhou depois das plásticas, ficava realmente difícil encontrar o homem, apesar das viagens de carro à França pra se operar da próstata. Documentos falsos, nomes falsos, e o sólito paredão de gente que nada vê e nada ouve e torna impossível chegar ao topo das organizações. Agora as opções são duas: ou já existe outro capo no lugar dele, ou vão começar novas guerras entre os clãs mafiosos pra decidir quem vai comandar o batatal.

Morar nesse país é como viver dentro d'Os Intocáveis.

Postado por leticia em 14:10

shoo, fly

Já falei que não entendo nada do sistema eleitoral daqui, que aliás sofreu algumas reformas salva-rabo durante o governo do Cavaliere, mas o fato é que a esquerda ganhou. Ganhou por algo do tipo 0,06%, o que na verdade é muito preocupante, porque quer dizer que ainda tem MUITA gente que acha o Bronzeado-Implantado um cara legal e bom caráter. Muito perigoso. O que decidiu a partida foram, surpreendentemente, os votos dos italianos que moram no exterior. Até as dez da manhã de hoje a direita estava na frente, no Senado, por cerca de 0,02%. Mas mesmo com a esquerda saindo vencedora, vai ser muito difícil governar, porque praticamente a outra metade do Senado e da Câmera dos Deputados foi pra direita. Lógico que a possibilidade de uma coalizão pacífica com fins comuns de desenvolvimento do país, como está rolando na Alemanha, é absolutamente impensável em um país onde as pessoas estacionam ocupando dezoito vagas, onde ninguém ouve o outro, nunca, onde você liga pro cliente que não pagou e ele responde "e daí?". Então quero só ver. O bom é que o Prodi tem o apoio do resto da Europa, que, logicamente, não quer ver Berlusconi nem cravejado de brilhantes. Vamos ver no que vai dar.

Postado por leticia em 14:05

10.04.06

elezioni...

E então as eleições acabaram hoje às três da tarde, e o país está enlouquecido esperando os resultados oficiais. Porque todo mundo tava achando que a esquerda iria ganhar de lavada, mas na verdade tá tudo pau a pau. Um medo danado daquele crápula do Berlusconi voltar a governar. Eu não entendo NADA do sistema político deles, e as pessoas às quais perguntei também não entendem coisa nenhuma, então eu só posso é ficar na torcida e esperar pelo Grande Resultado Final. Acendam velinhas, darlings.

Postado por leticia em 23:14

06.04.06

prognóstico sinistro

Depois do debate final de segunda-feira, Berlusconi chamou de coglioni (acho que a melhor tradução é "otários") quem não votar nele. É engraçada a campanha eleitoral por aqui; fala-se de tudo, passa-se a ofensas pessoais com a maior naturalidade (Berlusconi deveria subir num banquinho pra falar, Prodi está ficando gagá, etc), a esquerda só sabe falar mal da direita, a direita só sabe falar mal da esquerda, e, como no Brasil, a discussão do futuro do país nem entra em campo. O importante é falar mal do outro. Nesse quesito acho que a esquerda tá um pouco melhor, porque algumas propostas foram feitas, pelo menos. Mas de modo geral eu acho tudo tão nojento que mudo o canal assim que vejo a cara de qualquer um deles.

A grande tristeza é que Berlusconi é, hoje, a cara da Itália. O arquétipo do italiano - a começar da aparência física. A cara cor de tijolo de quem faz bronzeamento artificial, os cabelos asquerosamente implantados e penteados, o sorriso falso, a testa franzida em desdém. A incrível capacidade de passar os outros pra trás e achar superlegal. A preocupação ZERO com quem está ao redor, coisa facilmente verificável no dia-a-dia aqui na Itália, no trânsito, em qualquer estacionamento, na fila de qualquer lugar, nas menores decisões, que nunca, NUNCA levam em consideração os possíveis efeitos pro resto do mundo. Berlusconi é isso; Berlusconi é a Itália. Esse país tá fodido e eu tenho muito medo que a coisa piore terrivelmente se ele continuar no poder. Não que a esquerda vá fazer milagres, porque político bom é político morto, mas pelo menos é tão contra tudo o que a direita diz que só pode ser um pouco melhor. Só o fato da esquerda querer tirar o crucifixo da escola já seria motivo suficiente pra eu votar pra eles... ;)

Pra quem vive me escrevendo perguntando como é a vida na Itália, sugiro o
post histórico da Daiza. Eu amo essa mulher.

Postado por leticia em 07:34

05.04.06

porradas eleitorais

Mas o que eu queria comentar mesmo foi o golpe baixo final do Berlusconi no debate de segunda. Eu não vi, lógico, primeiro porque cheguei tarde e já tava no final, segundo porque jantar olhando praquele homem me dá vontade de vomitar, mas ontem de manhã os telejornais só falavam da sua última jogada mortal: vou eliminar o ICI (o equivalente ao IPTU) da primeira casa. Vocês ouviram bem, vou eliminar o ICI! Sem comentários. O pessoal do curso de narração (doravante conhecidos como povo do Cantiere – o curso se chamava Cantiere 33) enxurrou a mailing list com comentários do debate, então fiquei meio que sabendo o que aconteceu, e nosso caro Berlusca soltou essa pérola ridícula (porque irrealizável) no último minuto da prorrogação, pra não deixar que o Prodi respondesse. Deve ter sido emocionante. Uau.

Postado por leticia em 07:42

17.03.06

elezioni 2006

No início de abril vamos ter eleições políticas aqui (as eleições administrativas são pra prefeito e, acho, presidente de região), pra escolher outro presidente do conselho de ministros e senadores. Então não se fala de outra coisa na televisão.

O lance é que aqui tem a lei da par conditio, ou seja, todos os candidatos têm direito à mesma exposição nos meios de comunicação. Tudo em teoria, lógico, porque em um país onde o Presidente do Conselho é dono dos três canais privados, tudo isso não tem o menor sentido. Em qualquer hora do dia ou da noite você liga a TV e em algum lugar vai dar de cara com o cabeção careca e bronzeado artificialmente do Cavaliere. Na terça-feira teve debate entre o carecão e o Prodi, da esquerda, de quem na verdade eu não desgosto: é um homem incrivelmente culto e inteligente, inseridíssimo no contexto da Comunidade Européia (já foi presidente da Comissão), e com idéias bem claras do futuro que a Itália pode ter dentro da Europa. Rifkin, aliás, cita muitas frases dele no seu livro. Mas a Bota nunca viu outro comunicador tão hábil quanto o Berlusca, e tenho muito medo da sua reeleição, porque as pessoas ainda têm medo de comunista por aqui e a probabilidade de neguinho votar no Berlusconi pra não votar nos "comunistas" é real. Eu não vi o debate porque só de olhar pra cara do Berlusconi eu tenho vontade de vomitar, mas pelo que ouvi parece que o Prodi, que não fala como político, ou seja, é rápido, sucinto e direto, levou a melhor. Utilizou-se o sistema americano, com tempo limitado pra responder às perguntas, e é lógico que quem tem que enrolar, apresentando dados falsos sobre número de novos empregos, aumento da produtividade, redução dos gastos públicos, e estatísticas inventadas em geral, precisa de mais do que dois minutos. No final parece que Prodi conseguiu falar dos seus planos futuros pra Itália, DENTRO DA COMUNIDADE EUROPÉIA, enquanto que o Berlusca só conseguiu mostrar esses dados ridículos, falar mal da esquerda em geral e desmentir o que o Prodi dizia, e insistir sobre a grandeza da Itália, o valor do made in Italy (aqui se fala tanto disso que eu já enjoei), etc etc. Como se Prada e Gucci pudessem ser consideradas indústrias de grande porte, sabe.

O pior é que tem muita gente que vota no Berlusconi porque ele é um grande empreendedor. Não há dúvidas de que o seja, apesar dos meios altamente suspeitos que usa pra chegar aos fins, porque hoje não é mais possível construir grandes fortunas em tão pouco tempo sem ter todos os duzentos rabos presos. Mas isso não significa, muito pelo contrário, que ele seja um bom líder político. Um homem com aquela cara bronzeada artificialmente, aquele sorriso falso, aquelas palavras retorcidas, aquela retórica engana-pamonha, e o passado de leis salva-rabo que ele aprovou não merece minha confiança nem se tiver que lhe perguntar que horas são. Mas tem gente que cai na armadilha, porque admira o grande homem. Como se todo self-made man envolvido com a máfia fosse automaticamente um bom líder.

Eu tenho nojo.

Postado por leticia em 21:34

13.03.06

o cavaliere ataca novamente

As notícias da semana são duas:

Uma, já meio velha, é o sumiço do pequeno Tommaso, de 18 meses, um menino epilético que foi seqüestrado da casa dos pais na semana passada, depois de um presumível assalto em casa. Ninguém consegue descobrir por que diabos o garoto foi seqüestrado, já que a família não é rica, e o país inteiro – Papa, jogadores de futebol, os imbecis do Festival di Sanremo que felizmente passou voando e eu não vi (ganhou uma música que faz barulho de pombo, juro, procurem no google), apresentadores mil – está implorando pra devolverem o menino, que precisa de anticonvulsivantes duas vezes por dia pra não ter crises. O problema é que encontraram em um porão da casa um computador do pai, com fotos pedopornográficas dentro. E um diário da mulher, que um dia escreveu: meu marido gosta de ver crianças peladas. Ô país pra ter histórias cabeludas!

A outra foi o desfeite que o Berlusca deu numa jornalista durante uma entrevista. ANTES QUE ALGUM CHATONILDO DE PLANTÃO PARENTE DOS BRASILEIROS CHATINHOS QUE MORAM NA ALEMANHA E SE ACHAM OOOOOS ALEMÃES VENHA ENCHER O MEU SACO: eu NÃO vi a famosa entrevista e só fiquei sabendo o que os telejornais contaram, muito parcialmente, como sempre. Minha opinião é completamente parcial porque eu abomino o Cavaliere, como qualquer outra pessoa de bom senso. O que eu vi na TV foi o careca dizendo pra jornalista "deixa eu falar senão vou embora", ela meio que interrompendo mas nada de grave porque todo italiano só sabe falar gritando e interrompendo, ele se levantando e dando a mão à jornalista e dizendo a senhora deveria se envergonhar, e depois a frase-chavão de todo político idiota, "a senhora acabou de demonstrar como é uma pessoa da esquerda".

Conhecendo o seu Berlusca como nós conhecemos, o que eu imagino que aconteceu é o seguinte: ela deve ter feito alguma pergunta cabeluda, e ele, usando a tática milenar dos políticos filhos da puta, retorceu e revirou e respondeu o que ele quis usando estatísticas a seu favor mas que nada tinham a ver com o que tinha sido perguntado. Ela deve ter interrompido pra dizer que não era isso o que ela tinha perguntado, ele fingiu ficar ofendidinho e se mandou, deixando no ar aquela frase feita tipo Grissom. Só pode ter sido isso. Alguém que tenha visto a entrevista sabe me explicar melhor o que aconteceu?

Postado por leticia em 22:50

10.03.06

ugh

Então ontem à noite ligamos a TV no Bruno Vespa, aquele nojo, e demos de cara com aquela vaca da Alessandra Mussolini (sim, a neta do Duce), de minissaia e botinha até o joelho, combinando direitinho com o batom rosa-paquita e o cabelo Farrah Fawcett, discutindo acaloradamente com Victoria Luxuria, que obviamente é uma transexual. Com MOOOOOOOITO mais classe que a Mussolini, LÓ-GI-CO. Enquanto a vaca loura falava por cima do que a Luxuria dizia, repetia os mesmos argumentos idiotas de quem não tem argumentos, e ofendia todas as bichas do mundo, fazendo careta de "cruzes, que diabos será isso" quando Luxuria falava em gays, lésbicas e transgender, a Luxuria, de terninho e camisa social branca, cabelos recatadamente presos e maquiagem light, veio documentadíssima. Leu trechos de discurtos demagógicos da Mussolini dizendo, feito o Papa, que amor não tem sexo, que todo mundo sabe dar carinho independentemente da escolha sexual, e todas aquelas coisas que todo mundo diz quando quer se fazer passar por bonzinho. Luxuria deitou e rolou na maior classe, lendo o que a Mussolini tinha escrito pra rebater todos os comentários da vaca loura contra gays etc. Teria sido muito divertido se não se tratasse de um assunto tão sério quanto o casamento gay (assunto sobre o qual não tenho opinião formada, diga-se de passagem e com muita honestidade). Acabei me sentindo envergonhada pela Mussolini, sabe, quando a gente se envergonha pelos outros?, porque, please, uma candidata a qualquer cargo importante NÃO PODE aparecer de minissaia e botinhas e batom rosa-paquita e cabelo Farrah Fawcett na televisão, não podeeeeeeee, e acabei desligando a televisão.

Mas a Victoria Luxuria ganhou de lavada. Até porque a Mussolini, acusada de fascismo, se saiu com essa: meglio fascista che froci, literalmente melhor facista que bicha.

Postado por leticia em 22:31

02.02.06

botenses

Duas reportagens interessantes essa semana no telejornal:

A cachorrinha vira-lata que foi salva pelo seu colega sem-teto pastor alemão. Ela caiu num barranco e não conseguia sair; o pastor, que costumava perambular com ela pela cidade, latiu a noite toda e a manhã toda sem parar até que alguém percebeu e chamou os bombeiros. Quando os homens finalmente conseguiram tirar a trêmula cachorrinha bigoduda do barranco e se viraram pra agradecer ao pastor alemão, ele tinha ido embora.

O motorista italiano foi classificado oficialmente como o mais agressivo e mal-educado da Europa. Jura? E por isso mesmo agora vai existir uma punição oficial contra traffic harrassment, digamos assim. Porque outro dia um imbecil fechou outro imbecil no trânsito, o fechado começou a perseguir o fechando, com a mãozinha pra fora fazendo o clássico gesto aôoooooo imbecill', maccheccazzo fe'?, o fechando se sentiu ameaçado e chamou a polícia e o fechado foi multado. Achei superlegal, mas se os policiais que multam também são italianos e também dirigem assim, será que vai adiantar alguma coisa?

Postado por leticia em 23:23

01.02.06

:)

Os dias têm sido ensolarados, de temperaturas quase primaveris. Hoje arrisquei até sair de casa de pulôver de lã mas sem sobretudo, e sobrevivi. Incrível como o meu humor melhora quando vejo a cara do sol. E a paisagem umbra no caminho pro trabalho é tão bonita! Spello é um desbunde, toda feita com a mesma pedra rosa de Assis, mas por ficar bem próxima à estrada tem um impacto particular. O interior do Zaire é uma beleza só :)

Postado por leticia em 23:17

25.01.06

da série a abominável tv italiana

Várias notícias interessantes rolando aqui na Bota.

A Notícia Hedionda da semana passada foi a liberação de uma senhora de 50 anos, com sérios problemas psiquiátricos, que era mantida trancada em um BANHEIRO pela família, que não tinha paciência pra lidar com ela. A coitada da mulher não saía de casa (nem do banheiro) há TRINTA ANOS e tomava banho de bacia na varanda. O cachorro da família podia circular pela casa, ela não. Sinceramente, se é pra ser assim, melhor manter os manicômios abertos. Antes no manicômio com enfermeiros do que em casa sendo tratada como um inseto.

A Notícia Cara-de-Pau da semana foi Berlusconi dizendo que é completamente contra misturar negócios e política. Logo ele, maior empresário do país, dono da maior editora, dos maiores jornais e das três redes de televisão privadas, de lojas de departamento e de bancos. Entre outras coisas. Logo ele, que aparece no lançamento do livro de seu personal puxa-saco Bruno Vespa – livro sobre Berlusconi, diga-se de passagem. Berlusca também disse muito tranqüilamente que quase com certeza vai precisar alongar um tiquinho o mandato, pra dar os últimos retoques em algumas leis que ficaram pendentes – leis salva-rabo, sem dúvida. Ainda que eu falasse a língua dos anjos, a Itália eu jamais compreenderia.

Mas o melhor mesmo foi o arranca-rabo de domingo na Rai 1. O programa era Domenica In, ou Domenica in Famiglia, um dos dois. É um clássico programa de auditório emburrecedor de multidões, com a participação idiota de cantores e atores idiotas cantando músicas idiotas que já eram idiotas quando foram lançadas, nos anos 70; fala-se superficialmente só de assuntos idiotas e de fofocas idiotas de VIPs idiotas; os figurinos são ridículos, o cenário é de Qual é a Música, e todos gritam sempre. O "programa" é apresentado por uma loura que grita (toda showperson italiana grita SEMPRE), com lábios muito estranhos, cabelos longos lisos e louros que ela joga de um lado pro outro, sempre em camisas com os primeiros botões abertos pra que, com cada involuntária abaixadinha na direção da câmera, seja possível entrever os potentes e cadentes seios da senhora. Pois então, o pega-pra-capar de domingo foi tão grave que fala-se em suspensão da obrigatoriedade de pagar a assinatura da TV e em cancelamento do programa. Lógico que não vai acontecer nem uma coisa nem outra; estamos na Bota, afinal, mas de qualquer maneira isso indica a seriedade da coisa. Os participantes eram dois clássicos arrozes-de-festa que vivem saltando de um programa horrível pra outro, à cata de visibilidade. No lado esquerdo do ringue, Er Mutanda (dialeto romano pra O Cueca), assim chamado porque quando participou do Isola dei Famosi ficava rebolando de cueca em frente às câmeras. É um homem bonito mas claramente decadente e claramente viado, que quer a todo custo provar que é só bonito e não viado, e a cada história de amor com alguém famoso que ele conta na TV é imediatamente desmentido pelo tal alguém famoso, que diz muito seriamente que nem o conhece. Um daqueles personagens que dão pena, sabe. Do lado direito do ringue, um romano grezzo come una scarpa (tosco, tosco, tosco) cujo nome nem me lembro, que também foi ressuscitado por uma edição da Isola dei Famosi depois de anos de anonimato após seu único sucesso musical. Não sei qual foi o motivo da briga e nem me interessa, mas sei que os dois começaram a se atacar verbalmente no programa, AO VIVO, xingando mãe e pai do outro, dizendo barbaridades e palavrões, enfiando o dedo na cara do outro, enquanto Mara Venier, a detestável loura peituda, tentava botar panos quentes na coisa. Vendo trechos da briga no telejornal, eu rolava de rir. Fora a coisa do baixo calão, do baixo nível, da tabajarice, da tristeza que é ter esse tipo de coisa na televisão, é absolutamente hilário ver gente pseudofamosa xingando a mãe do outro com vozes roucas e jugulares pululantes. Como o programa é teoricamente "pra família" e passa no domingo à tarde, tudo foi considerado muito impróprio (eu honestamente acho que já é impróprio o programa normal, sem brigas, de tão idiotizador que é, but that's just me) e o bafafá foi tão intergaláctico que não se fala de outra coisa. Eu estou rindo até agora.

Postado por leticia em 10:20

18.01.06

strange school

Estou cheia de alunos adolescentes. É o final do terceiro quadrimestre na escola (foi assim que me explicaram) e tá todo mundo correndo atrás das notas baixas em inglês. Então chegam todos desesperados, mostrando “compiti in classe” que devem preparar pra próxima semana (deveres de casa que devem ser corrigidos em aula) e outras coisas que não entendo. O sistema educacional por aqui é incrivelmente confuso. As crianças levam pra casa uma quantidade industrial de dever, e também há um sistema muito complexo de provas orais e escritas, notas pra dever de casa e dever feito durante a aula, redações e diálogos a ser lidos em voz alta. Quanto mais me explicam, menos entendo. Pra mim é bom, porque trabalho não falta, e ainda me divirto com os jovens botenses e seus delírios escolásticos.

Eu só não entendo duas coisas: como eles escrevem mal, vixe!, ninguém sabe pegar na caneta direito e a caligrafia é invariavelmente redondinha, cafona, com L gordas que se confundem com outras letras, As que são bolinhas com um rabinho mal grudado, muitos escrevem em caixa alta; e TODOS escrevem de caneta. Vocês já viram alguém fazer exercício de caneta? Se erra, pra corrigir tem que rabiscar, ou, pior, escrever por cima mesmo e fingir que é compreensível. Um lapisinho básico não, né? Os livros são detonadíssimos; pra mim, que não escrevo nada nunca em livro nenhum, é de cortar o coração ver todos aqueles rabiscos esferográficos cobrindo as páginas dos coitados.

Postado por leticia em 23:49

16.01.06

porreeeeeeeeeeeeeee

Então tipo assim, vai ser cagada assim na China. Em 4 anos de Itália ninguém NUNCA, nunquinha me pagou pontualmente. Tem alguma coisa seriamente errada, ou comigo ou com esse país. Estou de saco cheio. CHEIO, CHEIO, CHEIO.

Postado por leticia em 22:27

12.01.06

saúde é o que interessa

Uma ex-aluna me deu o tal convite pra fazer um mês grátis na ginástica in que ela freqüenta. O lugar é muito maneiro, tem hidromassagem, piscina, mil aulas malucas com nomes que incluem sempre "body", "flex", "tonic", "pump", etc, tem ioga, tem Pilates, tem capoeira, tem spinning, tem tudo. Só consegui dar as caras por lá hoje. Quem me levou no "tour" da academia foi uma senhora que esqueceu que é velha (os cartõezinhos que papai idealizou, com a escrita "você está velho(a)", cairiam muito bem nesse caso) e usa sainha plissada com botinha até o joelho e camiseta com bordadinho em strass. Fez o clássico beicinho de vendedor quando eu disse que o problema era o tempo, falou "aaaah faz um esforcinho, né?", e me deixou em paz. Fiz meia hora de esteira e meia de Transport, e foi o que deu. Conheci Marco Aurélio, goiano que dá aula lá (nem vou comentar o meu azar na vida e como eu me sinto o cocô do cavalo do bandido quando escuto histórias como a sua), seu amigo goiano cujo nome esqueci, que dá aula de capoeira lá mesmo só tendo feito capoeira 2 anos no Brasil, e vi uma menina idiota que foi minha aluna por duas aulas na fábrica de rolamentos pra aviões onde dou aula, em Foligno. Tomei banho num chuveiro delicioso, mas QUEM FOI O IMBECIL QUE INVENTOU QUE EM BANHEIROS COLETIVOS OS CHUVEIROS NÃO PODEM TER PORTA? Eu não quero ficar pelada na frente de um bando de mulher que eu não conheço, dá licença? ODEIO isso.

Depois falei rapidamente com a "consultora" da academia (leia-se vendedora), maquiadíssima (foi maquiada mesmo correr na esteira depois...), antipática, um verdadeiro nojo, que me mostrou os preços. Aqui o negócio funciona assim: como ginástica é coisa pra poucos, porque italiano que é italiano não se exercita, imagina, suar?, tá louco?, e os poucos que malham o fazem só no inverno (porque no verão vai todo mundo "al mare", lógico, pra torrar os neurônios), os preços pra quem se matricula por períodos curtos são completamente fora da realidade. Pra quem faz matrícula por um, dois ou até três anos, a coisa já começa a ficar normal – 50 euros por mês pra usufruir de tudo o que a estrutura tem a oferecer não é muito, se você tem tempo pra isso – mas, e atenção ao mas, tem que pagar tudo de uma vez! Então sai algo em torno de 650 euros por um ano (o ano acadêmico deles, pun intended, tem 13 meses), que eu tenho que pagar em uma porrada só. Ahan. Falei pra garota que estava suuuuuuperintencionada a me matricular, mas que por motivos de horário ainda estou decidindo se consigo ir ou não, e é melhor entrar em contato comigo no final do mês, quando vence o convite. E depois nunca mais vou dar as caras por lá. Eu, hein.

Postado por leticia em 23:52

11.01.06

trabalhar e trabalhar

Voltei a dar aula hoje na fábrica de rolamentos pra aviões, a empresa mais sofisticada e mais american-like da província, quiçá do país. Gente muito profissional mesmo, uma empresa que aposta nos funcionários, que dá valor ao que tem. Só não é mais legal trabalhar com eles, ainda que indiretamente, porque, convenhamos, rolamento pra avião não é a coisa mais maneira do mundo. Robertinha tá em Torino trabalhando na Ferrero, e mesmo estando na área de marketing do chá gelado em vez do chocolate, tenho certeza que tudo lá é muito mais interessante.

Os meninos pra quem dou aula vão passar um período nos EUA estudando inglês e depois aperfeiçoando os conhecimentos técnicos na empresa do maior cliente deles. São muito jovens, os três, e muito engraçados. As aulas são superdivertidas. E reconhecem que a situação deles é completamente anormal no atual contexto italiano, onde ninguém mais assina a carteira de ninguém, funcionário nenhum tem direito a porra nenhuma, e não ganha nem meio panetone de Natal. Essa dicotomia profissional lembra muito o esquema Belíndia do Brasil, né? Tô falando que eu tô no interior do Zaire...

Postado por leticia em 23:04

10.01.06

como assim, bial?

Eu não tomo chá. Mirco gosta, mas quase não toma. Não é uma tradição italiana. Não existe chá com leite por aqui. Adivinhem o que ganhamos de Natal da mãe do Mirco? Um conjunto de chá – com teapot, açucareiro e minileiteirinha.

Tem umas coisas aqui que eu realmente não entendo. Essa incapacidade de olhar pro lado, de questionar, de duvidar, de perguntar, de se interessar, de querer entender. Ano passado conseguimos convencer o condomínio a consertar um treco no telhado que fazia um barulho miserável quando ventava – e aqui venta muito. Quando comentamos com os vizinhos do lado, uma família tão boazinha que dá pena, eles disseram: aaaah mas esse barulho nós já ouvimos há uns dez anos! COMO ASSIM? Conviver com um barulho irritante e repetitivo por DEZ ANOS e nem sequer ter a curiosidade de saber de onde ele vem? Quequeísso!

Mesma coisa lá na escola. Tem alguma coisa estranha que apita o dia inteiro. Eu, que passo o dia TODO enfurnada lá dentro, tem dias que quase enlouqueço com o apito. A Simona fica sentada ao lado de uma janela na mesma parede da minha sala, e também ouve o apito. Mas foi preciso que eu dissesse pelamordedeus o que é esse apito maldito alguém conserta essa coisa!!! pra que ela chamasse alguém pra diagnosticar. O eletricista que veio consertar a campainha falecida disse que parece que é la caldaia (o boiler ou coisa que o valha). O que significa que precisa chamar o idraulico (bombeiro). Você chamou o bombeiro? Nem ela. Ficamos o dia todo ouvindo aquele apito enlouquecedor, que infelizmente dá pra escutar até mesmo com o rádio ligado repetindo aquelas mesmas dez músicas o dia inteiro. O papel higiênico dos banheiros acabou há três semanas, e todo mundo continua limpando a bunda com papel absorvente, que aqui se compra em rolos imensos de quatro, cinco quilos e se usa pra limpar tudo dentro de casa. Alguém foi lá comprar? Não. A privada do banheiro do hall de entrada está entupida com o tal papel, que logicamente não desce pela descarga, há igualmente três semanas. A faxineira supermaquiada resolveu o problema? Não.

E olha que eu sou a rainha da empurração de coisas com a barriga, herança paterna, mas haja paciência!

Enquanto isso, a agência que me deu a bolsa de estudos me manda um e-mail dizendo que o governo liberou a verba das bolsas desse ano, e pedindo pra ir ao site da agência pra ver se o meu nome está lá. Quem disse que se acha alguma coisa no site? Quem disse que alguém sabe me informar alguma coisa por telefone?

Enquanto isso, a agência que intermedia projetos de formação de empresas financiados pela Regione Umbria e pela Comunità Europea, que me deve dois terços do curso de inglês que eu fiz na empresa do Chefe Idiota há duas eras glaciais atrás, não responde o telefone, não responde e-mails, o fax não funciona.

Enquanto isso, a escola de Ponte San Giovanni ainda me deve 150 paus de novembro e dezembro. E pelo telefone dizem que eu fui inflexível demais. Hein?

Enquanto isso, Berlusconi paga 1800 euros de multa e assim se salva do pente fino do Fisco. Lei criada por ele mesmo pra salvar o cu dele mesmo, logicamente.

Enquanto isso, hoje um solteirão foi descoberto com o cadáver da mãe escondido no armário há três anos, enquanto ele tranqüilamente recebia a pensão da senhora religiosamente, todo mês.

Enquanto isso, não consigo malhar nem com o convite pra um mês grátis na academia mais in de Foligno, porque os horários são incompatíveis com o meu horário esquizofrênico de trabalho. Ando tão irritada que nem fome tenho e já perdi dois dos mil quilos que devo perder pra não morrer de Depressão de Gordo.

E outra noite sonhei que o Mirco tinha feito um piercing no queixo. Acordei às gargalhadas :)

Postado por leticia em 12:17

08.01.06

nada a ver com nada

Estou precisando desesperadamente de um celular novo. Então fui e comprei um casaco.

É que dia 7 começaram oficialmente as liquidações em Perugia (cada província tem a sua data específica, oficial, e ai de quem desrespeitar), e lá fui eu à caça de um casaco verde-musgo que eu já tinha identificado há alguns meses na Sisley. Quando o vi pela primeira vez, fiquei olhando pra cara dele pra não esquecer, decorei o preço (150 euros) e armazenei as informações num canto do céLebro, pra voltar só quando as liquidações começassem. Ontem fez um frio desgraçado, passei a manhã em casa fazendo uma faxina daquelas pesadas como há muito não fazia, descalcarizando a casa toda, levei almoço pros meninos na oficina e assim que as lojas reabriram à tarde, às três e meia, eu já tava dentro da Sisley fuçando entre os casacos. Achei o bendito, e estranhamente achei o meu tamanho também, motivo pelo qual dificilmente consigo aproveitar liquidações. Novo preço: 85 paus. Valeu a espera ou não valeu? Sobrou até pra comprar um cachecol lindo de lã marfim, pra combinar com o gorro de cashmere da mesma cor que o Gianni fez na malharia onde trabalha, e me deu de lembrancinha de Natal.

Como também estava precisando de um par de botas pra alternar com o preto que eu uso direto ultimamente, passei na Bata e trouxe pra casa um lindo par marrom escuro, com estranhos adereços esporas-like com strass que posso tirar se não tiver coragem de usar, de couro da melhor qualidade. A moda esse ano é o estilo eqüestre, que eu acho bem legal mas sendo culotuda e imensa não posso me dar ao luxo: calças de pernas finas ou que terminam logo abaixo dos joelhos enfiadas por dentro de botas de cano altíssimo, com salto e ponta em estilo cowboy. Só que as botas aparecem nos modelos mais improváveis, daqueles feitos com retalhos de couros os mais variados, hediondos, aos com perolinhas, canutilhos e detalhes em prata e/ou oncinha. A gente chora de rir andando pelas ruas de Bastia, eu e Mirco. O que tem de calça jeans enfiada à força dentro das botas, com quilômetros de pregas escapando pelas bordas, não tá no gibi.

Moda aqui é uma coisa muito engraçada. As pessoas parecem todas saídas de uma revista de moda, com tudo sendo usado junto ao mesmo tempo agora. Mas os homens é que são mais engraçados, porque a gente não tá acostumado com macho vaidoso desse jeito no Brasil. Já falei aqui das sobrancelhas feitas dos homens, que me hipnotizam. Tenho um aluno que é a maior figura, e é o protótipo do homem italiano do interior do Zaire, do bastiolo fighettone. Bronzeado (porque acabou de voltar da clássica viagem à Tailândia; daqui a três semanas vai ser porque fez bronzeamento artificial), cabelos pretos como a graúna, sólidas sobrancelhas devidamente feitas, sorriso de vendedor (ele É vendedor), a gola da camisa tão alta e pontuda que se ele virar a cabeça pro lado é capaz de sofrer lesão ocular, sapatos marrons pontudos, celular que além de telefonar tira foto, serve de agenda, corta grama, essas coisas. O menino me ama e me dá aquelas olhadas 43 de conquistador barato que me dão uma vontade de rir desgraçada. E quando conta as barbaridades que manda em inglês por SMS às novas amigas tailandesas, é de matar. Anota todas as frases feitas, todos os chavões, todas as expressões de duplo sentido. Eu passo a aula toda tentando não olhar pra cara dele, pra não cair na risada. Ele deve achar que eu evito porque senão caio em tentação ;) Esclareço que ele não me ama porque sou linda, porque não é o caso, especialmente aqui onde todas são magras, fashion e têm cabelo liso e preto e cortado do mesmo jeito. É que acho que ele nunca conheceu alguém do sexo feminino tão interessante, engraçada e extrovertida (nem vou tocar no assunto modéstia porque vocês sabem o que eu penso a respeito). A cada besteira homérica que os alunos dizem eu finjo que levei uma facada e eles já aprenderam a dizer nomes de possíveis órgãos lesados dependendo da gravidade do que disseram. L'aorta addominale! Polmone destro! La milza, la milza! (o baço, o baço). Eu choro de rir, e eles também. Além do pseudo-gostosão vendedor temos duas clássicas fighettone nativas de Foligno. Meu maior medo é começar a falar como elas, porque pego sotaques muito facilmente. O sotaque de Foligno só não é mais horripilante do que o de Perugia, que bate TO-DOS os records de cafonice. Pena que não dá pra demonstrar isso pra vocês, porque a combinação fashion victim + sotaque cafona é de desopilar qualquer cirrose...

Postado por leticia em 22:59

07.01.06

da série vantagens de morar na roça

Fui levar o almoço (uma bacia de fusilli com molho de tomate) dos operários na oficina e, no caminho pra casa, cruzei na estrada com três homens a cavalo, com roupas medievais. Um de óculos, um fumando e um no celular.

Postado por leticia em 14:51

15.12.05

tremai

Ontem, voltando tarde do trabalho, vi uma estrela cadente. Primeira vez na minha vida.

E hoje a terra tremeu em Foligno. O primeiro terremotinho da minha vida. Olha que pra marinheira de primeira viagem eu até que me comportei muito bem. Ou seja, continuei fazendo o que eu tava fazendo – lendo Bartleby y Compañia enquanto o aluno das 3 não chegava – e a única coisa que passou pela minha cabeça foi a seguinte: se eu tiver que sair correndo e só der tempo de levar uma coisa daqui de dentro, vai ser o casaco cinza com gola coreana, que eu AMO e que vai ser útil porque tá frio pra burro lá fora, ou a minha bolsa superdescolada da Uncle K., com todas as minhas coisinhas bubus dentro (leia-se estojo mandado diretamente do Japão pela Hanae, minhas canetas coloridas, o caderninho que a Newlands me deu, a agenda, a carteira nova da Furla, meus óculos escuros queridos, o remédio pra enxaqueca, o propranolol preventivo de enxaqueca que me deixa zonzinha, meu Neutrogena pras mãos, as luvas e o chapéu, o resto de Trident sabor verão tropical, o batom da Natura)?

Foi assim: eu tinha acabado de papar a minha marmitinha (feijão, arroz, franguinho e salada) e de escovar os dentes. Sentei à mesa com o livro e o dicionário de espanhol. Ouvi a porta da frente bater; deve ser a mala da Mirella chegando do almoço. No mesmo momento senti uma tremida, como se eu estivesse em um chalé vagabundo de madeira, que sacoleja todo quando alguém mais desengonçado passeia no andar de cima, sabe? Não, não um tremor, uma sacolejada mesmo. Coisa light. Notei a água mineral balançando dentro da garrafa, mas passou logo. Ficou aquela sensação estranha de "mas foi só isso? Eu, hein" misturada com "ainda bem que foi só isso". Achei que tinha imaginado tudo, porque não se pareceu muito com os relatos que eu já ouvi (talvez porque a maior parte das histórias que neguinho conta por aqui tenha a ver com terremotos de verdade, e não esse tabajarinha de hoje). Como eu estava sozinha no andar de baixo, minha suspeita só foi confirmada quando ouvi o pessoal lá do andar de cima, da agência de tradução, fazendo um fuzuê só, comentando o ocorrido. Mais tarde, quando meu aluno chegou, perguntei se ele também tinha sentido, e ele fez que sim. Que bom, não estou ficando maluca.

Nem uma taquicardiazinha, nem uma palidez no rosto, nenhuma descarga adrenérgica, nada. Ô propranolol bom da moléstia.


Update: O epicentro do terremoto foi em Spoleto, a mais ou menos a 20 quilômetros de Foligno. 4,2 graus da escala Richter.

Postado por leticia em 22:55

29.10.05

ah, as vantagens do bilingüismo...

Pra quem entende o dialeto perugino e sabe onde fica o Etoile, isso aqui é de ROLAR de rir.

- Io c'n'ho du'.
- Un colpo!

Postado por leticia em 10:38

07.10.05

felliniano

Com todas essa coisa da universidade, acabei nem contando o jantar bizarro de sábado passado.

Tínhamos ido, com Marco e Michela e a irmã do Marco, Cristina, com o marido, Natale (dovarante conhecido como O Homem Dos Dentes Mais Feios Do Mundo), a Foligno. Estava rolando o festival Primi d'Italia, uma festa dos primi piatti que parecia muito interessante do ponto de vista gustativo.

Só que era tudo TÃO confuso que não conseguimos comer LA-DA. Os stands estavam todos entupidos de gente e tinham como objetivo vender macarrão, muito mais do que fazer neguinho comer macarrão. Estávamos dispostíssimos a pagar dois euros por degustação, mas se não encontramos nada pra degustar! Pacotes e mais pacotes de macarrão, de todas as formas, cores e tipos, handmade, fatti in casa, artesanais, sei lá o que mais, mas tudo pra vender. Então nos enchemos e começamos a parar gente na rua pedindo sugestões de onde ir comer – nenhum de nós conhece Foligno direito, e a cidade, apesar de rica, é famosa pela falta do que fazer. Acabamos entrando num mix de loja de especiarias e chocolateria e drogaria, e a senhora nos disse pra procurar uma tal de L'Osteria, deu as indicações e coisa e tal, e ainda comentou que deveríamos dizer que era ela que nos tinha mandado lá.

Não era longe, não estava muito frio, a caminhada foi gostosa e abriu mais ainda os apetites – depois de tanto rodar pra tentar entender alguma coisa, já eram nove horas passadas. Encontramos o tal lugar; tinha muita gente do lado de dentro, esperando em pé, e alguns retardados fora da porta de vidro, fumando. Na nossa frente havia um grupo de três senhores bigodudos e uma senhora que esperava uma mesa pra sete. Um corre-corre danado; um menino novinho bonitinho, filho do dono, um careca tranqüilo mas com cara de mandão, e uma loura esperta que volta e meia botava o nariz pra fora da cozinha pra trazer o prato de alguém. Nada de menu, mas havia uns folhetos espalhados sobre um barril logo na entrada descrevendo alguns pratos. Achamos que eles estavam trabalhando no esquema degustação, pegando o gancho da festa dos primi piatti; paramos o careca-dono pra perguntar se era isso mesmo, ele disse que não, que o folheto estava errado. Então tá. A senhora que esperava a mesa pra sete pessoas queria era degustar, então foi embora e nós herdamos o seu lugar na fila. Demorou séculos mas finalmente os senhores bigodudos sentaram. Logo depois chegou um grupo de senhores MUITO distintos dizendo que tinham passado lá antes e lhes tinham dito de voltar mais tarde. Pra mim, honestamente, isso não pode ser considerado reserva – nada de nomes, nem horário, nem ninguém que se lembrasse da cara deles – mas como aqui também se dá um jeitinho pra tudo, rearrumando os comensais já sentados conseguiram liberar duas mesas grandes. Dissemos ao careca que a senhora da drogaria tinha nos mandado lá, e ele respondeu "não tenho a menor idéia de quem vocês estão falando". Então tá.

A nossa ficava bem em frente ao balcão de frios. Explicando: osteria não é um restaurante; é um lugar onde belisca-se e come-se o que tem naquele dia, incluindo pão, frios, queijos, e os dois ou três tipos de prato (primo e secondo) que a cozinheira preparou com produtos locais e da estação. Então atrás do balcão tinha um fulano lerdíssimo que não faz nada da vida a não ser cortar queijos e fatiar frios e pão. Uma raposa, como disse o Natale de sacanagem, porque o cara estava realmente muito fora do esquema estressante do resto da osteria. Todo mundo na maior correria (e gritaria, lógico), e ele todo zen, fatiando presunto e salame de cervo.

Sentamos à mesa, mas ninguém tinha tempo de tirar a mesa. Então começamos nós mesmos a tirar e amassar os place mats de papel, os pratos, copos, talheres, garrafas de água mineral. O careca passou, rindo, e pegou tudo pra levar pra cozinha. O tempo passava e ninguém tinha tempo de botar a mesa pra gente. Descobrimos o estoque dos place mats e dos talheres e nós mesmos começamos a botar a mesa. O careca veio rindo e pedi uma água mineral pra tomar o comprimido pra enxotar a enxaqueca que já estava se instalando na maior. Ninguém tinha tempo pra me trazer a água mineral. De tanto ouvir neguinho chamando um ao outro aos berros, aprendemos os nomes da galera, principalmente do Leonardo, o filho do careca, mais perdido que cego em tiroteio. Leonaaaaaaardo, traz a água mineral, traz o pão que tem mulher grávida com fome! (a Michela ainda não pariu.) E nada do Leonardo aparecer. Natale levantou e foi pedir umas fatias de pão pro Raposa, que logo lhe deu uma cestinha cheia. A loura apareceu e perguntou se já tínhamos pedido. Mas se nem sabemos o que tem pra comer!!! Leonaaaaardo, vai explicar o menu pros senhores. Raposa, enquanto isso dá uma fatiada aí e prepara uns pratinhos pros senhores.

Leonardo apareceu quando já estávamos na metade dos fatiados e queijos, e tirou um pedaço de papel amassado do bolso. Começou a recitar os pratos: penne com molho picante de alcachofra, strangozzi (um tipo de espaguete típico da Itália central, mais grosso que um espaguete normal) al tartufo nero di Norcia, tagliatelle all'uovo con funghi porcini, con o senza pomodoro. Pedimos, além dos queijos e frios, duas cumbuquinhas de feijão à moda toscana – com um pouco de tomate no molhinho picante. Eu adoro feijão, aliás adoro qualquer cereal e leguminosa, e fiquei animada. Pedimos também bruschette que nunca chegaram, mas tudo bem.

O prato da Cristina, a única que pediu penne com molho de alcachofra, chegou enquanto ainda estávamos nos queijos – não por eficiência, mas porque o Leonardo tinha esquecido de entregar um pedido na cozinha e os clientes, de saco cheio de esperar horas por um prato que jamais chegaria, deram no pé. Foi aí que o Leonardo teve a idéia de passar o pedido pra cozinha, e a loura-mãe só foi lembrar de cancelar o pedido quando esse prato já tava pronto. Então a Cristina foi a primeira a comer.

Horas depois – e duas jarras de vinho branco da casa depois – ainda estávamos com fome, mesmo depois de tanto pão e queijo. O feijão chegou, decepcionante na quantidade, tipo duas colheradas por cumbuca, mas deeeeeeeeelicioso. Cristina levantou pra fechar a porta de vidro, porque tava um frio do cacete.

Horas depois – já eram quase onze e meia – começam a chegar os pratos de pasta. Àquela altura já tínhamos dado muita risada, ajudando o coitado do Leonardo a lembrar dos pedidos dos outros clientes, ajudando o Raposa a cortar mais pão e servir mais vinho, que o Natale levantava e ia lá pegar ele mesmo, sacaneando o careca que se controlava pra não rir quando um cliente pediu uma "grappa morbida" (grappa macia. Essa mania dos termos ridículos pra definir bebidas é realmente uma comédia) e ele lhe deu a única que tinha – que definitivamente não era macia, como depois comprovaram os meninos. A enxaqueca já tinha passado, estávamos todos satisfeitos, o Mirco já tinha desenhado no place mat um gráfico do nível de atenção do Leonardo com o passar das horas. A loura-mãe veio da cozinha, viu o gráfico e caiu na risada. Disse que o Leonardo foi concebido em um dia de muito cansaço e por isso saiu assim, lento. Nós ríamos, ríamos, ríamos. Vimos que as sobremesas, umas tortas com geléia de fruta (chamam-se crostate), estavam desaparecendo. A Michela, chegada num docinho, gritou pro Raposa separar um pedaço pra ela. O Mirco gritou pro Raposa separar TUDO e não vender mais doce pra ninguém. E lá vai o careca esconder a torta pros outros clientes não pedirem.

Ninguém tinha tempo de tirar a mesa, então nós mesmos começamos a reunir os pratos e copos sujos. Pegamos uns pratos de sobremesa que estavam na estante atrás de nós e fomos buscar a torta com o Raposa. Não sobrou nada. Mirco foi supervisionar a produção dos cafés, porque o Leonardo, com aquela cabeça-de-vento, era bem capaz de não lembrar mais qual era o decafeinado, e o Mirco se toma café normal não dorme por uma semana. Grappa pros meninos, superseca e nada morbida. Apesar de já ser quase meia-noite, ainda entram clientes. Mulheres estranhas, de botas brancas e longos cabelos preto-graúna, maquiagem exagerada. Leonardo se vira de repente, dá de cara com a mulher e faz uma cara de susto. Nós rimos sem parar. Michela levanta e vai pegar uma maçã da cestinha sobre o balcão. Marco pega uma banana. O Raposa sai de trás do balcão e vem conversar com a gente. Diz que trabalha na fábrica de peças de avião que tem em Foligno, mas que trabalhou durante 9 anos como salumiere e de vez em quando faz bicos em restaurantes fatiando frios.

Finalmente o movimento cai e os donos vêm conversar com a gente. São de Norcia, e têm uma osteria ali também, mas o movimento, lógico, é pouco – Norcia é mais fim do mundo ainda do que Bastia, e ainda por cima é um frio do cacete. Abriram essa em Foligno há dois meses e ainda estão tentando entender o movimento como funciona. Não estavam preparados praquela confusão toda; muito pelo contrário, achavam que, com o festival rolando, a galera ia comer na rua, nos stands, e não nos restaurantes. Mas parece que nós não fomos os únicos a não entender nada, e assim os restaurantes da cidade estavam todos lotados.

Na hora de fazer a conta, fui levar as minhas anotações pra loura-mãe, visto que conforme pegávamos novas jarras de vinho e novas cestas de pão ninguém do staff anotava nada. Ela tinha feito uma listinha daquilo que tínhamos pedido ao Leonardo. Avisei que as bruschette não tinham vindo, mas que tínhamos bebido mais vinho e coisa e tal. Ela fez umas contas malucas que não entendi, com uns rabiscos ilegíveis, fez um descontinho porque somos simpáticos e não reclamamos da demora, e no final a conta deu 20 paus pra cada um. Nada mal, porque comemos MUITO BEM, apesar do serviço completamente maluco, e consumimos nada mais do que 5 jarras de vinho da casa.

Ficamos de voltar em um dia mais normal, no meio da semana. O menu é sempre uma surpresa e o careca nos deu o número do celular pra ligar e perguntar o que rola. Disse que faz um molho de javali de comer chorando, então ficamos de ligar de vez em quando pra ver se conseguimos comer o tal javali.

Olha, sinceramente, tinha muito tempo que eu não ria tanto.

Postado por leticia em 23:27

28.09.05

novos bárbaros

Rodei mais quilômetros hoje que um caixeiro viajante.

De manhã dei uma ajeitada em casa e fui direto pra escola, pegar o celular que eu deixei lá ontem à noite. Depois diretamente pra Marsciano, a 26 quilômetros de distância, dar aula pros meus dois queridos – ele, o chefe, muito esperto e esforçado, ela, a secretária part-time, mais bobinha, do tipo que sai correndo da aula pra que a filha, que estuda em outra cidade e sai muito cedo de manhã, não precise botar a mesa. Porque botar a mesa é um esforço elooorme, vocês sabem.

De Marsciano (pronúncia Marshano), pra Foligno, pra um bate-papo naquela outra escola que anda me sondando há tempos. Só que a mula aqui, em vez de pegar a superstrada, pegou uma estrada interna. Pronto! Paisagem linda, casas maravilhosas no meio do nada, campos já colhidos e iniciando o repouso do inverno, várias placas com nomes estranhos, cidadezinhas de quatro casas – mas basta um caminhão na sua frente pra você perder meia hora de tempo, porque não dá pra ultrapassar com facilidade. Resultado: cheguei tardão em Foligno, com somente meia hora pra discutir um monte de coisas importantes. Claro que a pessoa com quem eu deveria falar estava ocupada com outra garota, e levou séculos pra se desenrolar. Conclusão: saí de Foligno na hora em que deveria estar começando a aula com o SuperSimpatia. Saí voando pela superstrada, nos limites dos limites de velocidade.

E foi aí que eu quase morri, porque falar latim nunca esteve tão longe de significar civilização do que nos últimos tempos, e os italianos são definitivamente as pessoas mais mal educadas do planeta Terra.

Eu vinha pela esquerda na superstrada porque 1) não tinha ninguém atrás de mim, 2) eu estava indo bem rapidinho, e 3) a cem metros de onde eu me encontrava, a estrada bifurcava: à esquerda pra Perugia, à direita pra Cesena, e depois Ravenna etc. Já havia inclusive a sinalização horizontal, com a estrada pintada com setas elormes indicando Perugia e Ravenna. Nisso surge atrás de mim um idiota piscando o farol. Pra onde ele queria que eu fosse, eu não sei, porque se eu me deslocasse pra direita, seus amigos de má educação não me deixariam voltar pra esquerda em tempo de pegar a estrada pra Perugia, e eu iria acabar parando em Cesena. Como eu não estava morrinhando, muito pelo contrário, fiquei onde estava. Alcancei um caminhão, já no viaduto onde não é possível ultrapassar, e o chato continuava piscando o farol. O viaduto desemboca na outra parte da superstrada; o caminhão deu a seta, entrou e ficou na direita; eu dei a seta, entrei e ultrapassei o caminhão. Não tive tempo de voltar pra direita, porque o chato lampejante me ultrapassou PELA DIREITA, e METEU O PÉ NO FREIO na minha frente – íamos a 120 quilômetros por hora. Meteu o pé no freio por puro despeito. Não sei como a Uno, que não só está caindo aos pedaços mas também é levinha, com pneus estreitos e por isso pouco estável, não saiu rodando pela pista matando não só a mim mas mais um monte de gente. Sambou bastante e segurei o volante com força pra não perder o controle, mas sinceramente foi muita, muita sorte. O cara ainda teve o topete de me dar the finger, acreditam?

Vou te dizer, a cada dia que passa mais eu tenho nojo desse país. Ou melhor, da gente que vive nele.

Postado por leticia em 23:56

26.09.05

putz

Não sei como vou fazer pra agüentar até sexta-feira, quando finalmente sai o resultado das bolsas de estudos.

O mais ridículo é que as aulas começam logo na segunda-feira seguinte, e que não tem NENHUM material informativo pronto pros alunos. Ninguém sabe qual nem onde vai ser a aula inaugural, quais livros vão entrar no programa, quem vai dar aula do quê. Muito organizado. Se eu conseguir mesmo voltar a estudar, nem vou ter tempo de descansar, porque vou engatar essa última semana na oficina treinando o Stefano e a Elena diretamente com a faculdade – if, if. Ô país miseravelmente desorganizado!!!

Postado por leticia em 22:23

25.09.05

findi

Nada de cinema nesse fim de semana. Finalmente saiu o Charlie and the Chocolate Factory, cuja versão antiga aliás passou na TV hoje à tarde, mas não tivemos paciência. Exaustos, teríamos certamente dormido no cinema, coisa que pelo menos pra mim não tem sentido nenhum (o Mirco capota mesmo, com direito a ronco e tudo, e não tá nem aí). Então nem dormimos depois do almoço porque senão iríamos toda vida, até a hora do jantar, e fomos direto fazer compras em Santa Maria ontem. Hoje lavamos os cachorros, que estavam horrendamente fedorentos, consegui bater papo com a minha mãe no Skype, e fomos jantar com Marco e Michela na festa em Bastia.

O rione, ou parte da cidade, mais famoso pela boa comida é o Sant'Angelo, que seria o rione ao qual pertencemos, morando em Cipresso. É o mais democrático, porque pega as partes periféricas da cidade. Só que essa fama já rola há tanto tempo que a taverna do Sant'Angelo vive entupida. A fila estava gigantesca, e com a Michela grávida e cheia de fome e de dores e de chatices não dava pra perder horas esperando pra comer. Então fomos pra taverna do Moncioveta, o rione que pega a parte do Borgo Primo Maggio, onde vivem os napolitanos todos. Não tinha fila nenhuma (também, a comida não tava lá essas coisas) e depois fomos dar um pulo na praça. Fiquei com muita pena do grupo que estava tocando, muito bem por sinal, Joe Cocker, Commitments e Creedence Clearwater. NINGUÉM assistindo, até porque ninguém aqui sabe o que são isso. Tipo KaRla que nunca tinha ouvido falar do Queen, saca, Huňka? O vocalista tinha cara de tudo, menos de vocalista: camisa e calça social, careca, cintinho, sapato social, óculos, barriga precoce. Mas cantava bem direitinho. Arrastados pelo Marco, que só gosta de música italiana e é fanático pelo Vasco Rossi, não tivemos outra escolha. Joguei um sorrisão e um joinha pros meninos no palco, senti vergonha por eles e fiquei com vontade de chorar, e fomos embora.

E só fui dormir às três da manhã, porque queria me livrar do Paul Burke de qualquer jeito. Mula.

Postado por leticia em 16:19

18.09.05

ô gente lerda

E falando em faculdade, os resultados das bolsas de estudos só saem dia 30. Haja paciência.

Postado por leticia em 15:33

15.09.05

il terzo mondo è qui...

Outro dia assistimos a um debate na TV sobre uma das maiores pragas da sociedade italiana: a raccomandazione, ou o famoso pistolão.

NADA aqui funciona sem pistolão. Desde a coisa mais simples, como uma caixa de limão verde que a verdureira só te arruma porque ficou sua amiga, até coisas sérias como conseguir emprego nas estatais. O assunto surgiu por causa do escândalo das listas de raccomandazioni pra entrar nos Correios. A coisa era organizada: descobriram um CD com um banco de dados com o nome do raccomandato, o nome do raccomandante, que tipo de cargo poderia ocupar, e coisa e tal. E o pau comeu mais ainda porque os correios italianos são mundialmente famosos pela sua incompetência, lerdeza, mania de perder coisas, gente retardada trabalhando nas agências. Já falei mal dos correios aqui um milhão de vezes, e toda vez que tenho que ir lá me irrito. E olha que eu conheço agências dos correios do país inteiro – quando viemos aqui pela primeira vez, eu e Valéria trocávamos dólares sempre nos correios e vimos muita gente na fila reclamando e mandando chamar o gerente porque a fila era enorme e ninguém lá dentro se mexia pra agilizar o serviço.

As três agências que mais freqüento são a de Santa Maria, a de Bastia, onde tenho conta, e a de Ponte San Giovanni, a dois minutos da escola. O nível de retardamento mental e despreparo das pessoas que trabalham ali dá vontade de chorar. Imaginem que uma vez fui a Bastia depositar um cheque dos correios – veja bem, nem pedi pra trocar, só pra depositar mesmo – e a energúmena atrás do vidro me disse que uma das regras dos correios é só lidar com cheques da mesma agência. Minha senhora, eu disse, a senhora compreende que se fosse assim os cheques não teriam razão de existir? Se um cliente de Bari me paga com cheque, segundo a senhora eu vou ter que ir a Bari pra depositá-lo? Tem sentido isso? Não teve jeito, a mulher cismou, bateu o pé, e não quis depositar. Então fui a Torgiano, agência minúscula mas com uma gerente espertíssima, e contei a história (só não vou mais a Torgiano, onde fica a oficina, porque eles fecham à tarde, enquanto que as outras agências funcionam em horário integral, inclusive sem fechar na hora do almoço, olha só que avanço.). A mulher ficou furibunda! Volta lá e me faz o favor de dizer praquela múmia que ela é uma imbecil e não sabe nada! Que gente retardada! Onde foi, em Bastia? Ah, eu sabia, só tem imbecil naquela agência! Tirou uma xerox do contrato entre o correntista (no caso, eu) e o banco, explicando os prazos de pagamento dos cheques, da praça, fora da praça, do BancoPosta, de outros bancos, sublinhou tudo o que interessava, e me implorou pra ir lá esfregar tudo na casa da energúmena de Bastia.

Mas enfim, o assunto era pistolão. O debate foi interessantíssimo. Havia alguns peixes grandes da política – um fascistão do Veneto, um senador vitalício filho da puta de Nápolis – e mais uns gatos pingados: uma cirurgiã espertíssima, que mesmo sendo docente de quatro universidades estrangeiras jamais conseguiu trabalhar na Itália porque não pertence a nenhuma família de tradição médica; um professor da Bocconi, famosíssima faculdade de Economia de Milão; Emilio Fede, um puxa-saco do Berlusconi que me dá nojo só de ver, e mais uns fulanos que telefonavam e faziam participações especiais ao vivo. Entre esses últimos, o prefeito de Roma, que ligou pra esclarecer uma história confusa que saiu nos jornais sobre possíveis raccomandazioni da parte sua. A sua explicação foi, na minha opinião, pior que o soneto: disse que só deu uma ajuda pra arrumar emprego pro filho de um bombeiro que morreu em serviço. Ora, faça-me o favor, eu entendo que é chato o cara morrer em serviço e que o Estado lhe deve alguma coisa, mas daí a arrumar emprego pro filho do cara, que não era absolutamente preparado pro cargo, temos léguas de distância.

A cirurgiã foi a nossa preferida da noite. As caras que ela fazia a cada comentário absurdo, a cada conversa filmada escondido, eram de matar de rir e refletiam exatamente o que estávamos pensando. Na verdade todas as pessoas entrevistadas na rua e todos os envolvidos nas tais conversas gravadas admitiam que o pistolão faz parte da cultura italiana, que sempre foi assim e sempre será, que em alguns casos nem é tão grave assim. A última coisa que eu vi antes de cair no sono foi que os únicos profissionais italianos respeitados no exterior são os que efetivamente estudaram no exterior, porque nas faculdades italianas o planeta inteiro sabe que o esquema é o pagou-passou, ou o conhece-alguém-lá-dentro, tá feito. Um outro professor de universidade contou que já recebeu listas de nomes que lhe foram passadas por baixo da porta de casa - nomes de alunos que ele deveria aprovar, porque raccomandati por gente importante.

Algo me diz que não vou conseguir voltar a estudar.

Postado por leticia em 21:49

13.09.05

ah, tá...

Os assuntos da semana aqui na bota são dois.

O primeiro, e por favor não riam, é o caso dos carrapatos no trem. Pois é. Um monte de passageiros andou reclamando de carrapatos no trem, inclusive na linha Milão-Florença, muito freqüentada. A história deu direito a fotos dos carrapatos nos jornais e tudo. Mas, principalmente, descobriu os podres das licitações pra limpeza dos trens e estações da Ferrovia dello Stato.

O segundo, e por favor não chorem, é que Berlusconi e seus capangas acabaram de aprovar uma lei que determina punições severas pra quem se mete a besta escutando conversa telefônica e interceptando correspondência de gente envolvida em qualquer tipo de crime (leia-se Berlusconi & gang com os rabos presos com a máfia, e com coisa pior). Então tipo assim, o jornalista que escrever artigos que incluam trechos de conversas interceptadas paga uma multa fenomenal. E o jornal que os publicar, mais ainda. Sacaram?

Postado por leticia em 21:29

12.09.05

reclamona

Tanta coisa acontecendo essa semana...

Lá pra sexta-feira deve sair o resultado das bolsas de estudos. Se acreditarem na minha pobreza, que é muito verdadeira, sim senhor, e me derem a bolsa, em outubro volto a estudar. Mas estou tentando não pensar muito no assunto, porque se não rolar eu vou ficar MUITO decepcionada.

Sexta-feira também é o dia da minha consulta no Centro de Cefaléia de Perugia.

Amanhã começamos a testar a talvez nova secretária. Quem passou a bola foi o Fabião, que trabalha com jovens excepcionais (ou simplesmente complicados) e nos mandou a Elena, uma menina de 23 anos, baixinha e magrinha, com uma doença degenerativa que eu não lembro qual é. Semana passada ela esteve na oficina com a Federica, simpática e grávida mulher do primo do Moreno (o Paoletto, o que trabalha na Questura e me deu uma mão com o permesso di soggiorno em maio), que trabalha com o Fabião. A Elena tem alguma dificuldade pra falar, e os movimentos são um pouco lentos e menos precisos do que a média, mas é muito esperta, nos deu a impressão de ser muito cheia de boa vontade, e ainda por cima é engraçada e nos fez dar muita risada. As vantagens fiscais são inúmeras por causa do grau de invalidez dela. Mas o motivo principal é o seguinte: de todos os salames que já passaram ali no escritório até agora, a mais normal, mais simpática e mais séria foi ela. Vamo todo mundo acender velinha pra coisa funcionar, porque todos nós gostamos muito dela e queremos muito que dê certo.

E amanhã também vai estourar uma bomba na escola, porque hoje, antes de vir embora pra casa, deixei na escrivaninha do Chefe Siciliano uma cartinha muito, mas muito irritada mesmo, que ele só vai ler amanhã de manhã. Acontece que todo mês é a mesma lenga-lenga: em vez de deixar meu cheque com a secretária no dia 15, que é o dia de pagamento, ele fica empurrando com a barriga. Quer entregar o cheque pessoalmente, mas esquece que nem todo professor vai todo dia à escola, e que muito freqüentemente ele mesmo não está lá, ou então está ocupado. Já vi VÁRIOS outros professores se irritarem porque vieram lá dos cafundós pegar a grana e ele tinha ido sei lá onde sem deixar nada, nem dinheiro, nem recado com a secretária. Ou seja, acabamos recebendo sempre em torno do dia 20. Uma professora muito timidinha ficou TRÊS MESES sem receber, porque tinha vergonha de ir lá pedir o dinheiro pra ele, e ele obviamente não lembrava que tinha que pagar.

Além disso tudo, quando vou trocar o cheque a garota do banco, que a essa altura do campeonato já me conhece, tem que ligar pra agência da escola pra pedir pra liberar os fundos. Papelão. Mas o fiasco maior foi no mês passado. A escola fechou pra férias dia 5 e só reabriu dia 29. Eu ainda consegui falar com ele antes disso, e recebi um cheque pré-datado (aqui se diz pós-datado) pro dia 16 (dia 15 foi feriado). Ora bolas, eu viajei dia 12 (e ele sabia); poderia ter feito a gentileza de antecipar, só esse mês, o salário pro dia 12, né? Até porque, pelo meu tipo de contrato, não tenho direito a férias. Não, jacaré, fez pro dia 16. Resultado: dei pro Ettore trocar e depositar, só que o cheque era non trasferibile, o que significa que ninguém pode trocar em meu nome. Então ele depositou diretamente o cheque na minha conta. Só que tem um pequeno detalhe bancário neanderthalense botense: um cheque de banco diferente do meu leva SETE DIAS ÚTEIS pra cair na conta. Resultado: viajei sem um tostão sequer. Ainda bem que em Paris as lojas estavam todas fechadas, senão teria cortado os pulsos. Mas não é só isso!!! O cheque não tinha fundos!!! Bateu, voltou, bateu, voltou, e finalmente foi dado como estornado (existe isso em português?). Ou seja, fiquei no negativo. Como meu chefe é muito avançadinho, como todo italiano (cof cof), não tem online banking, e não tinha como saber que não tinha dinheiro na conta e que o cheque tinha batido e voltado. No lugar dele, um chefe decente teria feito um DOC e cancelado o cheque, ou, se não fosse possível o cancelamento, depois eu devolveria o valor do cheque, quando finalmente caísse muito depois do DOC. Não, jacaré, simples e correto demais. EU é que perdi manhãs inteiras no telefone com ele, com a secretária, com a gerente dos correios (minha conta é no banco dos correios), pra tentar descobrir se o dinheiro ia cair na conta ou não – EU, porque da escola ninguém me ligou pra dizer nada, ninguém correu atrás, e acabou que quem resolveu o problema fui eu. Resultado: o dinheiro só foi entrar dia TRÊS. Ora, faça-me o favor! Como se diz aqui, signori si nasce. Quê que adianta usar terno, colete e gravata se você não paga os seus funcionários em dia? Vá tomar banho!

Sei é que essa história me irritou tanto – não tanto pela falta da grana, que nem era tanta, mas por princípio mesmo – que fiquei até com dor de estômago. Coisa rara, porque eu normalmente não somatizo nada. Que ódio! Passei uma semana batendo porta e rosnando. E ele ainda se despede no telefone dizendo ciao, bella. Mas vá catar coquinho!

Então foi isso. Deixei uma carta desaforada na escrivaninha dele e quero só ver qual vai ser a reação. Não gostaria de sair de lá, porque gosto do meu trabalho, faço bem, gosto dos meus companheiros da escola e estou cheia de turmas, além do que é muito cômodo pra mim trabalhar em Ponte San Giovanni e Perugia – ainda mais se eu começar a estudar de novo, praqueles lados. Mas também não seria o fim do mundo se eu saísse: tem a escola de Foligno e uma nova de Santa Maria com quem já falei e estou esperando só a confirmação de uma turma de português, e já mandei meu currículo pra uma de Assis também. Fora que eu sou esperta e versátil e morrer de fome eu sei que não morro. Estou de saco cheio de ser passada pra trás por causa dessa gente que não paga. Na oficina é a mesma coisa: todo mundo tem sempre uma desculpa pra atrasar o pagamento. Não tem tempo de vir trazer o cheque pessoalmente? Manda pelo correio, pombas! Faz um doc, nem precisa de internet, manda um fax pro banco, fala com o gerente, sei lá! Eu acho tão nojento deixar fornecedor e funcionário sem pagamento que não consigo conceber como alguém pode sequer ter essa idéia. Mas o mundo é cheio de gente estranha. E eu já estou por aqui com esse culto à desonestidade dos italianos.

Postado por leticia em 19:23

30.08.05

aiai

Gianni está furibundo.

Em março, no caminho pra Roma pra pegar o avião pra Buenos Aires, levamos uma multa. Quem dirigia era a Chiara, a pior motorista que eu já vi ;) Lembro que quando vimos o pardal era tarde demais, e imaginamos que viria uma multinha básica.

Só que aqui a multa chega quase três meses depois da infração, quando você nem lembra direito do que aconteceu, onde, quando, por quê. E em letras nanominimicroscópicas, no pé da página, está escrito que se alguém não se apresentar no DETRAN local dentro de um mês pra declarar quem estava dirigindo naquele momento, ou seja, se alguém não se oferecer pra perder os pontos na carteira de motorista, chega uma nova multa, de mais de trezentos euros.

Olha aí por que eu digo que é importante fazer as coisas pelo motivo justo.

O governo não aplica multas nem muda as leis de trânsito porque quer educar a galera e evitar acidentes. Quer multar o máximo de otários possível, pra arrecadar uma graninha. E aí fode quem não tem nada a ver com o pato, ou quem até tem, mas tem boa vontade e coisa e tal. E a Dri ainda acha estranho que italiano adore sonegar um impostinho... ;)

E Berlusconi ainda por cima passa o fim de semana com o Putin e a coisa mais interessante que consegue dizer é "Mesmo fazendo um sacrifício, e olha que é um sacrifício eloooorme, eu vou me candidatar de novo. Porque é necessário, já que não há ninguém que possa assumir o cargo de Presidente do Conselho, ninguém como eu." A sorte de certas pessoas é que eu não ando armadaaaaaaaaa... lalalalaaaaaaaa...

A coisa mais interessante desse encontro ridículo é o labrador preto maravilhosamente rebolativo que caminhava entre os presidentes e suas primeiras-damas num deck sobre o Báltico. Lindo :)

Postado por leticia em 08:48

11.08.05

de gentileza e picaretagem na bota

Corroborando o assunto que a Lu comentou, conto um causo parecido: hoje dois funcionários do Comune de Torgiano deram um pulo na oficina pra deixar uma garrafa de vinho pro Ettore. É que volta e meia eles precisam de uma empilhadeira, e emprestamos uma das nossas. Agradecidos, trouxeram uma garrafa de Colli Perugini rosso. Gentileza gera gentileza, mesmo.

Por outro lado... A Dri me mandou um e-mail dizendo quanto é difícil trabalhar com italianos, benza deus, porque eles erram tudo, se enganam, esquecem coisas, atrasam, se enrolam, não falam inglês, fazem de tudo pra não pagar impostos. Dri, aqui é assim mesmo, a picaretagem rola solta de norte ao sul da bota – mais no sul do que no norte, mas ainda assim... Eu particularmente acho que os motivos principais são três: primeiro, os impostos são altíssimos e o retorno não é absolutamente proporcional, já que a qualidade dos serviços –TODOS – é sofrível. Segundo, lembre-se de que até meia hora atrás a Itália ainda capinava batatas na dureza do pós-guerra, ninguém tinha dinheiro e o escambo comia solto, ou seja, imposto é uma coisa relativamente recente por aqui. Terceiro, é que eles são indisciplinados mesmo, revoltados contra toda e qualquer autoridade, e sendo assim driblar o Fisco tem um gostinho particular de vitória e rebelião contra o sistema. Ainda mais quando quem comanda o sistema é o tricoimplantado Berlusca, que só não rouba e mente mais por falta de espaço. Então é assim mesmo, tudo é complicado, pro cliente pagar você só falta ter que chorar aos pés dele, os bancos fazem o que querem e aumentam as tarifas na surdina o tempo todo, manter uma empresa totalmente regular é um objetivo absolutamente inatingível tal a quantidade de burocracia (e de desinformação dos burocratas envolvidos) com a qual temos que lidar. Manter um funcionário com carteira assinada custa uma fortuna, e tomamos na bunda o tempo todo. Essa semana temos QUATRO operários doentes. Quatro. O galpão cheio de caminhões desesperados pra ir embora, porque só têm até sexta-feira pra rodar (o trânsito fica proibido pra caminhões nos fins de semana, a não ser os que carregam perecíveis), e quatro pimpolhos em casa. O pior é que sabemos que não estão doentes. Funciona assim: eu só preciso ir ao meu médico de família e pedir um atestado pra vinte dias que ele me dá – basta eu pagar uns 30 euros, dependendo da região. Eu cansei de pegar atestado pro Mirco quando ele tinha acabado de fazer a operação no joelho e não podia dirigir. Ficava lá no escritório botando as contas em ordem, doido pra levantar e ir pintar alguma coisa mas sem poder caminhar direito, e enquanto isso eu ia ao médico dele pra pegar mais um atestado de doença. O cara nem via a cara do Mirco; perguntava pra mim como ele estava, eu era sincera (ele já nos conhece, é o médico de toda a família do Mirco há uns quinze anos), ele tchum, canetava um atestado de 15 dias de repouso. Mas e se eu estivesse mentindo? Afinal, dor no joelho depois de um intervento cirúrgico é uma coisa subjetiva. Posso ficar reclamando de uma dor inventada até o fim dos dias; quem é que vai provar o contrário? Então, nessa palhaçada toda, o empregador toma na bunda, toma na bunda, toma na bunda. Quando aparece a oportunidade de fazer algum serviço sem fatura, ninguém pensa duas vezes. Ninguém. Conhecemos diretores de empresas grandes, mas grandes MESMO, com fábricas em várias regiões da Itália, que sempre tentam trabalhar sem fatura. A mentalidade geral é, com o governo que temos aqui, quanto mais a gente passar a perna nele, melhor. Não é exatamente o modo em que eu vejo as coisas, mas enfim, em Roma como os romanos. Mesmo.

Hoje aconteceu um exemplo maravilhoso de picaretagem. Chegou pelo correio uma fatura de uma empresa de Ascoli Piceno (leia-se litoral do Zaire), cujos cornos nunca vimos, no valor de dois mil e tantos euros. Chegou com o nome da empresa parcialmente correto, mas o CGC antigo, quando era no nome do Ettore. Os produtos descritos são indecifráveis – Kimberly Diamond seguido de um longo código em números e cifras, por exemplo. Não temos a menor idéia do que se trate. Eles se deram mal porque a oficina é pequena, os fornecedores são todos os mesmos há anos, e todo mundo ali dentro, até os bananas dos marroquinos, seriam capazes de dizer que não temos nenhum tipo de contato com a tal empresa. E também porque o Mirco é osso duro de roer. Ligou logo pro número de telefone indicado na fatura e tascou logo um "mas quem são vocês, o que diabos vocês vendem, e quem foi o desgraçado que se propôs a passar meus dados a vocês?". A mulher ficou toda nervosinha (eu ouvi pelo viva-voz) e jurou que tudo seria resolvido, depois de inventar uma história pra boi dormir. Coitada, não conhece o lanterneiro. Já escrevemos uma carta registrada, a arma mais poderosa do Mirco, avisando que se eles não mandarem uma comunicação igualmente registrada declarando que a fatura era tão real quanto uma nota de um euro, vamos entrar com ação na justiça e acionar a imprensa também. Uhuuuuuuuuu olha o barraco!!!

Mas cês entenderam o mecanismo? Imagina que essa fatura chega em uma empresa grande, com zilhões de funcionários, que lida com centenas de fornecedores diferentes de categorias diferentes de produtos. A secretária da contabilidade vai estranhar o preço do Kimberly Diamond? Vai estranhar o nome da empresa de Ascoli Piceno? Provavelmente não. Vai mandar um cheque pelo correio, saldando a tal fatura. E assim o picaretão vai fazendo seu pé-de-meia. Legal, né.

Postado por leticia em 16:13

03.08.05

ah, essa bota...

As notícias da semana são predominantemente três: o fim, pelo menos temporário, do calor avassalador da semana passada; o rebaixamento do Genoa pra série C por causa do escândalo de jogos comprados; uma família de VINTE – VINTE, DEZ MAIS DEZ, DEZ VEIZ DOIS – pessoas que recebiam pensão por invalidez, sendo que nenhuma delas tinha absolutamente nenhum problema de saúde. Cês têm noção da hilaridade dessa notícia? Vinte falsos doentes, da mesma família, recebendo pensão sem ter direito? Onde, onde, onde, vocês me perguntam? E eu respondo: em Nápolis, onde mais?

O único nortista mais picareta que toda o sul da Itália junto é, claro, o Cavaliere Berlusconi.

Postado por leticia em 13:19

29.07.05

caldo infernale

Ontem foi, tenho certeza, o dia mais quente do ano por aqui até agora. Voltando da oficina de lambreta ao meio-dia e meia, enfiada na jaqueta leve de algodão que sempre uso quando saio de motorino pra não bronzear os braços, achei que fosse desmaiar de tanta abafação. A massa quente que eu singrava era tão infernal quanto o bafo que nos saúda quando abrimos o forno pra ver se o bolo está pronto. Juro que nunca senti tanto calor na minha vida. Nem no 157 no engarrafamento na São Clemente, na hora do almoço em pleno verão carioca. Juro.

Postado por leticia em 22:30

22.07.05

ai, meus tomates

Com as temperaturas tórridas das últimas semanas, todo pé de tomate da Itália está carregado de frutos. Aqui no interior do Zaire mesmo quem não mora em casa e não tem quintal conhece alguém que mora e tem, e que dá tomates de presente pra quem não mora e não tem. Como conseqüência, todo mundo está entupido de tomates e não tem nem mais a quem dar de presente. Até eu, que não tenho nada a ver com a missa, estou com a geladeira botando tomate pelo ladrão. Um velhinho pra quem Mirco fez um pequeno conserto nos pagou com duas sacolas cheias de tomates. Alguns despachamos pra Gianni e Chiara, que grunhiram "ai, não, mais tomates" porque a mãe do Gianni mora em casa e nessa época do ano planta, bem, tomates. Outros, os mais maduros, usei pra fazer molho e congelar. Mas mesmo assim ainda temos uma sacolona cheia, mais alguns verdes pra salada que pegamos ontem à noite na Arianna.

Abobrinhas também estão com tudo nessa época do ano. A diferença é que eu adoro abobrinha, enquanto que o tomate cru não me apetece, e mesmo o molho não me anima muito. Quase sempre faço macarrão com molho de tomate pro almoço do Mirco, enquanto eu mesma como o mesmo macarrão "in bianco", com abobrinhas e/ou cenouras e/ou atum ou salmão, ervilhas, milho, enfim, na hora invento. Ontem almocei massa curta com abobrinha, cenoura e grão-de-bico. Ficou ótimo.

Melões e melancias também estão no auge. Não gosto muito de frutas, e essas duas em particular eu detesto, mas gosto de ver caminhões cheios delas estacionados nas beiras das estradas, vendendo imensas melancias suculentas e lindos melões tipo cantaloop, aquele todo estriado fora e laranja dentro. Gostaria de gostar de melão e melancia. Aqui fazem o maior sucesso, e melão com presunto cru é um dos mais clássicos pratos de verão, ainda mais pro jantar, quando é melhor comer menos.

Só não ousem botar as frutas na geladeira. O melhor método pra "refrescar" frutas é deixá-las dentro de uma bacia com água fresca, de preferência do poço (água de poço é SEMPRE fresca, e no inverno endurece as mãos de tão fria). Lembrem-se que melancia gelada dá dor de barriga.

Ho ho.

Postado por leticia em 09:01

21.07.05

a rã arranha a aranha

Hoje sinto que poderia ter morrido.

Quando fui pegar o motorino de manhã, pra ir buscar meu salário mais do que atrasado na escola, por acaso dei uma olhada no capacete antes de enfiá-lo na cabeça. Por acaso vi uma teia de aranha. Por acaso olhei dentro do capacete e vi uma aranhona marrom, daquelas bonitonas, com as pernas finas e elegantes. Sacudi a bichinha pra fora, pedi desculpas por destruir sua nova casinha, limpei as teias. E depois respirei fundo e me acalmei, porque o nervoso que me deu quando percebi a aranha em tempo, e entendi que se não tivesse percebido nada e ela tivesse começado a se manifestar dentro do meu capacete com a minha cabeça lá dentro também, eu com certeza, COM CERTEZA teria tido um acidente muito sério.

Postado por leticia em 15:10

15.07.05

hm

E nessa onda de pensamento positivo a respeito da faculdade, resolvemos fazer um pedido ao centro do emprego em Bastia, pra que encontrassem uma nova secretária pra oficina. Se eu conseguir realmente estudar, a partir de setembro não vou mais ter tempo pra ficar lá, e conseqüentemente vamos precisar de uma secretária.

Confesso que a idéia ao mesmo tempo me alegrou e me entristeceu. Alegrou porque é um porre ficar ali na oficina, porque eu e Mirco brigamos muito quando trabalhamos juntos, e porque eu não quero toda aquela responsabilidade. Entristeceu porque não deixa de ser chato perder esse tipo de conhecimento, de controle, de poder. Uma espécie de ciuminho, sabe. Há outros motivos também, mas são só meus.

Mas é por uma boa causa. Apesar do curso que eu quero fazer (Comunicação Internacional) não ser muito badalado/reconhecido e conseqüentemente não ser do tipo que abre portas profissionais muito facilmente, tem muita coisa interessante no currículo. Eu já sendo velha demais pra ser contratada como aprendiz (ganha-se uma titica e o empregador não paga impostos), quando eu me formar (olha o otimismo) alguém que estiver interessado em mim vai ter que necessariamente me contratar normalmente, o que é muito bom. Então vamos pensar positivo, acender velinhas, essas coisas.

Postado por leticia em 22:46

14.07.05

como é difícil estudar nesse país

Depois de muito tribulare, finalmente consegui entrar em contato com a agência pelo direito ao estudo de Perugia. Por semanas só conseguia ouvir a voz automática mandando apertar 1 se quisesse saber se tenho direito a comer de graça, 2 pra saber minha nota na faculdade, 3 se quisesse saber se meu pedido pra estudar no exterior foi aprovado. Nada de aperte 0 pra falar com alguém, e eu precisava falar com alguém, já que só queria saber o que raios tenho que fazer pra entrar com um simples pedido de bolsa. Por acaso, descobri o número direto do setor bolsa de estudos (até então eu estava ligando pros números que encontrava no site da agência e na lista telefônica), e me mandaram fazer primeiro o pedido on-line, pelo site.

O site estava atualizado, jacaré? Não, né. Clicando no botãozinho "pedido de bolsa" abre-se uma janelinha dizendo "não é mais possível fazer pedidos para o ano acadêmico 2004/2005". Lindo, né. Liguei de novo pra agência e a menina disse ah é, só vão atualizar no dia 18... Quero só ver. Pode ser que seja uma coisa tão complicada preencher o tal pedido que eu precise ir até lá pra ter um mínimo de assistência, já que por telefone já vi que a coisa é complicada. Vamos ver no que vai dar.

Postado por leticia em 22:36

09.07.05

teste: você é italiano?

1) Você está andando a 20 km/h na rua principal da sua cidadezinha, na hora do rush. Atrás de você, uma fila de carros andando devagar, por sua causa. Você tem que virar à esquerda pra ir comprar gel pro cabelo na Acqua e Sapone. Você:

a. Dá a seta pra esquerda, reduz e vira, necessariamente nesta ordem.

b. Reduz mais ainda, pára, dá a seta pra esquerda, espera mais um pouco e vira, devagar. Não necessariamente nesta ordem.

c. Reduz mais ainda, pára, dá a seta pra esquerda, espera mais um pouco, e quando os motoristas atrás de você começam a buzinar e te ameaçar de morte, você bota a mão pra fora, junta as pontas dos dedos, sacode a mão e grita "ma che cazzo vuoi?".

2) Você está novamente na avenida principal da sua cidadezinha, novamente na hora do rush, quando todos estão doidos pra chegar em casa pra almoçar aquele pratão de macarrão. Há vários ônibus de turismo avacalhando mais ainda o trânsito, velhinhos de bicicleta, adolescentes de lambreta, velhos quase cegos dirigindo Api, ou seja, o máximo de caos que é possível encontrar em uma cidade pequena no interior do Zaire. À sua direita, há uma baia para os ônibus municipais, bem em frente a uma banca de jornal. Você se lembra de que não comprou La Gazzetta dello Sport hoje ainda. Você:

a. Continua na sua direção normal, liga a seta, vira à esquerda cinco metros adiante no estacionamento em frente à banca de jornal, estaciona o carro, faz dez passos pra atravessar a avenida, compra o seu jornal e volta pro carro.

b. Mete o pé no freio, não lembra que existe seta, e joga o carro na baia do ônibus, deixando-o estacionado igual à sua cara enquanto você vai comprar o jornal e bater papo com o jornaleiro. Quanto maior for seu carro e mais torto estiver estacionado, mais será difícil, pra quem estiver saindo do estacionamento dos correios, ver se há carros vindo da esquerda.

c. Opção b, mas com a mão pra fora do carro, gesticulando, e berrando pela janela, para os motoristas que buzinam atrás de você: "mavaffanculo, va'!".

3) Você está vindo de Perugia na direção de Foligno. Há dois quilômetros placas vêm avisando que quem quer ir a Foligno deve manter-se à direita, e quem vai a Cesena deve ficar na esquerda. Você vai a Foligno. Você:

a. Pega a direita o mais rápido possível, depois de ultrapassar um caminhão lento que virou à direita na direção de Terni, 50 metros antes da saída pra Foligno.

b. Fica na esquerda, não porque está ultrapassando ninguém, mas porque é mais legal, até o último minuto possível, quando então joga o carro pra direita, fechando quem vinha atrás e passando por cima da zebra e a dois centímetros da divisória de concreto.

c. Opção b, e quando o motorista de trás pisca o farol você olha pelo retrovisor, levanta a mão direita, junta a ponta dos dedos e diz claramente "che c'è, stronzo?".

Postado por leticia em 08:16

07.07.05

motorino

E por falar em lambreta.

Eu achei que depois do tombo no ano passado eu fosse ficar com medinho de pegar o motorino de novo. Mas foi justamente o contrário: cada vez que saio com ele, mais eu gosto. Nunca vou ter a desenvoltura dos adolescentes que andam dos 14 aos 18 anos de motorino pra lá e pra cá, desviando audazes dos carros e conversando entre si enquanto pilotam, mas já me sinto muito mais segura do que no início. Agora que o calor tá brabo, então, é uma maravilha. Nada de carro-microondas depois de horas no sol. O motorino cabe em qualquer sombrinha e assim o selim não esquenta a sua bunda. Só tem que lembrar de usar filtro solar, senão os braços ficam pretos. Algum tipo de jaqueta também é aconselhável, porque os insetos e pedrinhas e plantinhas que se chocam com o seu corpo durante o percurso na roça são inúmeros.

O Mirco de vez em quando tem nostalgia de lambreta e vai pra oficina ou jantar na Arianna ou encontrar o Moreno ou comprar luvas de borracha no Ipercoop de motorino. Uma vez ele encontrou o Moreno na praça em Bastia, e enquanto estacionava a lambreta levou várias olhadas estranhas de teenagers bastiolos que não gostaram muito da presença de um intruso no seu território. Porque motorino no verão é coisa de adolescente VIP bastiolo, que gesticula pro colega no motorino ao lado enquanto pilota, que cola adesivos no capacete, que usa óculos escuros gigantes da Dior e calça jeans da Richmond e camiseta Datch. (No inverno motorino é coisa de imigrante pobre que não tem carro e tem que encarar o vento gelado na fuça). Achei engraçada a história, o Mirco intimidado por adolescentes por ser velho demais pra andar de lambreta :)

Obs.: Claro que velho também anda de lambreta. Lambreta velha. Daquelas que você tem que pedalar pro motor pegar, e que não passam dos 20 por hora. São foférrimos os velhinhos de motorino.

Postado por leticia em 18:30

28.06.05

perusia

Minha relação com Perugia é meio tumultuada. Gosto da cidade, mas não conseguiria morar lá. O trânsito é terrível, há imigrantes fedorentos demais, há ladeiras demais, tudo é caro demais, e o sotaque perugino é irritante demais. Mas há os arcos etruscos, as construções incrivelmente antigas, os becos de pedra, as surpresas arquitetônicas em cada esquina, a Fontana Maggiore, o Palazzo dei Priori, o Corso Vannucci.

Daqui de casa até lá posso fazer dois caminhos: ou pegar a estrada velha, que eu honestamente já fiz várias vezes no banco do carona e não saberia encontrar sozinha, ou a superstrada, construída só nos anos 70, e que continua até Florença ou Roma. Pra pegar a saída pra superstrada posso voltar um pouco no retão que vai ao centro de Bastia, e aí entro na superstrada pela saída Bastia-Torgiano, ou escolher umas estradinhas que passam entre os campos de trigo e tabaco, o mesmo percurso que faço quando vou correr, e cair direto na saída Ospedalicchio, mais adiante. É esse segundo que eu faço sempre.

Depois de Ospedalicchio, a próxima saída é pra Ponte San Giovanni – Torgiano. É ali que eu caio quando vou pra escola direto da oficina, em Torgiano. Depois tem uma bifurcação: à esquerda você vai na direção de Terni e depois Roma, e pegando a direita, onde tem aquele gato morto há semanas cujo esqueleto ainda não é visível, continuamos na direção de Perugia.

A primeira saída é a Perugia – Piscille. Aqui o conceito de bairro não é muito comum, mas Perugia tem alguns. Nunca ouvi ninguém se referir a Piscille como bairro, mas essa saída é a que pegamos quando vamos ao Policlinico doar sangue ou ao cinema no centro. Depois tem Perugia – Prepo, onde eu bati com o carro, e é a que eu pego pra ir ao Estudante Endocrinologista, à estação de trem, ao tabelião. Mais pra frente tem Perugia – San Faustino, que depois bifurca: à direita vou pra Motorizzazione, onde fiz a prova de motorista, e pra zona industrial da Via Settevalli; à esquerda posso continuar direto e só no final virar à esquerda de novo, pra cair no centro, ou virar logo de cara novamente à esquerda, subir a ladeira da Banca dell'Umbria e dar mil voltas, sempre subindo, vendo o Palasport, o estádio de vôlei, lá embaixo, até chegar à zona residencial de Madonna Alta, onde dou aulas. A última saída de Perugia é Madonna Alta, que vai pras zonas industriais de Madonna Alta, San Sisto e Sant'Andrea delle Fratti, e é onde vou pegar tinta no fornecedor. Ali também ficam o hospital Silvestrini e vários fornecedores de peças da oficina.

E depois começam as saídas pras periferias de Perugia: primeiro tem Ferro di Cavallo, depois Olmo, que vai cair atrás do cinema, depois Corciano, que é a saída mais usada pra quem vai ao cinema. E a próxima, Magione, é muito depois, já no Lago Trasimeno, na direção de Florença.

Esse post não interessa a ninguém, só a mim mesma.

Postado por leticia em 23:45

25.06.05

hoho

Essa semana teve esame di maturità aqui na Bota. Não é exatamente um vestibular, tá mais pro provão de fim de 2o grau, sabe. Só alguns cursos universitários requerem um exame de admissão porque as turmas têm número limitado de alunos; na maior parte dos casos praticamente entra quem quiser, e o único fator filtrante é esse esame di maturità, porque quem foi reprovado não pode cursar universidade.

Não é como no Brasil, que a gente tem que estudar todas as matérias. A prova é a mesma pra todos os estudantes do país, já que é uma coisa do Ministério da Educação e não tem nada a ver com as universidades. A prova de italiano, que na verdade não inclui gramática mas é só redação, é obrigatória pra todo mundo, e a outra prova é só de uma matéria. A cada ano são sorteadas as matérias para cada tipo de escola superior. A escola aqui dura 2 anos a mais que no Brasil, e os últimos 5 anos são especializados – ou escola técnica, como a que fez o Mirco, ou liceu, que pode ser clássico, lingüístico, científico ou artístico, se não me engano. Isso vai mudar porque já há novas leis tramitando, mas no momento é mais ou menos assim que funciona. Pois bem: em 2005 quem fez liceu lingüístico teve prova de língua estrangeira, quem fez o artístico fez prova de desenho livre, quem fez científico fez prova de matemática, e por aí vai.

Todo ano há uma imensa expectativa quanto aos temas da prova de redação; a coisa é assunto do telejornal das 8. O aluno pode escolher o tipo de texto que vai redigir: ensaio breve, comentando um artigo de jornal ou revista; análise de um texto literário; dissertação sobre temas atuais; dissertação sobre personagem histórico. Todo ano alguém consegue furar o segredo e descobrir quais vão ser os temas. Só que acho que nem precisavam se dar ao trabalho, porque olha a criatividade dos temas esse ano: tsunami e catástrofes naturais, viagem, um cântico do Paraíso de Dante, e a única surpresa, Einstein, quando todo mundo apostava no Papa defunto.

O detalhe é o tempo da prova. São mais ou menos duas páginas, pelo que me disseram. O aluno tem SEIS HORAS pra escrever. SEIS HORAS pra escrever duas páginas.

E depois os ignorantes somos nós.

Postado por leticia em 08:18

22.06.05

pane

Poucas coisas nessa vida são mais bonitas, poéticas e antropologicamente significativas do que um campo de trigo, tão dourado quanto os pães em que um dia vai se transformar. Muitos já estão maduros o suficiente pra colheita, alguns já foram devidamente colhidos. Tratores imensos e muito coloridos e cheios de luzes cortam as estradas das cidadezinhas do interior do Zâmbia.

Os girassóis já estão assanhadíssimos, espichando os rostinhos pro sol que, a essa altura do campeonato, já torna os dias quentes de verdade, estilo fritemos um ovo no asfalto. Girassóis são flores lindas, mas as plantas propriamente ditas são feinhas que dói. O milho também é uma planta feia pacas, como eu já disse aqui, mas as espigas são simpáticas.

Mas o trigo me impressiona. A cor é sugestiva, e não consigo deixar de imaginar quanto pão e quanto macarrão vão sair daqueles mares dourados. Ainda mais porque aqui pão é uma coisa muito séria. Mais até do que o macarrão. Italiano que é italiano não come sem pão, hábito que felizmente não incorporei – pra mim pão é pra fazer sanduíche e só. Quando eu explico o que é farofa, ou faço arroz branco, a primeira reação de TODO MUNDO é: aaaah, no lugar do pão vocês comem arroz/farofa. Fulano é pobre de marré deci, dizemos nós; aqui dizem que fulano é tão pobre que só come pão com cebola. O pão é figura central na culinária italiana, leia-se na cultura italiana. Não os culpo. Quer coisa mais simples, e mais gostosa, do que uma bruschetta das mais frugais, com alho, azeite e sal?

Tudo que é cidadezinha tem seu próprio tipo de pão. Em toda a Itália há zilhões, literalmente, de tipos de pão. Infelizmente fui cair aqui no centro da Bota, onde o pão, por razoes históricas que já mencionei aqui ene vezes, é completamente desprovido de sal. Eu acho superbroxante e só como o pão cascudo umbro sob forma de bruschetta. Pro meu café da manhã, que continua contrariando os costumes botenses, mantendo-se fielmente salgado, uso pão de forma integral, que eu adoro. Eu sou louca por pão, mas pão que eu considero "de verdade" – pãozinho francês, pão careca, baguete, ou pão árabe, que aqui obviamente neguinho não sabe fazer, nem quer, porque são considerados pães "inferiores". Quando estive na Sicília quase enlouqueci, porque as padarias são maravilhosas e têm váaaaaaarios tipos de pães maneiros. De região pra região, não muda só o formato do pão, nem o tipo de farinha, nem a quantidade de sal: o sabor e a textura são influenciados pelo tipo (dureza) da água, pela umidade e pela temperatura média local, pelo tipo de moinho usado (aqui ainda há moinhos que usam mós de pedra, e o pão sai mais escuro, com gosto esquisito de terra, e dura mais), pelo tempo de fermentação, pela adição de ingredientes (queijo, azeitonas, bacon, sementes de erva-doce, de gergelim, de papoula, entre tantos outros), pelo humor do padeiro, pelo tipo da lenha usada no forno, se você tiver sorte de ter um padeiro que tem forno a lenha. Muita gente ainda faz pão em casa, no forno a lenha do quintal. Muita gente ainda tem inclusive o móvel que se usava antigamente pra armazenar a massa-mãe e o pão, muito interessante – a tia do Mirco tem um, se chama mattera no dialeto local. Uma boa mattera, antiga de verdade, bem feita e bem conservada, hoje vale uma pequena fortuna nos mercados de antiquariado.

Hoje jantei uma saladinha com os dois tipos de alface que a mãe do Aluno Endocrinologista me deu, feijão branco (que aqui felizmente encontra-se enlatado, sem tempero, praticíssimo) e um punhado de milho verde. E pra fechar a noite, bruschettinha. Diliça.


Postado por leticia em 23:51

16.06.05

uai é uai, uai

A mãe do Aluno Endocrinologista me ama, por algum motivo que não consigo identificar. Nas poucas vezes em que nos encontramos na garagem do prédio (ela mora no apartamento ao lado), faz uma tal festa que parece que sou a rainha da cocada branca.

Hoje quando cheguei no Aluno pra dar aula vi duas sacolas IMENSAS de supermercado, cheias abarrotadas de verdura, na cadeira da cozinha. Em cima, um bilhetinho: x la sig.ra Letizia (aqui usa-se "x" como nós usamos "p/"). Eles têm uma casa de campo grande na periferia de Perugia, e ela me mandou esse monte de insalata de presente.

Uma vez um cliente do Mirco, que tem um trailer que vende porchetta, queijos locais, salames, pagou uma parte da conta em dinheiro e a outra em comida. Ganhamos três formas de queijo (uma de pecorino fresco e duas de pecorino maturado, que fácil fácil chega a € 15/kg), dois salames (um de porco e um de ganso) e mais uma outra coisa comestível que não lembro o que era.

Chico Bento perde.

Postado por leticia em 23:05

09.06.05

tralalá

A vantagem de fazer cooper na roça é que você pode parar pra comer amoras selvagens que crescem na beira da estrada.

Postado por leticia em 07:53

04.06.05

greve

Greve dos jornalistas da RAI hoje. Resultado: telejornais ainda mais superficiais, incompletos e parciais do que o habitual, e o jogo Noruega x Itália transmitido sem narrador. Coisa muito estranha de se ver, diga-se de passagem.

Postado por leticia em 14:37

31.05.05

passeio na roça

Eu sou uma criatura da luz.

Não estou dizendo luz no sentido esotérico-babaca da palavra, mas me refiro à luz do sol mesmo. O inverno acaba comigo não só porque o frio é um porre, mas também, e sobretudo, pela curta duração do dia.

Agora que o sol nasce cedo, eu levanto junto com ele, antes das seis. Sempre dormi e acordei com as galinhas, mas no inverno esse levantar é sofrido e gloomy. Com o sol brilhando lá fora e um céu lindo me esperando, ao contrário, acordo no maior pique. Meu dia dura uma eternidade, consigo fazer um monte de coisas, tenho muito mais disposição.

E então deixo o Mirco dormindo, faço café pra ele, tomo um iogurte de morango ou banana e vou correr, ouvindo Elvis e outras coisinhas. Cumprimento todos os velhinhos que encontro, que àquela hora vão limpar suas artérias andando de bicicleta devagariiiiiiiiiinho, sempre de chapéu e paletó. Ainda tá fresquinho e minha corrida rende muito mais, faço quase todo o meu percurso direto, sem parar toda hora como acontece se saio mais tarde, quando já tá quente pra cacete, porque aí o baço dá aquelas cutucadas falando pega leve, minha filha, que nesse calor eu não güento a onda não. Vou correndo meio devagar, porque afinal de contas não sou atleta e sou grande e pesada, ouvindo minha musiquinha, e observando a roça ao meu redor.

Engraçado como a gente nem repara nas plantas que nos rodeiam, até que elas mudem. Meus conhecimentos botânicos são vergonhosamente limitados, mas sei reconhecer um flamboyant, um ipê, uma mangueira, uma bananeira – coisas que não existem aqui. Mas nunca tinha reparado com muitos detalhes na paisagem por essas bandas, e só fui notar, chocada, o abismo entre os tipos de vegetação quando descemos em Foz do Iguaçu no começo do ano. Enquanto os verdes tropicais são exagerados, berrantes, e sempre definitivamente verdes, aqui há verdes acinzentados, verdes azulados, verdes muito escuros, verdes pálidos. Os tipos de pinheiro são tantos que já nem sei mais. As cercas-vivas vêm em milhões de variedades. As plantas nos jardins e nas varandas não têm nada a ver com as que vemos no Brasil. Nada de samambaia, árvore da felicidade, açucena, copos-de-leite, dólar. Aqui o grande must são os gerânios, as cafonérrimas rosas, prímulas, tulipas, oleandros, petúnias.

Mas o mais legal desses passeios é acompanhar o ritmo de crescimento das plantas que já reconheço. O trigo já está começando a amarelar; campos vizinhos às vezes já estão com cores muito diferentes, dependendo de quando foram semeados. O milho cresce literalmente a olhos vistos, e se não fosse essa porcaria de festa barulhenta tenho certeza de que à noite, no silêncio da roça, seria possível ouvir as plantas crescendo. O milho é uma planta feinha, mas as espigas barbudas são muito simpáticas. As videiras, que há dois meses eram carecas e totalmente podadas, agora já estão repolhudas, verdes e lindas, como irmãs de mãos dadas em loooongas fileiras. As oliveiras, que não mudam nunca e só se enchem de azeitonas lá pra novembro, aparecem em muitos jardins, e freqüentemente são plantadas no início de cada fileira de videiras, não sei por qual motivo. Em frente a uma casa aqui perto tem uma oliveira que é claramente centenária e deve valer alguns milhares de euros. Eu adoro oliveiras; junto com as mangueiras e os ficus são as minhas grandes paixões arbóricas. Há muitos, muitos pessegueiros. No meu percurso de corrida vejo também macieiras e muitos arbustos de folhas pequenas que não conheço, encontro caminhões que carregam porcos, vacas e galinhas, cachorros latem pra mim, vejo velhinhos colhendo alface na horta e velhinhas catando erba campagnola na beira da estrada, uma espécie de capim que aqui se come refogado e eu acho horrendo, vejo tratores que levam bandejas imensas de isopor contendo mudinhas de tabaco. Nas hortas e nos jardins das belas casas reconheço as plantas azuladas de alcachofra, os pés de batata que já estão enormes e dão lindas florezinhas brancas, muitas variedades de alface, plantinhas de tomate, ainda jovens, favas e ervilhas, cenouras, e alho. Agora é a época do alho, que se come ainda fresco. Você tira da terra e ele parece uma cebolinha, não tem ainda uma cabeça dividida em dentes mas é um bulbo branquiiiiinho, de sabor muito suave. É só cortar em rodelas fininhas, usando até a parte verde, e refogar rapidamente ou misturar na salada pra dar um tchan. Vejo imensas moitas de alecrim que, ao contrário do meu, dá mini-flores lilás. Lilás também são as flores de sálvia – a minha floresce sempre, o tomilho também.

Só falta o Leguinho, que sempre me acompanhou nas corridas. Sinto falta dele.

Postado por leticia em 12:32

26.05.05

burocrazia

E então hoje fui à polícia federal pegar meu permesso di soggiorno, meu permit of stay. Foi um suplício, porque eu odeio, odeio, odeio falar ao telefone e sempre me engano, entendo errado, me confundo – em português também, não é uma limitação lingüística, mas acho que eu sou muito teatral e expressiva e não consigo me movimentar direito em situações onde não vejo a expressão do meu interlocutor. Sei lá, acho que é isso.

Então, por causa de uma cagada minha no telefone, entendi errado o que o Paoletto, primo do Moreno que é Carabiniere, me disse na terça. Perdi a manhã inteira em meio àquela gente esquisita, fedorenta, sem dentes e mal vestida, e invariavelmente acompanhada de crianças ranhentas e mal educadas. Uma fila de horas, rodeada de gente que não entende nada de italiano e não tem idéia do que está acontecendo, que leva documentos errados porque não entende nada de coisa nenhuma ou simplesmente porque não tem os documentos certos mas vai assim mesmo, pra ver que bicho que dá. Tudo isso pra nada, e só porque sou retardada telefônica, porque o documento já tava pronto. Liguei pra Assis, onde normalmente pego meu permesso, e ao dar meu sobrenome a Carabiniere, que eu reconheci pela voz, reciprocamente reconheceu meus cinco sobrenomes – aaaaaaaaaaah sim, sim, já sei quem é a senhora, senhora Vieira, o seu documento ainda não chegou, ainda não encontrei seu nome quilométrico esse ano. Ha ha. Não chegou porque eu mandei um fax a Perugia pedindo pra pegar o bendito papel lá, em vez de esperar séculos pra que ele fosse enviado pra Assis. Teoricamente isso permitiria que eu aproveitasse o contato com o Paoletto, que teria deixado o permesso com o Inspetor-Chefe, pra quem eu iria diretamente, sem fazer a fila entre os fedorentos.

Mas tudo bem, hoje fui mais preparada, e encontrei o Paoletto no portão e fui diretamente falar com a Inspetora-Chefe, que foi muito simpática e me deu o maldito papel azul na hora. Só fui constatar o brinde depois que já tava no carro, esperando o volante esfriar um pouco pra poder manobrar: dessa vez a validade é de dois anos. Maravilha! Um perrengue a menos na minha vida de albanesa, até que enfim.

Postado por leticia em 20:39

25.05.05

festa

E hoje começou a Festa della Primavera aqui atrás de casa.

O primeiro dia é o melhor. Tradicionalmente a festa abre com um minifestival de bandas de rock locais, e o repertório costuma ser interessante, apesar das vozes terríveis. Hoje rolou muito Pearl Jam, um pouco de Stone Temple Pilots, Queen e até Elvis. Tocaram direitinho, deixei até as portas das varandas abertas pra ouvir melhor.

A partir de amanhã começa o suplício: Riccardi com sua franjinha crespa, músicos vestindo camisa de cetim vermelho, cantoras de meia arrastão e cabelos amarelo-ovo, polcas, mazurcas, musiquinhas de carrossel. Haja saco.

Postado por leticia em 23:50

23.05.05

essa bota tá apertando meus calos

A notícia da semana é a crise no país. Depois de meses e meses de Berlusconi e seus cabelos implantados afirmando categoricamente que essa história de crise é complô do centro-esquerda, que tudo vai muito bem, obrigado, embora todo mundo soubesse que tudo ia muito bem só pras nêgas dele porque as abobrinhas estão pelos olhos da cara, o macarrão aumenta a olhos vistos e daqui a pouco o pão vai virar artigo de luxo, especialistas da União Européia vieram aqui na Bota dar uma zoiada e constataram o óbvio: que a Itália está, literalmente, in mezzo alla merda.

Já discuti n vezes com o Ettore esse ano, porque ele acha que a queda no movimento da oficina é culpa do Mirco, que se recusa a atender clientes que não pagam e nos obrigam a botar advogado pra correr atrás do prejuízo. O gerente de um dos nossos bancos já tinha me cantado a pedra, há meses, de que, em mais de 30 anos trabalhando em banco, jamais ele vira tanto cheque voltando, tanta gente no vermelho, tanta queda no movimento em geral. Nossos amigos confirmam isso; todos que conhecemos relatam quedas brutais, brutais, no movimento das empresas onde trabalham. O lado bom é que a crise realmente não é só aqui em casa, o que não deixa de ser ligeiramente reconfortante. O lado ruim é que sabemos que nada vai mudar e o destino é, provavelmente, o porão do fundo do poço – a Itália foi comparada no rádio, outro dia, com Portugal e Grécia, os dois patinhos feios da Comunidade Européia. Há coisas alucinantes correndo soltas por aqui – pagamos mais de 400 euros de gás pelos três primeiros meses do ano aqui em casa, coisa que jamais acontecera antes, e quando fui à CEG local pra reclamar vi que não era a única, porque perdi a manhã inteira na fila em meio a gente com contas mais altas ainda do que a minha, apesar de morarem sozinhas, ou em apartamentos minúsculos, ou de viajar freqüentemente a trabalho e conseqüentemente quase nunca ligar o aquecimento. Um dos nossos bancos foi comprado por um conglomerado de bancos e o preço do talão de cheques pulou de 0,10 centavos pra 1 euro; a gasolina aumenta em ritmo meteórico; as contas de luz vêm sempre com valores sem pé nem cabeça, e nem adianta reclamar porque a resposta que recebemos é sempre "é assim mesmo, senhora". Enquanto isso, clientes que sempre pagaram direitinho agora estão dando calote, implorando pra esticar prazos, chorando migalhas. Trabalho até que tem tido, porque caminhão na estrada é igual a caminhão que de algum jeito acaba se danificando e portanto precisa de conserto, e as máquinas industriais que o Mirco pinta são pra exportação, não muito dependentes da situação econômica local, mas é muito chato e desgastante ficar implorando pro cliente te dar o TEU dinheiro, que você ganhou com o suor do rosto.

O Mirco entra na categoria artigiano – artesão, uma palavra antiga que poderia ser traduzida como microempresário, nos dias de hoje. Os artigiani são os trabalhadores mais castigados do país. Normalmente têm atividades pouco salubres – Mirco freqüentemente volta pra casa com mechas coloridas nos cabelos e bolinhas de tinta nas pontas dos cílios – mas pagam impostos altíssimos, se aposentam mais tarde e ganham pensões menores. As leis trabalhistas são malucas, manter um funcionário custa caríssimo ao empregador mas não traz lindas vantagens ao funcionário, e assim a bola de neve vai se criando em uma velocidade assustadora. É claro que em uma situação assim os produtos italianos não podem ser competitivos. E não é só culpa da ameaça chinesa, que apesar de ter sua fatia de culpa não pode ser o único bode expiatório dessa história. A Itália é um país de gente pouco preparada, ignorante, de tecnologia atrasada em muitos setores, onde pesquisa é só uma palavra bonita no dicionário, de pouco contato com o resto do mundo, de superproteção ao presunto de Parma e nenhum interesse pelo que vem de fora, de gente que vive em um lugar incrivelmente rico de história e de arte mas não tem a menor idéia do que isso signifique, porque está preocupado demais em fazer os tortellini pro almoço de domingo. E agora Berlusca e seus capangas levaram um esporro da tal comissão da União Européia, porque estão fazendo tudo errado há anos, e contribuindo pra puxar ainda mais pro fundo a já nada simples situação do Velho Mundo.

O negócio é comprar uma fazenda na Austrália e passar a vida tosando ovelhas, já tô até vendo.

Excrusive Gianni outro dia achou umas passagens em oferta da Singapore Airlines pra Perth, se não me engano; se a notícia for confirmada, fica imediatamente decidida a próxima (e provavelmente última, por falta de grana) Grande Viagem de 2005.

Mais detalhes com a Ig, aqui.

Postado por leticia em 23:09

19.05.05

feste paesane

E já estão montando o palquinho e o barracão nos jardins aqui atrás de casa, pra Festa da Primavera. Do dia 25 até 5 de junho dormiremos ao som (altíssimo) daquelas terríveis músicas folclóricas e com o cheiro de lingüiça na brasa no ar.

O que nos lembra que as sagras já começaram, mas algo me diz que esse ano a comilança por aí não vai ser intensa como no ano passado, em que todo santo domingo comíamos em alguma sagra: sagra da pizza, do ganso, da cebola, da torta al testo, lembram? Melhor assim. O bolso e a pança agradecem.

Postado por leticia em 17:56

17.05.05

mercadinho

Ontem fui "fazer compras" na Arianna. Ela não é, nem de longe, a mamma italiana média, mas não deixa de ser uma mulher italiana média, o que significa que a casa dela vive entupida de comida desnecessária. Toda vez que passo lá acabo levando um pé de alface fresquinha da horta, umas dúzias de ovos de galinha (ou de pata, se a pata estiver de bom humor), uma bistequinha de carneiro, uns peitos de frango que não cabem mais no freezer, uns pedaços de pizza feita em casa pra merenda de meio da manhã.

Já no domingo eu tinha avisado que no dia seguinte passaria pra medir a pressão da avó do Mirco e pra pegar a mudinha de serpillo, uma erva de cozinha, que ela tinha me prometido. Passei no final da manhã, e acabei levando pra casa uma dúzia e meia de ovos frescos, um potinho de ervilhas frescas colhidas da horta, um pouco de molho de tomate do domingo que tinha sobrado, e um saco de macarrão borboleta feito em casa, também do domingo, fresco, pra congelar. Entramos no papo de planta pra cá, planta pra lá, serpillo isso, serpillo aquilo, descemos pro quintal e papo vai, papo vem, acabei levando também mudas de rúcola selvagem, arrancadas a facadas de trás da moita de lavanda que o Leo derrubou de tanto cavar por baixo, umas mudinhas de um tipo de pianta grassa que ela roubou da IKEA há dois anos e pegou superbem na casa dela, duas plantinhas que dão flores o ano inteiro e eu nunca vi no Brasil, e mais um maço de rúcola selvagem, já grande, pra botar na salada. As favas ainda não estão prontas, as ervilhas ainda estão pequenas, as batatas idem, os tomates acabaram de ser plantados, salada eu já tinha em casa.

Antes que me perguntem, não sei o que é serpillo. É cheirosinho e usa-se pra assados, mas eu tenho em casa só porque gosto da cara dele mesmo, porque o Mirco odeia toda e qualquer ervinha na comida e eu só tenho permissão pra usar alecrim. Agora só preciso decidir o que plantar no grande vaso das tulipas, que já murcharam e só estou esperando que sequem de vez pra tirar os bulbos e levar pra Arianna plantar no quintal.

Postado por leticia em 17:27

16.05.05

Festa dei Ceri - Gubbio

Sábado à noite, durante a pizza, Roberta veio com a idéia de ir a Gubbio no dia seguinte. O namorado dela vai pescar todos os domingos, e Gianni e Chiara iam a Lucca visitar parentes, de modo que resolvemos ir eu, Mirco e Robertinha. Todos nós já tínhamos estado em Gubbio, mas nunca no dia 15 de maio, dia de festa na cidade.

Mas vamos por partes. Gubbio é uma cidade pequena (30 e poucos mil habitantes), que repousa no monte Ingino, e fica a uns 45 km daqui. Dela diz-se que é terra de doidos, e que pra provar que é maluco o visitante deve correr três vezes em volta da fonte mais famosa da cidade. As lojas de souvenir vendem certificados de maluco em meio aos tradicionais balangandãs cafonas que japonês e alemão adora. Estive lá pela primeira vez em 2002, com duas colegas de turma da Università per Stranieri, Susanne, suíça, e Lihn, vietnamita. Até rolou uma excursão com a faculdade no 15 de maio daquele ano, e não me lembro por que não fomos. Mas enfim, a cidade é lindíssima e há muito pra ver, mesmo fora da festa. Mas a Festa dei Ceri é, diz-se, a mais antiga manifestação deste tipo na Itália, e é uma tradição tão... singular, que os três "ceri", que já já explico, são o símbolo da região Umbria.

Mas então. O santo padroeiro da cidade é Santo Ubaldo, que morreu no dia 16 de maio de 1160. Desde então faz-se a festa no dia 15. A coisa consiste no seguinte, e depois vejam se neguinho não tem razão quando diz que todo eugubino (quem nasce em Gubbio) é maluco: há esses três "ceri" (pronúncia tchêri), que são uns negócios altos, de madeira, pesando 400 quilos cada um. Cada cero é formado por dois prismas octogonais encaixados um sobre o outro. No alto do cero empoleira-se a estátua de um dos santos que participam da corrida: Santo Ubaldo, vestido de dourado, São Jorge, de vermelho, e Santo Antônio Abade, de preto, nessa ordem. A corrida não é competitiva, ou seja, os santos chegam sempre na mesma ordem. O objetivo é simplesmente chegar o mais rápido possível na basílica de Santo Ubaldo, que fica lá em cima do monte – mas lá em cima MESMO. Cada cero fica apoiado verticalmente em uma plataforma, que é carregada nos ombros pelos ceraioli, que usam camisas de cetim com a cor do seu santo.

Os sites oficiais da festa dão duas explicações possíveis pra sua origem: uma é menos documentada e menos provável, e teria origens pagãs, em homenagem à deusa romana Cereres ou à deusa umbra (leia-se mais ou menos etrusca) Cerfus. A hipótese mais aceita é a de que a festa nasceu como homenagem ao bispo de Gubbio, o tal Santo Ubaldo, que parece que era muito querido. "Cero" é um jeito antigo de dizer "vela", o que torna possível que a origem dessa maluquice toda tenha sido simplesmente o fato de que o pessoal saiu em procissão, carregando velas, quando o bispo morreu. Eu ouvi outra versão uma vez, mas que não achei em nenhum outro lugar: que os ceri são "corridos" pela cidade porque historicamente alguém teve que correr pra levar uma mensagem ao santo, que estava em fim de vida, sei lá. Acho que me enganaram.

De qualquer maneira, a coisa toda é interessantíssima. O dia começa muito cedo: os capitães dos ceri são acordados às 5:30 ao som de tambores; esses dois são os responsáveis pela parte organizativa da festa. Às oito e meia, na igreja dos Muratori (pedreiros), os ceraioli participam da missa, e logo depois os santos saem em procissão, que atravessa as principais ruas da cidade, e termina no Palazzo dei Consoli, na Piazza Grande, onde os ceri, que ficam o ano todo enfurnados na basílica, já estão esperando. Às nove e meia toma-se o lanchinho da manhã, à base de peixe. Às onze, da Porta Castello (lembrem-se de que é uma cidade velha pra cacete e ainda há muros, portas, fortalezas, essas coisas), parte o desfile dos ceraioli, com bandas de música e coisa e tal. Aos quinze pro meio-dia os chefes da cidade, em roupas medievais, entregam as chaves da cidade ao Primeiro Capitão, um gesto simbólico pra lembrar a todos que por um dia o poder está nas mãos do povo. Dali os ceri descem as escadarias do Palazzo até a praça. Os sinos do Campanone, a torre campanária, começam a tocar, sinalizando o início da Alzata ("levantada"): a um sinal dos chefes dos ceraioli, esses últimos levantam os ceri, que ficam em posição vertical. E dali passeiam pela cidade, exibindo-se, e homenageando as antigas e tradicionais famílias de ceraioli. Antigamente quem participava da festa não escolhia o santo, mas era meio que forçado a carregar o cero do santo que apadroava a sua profissão: Santo Ubaldo é o padroeiro dos pedreiros, São Jorge, dos comerciantes, e Santo Antônio Abade, dos camponeses e estudantes. Com o passar do tempo e com novas profissões na parada, a coisa foi meio que passando de pai pra filho, como é até hoje: famílias tradicionalmente santubaldenses dão origem a ceraioli santubaldenses, e por aí vai.

Às duas da tarde os ceri são deixados perto de uma das portas da cidade, enquanto o pessoal vai almoçar. A farofada toda dura até as quatro e meia, cinco da tarde, quando novamente parte a procissão de Santo Ubaldo, percorrendo todo o itinerário da corrida e terminando na via Dante. Ali o bispo abençoa os ceri, que então, às seis da tarde em ponto, começam a corrida.

Nós chegamos às três da tarde, e deu tempo só de tomar um sorvete, dar umas voltinhas e tirar umas fotos, porque depois tivemos que sentar a bunda no muro da Piazza Grande pra pegar lugar. Essa piazza é uma das minhas preferidas entre todas as italianas que já visitei. Porque o Palazzo dei Consoli é lindíssimo, e porque a praça fica no alto da cidade, dando uma vista deliciosa dos telhados das casas antiqüíssimas, com suas chaminés, o musgo que cobre as telhas, as antenas de TV, ninhos de passarinhos. Lá no fundo, o vale, pouco habitado – perto de Gubbio não há nenhuma cidade maiorzinha, é uma desolação só. Mas então: sentamos no murinho e ficamos observando o pessoal passando lá embaixo na rua, todo mundo com a camisa da cor do seu santo e com o obrigatório lenço vermelho no pescoço. Estávamos bem embaixo da torre campanária, e quando os sinos começaram a tocar todo mundo esticou o pescoço pra olhar lá pra cima e ver os meninos, todos de calça branca e camisa colorida, tocando o sino gigantesco. É muito maneiro, mas depois de meia hora começa a encher o saco. A praça começa a encher, mas esperávamos mais gente. É porque, marinheiros de primeira viagem, não sabíamos nada sobre a história da festa. Gente tinha, até demais, só que a galera participa da festa o dia inteiro, e vai atrás dos ceri, enquanto nós ficamos plantados ali no murinho pra não perder o lugar e a visão privilegiada. Muita gente deixa escadas, daquelas que usamos pra trocar lâmpada e limpar janela, acorrentadas nas grades dos prédios da praça. Na hora da bagunça, sobem nelas pra ver melhor. Vai ser criativo assim na China, putz.

Às seis em ponto ouvimos um roaaaaaaaaaaaaaaaaaar, um barulho de Maracanã lotado, de público de show do U2 ao ouvir os primeiros acordes, uma coisa assustadora – mais ainda porque vinha láaaaaaaaaaaaa de baixo, porque a corrida começa numa rua paralela à que passa logo abaixo da praça. Lá longe, na Piazza 40 Martiri, vemos aqueles negócios estranhíssimos, com os santos coloridos aboletados em cima, passando numa velocidade impressionante, e aquele murundu de gente colorida seguindo atrás, correndo feito doidos. É coisa de maluco mesmo, porque não tem o menor sentido, mas vou dizer um negócio pra vocês: foi uma das coisas mais emocionantes que já vi aqui na Itália. Fiquei comovidíssima, a empolgação das pessoas é contagiante, e o fato de que não é uma competição, mas só uma maluquice mesmo, só torna as coisas mais interessantes. O percurso inteiro da corrida dura duas horas, e inclui umas pausas pra neguinho não cair duro de tanto correr carregando peso. Não sei como funciona direito, mas é um mega trabalho em equipe, porque quando o ceraiolo (é sempre homem, mulher só fica na torcida e olhe lá) sente que não agüenta mais, ele simplesmente larga o negócio e sai de baixo da plataforma, sem nenhum sinal, sem avisar, sem pedir, porque sabe que alguém imediatamente o substitui. A expressão de cansaço e sofrimento físico no rosto dos ceraioli é impressionante. O grande lance da coisa é não deixar o cero cair, até porque levantar um tarugo daqueles não é brincadeira de criança. Se cair, os outros santos têm que esperar.

Mas então; depois da partida, entrevemos os ceri atravessando ruas e becos e desaparecendo novamente por trás de casas, e por um longuíssimo tempo não se ouve mais nada; sabemos que os ceri tão lá correndo, mas não vemos por onde, e de repente o roaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaar vem vindo da rua que desemboca na Piazza Grande, onde estávamos, e lá vêm aqueles negócios esquisitos, com os santos balançando lá no alto, ensandecidos, pela praça. Aí é que entendemos onde tava todo mundo: tava era correndo atrás dos santos, porque junto com eles chegou uma cabeçada, mas uma cabeçada fenomenal. Os santos dão três voltas na bandeirona vermelha plantada no meio da praça, e seguem adiante, pra depois subir uma ladeira fenomenal, até chegar no cocoruto do Monte, onde fica a basílica.

Caramba, é MUITO maneiro. MUITO, MUITO, MUITO. Vale a pena de verdade. Se alguém aí tem intenção de vir aqui pro fim do mundo no ano que vem, faça de tudo pra conseguir estar aqui no próximo 15 de maio e ver essa maluquice.

Foi tudo perfeito: domingo, todo mundo descansado, Robertinha que é ótima companhia, o dia tava lindo, com sol mas com vento fresco, não pegamos trânsito (o que teria sido um horror porque a única estrada possível pra Gubbio é terrivelmente cheia de curvas, subidas e descidas, a ponto de ficar impraticável no inverno, se nevar demais), e na volta ainda paramos pra comer torta al testo, que em Gubbio se chama crescia (pronúncia crêsha), num quiosquinho tabajara que vende torta há quarenta anos. Negócio de família, é claro: uma velha no forno a lenha, cozinhando a torta, cuja massa é esticada em um testo, ou plataforma, de cimento e coberta com cinzas – não tenham nojo, por favor, é uma delíciaaaaaa; marido e mulher no caixa e alternando-se pra cortar fatias de queijo e de lingüiça na brasa, e um velho coroco encarregado de cortar, à mão (dizem que fica mais gostoso, eu não vejo diferença), mortadela e prosciutto crudo. Sentamos nuns banquinhos do lado de fora pra comer nossas tortas, as colinas verdejantes de trigo à nossa frente, vendo passar outra velhinha, que faz o trajeto forno-caixa duzentas mil vezes por dia carregando sempre uma torta de cada vez... Ô maravilha!

E então ficou combinado que queremos ver as outras festas umbras mais conhecidas: no fim do mês tem a Infiorata di Spello, que são aqueles tapetes de flor no chão da cidade (eu acho cafonérrimo mas diz a Roberta que a graça está em ir na noite anterior, pra ver o pessoal montando os desenhos com as pétalas), em junho tem as Gaite di Bevagna, quando a cidade inteira participa de uma encenação absolutamente realística da vida medieval, e acho que ainda tem a segunda edição anual da Quintana em Foligno, torneio medieval com cavalos, lanças etc. Perdemos o Calendimaggio, a festa tradicional de Assis, em que competem a Nobilissima Parte di Sopra (literalmente Nobilíssima Parte de Cima) e a Magnifica Parte di Sotto (Magnífica Parte de Baixo), mas a festa de Bevagna não quero perder de jeito nenhum.

Pra quem ficou curioso sobre a festa de Gubbio, mais informações aqui e aqui (ambas em italiano, sorry).


Postado por leticia em 15:49

04.05.05

Hear, hear

As três principais notícias do dia aqui na Bota são de arrepiar os cabelos.

Angelo Izzo, que há alguns anos estuprou, torturou e matou um monte de gente e estava devidamente preso, recebeu liberdade condicional por bom comportamento. A primeira coisa que fez quando saiu foi matar uma mulher e sua filha de 14 anos. A única pessoa que conseguiu sobreviver a um ataque seu e de seu bando, uma mulher que nas entrevistas parece ser muito esperta e justamente indignada até a raiz dos cabelos, só conseguiu sair viva depois de 30 horas trancada num banheiro sem ventilação e mais não sei quantas na mala de um carro porque se fingiu de morta, depois que Izzo a estrangulou e encheu de porrada. "Ele não é louco coisa nenhuma", ela diz. "Nem louco e nem bobo. Gosta de causar sofrimento aos outros, planeja tudo com cuidado. Não é louco. Doente, mas não louco, e não sei no que os juízes estavam pensando quando deixaram aquela coisa sair da prisão." A foto do então jovem Izzo algemado, acompanhado de policiais a caminho da prisão, mostra um cabeçudo de olhos claros, camisa listrada e um sorriso do qual nem Hannibal Lecter seria capaz. Mais aqui (em italiano).

Há 36 anos, uma bomba explodiu numa agência de um banco nem sei onde, matando 17 pessoas. Há várias hipóteses políticas, e exatamente por isso ao longo desses anos provas sumiram, pessoas calaram, e nada se descobriu de concreto sobre quem plantou o raio da bomba. Hoje saiu a sentença final: oficialmente, NÃO HÁ CULPADOS. E AS FAMÍLIAS DAS VÍTIMAS SERÃO OBRIGADAS A PAGAR AS DESPESAS LEGAIS QUE ROLARAM NESTES 36 ANOS. Você não leu errado, é isso mesmo. Não há culpados; a bomba se materializou do nada, veio andando com suas próprias perninhas, se escondeu na agência, apertou o botãozinho on/off e explodiu, tudo sozinha, de vontade própria. E as famílias das pessoas que nada tinham a ver com a história e morreram na explosão vão ter que arcar com 36 anos de despesas legais. Mais detalhes aqui (em italiano).

Como era de se esperar, a versão italiana sobre como morreu Calipari, que levava a jornalista comunista Giuliana Sgrena pra casa depois de semanas de seqüestro no Iraque, não bate com a versão americana. O carro que levava Sgrena foi baleado por soldados americanos, que dizem ter atirado porque o carro vinha em alta velocidade e não se identificou ao passar por essa espécie de blitz (blocking position). Sgrena rebate dizendo que não iam a mais de 50 km/h, que o blocking point era feito por soldados estressados, nervosos e mal treinados, e que acha que o alvo era ela, porque sabia demais (e é comunista e anti-EUA). Calipari era um fodão, chefe de departamentos de segurança e coisas do gênero, herói militar, e sua morte foi um baque por aqui. Mais ainda: segundo o relatório italiano, no relatório americano faltam muitas, mas muitas informações, omitidas propositalmente. Mais ainda: o carro, um Toyota Corolla, foi removido do local antes que sua posição exata pudesse ser determinada e fotos decentes batidas, de modo que não é possível determinar com exatidão a distância da qual os tiros foram feitos, a velocidade em que o carro vinha, a trajetória precisa das balas, etc e tal. Aqui (em italiano).

Nada mais me surpreende por aqui, juro.

Postado por leticia em 08:31

01.05.05

primo maggio

Primeiro de maio aqui não é só um dia no qual não se trabalha, é festa mesmo. Normalmente os empregadores pagam um belo almoço pros funcionários. No caso das pequenas empresas, os proprietários, que trabalham junto com seus operários, não são tãaao mais ricos do que eles, e muitas vezes estudaram menos do que eles, normalmente participam do almoço. No ano passado comemos peixe em um restaurante especializado em outras coisas; o almoço saiu caríssimo e não foi nenhuma Brastemp. Esse ano, com as imensas despesas extras de tabelião e advogado pra transferir a oficina pro nome do Mirco, e com os dois primeiros meses do ano muito lentos em termos de trabalho, resolvemos economizar e investir no seguro: a comida da Arianna. Então ontem todo mundo foi almoçar em Santa Maria.

Chegamos às dez e meia pra dar uma mãozinha, a tempo de montar uma mesa imensa na garagem, onde é sempre fresco. Do lado de fora tava um calor desgraçado, e no campo ao lado da casa demos de cara com um cercadinho improvisadíssimo onde os gansos foram colocados pra pastar - juro. Faz bem pra eles (e economiza-se em ração) comer capim, então os bichos ficaram o dia inteiro ali no cercadinho, pastando e se refrescando numa bacia de água, e depois descansando à sombra de um guarda-chuva que a fofa da avó do Mirco teve a idéia de deixar aberto, apoiado no chão.

Depois foi o sólito catar pratos e copos de plástico, guardanapos, encher as garrafas com a água do filtro, passar o vinho dos garrafões de 5 litros pra garrafas menores, preparar os antipasti, descascar batatas. Os bichos já estavam no forno – ganso, frango, carne de carneiro e, tchan tchan tchan tchan, cabeça de carneiro. Com dentinho e tudo. Nada de porco porque há dois marroquinos no rol dos funcionários. Arianna já tinha feito dois pirex de Tiramisù e uma torta de geléia, a massa do macarrão tava pronta e era só passar na maquininha pra cortar em tagliatelle, a salada já tava cortadinha e só faltava temperar. O pessoal comeu feito louco. Só faltou o Hugue, um rapaz do Congo que é o novo aprendiz da oficina. O menino é uma gracinha, incrivelmente educado e calado, mas quando fala a voz que sai é forte como um trovão, com forte sotaque francês – ele ainda fala pouquíssimo de italiano, chegou na Itália só há alguns meses. Tem olhos bons e um sorriso que lhe ilumina o rosto inteiro. E tem o maior orgulho da carapinha: faz vir do Congo um produto pra deixar os minimicrocachos ainda mais definidos. Mirco brinca com ele dizendo que também quer usar, e ele responde, não, não, capelli non uguali, non uguali, naquela voz grossa. Na hora do almoço ele sempre toma banho no chuveiro da oficina, porque sente muito calor. E quando volta pra casa, de carona com o Ettore, vai todo bem vestidinho, de jaqueta de couro e tênis prateados. Outro dia Mirco veio dizer que ele sabia cozinhar, e perguntei o que é que ele sabia fazer. Ele disse que não adiantava explicar, porque eu provavelmente não conhecia nada. Ah, é? Vamos ver... Aposto que no Congo você comia muita banana, manga e mamão, mandioca e abacate e feijão. Ele arregalou os olhos e perguntou como eu é que eu conhecia essas coisas; não sabia que eu era brasileira. Depois começou a rir quando os marroquinos, lá do outro lado da oficina, falaram que quem come feijão fica perigoso por causa dos "fogos de artifício". O menino tem 18 anos mas é de longe o mais educado de todos na oficina, e o mais esperto também, pelo que o Mirco fala. Vai ser provavelmente o substuto do Dejan, o eslavo que vai embora mês que vem, pra prestar serviço militar obrigatório na Sérvia. Pois então, o Hughe não foi ao almoço porque tinha um batizado não sei onde, mas veio o Yavo, ex-funcionário, nativo da Costa do Marfim, uma figuraça que fala numa língua que só ele entende, mistura de francês, italiano, dialeto perugino e seu dialeto africano. Fala de religião o tempo todo mas é na boa, sem pregar, sem torrar a paciência. Ficamos lá batendo papo e brincando com os cachorros, que roíam os crânios de carneiro por baixo da mesa, até o final da tarde. Acabou sendo um almoço muito mais divertido do que o normal almoço de domingo na casa dos sogros, que ultimamente anda sendo um martírio pra mim.

Voltamos pra casa e vimos Man on Fire no DVD. Gostei muito, de verdade, ainda que eu ache que o Denzel Washington é igual ao Lima Duarte, representa sempre o mesmo papel em tudo que é filme. Ainda consegui sair pra correr enquanto o Mirco dormia no sofá, quando voltei tavam o Mario Belli (o dono da floricultura de S. Maria) com a noiva em casa batendo papo, esqueci de perguntar a ele se conhecia a minha planta misteriosa (já tirei foto, Lu, mas tô com preguiça de botar no ar, amanhã, amanhã), me empanturrei de iogurte em vez de jantar, e ainda tive saco pra terminar um livro muito ruinzinho antes de dormir. Mais tarde explico melhor.

Postado por leticia em 23:46

30.04.05

novas aventuras burocráticas

Eu não queria muito contar essa história, mas não resisto: na terça-feira depois do meu aniversário, bati com o carro. Foi em Perugia; eu tava saindo do centro, depois de uma aula com o Aluno Endocrinologista, e pegando a superstrada pra voltar pra escola e dar aula pros Três Mosqueteiros. Alguma coisa entrou no meu olho, um bicho, sei lá, perdi o controle do carro, subi no canteiro central, bati nos pés da placa que mandava ficar na esquerda quem queria ir a Perugia, Assis, Foligno, e direita quem queria ir a Arezzo, dei um giro de 180 graus e parei. Como um pouco antes tem um sinal de trânsito, e ali tem muito movimento e o trânsito é sempre lento, não me machuquei, e o cara que vinha logo atrás de mim teve mais do que tempo pra perceber o que tava acontecendo e meter o pé no freio. Comigo não aconteceu bissolutamente nada, só bati com a mão esquerda na porta (muito menos grave do que as topadas que eu vivo dando por aí), mas o carro ficou completamente detonado. Não porque a batida tenha sido violenta, mas porque a Fiat é mal feita pra cacete e quando subi no canteiro a parte inferior direita foi pras cucuias. O carro já tava velho, valia pouco, e não vale a pena consertar. Então peguei a Uno da oficina.

Mas tudo isso, que no final das contas não interessa muito, pra explicar a maratona que veio depois. Porque quando o seu carro sobe no telhado você tem que se desfazer dele de alguma maneira. Ou então juntar toda uma papelada e comunicar às autoridades competentes que o carro não vai ser mandado pra um ferro-velho autorizado, mas também não vai ficar abandonado no seu quintal, pegando chuva e funcionando como ponto de encontro pra ratos, insetos e afins. Porque é proibido, entende. Então você tem que ir ao P.R.A. (Pubblico Registro di Automobili), que é maaaaais ou menos como o Detran, levar as placas e os documentos do carro e mais um monte de chatices, e declarar o que você vai fazer com ele.

O problema é que todo mundo anda muito ocupado ultimamente, e não tivemos tempo de investigar direito o que tínhamos que fazer. O IPVA vencia amanhã, e a mulherzinha do Automobile Club Italiano me disse que tínhamos que entregar as placas antes do dia 30 pra não ter que pagar o imposto. Mas não falou nada dessa coisa da rotamazione (a destruição do carro), de ser obrigatório mandar o bicho pra um ferro-velho, nem de coisa nenhuma. Quando liguei pra central do ACI me disseram que se eu declarar que o carro ficar na minha garagem, não posso nem vender as peças, porque se vier um fiscal checar eu levo uma multa. Ora, o carro está em perfeito estado fora a parte batida, e afinal de contas a oficina não é especializada em carros mas sempre rola algum amigo que deu uma batidinha, ou então quebraram um farol, ou arranharam a lateral, ou uma pedrinha que rachou o vidro, e ter peças de reposição do carro mais vendido na Itália não seria nada mau. Mas não, jacaré, não pode. Ligamos pra todos os donos de ferro-velho da zona, todos clientes da oficina, e todos disseram a mesma coisa: quero o carro inteiro, senão pra mim não vale a pena, porque eu vivo é de vender as peças. Cacetes tatuados! A manhã passando e eu ainda na oficina, ouvindo o Mirco e o Ettore se esgoelando no telefone tentando entender o que fazer. No fim das contas alguma alma caridosa explicou que se eu fosse ao ACI pagaria 60 euros, e se fosse diretamente ao P.R.A., só a metade, e eles ainda saberiam explicar melhor a coisa toda. Essa alma caridosa já foi dono de ferro-velho, mas agora tem uma outra atividade que não sei qual é, mas de qualquer maneira se prontificou a resolver a situação – normalmente o ferro-velho COBRA pra fazer a rotamazione, e ainda por cima revende as peças do seu carro batido; esse não cobrou nada mas ficou com o carro. Tudo resolvido, lá fui eu ao P.R.A., onde já estivera outras vezes, pra entregar as placas.

Chegando lá, com procuração do Mirco e quinhentos documentos xerocados, me dizem que não posso fazer nada porque não sou a proprietária. Eram dez e meia da manhã e um cartaz avisava que em vez de fechar ao meio-dia e meia, ontem fechavam uma hora antes, por motivo de assembléia do pessoal. Fiquei sem saber o que fazer, expliquei pra mulher, que por sorte é muito prestativa, que tinha que resolver a coisa ali na hora senão teria que pagar IPVA tudo de novo, que o proprietário do carro estava rodando ali em Perugia (mentira) e eu poderia encontrar com ele e dar os documentos pra ele assinar (leia-se eu iria ficar fazendo hora sentada no meu carro e fazer um rabisco qualquer imitando a assinatura do Mirco), que do escritório da oficina poderiam mandar por fax uma xerox da identidade do Mirco, mas nada feito. Só faltei chorar através do vidro, até que um outro funcionário resolveu chamar o chefe, explicou a situação, e ficou resolvido que eu poderia fazer a coisa toda sim, desde que assinasse um certificado de proprietaria non intestataria, ou seja, que eu uso (usava...) o carro direto mesmo ele não sendo oficialmente meu. Agora me diz: por que raios todos os funcionários de uma repartição pública não têm as mesmas informações? Por que essa mania de cada um dizer uma coisa diferente? Ô coisa chata!

Felizmente consegui entregar e preencher e assinar tudo antes das onze e meia, senti uma pontada de tristeza ao ver as plaquinhas da nossa Punto querida jogadas ali em meio a muitas outras, e depois pra compensar fui direto pra Libreria Grande gastar meu gift certificate. Comprei Middlesex (Jeffrey Eugenides, o autor de Virgin Suicides), The Kite Runner (Khaled Hosseini), e o primeiro livro da série The No. 1 Ladies’ Detective Agency, de Alexander McCall Smith. E pronto.

Postado por leticia em 07:25

24.04.05

asparagi di bosco

Hoje é dia de praticar um dos mais populares esportes primaveris, colher aspargos selvagens. O tempo tá uma droga, mas não tá com cara de que vá chover. Ontem tava pior, e mesmo assim encaramos o Monte Subasio com os cachorros, a FeRnanda e a cachorrinha dela, a Dadá. Um vento que te levava embora, só nós, três retardados cachorrentos, no alto do monte, uma dor de ouvido do cacete, jogando garrafas de plástico pro Legolas pegar.

Hoje o plano inicial era ir a Florença dar umas voltas com Gianni e Chiara, mas eles desanimaram e resolvemos então ir catar asparagi di bosco lá em Bastardo, onde um colega de trabalho do Gianni mora. Como o tempo tá feio e o frio é quase de outono, não é perigoso. No calor, serpentes venenosas abundam entre os arbustos e caem das árvores dentro da sua camisa, então precisa enfiar as calças por dentro das botas e usar camisa de gola alta e chapéu, e afastar arbustos com um bastão, jamais com as mãos.

Eu juro que queria ir, mas, fêmea que sou, fui jogada pra escanteio. Mirco saiu às nove da manhã, e eu só vou ao meio-dia, com Chiara e Roberta, praticamente só pra almoçar. Melhor. Estou cansada e acho que tem uma gripe se esforçando muito pra me pegar. Ontem tava tão sem saco que nem fiz faxina, só passei o aspirador de pó igual à minha cara e mais nada. Agora são dez e vinte e ainda tenho que limpar o banheiro e transplantar uma tulipa estranha que está apertadíssima no vaso em que a coloquei, achando que cresceria para o alto e avante, esbelta como todas as tulipas. Mas essa é estranha e é toda repolhuda, ocupa tanto espaço que o outro bulbo, no mesmo vaso, ainda não conseguiu dar as caras. O detalhe é que o saco de terra ficou no carro, e cadê a vontade de descer pra pegar?

Caraca, deve ser a primavera que me pegou de jeito esse ano, como faz com tudo mundo aqui. Ou então são os cromossomos baianos herdados de vovô que estão se ativando pra me deixar leeeeeeenta.

Postado por leticia em 10:21

07.04.05

mau que nem pica-pau

A direitona de Berlusconi perdeu quase todas as eleições regionais do fim de semana passado. O quê que o Cavaliere fez, de birra? Demitiu todos os chefes regionais dos partidos que fazem parte da sua aliança ultradireitista.

Postado por leticia em 14:45

03.04.05

ciao, inverno

A primavera chegou de vez. Eu sei porque a chegada da primavera aqui no interior da Birmânia traz sempre os mesmos sintomas, como se o mundo mudasse inteiramente: o gramado dos jardins atrás do meu prédio tá coberto de florezinhas brancas e amarelas que parecem ter sido polvilhadas ali, de tantas que são; ouvem-se crianças brincando no jardim e a vizinha gorda e fofoqueira chamando o cachorro, Jimmieeeeeeeeeeeeeeee!; à tardinha e no fim de semana a muvuca social no bar embaixo do prédio ao lado é intensa; as pessoas andam tomando sorvete pelas ruas; a galera maneira da terceira idade já tirou as bicicletas das garagens e vai passer pela cidade, os homens de boina e paletó, SEMPRE, as mulheres de escova feita, meia-calça cor da pele e sapatos com meio-salto; estender a roupa no varal na varanda não é mais um suplício que termina invariavelmente com mãos vermelhas e doloridas e o nariz escorrendo por causa do frio; o sol esquenta mas a brisa é fresca; o radicchio, verdura invernal, começa a sumir dos supermercados e o que não sumiu fica mais caro, dando gradualmente lugar às favas, às ervilhas frescas, mais tarde às abobrinhas e berinjelas, e depois ainda aos tomates; o pessoal começa a reclamar do efeito que a primavera tem sobre a personalidade (aparentemente deixa as pessoas lentas e levemente melancólicas; definitivamente não é o meu caso); posso sair de casa com o cabelo molhado sem que a minha cabeça caia necrosada depois da primeira rajada de vento gelado; os cravos da varanda, que por todo o inverno se mantiveram verdes, firmes e fortes, agora estão dando flor adoidado; água mineral e chá gelado (de limão e pêssego) não vão mais entrar em oferta até o próximo inverno; as garotas-propaganda de telefones celulares na TV ainda não estão de biquini mas deixaram de lado os casacões pra usar jaquetas de meia-estação; morremos de calor no sol mas ainda dormimos com edredom de penas de ganso e ainda temos que ligar o aquecedor elétrico pra esquentar o banheiro antes de tomar banho; ainda não dá pra perambular pela casa sem meia, mas tamos quase lá; o pessoal começa a se organizar pra colher aspargos selvagens nos domingos de sol.

Hoje e amanhã se vota aqui na Itália. Mirco vota numa escola atrás dos correios, e hoje, depois do almoço na Arianna (cappelletti com recheio de ricota e espinafre e molho de aspargos selvagens com creme de leite, depois peru e cabrito no forno a lenha), demos banho nos cachorros, encoleiramos o Leguinho, que está OBESO de tanto chocolate que comeu na semana da Páscoa (o Ettore admitiu que lhe dá essas merdas pra comer: “ele pede, o que que eu posso fazer?” ARGH!!!), e fomos a pé até essa escola. Sentei com o Leguinho do lado de fora, pegando um solzinho enquanto lia meu Camilleri, e todo mundo que passava achava graça nele todo sério sentado ao meu lado, olhando pra porta da escola esperando o Mirco sair.

O assunto da Bota é, há muitos dias, a situação do Papa. Ontem estávamos jantando peixe na Chiara quando aquele asqueroso do Bruno Vespa deu a notícia na RAI 1. A família da Chiara é muito religiosa e foi uma choradeira só. Eu fico chateada porque fico chateada até quando vejo os percevejos morrendo torrados quando caem no lustre da sala, mas, sendo absolutamente contra TUDO o que o Papa e qualquer outro líder religioso representa, não consigo me emocionar como acho que deveria, ou pelo menos como neguinho espera que eu me emocione.

Enfim, vou tomar banho porque estou com cheiro de cachorro molhado, e depois temos uns pepinos da oficina pra resolver antes de tocar pro cinema, se der vontade.

Postado por leticia em 17:22

14.02.05

rir pra não chorar

E a notícia que não sai da boca do povo nesse início de semana é a do albanês e o trator. É assim, ó: um albanês entra, bêbado, numa boate de topless e go-go girls. Bebe ainda mais e começa a encher o saco das meninas e dos outros clientes. O albanês é chutado pra fora da boate. O albanês bêbado, e agora também puto da vida, rouba um trator que estava por ali dando sopa (a boate fica na zona industrial de Bastia, cujo asfalto está sendo renovado), vai ao estacionamento da boate, que divide um galpão com uma fábrica de portões, e começa a descer o pau nos carros estacionados ali em frente. Ontem à noite, quando soubemos da notícia, passamos por ali no caminho pra casa e vimos uma Fiat Multipla completamente detonada, e um gazebo de metal, da fábrica de portões , reduzido a uma massa disforme. A notícia saiu, obviamente, no telejornal regional, e nas filas do banco, dos correios, do supermercado, não se fala de outra coisa. Compreensível, porque 1) quando é imigrante que faz cagada (e cagada desse tipo é quase sempre imigrante que faz) vira logo notícia, 2) a história é tão maluca que não tem como alguém tê-la inventado, e 3) como aqui não acontece nada nunca, qualquer coisinha já vira logo OOOO evento do século. 2005 vai ser lembrado em Bastia como o ano que começou com o albanês e o trator.

Postado por leticia em 14:20

25.01.05

friaca

Os meteorologistas afirmam que essa será a semana mais fria do ano por aqui. Ontem à noite houve picos de -23° C lá no norte, perto da Áustria. Hoje fiquei em casa pela manhã, passando roupa; às onze teria que estar em Perugia pra dar aula pro Aluno Endocrinologista, que ligou às dez e quinze pra dizer que achava melhor eu não ir, porque tava nevando muito e eu talvez não seria capaz de voltar pra casa com tranqüilidade. Quarentona Estressada, que também tinha aula da uma da tarde até as três, ficou empacada no buraco onde se esconde, na fronteira da Umbria com a Toscana. A neve fechou as estradas e ela não pôde sair de casa. Enquanto eu passava minha roupinha, via uns floquinhos solitários voando pra lá e pra cá, mas poucos, e do tipo que dura pouco, que vira água quando bate no vidro. A previsão pra hoje era de neve inclusive a bassa quota, ou seja, em baixas altitudes, e, de fato, Bettona, que fica exatamente do lado oposto à minha casa, lá longe, estava toda coberta de neve, mesmo não ficando tão no alto assim. Assis estaria mais linda se não fosse a nuvem de tempestade de neve que cobria o topo do Subasio. Mas os telhados estavam todos branquinhos. Aqui embaixo, no vale, dificilmente a neve cai pra valer. A última vez foi em 1981, e foi OOOOOO acontecimento. Há fotos do evento espalhadas por todo o prédio da prefeitura.

Desde que cheguei aqui pela primeira vez, já encarei frente fria vinda da Finlândia, da Sibéria e sei lá mais de onde. A frente fria que está atravancando a vida dos Botenses essa semana vem da Groenlândia. Rapadura é pouca mas né mole não.

Postado por leticia em 20:23

21.01.05

da série a horripilantemente tenebrosa TV italiana

Voltou o C.S.I., agora às quintas-feiras, em vez das sextas. Não sei que fim vai levar C.S.I. Miami, que não chega nem perto do original, e que tinha ficado nas sextas enquanto Grissom & cia estavam de férias.

Sei que agora, na onda do sucesso da série, apareceu uma outra série italiana no mesmo estilo: R.I.S. Delitti Imperfetti. O RIS é o Reparto Investigazioni Scientifiche (pron. Reparto Investigatsioni Shentifike) dos Carabinieri, e ultimamente andava-se falando muito deles, sem motivo aparente. Só fui entender o porquê depois que começaram a passar as primeiras chamadas pra série. A semelhança com C.S.I. não é, absolutamente, mera coincidência. TUDO é copiado: a abertura, a trilha sonora, os flashbacks explicativos com closes repentinos nos detalhes que fazem a diferença e imagem distorcida ou com cores diferentes; as frases de efeito; as sobrancelhas franzidas e os olhares 43; os diálogos cheios de duplos sentidos; expressões tipicamente Grissom como "vou ouvir o que o morto tem a me dizer". Uma boa parte da diversão do programa é ficar contando as semelhanças. Mas a série é bem produzida e, até onde eu sei, baseia-se em fatos reais, solucionados pelo RIS. A maior parte do elenco é sofrível, mas isso é só um detalhe. Há belas tomadas de Parma, cidade onde se passa a história e que eu infelizmente não conheço. O chefe da equipe é um bonitão, e há só uma mulher na esquadra. Há as clássicas situações do tipo começamos com preconceito contra as mulheres mas ela acabou nos conquistando com sua competência e seu ponto de vista feminino que muitas vezes gera insights decisivos.

Eu adoro essas séries sobre as Forze dell'Ordine – Carabinieri, RIS, Guardia di Finanza. E não, não é fetiche de farda, é porque são bem feitinhas mesmo, e eu gosto do assunto. Fora essas séries, o programa de documentários Solaris, que vai ao ar às quatro da tarde, quando não há ninguém em casa pra assistir, Superquark e La Macchina del Tempo, dois documentários sérios que também vão ao ar em horários infelizes, e Le Falde del Kilimangiaro (Aos Pés do Kilimanjaro), programa sobre viagens que vai ao ar no sábado à tarde, quando todo mundo tá dormindo depois do almoço, não há absolutamente mais nada assistível na TV italiana. Tudo isso junto deve dar, no máximo, uma hora de programaçao decente por dia. E ainda querem quase 100 euros por ano de assinatura obrigatória, sendo que a RAI, além de ser uma bosta, ainda tem uma quantidade impressionante de publicidade.

Pior de tudo é a mania dos reality shows. Além do Grande Fratello, que esse ano foi decidido entre uma bicha escandalosa filho de iranianos, nascido em Israel e criado em Milão, um pedreiro toscano de longos cabelos louros estilo Conan, neto de uma etíope, e uma galesa completamente louca (ganhou a bicha escandalosa, o Jonathan, que é uma simpatia e mereceu), há várias outras coisas do tipo rolando.

Tem o Amici di Maria de Filippi, que um dia já se chamou Saranno Famosi (literalmente Serão Famosos) e é tipo o tal de Fama, do qual eu ouvi falar; acompanha a vida de um bando de jovens aspirantes a artistas de dança, canto e artes dramáticas dentro de uma escola especializada, plantada nos estúdios da Mediaset (leia-se Berlusca). Sábado à tarde tem programa ao vivo, com desafios entre os participantes, bate-boca na platéia e os cortes de cabelo mais estranhos que o mundo já viu.

Tem a Isola dei Famosi, que leva ex-famosos decadentes pra um lugar isolado (esse ano o tal lugar isolado era simplesmente o lado mais deserto de uma ilha não sei onde, que no outro lado hospeda um resort milionário), na tentativa de ressuscitá-los. Esse ano quem ganhou foi um modelo espanhol leeeeeeeeeendo e muito simpático.

Teve La Fattoria (a Fazenda), que levou outros ex-famosos decadentes pra uma espécie de chácara, onde deviam tocar adiante a coisa – arar, plantar, colher, secar, preparar, estocar, abater, tosar, alimentar – como se estivessem no século sei lá o quê, sem luz elétrica nem nenhum tipo de eletrodoméstico ou máquina sofisticada, com roupas de tecido cru, sem água corrente, etc. Não sei quem ganhou, e o programa não foi pra frente.

Tem o chatérrimo I Campioni del Cuore (Os Campeões do Coração, ô nome cafona), que acompanha as desventuras de jovens machos italianos e não, na luta por um lugar ao sol no mundo do futebol. É apresentado por uma morena estonteante e muito simpática, que apresenta também Timbuctu, um programa sobre curiosidades do mundo animal que eu espero sinceramente que não saia do ar.

E agora inventaram uma palhaçada que anda me irritando muito, porque deslocou o Comissário Rex, companheiro de sesta: Il Ristorante. Mais uma vez temos ex-VIPs decadentes, agora enfurnados num restaurante. Eles mesmos têm que decidir quem cozinha, quem serve, quem passeia entre as mesas e finge que trabalha, quem faz as compras, quem limpa e coisa e tal. É possivel ligar pra RAI e reservar uma mesa, porque teoricamente funciona como um restaurante de verdade. A mestra-de-cerimônias é a Antonella Clerici, linda loura simpática, gorducha e atolada que apresenta o La Prova del Cuoco todos os dias, na hora do almoço. Só se mete em roubada e todos os outros programas que caem na mão dela são um horror. O confessionário do Ristorante é a despensa; em vez de dizer que fulano foi eliminado se diz que foi demitido; e outras coisas do gênero, mas o modelo é exatamente idêntico ao do Grande Fratello, claro. O chato é que as puntate (os episódios) ao vivo vão ao ar bem depois do almoço, quando normalmente estou com as mãos cheias de espuma de detergente pra lavar louça e não posso nem mudar de canal. Acabo assistindo àquela bosta. Os únicos participantes que conheço são uma condessa ou baronesa, sei lá, chamada Patrizia De Blank, uma perua toda esticada, mãe de uma retardada que participou do primeiro Isola dei Famosi e foi imitada durante MESES por todos os programas humorísticos, por causa da voz de taquara rachada e dos comentários nonsense; e uma tal de Tina, que inventou um personagem meio vamp e basicamente ficava sentada numa poltrona em forma de boca, com vestido de gala e bois enrolado no pescoço, com um mordomo em pé ao seu lado, fazendo comentários maldosos sobre as roupas dos participantes durante um programa cafonérrimo da Maria de Filippi, que ainda vai ao ar. Depois que engravidou e engordou uma tonelada, a Tina sumiu, e agora foi desencavada e jogada nesse Ristorante, com seu cabelo descolorido e seus cachinhos à base de baby-liss. Lembram que uma vez eu comentei que saiu num jornal inglês uma matéria sobre a péssima qualidade da TV italiana? A manchete estava no alto da primeira página, ilustrada com uma foto dessa Tina. Pra vocês verem que eu não estou exagerando.

O pior de tudo é que eu sei de tudo isso não porque assisto aos programas, mas porque qualquer acontecimento mais ooooooh que se passe durante esses programas vai parar no TELEJORNAAAAAAL. Então você tá lá jantando numa boa, ouvindo aquelas notícias fofas sobre crimes passionais, guerras de clãs mafiosos, atentados no Iraque, a última gafe do Bush, os resultados das partidas de futebol, e de repente o âncora solta aquela notícia-bomba sobre a fulana de tal, que brigou com a beltrana ao vivo, no ar, durante o programa de ontem. É mole ou quer mais?

Postado por leticia em 14:25

20.01.05

cani e chiacchere

Ontem fomos jantar uma pizza básica na nossa pizzaria preferida, agora melhor ainda sem gente chata fumando do seu lado. Tinha pouca gente, porque tá frio demais pra sair à noite, e os adolescentes que normalmente freqüentam o lugar chegam de lambreta – queria ver vocês encarando lambreta à noite com temperaturas em torno de zero Celsius. Depois, como fazemos sempre, fomos dar um pulo na Arianna pra cumprimentar os cachorros. Encontramos a seguinte situação: na garagem, Demo dormindo sozinho, com o buraco nas costelas do lado esquerdo que um cachorro da vizinhança lhe deu com uma dentada, domingo passado. Na cozinha, lá em cima, um presépio vivente: Arianna e Lucia (a avó do Mirco; mais conhecida como Laspo', apelido de La Sposa, que era como o falecido marido a chamava) cobertas de farinha, despejando um fio de mel e de Archemis (um licor vermelho horripilante) sobre um prato de chiacchere. Leo deitado num tapetinho na lareira, com a barriga virada pro fogo, a cabeça apoiada na pata direita, essa por sua vez apoiada na borda da grelha pra bisteca, a mo' de travesseiro. Ao lado dele, quase caindo, Virgola, sua mãe aleijada (aqui se diz handicapped, mas pronuncia-se ândi-kappáta), com três metros de língua de fora. Ela sempre dorme ali perto da lareira, mas quando começa a esquentar demais começa a suar e logo olha pra gente desesperada pedindo água. Quando tem que dividir o espaço com o Leo, que é um folgado como eu nunca vi na vida e espaçoso como ele só, acaba sendo deslocada pro lado, a ponto de cair no chão. Legolas estava sentado embaixo da mesa, só com o focinho aparecendo por baixo da borda do tampo, encarando o prato de chiacchere com a cara mais séria do mundo e abanando a ponta do rabo.

Chiacchere* (ou frappe, o nome muda dependendo da zona) são doces típicos de Carnaval. São feitas, como a massa de macarrão, com farinha de grão duro e ovos, mais "uma gota de vinho ou de Martini pra ficar crocante, uma pitada de açúcar e raspas de limão". A massa é cortada em fitas largas, que depois são meio que trançadas, ficando mais ou menos com a forma da fitinha vermelha da campanha anti-AIDS. Depois são fritas, escorridas, polvilhadas com açúcar de confeiteiro (zucchero a velo) e cobertas com um fio de mel ou de Archemis, o tal licor maldito. Eu detesto, porque não sou muito chegada em fritura nem em quase nenhum doce que não leve chocolate na receita, mas aparentemente o Legolas adorou, porque depois que comeu a primeira ficou com aquela cara de pastel, encarando fixamente o prato e grunhindo quando fingíamos que não estávamos entendendo. Depois foi se sentar perto do balcão, bem debaixo do prato, encostou a cara na fórmica e soltou um suspiro imeeeeenso, até despertar a compaixão do Mirco, que lhe deu duas das pequenas. E depois chega, né, hora de dormir; levamos o pimpolho lá pra baixo pra dormir com as gatas, chafurdando em meio a velhos suéteres de lã e edredons furados. Leo ficou lá na lareira, claro, porque afinal de contas quem comanda o batatal cachorral da casa é ele, e sultão que é sultão tem todo o direito de ficar no quentinho até a hora que bem entender.

* Chiaccherare (pr. kiakerare) quer dizer conversar, bater papo. Os italianos têm o hábito de dizer "due" (ou "un paio", um par, a couple) ou "quattro" quando se fala um número indefinido de palavras, passos, conversas ou qualquer outra coisa. Então "vou ali bater um papo" se diz "vado a fare due/quattro chiacchere", e "vou dar uma voltinha" se diz "vado a fare due/quattro passi". Não é incomum ouvir senhoras fazendo compras na barraca de fruta e verdura da Rita, dizendo "Dammi un po' quattro pere, o' Ri'", ao que a Rita responde, "Quattro di numero?" ("Me dá umas quatro pêras, Rita"; "Quatro quatro mesmo ou quatro por assim dizer?"). É ou não é uma delícia essa língua? :)

Postado por leticia em 19:55

18.01.05

capone

A IG fala de máfia, e eu aproveito o gancho pra dar o meu pitaco. Já falei de máfia aqui várias vezes; acho um assunto interessantíssimo e é impossível não traçar um paralelo com o audacioso crime organizado carioca. A diferença crucial é que os criminosos italianos não são tão horrorosos e não falam "colé, mermão", e que a máfia tem o seu próprio código de honra muito particular. Se bem que ultimamente isso vai ficando cada vez menos visível; morre tanta gente que não tem nada a ver com a história que já tá ficando esquisito. Por outro lado, ainda há muitos assassinatos no velho estilo: ontem mesmo morreu um baleado num restaurante. Há algumas semanas, sempre em Nápolis, um outro foi assassinado dentro da sala de jogos de um bar. E por aí vai. A guerra entre os clãs napolitanos não dá trégua, e a polícia obviamente pouco pode fazer. Assim como a PM não dá mole e não sobe em determinadas favelas, também há bairros nas periferias barra-pesada de Nápolis onde a polizia não vai não, tá pensando que são otários?

Postado por leticia em 08:41

17.01.05

brrr

Anda um frio miserável por aqui. A Itália está sendo "interessata" por uma "perturbazione" fria vinda não sei de onde, e parece que até quinta-feira vai ser essa Sibéria. Em algumas zonas o termômetro chegou a 15 graus abaixo de zero, e é claro que o frio virou oooooo assunto da semana. Mas o problema maior é que não chove há séculos, o que só contribui pra intensificar o fenômeno do smog nas grandes cidades. Quase todas, inclusive Perugia, que não é exatamente grande mas pensa que é, adotaram aquele delicioso sistema de rodízio de carros baseando-se nas placas de final par ou ímpar. Mesmo assim parece que não tá funcionando. Gente demais, carro demais. Hoje ouvi no rádio uma entrevista com um professor italiano que leciona na Universidade de Rotterdam. Ele comentava como não dá pra comparar os dois países em termos de uso de bicicleta, porque a Holanda é toda plana e a Itália não. Sei não, mas pra mim isso é desculpa, porque a relação do italiano com o carro é uma coisa muito, mas muito singular. Junte-se a isso uma consciência ecológica menor ou igual a zero, e pronto, cá estamos, todos afogados em smog.

Postado por leticia em 21:33

11.01.05

na Bota

No último sábado houve um terrível acidente ferroviário mais pro norte. Um trem de passageiros, que fazia a movimentadíssima linha Verona – Bologna e vinha em alta velocidade, bateu em cheio num trem de carga que estava parado no trilho único de uma estação de passagem. Os mortos são 17 e os feridos são muitos. As fotografias do local do acidente são de arrepiar; vagões praticamente na vertical, outros completamente destruídos.

A conta-gotas, começam a aparecer podres do sistema ferroviário, junto com as teorias sobre a causa do acidente – que vão ser sempre teorias, já que os maquinistas de ambos os trens morreram na hora. Primeiro o maquinista do trem de passageiros teria avançado um sinal vermelho. A mulher do finado disse que era uma hipótese absurda, que o marido era muito preciso e cuidadoso e que jamais avançaria um sinal assim, na cara dura. Mais tarde disseram que o maquinista avançou foi o sinal amarelo, provavelmente porque não o viu, já que a neblina naquele dia estava uma coisa absurda. Quando notou que havia um trem parado nos trilhos, tentou frear, mas àquela altura do campeonato a distância não era mais suficiente. Depois saiu a notícia de que o chefe da tal mini-estação de passagem viu que o trem não parou e tentou avisar o maquinista pelo celular (!!!!!!!!), mas que ninguém respondeu à chamada – ou o maquinista não ouviu, ou o telefone estava no vibracall, ou o acidente já havia acontecido. Mais depois ainda alguém deixou escapar que só no ano passado houve DOZE avanços de sinal vermelho em diversos pontos da Ferrovia dello Stato no país, mas nenhum desses casos foi denunciado ou oficialmente registrado. E só aí começou-se a discutir os sistemas de segurança das ferrovias. Parece que essa linha Verona – Bologna, uma das mais movimentadas do país, é uma das poucas que restaram sem sistema de segurança automatizado. Olha o Zaire aí, gente!

E exatamente à meia-noite de domingo pra ontem entrou em vigor a bendita lei anti-fumo, que proíbe o fumo em TO-DOS os lugares públicos fechados e locais privados abertos ao público, a menos que tenham uma sala reservada pra fumantes, com sistema de depuração de ar aprovado pelo governo. Não é só o fumante fora-da-lei que está sujeito a multas, mas também o dono do estabelecimento que não mandá-lo tomar no cu e apagar o cigarro. Aliás, o dono do estabelecimento tem o dever, segundo a lei, olha que delíciaaaaaaaa, de chamar as autoridades (leia-se dedurar) se o fulano se recusar a apagar o cigarro. Os proprietários, obviamente, já se rebelaram, nós não somos X-9 não! Tem problema não, deduro eu mesma. Não vou ter o menor problema em ligar pros Carabinieri se alguém insistir em fumar do meu lado enquanto como minha pizza.

Como 1) A imeeeeeeeeeeensa maioria dos proprietários de bares, pubs, restaurantes, boates, pizzarias, etc etc etc alega que não teve tempo (só dois anos, coitados...) e/ou dinheiro pra botar em ação as reformas necessárias e a instalação do sistema de depuração, e 2) Há uma infinidade de locais desse tipo que funciona em prédios históricos que não podem ter sua estrutura modificada pra se adaptar a esse tipo de lei, a imeeeeeeeeeeeeeeeeensa maioria desses lugares tornar-se-á, definitivamente, smoke-free. Aleluia, irmãos! E que vão todos tomar no cu, os fumantes. Vão fumar lá fora quando o termômetro está lá embaixo, vão!

Needless to say, já aumentou a freqüência da publicidade de adesivos e chicletes de nicotina na TV e no rádio. E há rumores de que o governo financiará esse tipo de tratamento anti-vício pra quem quiser parar de fumar.

Também needless to say que a primeira multa, que rolou à meia-noite e um de ontem, foi aplicada em, tchan tchan tchan... Nápolis!

Enquanto isso... Meu irmão tenta estágio na Souza Cruz. Mas se for trabalhar lá de verdade eu corto relações. Juro.


Postado por leticia em 07:09

09.01.05

Vao la' ler o Allan de hoje, vao.

Postado por leticia em 23:31

20.12.04

parem de fumar, suas malas!

E o bafafá da semana é que a partir de dez de janeiro vai ser proibido fumar em lugares públicos. Bares e restaurantes que não puderem fazer uma área separada pros fumantes vão ter que simplesmente virar locais pra não-fumantes. Depois da Irlanda e do surpreendente Butão, finalmente a Bota parece que vai dar um passo adiante no quesito civilização, coisa que anda em baixa por aqui há muito tempo.

Então eu vou contar pra vocês a epopéia que é essa lei: já tá tramitando há séculos (desde que eu vim estudar aqui, em 2002, que escuto essa história), mas toda hora neguinho pedia pra adiar, adiar, adiar, sabe como é, mas agora parece que a coisa vai mesmo, e mesmo assim tem gente pedindo mais 6 meses pra se adaptar! Ora, por favor!

E vou contar pra vocês também o argumento idiota, imbecil, retardado, sem sentido, mentiroso, forçador de barra que os proprietários dos locais usam: que a freqüência vai cair porque os fumantes vão parar de ir a lugares onde não podem fumar. HAHAHAHA Faz-me rir! Era a mesma coisa que se dizia quando proibiu-se o cigarro nos cinemas e teatros. Aaaaaah ninguém mais vai ao cinema se não puder fumar, vão todos falir, oooooooooh.

Não preciso nem dizer que não aconteceu nada disso e neguinho se acostumou. Acostuma-se com praticamente tudo nessa vida, e onde o bom senso não existe, infelizmente tem-se que dar porrada na cabeça – nesse caso, criar uma lei e aplicar multas aos desobedientes. Mas convenhamos: vocês acham realmente que um cara vai deixar de ir à sua pizzaria preferida só porque lá não se pode fumar? Vocês realmente acham justo que esse fumante possa se dar ao luxo de reclamar seu direito de ir comer lá? Ora, vão todos tomar no cu, o meu direito de manter meus pulmões limpos e meus cabelos cheirosos são infinitamente mais importantes do que o seu direito de se envenenar, feder, ter dentes e unhas amarelos, ser impotente, canceroso e cardiopata, ter envelhecimento precoce e fôlego reduzido! Mas façam-me o favor! Não me venham com chorumelas!

Ouvi entrevistas de chefs na TV dizendo que acharam ótima essa idéia, apesar de acharem que o movimento nos restaurantes provavelmente vai cair logo depois da implantação da lei. Claro, né: quem fuma tem o paladar reduzido e não é capaz de apreciar totalmente os esforços de um chef aplicado. O garçom de um restaurante que freqüentamos, em Assis, nos confidenciou que sua última radiografia de tórax deu um susto no doutor, que perguntou quantos maços de cigarro ele fumava por dia. Resposta: nenhum, doutor, mas eu trabalho numa pizzeria onde é permitido fumar. Já há algum tempo esse restaurante, que também faz uma pizza ótima e no verão tem um jardim maravilhoso onde se pode comer sob as árvores, proibiu o fumo no salão interno. Agora no inverno eles infelizmente liberaram um pouco porque os fumantes não têm como sentar lá fora, porque tá um frio do cacete (e eu digo: FODAM-SE ELES!), mas mesmo assim não há mais cinzeiros nas mesas. O garçom tá contentão. Agora eu me pergunto: no verão, se eu quiser comer lá fora, onde é mais fresco e mais bonito, se tiver alguém fumando na mesa ao meu lado e conseqüentemente me irritando, eu vou ter o direito de reclamar?

Sou mais a Califórnia, onde até fumar em alguns locais abertos é proibido. Não importa se tem toda a ionosfera por cima das nossas cabeças; gente fumando do meu lado incomoda, me deixa fedorenta, impede que eu sinta o sabor da comida, e por isso eu vou reclamar SEMPRE.

Postado por leticia em 13:49

os mais e os menos

E saiu o sempre tão esperado ranking de "vivibilidade" das províncias italianas, feito todo ano pelo jornal Il Sole 24 Ore (clique em Bologna Regina del 2004 pra abrir um arquivo .pdf com o artigo do jornal). Bolonha, que sempre ficou em ótima colocação, esse ano ficou em primeiro lugar. Em segundo, Milão, e em terceiro, Trento. Roma ficou em 14o lugar, coitada, e a pobre Perugia é a 74a! As piores são todas do sul: em último lugar, pelo segundo ano consecutivo, Messina, na Sicília.

Postado por leticia em 13:31

17.12.04

olha os otomanos aí, gente

Ih, rapaz. Deram à Turquia a chance de negociar sua entrada na União Européia! O que faltava era que a Turquia aceitasse a existência de Chipre, e hoje parece que rolou esse reconhecimento. Fala-se do início das negociações de entrada no final do ano que vem. Se a Turquia entrar mesmo na CE, vai ser um evento de bombásticas repercussões. Um Estado muçulmano encravado na CE! Um país que já deu trabalho pra todo mundo do Mediterrâneo em outros carnavais, e com o qual toda essa parte do planeta tem pinimbas históricas! Uma nação pobre que já manda imigrantes pra Alemanha a torto e a direito agora, imaginem se vierem a fazer parte da comunidade! Imaginem o samba do crioulo doido que isso não vai dar. Estou curiosíssima.

Postado por leticia em 20:14

16.12.04

pedro, o escamoso

O escândalo da semana é uma enfermeira que matou não sei quantos pacientes com injeção de ar, "pra se sentir importante". A mulher é deprimida há anos e toma vários psicotrópicos, e a questão agora é quem diabos deixou uma pessoa tão psicologicamente instável trabalhar com pacientes terminais. Claro que a criatura não dava nenhum sinal de instabilidade e por isso ninguém é culpado de não ter percebido; ela que não é boba de preencher formulário pedindo emprego respondendo "sim" a perguntas do tipo "Você é deprimida? Sofre de instabilidade emocional grave? Faz uso de psicotrópicos? Foi você quem fez a sua mala? Já fez parte de grupos terroristas?".

Toda hora rola uma história estranha desse tipo por aqui. Mãe que mata filho, marido que mata a mulher, neto que mata a avó, primo que mata a namorada, noivos que pulam juntos da janela e morrem abraçados. A criminalidade dita "normal", aquela que conhecemos bem no Brasil, fica quase sempre por conta dos imigrantes. Os assassinatos entre clãs mafiosos no sul praticamente não são problema de ninguém, só da máfia mesmo, a não ser que você dê muito azar de estar no lugar errado na hora errada, ou então de se parecer com alguém que está com os dias contados. Mas essas maluquices, esses crimes passionais, esses suicídios de adolescentes, são coisas de italiano dramático mesmo. E a mídia adora, e o público adora, e fica remoendo essas histórias hediondas por meses a fio. Ô gente pra gostar de um dramalhão mexicano!

Postado por leticia em 20:25

14.12.04

cabeça-de-porco

A escola de línguas onde eu dou aula fica em Ponte San Giovanni, que seria basicamente um subúrbio afastado da parte baixa de Perugia. É uma merda de cidade, feia, nova, sem centro histórico, e principalmente cheia de imigrantes feios, pobres e mal vestidos que não têm grana pra morar em Perugia, que é uma cidade cara, ou em outras cidadezinhas históricas ali em torno (como Bastia, Ospedalicchio, Santo Egidio, que são bonitinhas, tranqüilas e caras – pouco atraentes pro imigrante) e se amontoam em apartamentos pequenos em cidades periféricas como Ponte San Giovanni. O prédio onde fica a escola é um pardieiro. Sabe aquele minhocão sobre o túnel Lagoa-Barra? É mais ou menos aquilo. No térreo há bares, lojas cafonas de roupas pra crianças, lojas de informática, papelarias, barbeiros. O complexo de prédios é imenso, espalhando-se por uma área considerável ao longo da centralíssima via della Scuola, e o número de apartamentos e salas por edifício é imenso. A escola de línguas fica no segundo andar do prédio mais badalado, porque embaixo fica o Roxy bar, ponto de referência básico em Ponte San Giovanni. No mesmo andar há escritórios de engenharia, de sindicatos, de administração de condomínios e de outras coisas estranhas, e muitos apartamentos residenciais. Não havendo espaço dentro pra colocar o varal, no verão a mulherada (marroquina, tunisiana, russa, colombiana, equatoriana, albanesa, romena) bota os varais no corredor externo mesmo, já que o prédio é um quadrado aberto no meio, onde deveria haver um jardim mas só tem mesmo um pedaço de gramado mal tratado e queimado pelo frio, e uns arbustos de plantas vira-latas. A gente sobe as escadas pra, sei lá, entregar um projeto pro engenheiro que aluga a sala onde damos aula e vê aqueles varais cheios de calcinhas coloridas penduradas. Lindo.

Há algumas semanas, quando cheguei pra dar aula de Português pra bichinha simpática (que cada vez fica menos simpática, a meu ver), vi uma motocicleta queimada, ainda fumegante, no corredor que leva a esse pseudojardim interno, por onde eu tenho que passar pra subir as escadas dos fundos. No chão, lajotas explodidas por causa do calor. O teto preto de fuligem até lá atrás, nas escadas. As janelas do bar, ao lado, e de um consultório médico, do outro lado do corredor, todas manchadas de preto. Elena, a secretária do curso, conta que iiiiih, vandalismo ali é coisa do dia-a-dia, volta e meia os Carabinieri tão lá na porta prendendo gente que fez coisa que não devia. Imagino que, à noite, quando os escritórios e lojas sérios fecham, o giro de prostituição e drogas por ali deve ser impressionante.

Não sei por quê, mas de repente me deu vontade de reler O Cortiço.

Postado por leticia em 20:18

11.12.04

ai, ai...

E como o assunto é Berlusca e esse país estranho onde eu moro, dêem uma lida nisso aqui.

Postado por leticia em 14:40

uhuuu

Tem outra: a grande expectativa do fim de semana é sobre a saída do número 53 na loteria. O diabo do número não sai há um ano e meio e de repente deu esse tremelique no pessoal e todo mundo anda torcendo pro 53 sair. Até eu, que ganho sempre porque não jogo nunca, estou curiosa. Vai sair ou não vai?

Postado por leticia em 13:53

news

UPDATE: Condenaram um senador a 7 anos de prisão. A acusação era de conchavo com a máfia (entre outras coisas, com o objetivo de botar o Berlusca no poder. Lalala...), e o Buscetta, lembram dele?, também está metido nessa história.

Aliás, a máfia anda deitando e rolando abaixo da batata da perna da bota. Em Nápolis mataram o irmão de um chefão arrependido que colabora com a Justiça há dez anos e já tinha escapado de n atentados; a família dele já foi toda assassinada. O número de mortos em guerras mafiosas por pontos de tráfico de drogas já deve ter ultrapassado 40, entre Nápolis e Sicília.

Postado por leticia em 13:43

enquanto isso, na sala da justiça...

Semana movimentadíssima aqui na bota.

Berlusconi foi absolvido ontem – não tenho palavras, honestamente. Perdeu-se a chance de mostrar que esse é um país decente, onde a Justiça funciona. Mas não. Ficou-se com o gosto amargo na boca de ser governado por um homem que é dono das três redes de TV privadas do país e controla as outras três, que são do governo; que é dono das maiores redes de lojas de departamentos; que tem não sei quantas cadeias de supermercado; que é dono da maior distribuidora de filmes do país; um homem pro qual tinham sido pedidos OITO ANOS de prisão por crimes de corrupção e desvio de dinheiro, mas que foi absolvido do segundo e o primeiro caso prescreveu. COMO ASSIM, PRESCREVEU? Imaginem que lindo seria se ele tivesse sido preso? Imaginem como a Itália passaria a ser vista com outros olhos, como teria virado um país sério?

Nada. O oba-oba continua.

O outro oba-oba da semana foi a greve dos florestais da Calábria. São 11.000. Asseguro-lhes que a Calábria não tem tanta floresta assim a ponto de precisar de 11.000 deles. Acontece que o sul da Itália é muito pobre e carente de empregos. Na Calábria e na Sicília, onde a máfia é particularmente forte e influente, essa distribuição de cargos públicos rola solta. É um instrumento de política social, de conquista de votos e de favores. E agora seu Berlusca, com a desculpa de que é necessário abaixar os custos pra poder reduzir os impostos (é CA-LÁ-RO que nenhum imposto vai ser reduzido, mas enfim), resolveu mandar essa cabeçada coçadora de saco embora. Aí neguinho fica pau da vida e fecha as estradas, principalmente a Salerno – Reggio Calabria, uma artéria viária importantíssima da Itália meridional. Dois dias de greve, tudo parado, brigas, confusão. Não sei como vai acabar essa história. Sei que esse povo tem mais é que ser mandado embora mesmo, mas se não forem criados empregos pra essa gente, o que é que eles vão fazer da vida?

E o último bafafá foi o caso das duas escolas que chegaram a considerar seriamente a hipótese de tirar o presépio e de substituir, em uma musiquinha da peça de Natal, a palavra Gesù (Jesus) por virtù (virtude), em respeito às crianças muçulmanas. Notem que a iniciativa partiu das próprias escolas; a comunidade muçulmana não teve nada a ver com a história. Criou-se uma confusão ao redor disso que demonstra claramente o amor que os italianos têm pelo drama. Tudo é motivo pra virar um dramalhão, é impressionante! E divertido :)

Particularmente a única coisa que eu tenho a dizer sobre o assunto é o que vocês já sabem: ESCOLA NÃO É LUGAR DE RELIGIÃO, NÃO IMPORTA QUAL. O resto está sendo comentado vivamente no blog da Cora.


Postado por leticia em 08:11

04.12.04

Tutto il mondo è un paese, e assim é se lhe parece

Saíram ontem os resultados da última grande pesquisa de opinião sobre a Itália, vista pelos próprios italianos. Ouvi os primeiros comentários pelo giornale radio, enquanto dirigia a Ponte San Giovanni pra dar aula. Os números não mentem: a coisa que mais dá medinho aos italianos é o carovita, ou seja, o preço alto das coisas mais básicas, contas, seguros, comida, impostos obrigatórios. A percentual de italianos preocupados com esse negócio é muito inferior à média européia, que tem mais medo do desemprego do que de qualquer outra coisa. Depois vêm, compreensivelmente, a situação econômica do país, a criminalidade, a imigração, os impostos, o terrorismo e as pensões.

Primeiro que é engraçado ver como as preocupações são completamente diferentes das do povo tupiniquim. Mas o mais engraçado mesmo é ver como cada partido puxou a brasa pra sua sardinha, como cada jornal, dependendo da sua posição política, interpretou os resultados de um modo diferente.

Os partidos e jornais da situação apressaram-se em afirmar que, surprise, surprise, a Itália não é pobre, e os de oposição dizem que o italiano tem medo de ficar pobre. O governo insiste que o italiano prefere impostos mais baixos a uma melhoria no welfare (que eles usam assim mesmo, sem traduzir), a oposição menciona a greve geral de segunda-feira.

Mas o mais triste mesmo foi ver os dados sobre o uso da internet e do computador. Três italianos em quatro nunca se conectam à internet; 74% não sabem usar o computador. Coisa que eu já tive oportunidade de confirmar n vezes durante esses 3 anos aqui. Entre a minoria que usa a internet, 60% a usa pra correspondência eletrônica, 34% usa ferramentas de busca, e um terço do total aproveita pra ler notícias online. Pelo que eu ouvi no rádio outro dia, o detalhe interessante é que neguinho lê só e exclusivamente notícias italianas – por falta de interesse sobre o que ocorre fora da bota, e por incapacidade de falar Inglês mesmo.

O Mirco é que tem razão. O Terceiro Mundo é aqui.

L'articolo sul Corriere.

Postado por leticia em 10:32

03.12.04

greve macarrônica

Eu até esqueci de comentar, mas segunda-feira passada foi dia de sciopero generale (pron. chópero generale), greve geral, aqui no interior do Butão. Claro que, sendo uma greve geral italiana, não foi exatamente uma greve geral no sentido clássico da expressão, até porque senão não teria sido uma greve italiana, não sei se vocês estão acompanhando o meu raciocínio.

Começamos pela motivação da greve: Berlusconi prometeu abaixar os impostos. Não, vocês não leram errado nem eu estou ficando maluca: Berlusca prometeu ABAIXAR os impostos, e o povo foi pra rua reclamar. Porque obviamente isso é tudo uma palhaçada pra aumentar a popularidade do governo e, por mais que a situação diga e repita que não vai haver nenhuma redução de investimentos nas áreas básicas (saúde, educação etc), só acredita nisso quem ainda espera o coelhinho da Páscoa todo ano. Por favor, né. Se ainda fosse outro falando, mas o Cavaliere Berlusconi! Please. Fora que é ca-la-ro que isso só iria beneficiar quem paga muito imposto, leia-se quem ganha muita grana, porque a ralé mesmo, o peppe popolone (minha versão italiana de zé povão), iria economizar algo em torno dos 30 euros por ano. Faz-me rir.

Mas então. Eu já falei que italiano adora uma greve. Em termos de greve, reclamação, resmungos, os italianos estão ali, cabeça a cabeça com os franceses, juro. Tudo é motivo pra greve. A coisa engraçada (porque a Itália é um pais tão surreal que chega a ser engraçado) é que a greve tem hora certa pra começar e acabar – hora certa que nem sempre é respeitada, obviamente. Cada cidade tem a sua hora certa pra começar e acabar a greve, mas dentro da mesma cidade diferentes categorias têm diferentes horários de greve. Então em Roma os ônibus pararam das dez às duas, digamos; os trens das nove à uma, os bancos só de manhã, os correios quase todos pararam – mas não todos. Em Turim e em Milão os horários já foram diferentes, claro. Os técnicos de rádio e TV aderiram à greve, então os telejornais e os GR (giornale radio) foram ao ar em versão reduzida. Aqui na roça os correios fecharam, porque tudo é motivo pra fechar quando se trata dos correios; dois dos três bancos que eu freqüento pro Mirco tinham colocado avisos na semana anterior dizendo que não asseguravam o funcionamento normal na segunda de manhã, mas ambos abriram normalmente. Vai entender. Algumas lojas fecharam, outras não. Alguns restaurantes fecharam, outros funcionaram normalmente. Os turistas não devem ter entendido nada, tadinhos.

Postado por leticia em 10:29

01.12.04

Cada um tem o Caixa-D’água que merece...

Semana passada, depois de dois anos de investigações, finalmente saiu o veredicto do escândalo da Juventus. Não sei quantos casos de doping (com hemopoietina) foram investigados, e adivinha o resultado do julgamento? O médico do time foi considerado culpado e condenado à prisão, mas o cartola foi liberado. Não sabia de nada, coitadinho. O médico teve a idéia sem cabimento de dopar os jogadores e fez tudo sozinho, sem contar pra ninguém.

Aham.

Postado por leticia em 10:12

25.11.04

Notícias da Bota

. Essa semana roubaram, provavelmente no sul da Itália, uma Mercedes blindadíssima de 600.000 euros (repito, pro caso de vocês não terem entendido: SEISCENTOS MIL EUROS), do presidente da Mercedes na Itália, se não me engano – perdoem a imprecisão da informação, é que eu fiquei meio atordoada com a imoralidade da existência de um carro com esse valor. O detalhe interessante é que esse carro era considerado inroubável, digamos. Hohoho.

. Finalmente (...) foi aprovada uma lei que permite que as cinzas de entes queridos que foram cremados sejam removidas do cemitério. A cremação ainda é uma coisa estranha por aqui; foi só agora, pela primeira vez, mês passado, que o número de cremações em Milão foi maior do que o número de enterros. Em todo o centro-sul da Itália, só existem outros dois fornos crematórios.

A Igreja, obviamente, é contra a cremação. Branco di bastardi! Cremassero tutti! Vivi, ovviamente.

. Em Bologna, foram registrados oficialmente, com tabelião e tudo, os ingredientes e as medidas exatos das famosas massas bolonhesas. Então: pra dez pessoas, é um quilo de farinha de grão duro, nove ovos, uma pitada de sal e uma colher de sopa de azeite. Uma tagliatella (um talharim) deve ter 8 mm de largura e não sei quantos décimos de milímetro de espessura. O famoso molho à bolognesa tem que ter lombo de porco moído refogado na manteiga, mortadela, presunto cru. O recheio dos tortellini tem que ter carne, noz moscada, ovo e sei lá mais o quê. E os tortellini devem ter um tamanho tal que caibam 11 deles numa colher de sopa. Anotaram tudo? ;)

Postado por leticia em 08:22

09.11.04

homens com h

Eu vivo falando que a TV italiana é uma merda, e é mesmo. Mas de vez em quando nos brinda com coisas muito bonitas e interessantes.

Nesse momento estou de olhos semicerrados, destruída pela enxaqueca que parece que virou mesmo coisa crônica, mas mesmo assim estou me esforçando pra assistir ao segundo e último capitulo da microssérie sobre Paolo Borsellino, juiz da comissão anti-máfia que foi assassinado, obviamente pela máfia siciliana, em 92.

A primeira grande cena que eu vi, ontem, foi num tribunal. Um capanga de um mafioso foi solto, mesmo com claras provas de que ele tinha assassinado um policial. Em pé, Borsellino e seu irmão, Falcone e um outro figurão da equipe trocam olhares. Um deles, não lembro qual, diz:

- Ora siamo veramente soli.

Borsellino não foi o primeiro da sua equipe a morrer. Houve vários atentados anteriores, matando policiais, assistentes, o tal irmão, que trabalhava com ele. Depois foi a vez de Falcone, juiz seu amigo, que logo depois de sua secreta nomeação como superprocurador anti-máfia, foi brutalmente explodido numa ponte em Palermo. Junto com ele morreram a esposa e toda a sua escolta – 3 carros, no total, contando com o dele. Misturados às cenas da série foram colocados trechos reais da chegada da polícia ao local do atentado e do enterro. A mulher de um dos policiais mortos falando ao público na igreja durante o funeral é uma das coisas mais tristes que eu já vi na minha vida. Não é a primeira vez que vejo essas cenas; volta e meia, quando a máfia começa a se empolgar e a aparecer muito lá no sul, o assunto Falcone-Borsellino volta à tona e o discurso emocionado, desesperado, angustiado, exausto da viúva do policial sempre aparece. E sempre dá aquele aperto no peito, todas as vezes. Quando o assunto é Falcone ou Borsellino, o pessoal aqui fala com muita reverência. São personagens muito amados na recente história do país. A coragem desses homens, que enfrentaram peixes muito, mas muito grandes na tentativa de pôr fim ao dominio da máfia sicialiana, é de impressionar. O sofrimento de suas famílias, idem. A filha de Borsellino, de tão estressada por ter que andar sempre escoltada e com medo de morrer e/ou perder alguém querido, simplesmente parou de comer.

O ator que faz o papel de Borsellino, cujo nome esqueci, é muito talentoso. A cena dele andando pelas ruas sujas de Palermo, debaixo de chuva forte, depois do enterro de Falcone, é tocante. A cara daquele filho da puta do Andreotti, mais rabo preso impossível e mesmo assim senador vitalício e infelizmente vivo até hoje, sentado na primeira fila no funeral, também.

Borsellino foi assassinado tipo menos de dois meses depois de Falconi. Em um certo sentido, a ousadia dos mafiosos não está muito longe daquela dos traficantes cariocas, que mandam fechar as lojas da Visconde de Pirajá e todo mundo obedece. E são tão inatingíveis que o único que permaneceu vivo de toda a equipe de Falcone e Borsellino declarou publicamente, depois dos dois atentados, que simplesmente desistia desse trabalho porque estava só arriscando a sua vida e a da família, e sabia que nada iria acontecer aos chefões, nunca. E é verdade.

Hoje mais três cadáveres foram encontrados em Nápolis. Claramente há uma guerra séria entre clãs mafiosos na cidade. O triste é que não há mais Borsellinos ou Falcones sequer pra começar a investigar a coisa.

update: A Luciana gentilmente me informou que não é FalconI mas FalconE, que a mulher que fala no funeral é a esposa de um dos policiais mortos e não a viuva do juiz, e que existe uma fundação Falcone, a quem interessar. Brigada, Lu!

Postado por leticia em 22:16

30.10.04

ai, meus sais...

Eu acho que nunca cheguei a comentar esse assunto aqui, mas a coisa anda passando dos limites. Como já disse muito bem dito o Allan, essa mania dos italianos acharem que tudo o que existe de bom no mundo é invenção deles, ainda mais se for comida, chega a ser engraçada.

Hoje ouvi na TV um especialista dizendo que, ao contrário do que se pensa, o Halloween não é uma tradição americana. Seria calabresa. Sim, crianças. O costume de esvaziar abóboras e iluminá-las por dentro teria sido inventado na Calabria.

Bom, depois que eles mesmos se convenceram de que as laranjas são originárias da Sicília e não do Oriente Médio, eu já não duvido de mais nada. Disso pra eles afirmarem que foi Colombo quem levou o tomate pro México, é um pulo.

Postado por leticia em 14:01

28.10.04

passei!

Finalmente fiz a maldita prova prática de motorista, e peguei a bendita carteira. Olha como é bonitinha:

A manhã foi divertida, não posso me lamentar. Cheguei mais tarde, porque as provas começam cedo e eu era a última. Quando cheguei no estacionamento da Motorizzazione, encontrei a Linda, dona da auto-escola, e alguns dos alunos que estavam fazendo prova hoje. Dois já estavam com a carteira em mãos e outros três estavam fazendo a prova. Os outros 5 estavam nervosíssimos, principalmente o Federico, que eu já tinha conhecido mais ou menos na segunda-feira, quando fui atrás deles até Perugia pra aprender o percurso da prova prática. Simpático, bonitinho, expansivo, agitado – o clássico italiano. Pois então, o coitado do Federico passeava pra lá e pra cá, perguntava mil vezes como tinha sido a prova àqueles que já tinham passado, relembrava placas, fumava. Chegaram os outros três; um aprovado e dois reprovados. Pânico total. Chega um dos donos de auto-escola que eu conheci quando madruguei por lá pra entregar os documentos, e ficamos todos batendo papo e contando causos. O fiscal teve que ir ao escritório resolver não sei o quê e chegou uma hora depois, e nessa uma hora o pobre Federico deve ter envelhecido uns dez anos, de nervoso. O fiscal voltou, eu e Francesco, um outro aluno, entramos na Citroen Pluriel da auto-escola com outro Francesco, que se não me engano é parente da Linda, e o Federico saiu dirigindo a Fiat Fiesta da auto-escola, com a Linda no carona e o fiscal atrás. Ele fez tudo muito direitinho e quando acabou a prova saiu do carro dando pulinhos e socos no ar, com a carteira na mão, e ao entrar no carro exclamou "Bella mia, dammi un bacione!" e tascou-me um beijo na bochecha. Depois foi a vez do Francesco, que na segunda quase assassinou o carro na tentativa de estacionar numa ladeira, mas hoje se saiu bem e pegou a carteira. Depois fui eu; viemos batendo papo no carro sobre apartamentos, sobre o quanto é desagradável ter um angolo cottura no apartamento em vez de uma cozinha propriamente dita, sobre o preço do metro quadrado em Perugia, sobre uma menina que morreu de leucemia em Santa Maria há alguns anos e desde então os pais sempre colam cartazes com a foto dela em toda a província de Perugia no mês da morte da coitada da garota. Voltamos ao estacionamento da Motorizzazione, assinei o papel confirmando o recebimento da carteira, peguei a dita cuja, assinei e voltei pra casa ouvindo a trilha sonora de Pulp Fiction.

Postado por leticia em 13:23

20.10.04

hohoho

Por outro lado, a notícia bizarra de hoje é a prisão de não sei quantas pessoas envolvidas no tráfico de viados. Juro. Uma quadrilha que "importava" travestis do Brasil e os empregava oficialmente como pedreiros pra legalizar a situação deles aqui na Itália. O mais engraçado é ouvir o termo "viados" usado como se fosse a coisa mais normal do mundo, no meio de uma frase em italiano.

Arrestate 10 persone coinvolte in traffico di viados dal Brasile all'Italia...

Postado por leticia em 13:55

17.09.04

da série a escalafobética TV italiana

Existe coisa mais engraçada do que concurso de Miss? Eu me divirto horrores. Essa semana começou o Miss Italia e tenho que admitir que dei muita, mas muita risada. Ontem FeRnanda e Fabião vieram jantar strogonoff de despedida aqui e rimos muito vendo o programa.

Pra começar que quem apresenta é um chato de galocha, capa e guarda-chuva que se acha engraçadíssimo e está sempre bronzeado, 365 dias por ano. O júri é composto de VIPs ridículos, modelos, gente que é famosa só porque é famosa mesmo (aqui tem muito disso) e figurões do alto escalão da RAI – ontem tinha o del Noce, o diretorzão, uma bicha louca antipática e nojenta que deu uma microfonada no repórter do Striscia la Notizia ano passado, quebrando-lhe o nariz. Águas passadas, águas passadas.

As candidatas a miss são 100, todas devidamente numeradas. A primeira puntata (o primeiro programa) selecionou 40 das 50 misses com número ímpar. Ontem foi a puntata das meninas de número par. Tem de tudo: miss com ombros estreeeeeeeeitos, os narizes de batata abundam, as franjas absurdas idem, muitos cabelos estilo As Panteras, sobrancelhas artificialíssimas, sorrisos acéfalos, ritmo zero nas coreografias, vozes de taquara rachada. Não me levem a mal, algumas são realmente lindas de chorar, mas pelo menos a metade é FEIA. Feia de verdade. Imaginem a combinação cara de bolacha + pescoço de Mike Tyson + narinas de dimensões claramente diferentes. Tem. Imaginem franja surreal + nariz de ponta caída + beiços estilo salsichão. Tem. E a imensa maioria, A IMENSA MAIORIA, tem dentes feios. Impressionante como a gente no Brasil cuida bem do sorriso. No resto do mundo parece que isso não tem importância nenhuma. E não tô falando de dentes meio tortinhos estilo Laetitia Casta não. Tô falando de dentes claramente acavalados, de gengivas gigantes e minidentes, de dentes quebrados, de dentes MARRONS.

E os nomes? Nunzia (que seria o equivalente a Anunciada). Clinzia. Jennifer. Ora, por favor, miss italiana chamada Jennifer é um pouco demás para mim.

Mas o melhor de tudo é que, fervidos todos os cérebros delas juntos, não daria pra fazer nem uma bala Soft de Q.I. Raros são os olhares inteligentes, as respostas rápidas às perguntas simples, os comentários irônicos, a firmeza na voz, a postura de quem sabe o que está fazendo ali. A maioria tem Q.I. de uva sem caroço mesmo. Olhem os diálogos nível ameba constipada de ontem:

- Essa é a senhorita Fulana de Tal, Miss Bio-Etyc (whatever) de [inserir o nome de uma região italiana qualquer]. Ficamos sabendo que a senhorita gosta muito de Marylin Monroe. Por quê?
- Ah, porque eu gosto de tudo dela.

...

- Que apelido carinhoso você usa pra chamar seu namorado?
- Cucciolo (muito comum aqui esse apelido idiota, significa "filhote". Pronuncia-se "cútcholo").
- Ah... E o que você dá pra ele comer? (rindo maliciosamente)
- (pensa um pouco) Ração...

...

Uma pesquisa mostrou que o personagem histórico mais amado e admirado pelas misses desse ano é Garibaldi. A mala do apresentador perguntou a cinco delas coisas simples sobre a vida de Garibaldi, tipo, o nome da esposa, onde nasceu, pelo que ele lutou (o apresentador ainda dava a primeira sílaba: Garibaldi ha lottato per l'Uni... l'Uni...? Nada. A resposta: l'Unità d'Italia.). NENHUMA soube responder. Ele mesmo fez o comentário inevitável: imagina se elas não gostassem nem admirassem o coitado!

Esse fim de semana tem a repescagem, que eu infelizmente vou perder. Mas já sei que vai ganhar uma feia qualquer. Ontem todas as que nós achávamos bonitas foram eliminadas. Ficamos todos indignados, os quatro. É marmelada, é marmelada!

***
Programaço-aço-aço que eu infelizmente vou perder, em Roma, que é tudo na vida. Quem estiver de bobeira aqui, ! E depois em conte.

Postado por leticia em 08:19

16.09.04

che te piasse un fulmine...

Acaba de dar no telegiornale: na noite de anteontem, durante aquela tempestade do outro mundo, caíram QUATRO MIL RAIOS só aqui na Umbria.

No comments.

Postado por leticia em 13:49

14.09.04

quinto mundo

Me perguntaram se aqui não tem pipoca de microondas. Não sei como é em Roma ou Milão, lugares mais civilizadinhos, mas aqui na roça não tem. O Mirco viu pipoca de microondas pela primeira vez na vida ano passado, no cinema a céu aberto de Bastia. Eu quase engasguei de tanto rir. Gente, caipira é uma coisa muito engraçada.

Também não tem gelatina. Juro.

Postado por leticia em 19:43

05.09.04

um dia é da caça...

E ainda no assunto bicho, o bicho do almoço de hoje foi pombo, que eu abomino (não porque é pombo, não gosto do sabor e da consistência mesmo), e o jantar de hoje vai ser passarinho (que eu não como porque da um trabalho danado pra tirar cem gramas de carninha daqueles ossinhos todos, e porque fico com pena dos bichos) que o tio do Mirco caçou. Hoje foi o primeiro dia da temporada oficial de caça e já vimos uns panacas fardados pela rua, voltando pra casa. Todo ano, no primeiro dia de caça, morre alguém. Tem sempre algum idiota que fica de tocaia onde não deveria, é confundido com javali ou outro bicho selvagem e leva um tiro na fuça. Não tenho pena nenhuma. Adoro carne de javali mas não vejo graça nenhuma em dar tiro em bicho à toa. Clássica coisa de quem não tem o que fazer. E pensar que a licença pra caçar custa uma grana preta...

Postado por leticia em 19:26

03.09.04

tivù

Agora que acabaram as Olimpíadas a tenebrosa TV italiana vai voltar à sua hedionda programação normal. Uma das grandes maravilhas das Olimpíadas é que a qualquer momento do dia em que você ligue a TV, tem sempre alguma coisa interessante passando. Eu assisto a qualquer coisa das Olimpíadas. Acho interessantíssimo, adoro ver os nomes estranhos de gente de países como Bielorrússia, Chinese Taipei, Usbequistão, adoro ver bandeiras bizarras, esportes curiosos, uniformes cafonas e uniformes bonitos, e così via. E em caso de insônia, tinha sempre uma reprise qualquer no ar. Agora acabou a mamata. Em setembro recomeça aquela chatice viciante do Grande Fratello, a chatice cafona da Isola dei Famosi (don't ask) e todas as outras coisas horríveis que só a TV italiana é capaz de oferecer. Em compensação, entram no ar 24 Horas (anunciada como a "nova sensação da TV americana") e um outro seriado cujo nome esqueci, dos mesmos produtores de C.S.I. (que eu espero que não saia do ar senão mi incazzo seriamente), sobre o dia-a-dia de uma agência do governo que procura gente desaparecida. Também volta Carabinieri, que é bobinho mas legal.

Eita vidinha.

Postado por leticia em 08:45

23.08.04

Da série A Estapafúrdia Publicidade Italiana

Adivinhem o produto anunciado.

. Um casal chique está à beira de uma piscina coberta chiquérrima. O marido, de robe de seda, careca, óculos escuros, fica se olhando num espelho. A mulher, de robe de seda, óculos escuros, cabelos nos trinques, olha pro marido pedindo um chamego, mas ele nem tchum, ocupado que está em se olhar no espelho. A mulher dá uma bufada de resignação e sai da área da piscina. Corta pra paisagem externa: vê-se a mulher correndo esvoaçante na direção de um tipo de armazém, totalmente barn mesmo, totalmente nada a ver. Lá dentro há um suposto empregado da fazenda, ajeitando uns rolos de feno num canto. É um lourinho com cara de capiau. A mulher tira o robe e fica só de lingerie. O capiau arregala os zoio e tira um preservativo do bolso do macacão. Quando ele vai abrir o preservativo com a boca (olha o mau exemplo), sente uma dor de dente horrível e solta um grito de dor. O marido careca vem correndo e pega os dois naquela situação ridícula. Entra o slogan, enquanto o capiau faz o gesto de "não" com uma mão e aperta uma bochecha com a outra.

. Um homem em roupas esportivas passeia na Broadway à noite. Ele dá uma tacada numa bola de golfe, e a bolada quebra a Lua em duas (sim, é isso mesmo). Do outro lado do mundo, uma mulher desconhecida, de vestido branco decotado cola as metades da Lua. Depois toma uma flute de champagne.

. Esse eu já mencionei aqui, mas como voltou a passar e conseqüentemente voltou a fazer-me rir, vou dar o slogan de novo:

[voz sensual de mulher] Para você e para os seus amigos.


Respostas:
. Chiclete de xilitol, teoricamente contra cáries.
. Colla Americana (don't ask).
. Uma bebida com gás à base de cedro, de cor amarelo-radioativo e gosto mais ou menos como o do Sprite. Vem numas garrafinhas em six-pack, sem rótulo, sem nada escrito na chapinha.

Postado por leticia em 17:41

06.08.04

africanos, javali, Kinder Ovo

Pra compensar o tédio do dia de ontem, a serata foi ligeiramente bizarra, embora tranquila. Lá pras sete e meia da noite, eu batendo papo no ICQ e discutindo a existência ou não de dialetos no Brasil (...) via orkut, o lanterneiro me liga dizendo pra eu descer que íamos comer fora, e traz também um par de meias limpas e um suéter que tá frio. Ele estava voltando de uma das empresas pras quais ele pinta as peças de maquinário industrial, ou seja, estava com o bendito caminhão vermelho – aquele da carona fatídica. Lá fomos nós sacolejando até a oficina. Deixei o menino tomando banho lá mesmo e fui dar uma carona ao Nerone (leia-se Negão), aquele de Costa do Marfim que estava presente no almoço do dia do Trabalho (tudo nos arquivos). Ele mora lá no cu do judas, numa casa de fazenda, digamos, numa propriedade de cultivo de tabaco. Até chegar lá, ainda mais porque chovia horrores e não dava pra ir a mais de 70, falamos novamente de todas as frutas boas que nós tropicais temos e aqui não rolam. Ele esteve de volta ao seu país mês passado porque sua mãe morreu, e quando alguém morre fazem festa e coisa e tal. Ele disse que tirou a barriga da miséria em termos de banana, manga, mamão, abacate, maracujá, "abacaxi de verdade, não esse em lata que tem aqui". Aí eu, inocente e curiosa que sou, caí na asneira de perguntar qual era a religião oficial de Costa do Marfim. Pronto. Ele desandou a falar de tudo que é religião pela qual já passou, e à medida em que se empolgava com o assunto ia caindo no Francês, de modo que no final das contas ele queria porque queria que eu conhecesse a sua igreja evangélique, porque a catolique não tava com nada e coisa e tal, a evangélique resolvia completement toute os seus problemas, curava todas as maladie, e por aí vai. Dispensei-o correndo antes que o ataque de riso viesse e voltei pra oficina. Mirco sai cheiroso e barbado do portão e lá vamos nós a Petrignano.

De todas as sagras que rolam aqui no período de maio até setembro, a minha preferida, pelo menos em termos de menu, é de longe a sagra do javali de Petrignano. Ano passado também fomos e comemos muito bem. Esse ano não foi diferente. Mas vejam a organização italiana a que ponto chega: quando saí de casa chovia forte, mas pensei, não vou levar guarda-chuva porque com certeza o pátio onde fica a caixa vai virar estacionamento, pertinho da entrada do galpão, e não vamos precisar caminhar na chuva. Com certeza vão transferir a caixa pra dentro do galpão, pra neguinho não precisar pegar chuva enquanto faz fila pra pagar.

...

Apesar de só ter 3 pessoas na nossa frente, sabe como é, neguinho aqui não sabe fazer fila e ponto final. Bastaria ditar o seu pedido, é tão simples: due pappardelle al cinghiale, una torta con salsiccia e verdura, un’acqua minerale naturale e una birra media. Mas nãaaao, jacaré, nada é simples aqui no interior do Haiti. A loura gorda com um guarda-chuva imenso ficou horas parada em frente ao caixa, pensando, contando nos dedos quantos membros da família estavam presentes, berrando pros filhos, parados dentros do galpão pra se proteger da chuva, quem queria torta con Nutella, se a cerveja do marido era grande ou média. E nós, pobres-coitados, em pé na chuva, protegidos apenas por uma jaqueta jeans apoiada sobre nossas cabeças. Junte-se a isso a lerdeza incompetente e caipira do careca da caixa, e vocês têm uma idéia do tempo que levamos pra conseguir fazer o pedido.

Pelo menos a comida chegou rápido, porque tinha pouca gente. E é aqui que eu queria chegar. ALGUÉM POR FAVOR VENHA ME VISITAR! Eu PRECISO compartilhar pappardelle al cinghiale com alguém. Preciso! Eu teria comido, fácil fácil, três pratos de macarrão. Juro. O molho delicioso, consistência perfeita, levemente picante, a massa perfeitamente al dente, aaaaaah!!! Da próxima vez vou pedir uma torta sem recheio pra poder passar no molho e não deixar nada no prato. Manjar dos deuses.

Depois deu vontade de tomar sorvete e fomos até S. Maria, à Gelateria Vecchia – a melhor da cidade. Em vez do clássico chocolate, avelã e flocos/nozes/Kinder/Nutella que eu sempre tomo, pedi Kinder, chocolate e avelã ;) Aqui eles têm mania de misturar sabores, ninguém toma sorvete de um gosto só. Mirco foi de panino (leia-se sanduíche), que nada mais é do que um enorme brioche recheado com três gigantescas bolas de sorvete (Kinder, frutti di bosco e fiordilatte). Voltamos pra casa sem nem parar pra visitar o Leguinho, que inevitavelmente nos teria sujado inteiros de lama. Adormecemos com a TV ligada.

Hoje acordamos às seis da manhã, porque estão impermeabilizando o teto do miniprédio em construção aqui em frente, e fazem um barulho danado. Uma neblina lá fora que parece até que é novembro.

Depois do almoço vou a S. Maria pegar as placas do scooter e pagar o seguro. Assim que o tempo melhorar vou dar umas voltas e depois faço o relatório ;)

Postado por leticia em 08:48

02.08.04

Bananão

Tá rolando uma propaganda no rádio que me faz rolar de rir.

O produto é um suco de frutas tropicais/exóticas que se chama, vejam quanta originalidade, Brazil. Eu adoro suco de frutas e aqui, na falta de uma boa loja de sucos na esquina, neguinho se arranja com sucos de caixinha mesmo. Os sabores são os mais variados, e na maioria das vezes são bem gostosos. Esses tropicais normalmente têm tanta fruta misturada que não dá pra sentir o gosto de nada direito – é o caso desse Brazil, que eu já experimentei e não entendi bem o que tinha lá dentro. Deve ter umas dezoito frutas juntas, o sabor fica confuso, o céLebro não entende direito o que está rolando. Mas enfim, só de ver uma foto de um maracujá na embalagem eu já fico feliz.

A propaganda do rádio é assim: um homem, supostamente brasileiro, desfia um rosário de nomes de frutas.

- Ah, bananao, papaiao, ananasao (eles não conhecem abacaxi, só ananás), maracujá, laranjao...

(os italianos acham que todas as palavras em espanhol terminam com S e todas as palavras em português terminam com ão. Como eles não conseguem fazer o ão anasalado, deixei a fala do homem sem til mesmo, como eles pronunciam aqui)

Um outro, supostamente amigo desse brasileiro, diz, em italiano:

- Tá, já entendi, é o suco do seu paisao!

Eu sei que parece bobo, mas é muito engraçado. Bananão é MUITO engraçado.

Postado por leticia em 10:53

28.07.04

nome e cognome

O assunto da semana aqui em Tonga é a talvez futura possibilidade da mãe poder passar o sobrenome aos filhos. Pois é, vejam que país avançadão que eu fui escolher pra morar. Aqui só o sobrenome dos pais passa adiante. Todo mundo é filho de pai solteiro hohoho Não, sério, sempre achei muito esquisita essa história, pra não falar de discriminatória. Catálogo telefônico é um outro mundo aqui. Adoro catálogos telefônicos, me divirto horrores não só com os sobrenomes bizarros, mas também com as relações familiares facilmente detectáveis, principalmente aqui, nas cidades pequenas.

Por exemplo: se eu procuro uma Tizia Rossi (traduzindo literalmente, Fulana da Silva) no Comune di Assisi, só vou achar o nome dela se ela morar sozinha, coisa pouco provável. Normalmente telefone, como todas os outros bens, ficam no nome do marido. Nesse caso é mais fácil perguntar a alguém do lugar com quem ela é casada, e procurar pelo sobrenome do marido. Ou então procurar outro Rossi que more na mesma rua. Muito provavelmente vai ser o pai ou um irmão, já que familiares tendem a arrumar casa pra morar na mesma rua do resto da família, e de preferência no mesmo terreno. É incrivelmente comum por aqui um filho construir um andar a mais na casa dos pais pra ir morar depois que casar. Ou então construir outra casa no mesmo terreno. Ou construir casas chamadas "plurifamiliari", ou seja, que abrigam várias famílias – como se fosse um edifício de apartamentos de dimensões reduzidas, com no máximo quatro famílias. Dá pros pais, pros dois filhos depois que casarem, e pra família de um dos irmãos dos pais.

Mas então, o assunto da semana é o projeto de lei, ainda não aprovado, que fala da possibilidade da mãe poder, finalmente, passar seu sobrenome aos filhos. Os debates são animadíssimos, o que me faz dar altas gargalhadas. A vida aqui na Itália meio que se resume à frase rir pra não chorar. Acho tristíssimo que um país relativamente desenvolvido tenha chegado aos anos 2000 com essa discriminação ridícula, não importa a antiguidade desse costume. Os tempos mudam e o fato de que eles levem taaaaanto tempo pra assimilar novos costumes, mesmo que melhores do que os velhos costumes, às vezes me entristece, às vezes me diverte. Acho engraçadíssimo é que todo mundo esteja levando tão a sério a coisa da tradição, dos hábitos milenares, etcetera e tal. Eu sou a primeira a levantar o bracinho quando perguntam, tradição é uma coisa legal? Eu acho superlegal, acho que tem mais é que preservar mesmo, mas, por favor, né, só quando tem sentido. Tem sentido um sobrenome desaparecer se todas as filhas de uma geração forem mulheres? É o caso da Martinha, por exemplo, que trabalhou comigo no escritório do Chefe Idiota, lembram? Ela e a irmã são as únicas filhas dos pais delas. Quando casarem, os filhos delas terão só os sobrenomes dos maridos delas. O pai delas é filho único. Ou seja, o sobrenome delas vai deixar de existir. Não é só ridículo, é uma falta de respeito também. Pô, a mulher tem metade da culpa da criança existir, aturou aquela barriga por nove meses, pariu – pariu, gente, parto não é uma coisinha à toa não, né – e não tem direito a pôr a assinatura dela na obra-prima? Poupem-me.

Quero só ver quanto tempo vão levar pra aprovar essa lei.

Postado por leticia em 19:19

20.07.04

eles estão chegando

Desconheço as razões, mas nesse verão, além da já clássica invasão da Itália por parte de sandalhudos turistas alemães, estamos assistindo à chegada de uma verdadeira horda de holandeses. Passeando pelas ruas de Santa Maria eu quase quase penso que estou em Rotterdam, pela quantidade de carros com placa NL que se vêem. Tal onda migratória de veraneio só pode ser comparada às multidões de italianos que todo ano invadem a Espanha ou os resorts de Sharm-el-Sheik, no Egito.

Nada contra, muito pelo contrário. Os holandeses são simpaticíssimos, ao contrário dos alemães e, igualmente ao contrario dos alemães, falam Inglês muito bem, obrigada. São menos zuras também, gastam mais nas lojas. Nós amamos os holandeses.

Postado por leticia em 16:21

13.07.04

E pra vocês não ficarem achando que só eu reclamo: já foram lá dar uma zoiada na arretada da Daiza e nas suas histórias de fila na Itália? Tão esperando o que messss?

Postado por leticia em 08:41

12.07.04

roça

Aliás, falando em colheita... Como os tratores atrapalham o trânsito, putz!!! Da nossa casa até Torgiano, onde fica a oficina, não tem como ir pela superstrada. Torgiano é meio escondida e não tem jeito, precisa pegar a estrada de mão dupla que atravessa campos e mais campos. Já está terminando a época da colheita do trigo e a maioria dos campos já está carequinha, com aqueles rolos enooooormes de capim/feno espalhados, sabe aqueles clássicos, que se vêem em tudo que é cartão-postal da Toscana? As máquinas que colhem trigo são uns verdadeiros tanques de guerra. Monstros blindados, os mais novos invariavelmente pintados de verde-pistache, altíssimos, com cabine climatizada pros camponeses não assarem lá dentro no verão, cada pneu gigantesco, comendo trigo de um lado e cuspindo caules dourados do outro. É bonito de se ver. Mas dirigir atrás de um desses em estrada estreita onde não dá pra ultrapassar é um PORREEEEE. Queria ter tirado umas fotos hoje, mas o tempo tava uma porcaria. Chegou até a nevar no norte do país, é mole? Non si capisce più un cazzo...

Postado por leticia em 19:57

E a epopéia da carteira de motorista continua...

Hoje saí de casa mais cedo ainda, e cheguei à Motorizzazione às sete e cinco, mais ou menos. Sete carros na minha frente, todos de auto-escolas (depois fiquei sabendo que o primeiro da fila chegou à meia-noite). Fiquei sentadinha ouvindo rádio dentro do carro, até que alguém começou a clássica distribuição de papeizinhos numerados. Saí do carro e, embora não estivesse muito a fim de papear, acabei fazendo vários amigos entre os veteranos de auto-escola que frequentam há anos os modorrentos escritórios da Motorizzazione. Um deles, Giancarlo, que conhecia (e sacaneava) todo mundo, resolveu ficar meu amigo e não parou de contar piada e fofocar no meu ouvido a manhã inteira.

De repente vemos um carrinho azul-metálico passar direto por todos nós na fila e parar em frente ao portão. Mais tarde, depois de abertos os portões do estacionamento, vimos que o motorista do tal carrinho era um velhinho sem pescoço, com carinha de tartaruga, enfiado numa camisa pólo verde-musgo – mais jabuti, impossível. Pois não é que o jabuti se meteu na frente de todo mundo na maior cara-de-pau? Eu cutucando o ombro dele, outros dois puxando-o pelos braços, o senhor é aposentado, tem tempo pra perder na fila, chega depois de todo mundo e quer passar na frente? Tá doido? O velhinho esperneava, se irritava, discutia, eu puta da vida, até que alguém viu que o documento que ele tinha na mão, e que segundo ele só precisava de um carimbo, não poderia ser carimbado porque faltava um bollo (aqui tudo funciona à base do bollo, que nada mais é do que um selo, que pode ter valores diferentes, que eu acho que substitui, até um certo ponto, o pagamento de taxas. Qualquer tabaccheria vende bollo, então você não tem que ficar na fila do banco pra pagar um imposto e depois ainda perder tempo levando comprovante pra lá e pra cá: basta colar o bollo no documento e pronto). Quando a mulherzinha do balcão foi explicar isso pro jabuti, caiu um silêncio sepulcral na sala: todo mundo querendo ouvir o jabuti se foder e voltar pra casa de mãos abanando. E quando ele foi embora ainda teve direito a vaias. Dei muita risada, e felizmente consegui resolver o que eu tinha que resolver. Agora só tenho que esperar um mês pra pegar o maldito foglio rosa, o que significa o final do mês de agosto, já que na semana de Ferragosto (dia 15) os escritórios públicos (e o resto do país inteiro também) não funcionam.

Postado por leticia em 19:55

09.07.04

patente italiana, capitolo secondo

Mais legal ainda é que isso tudo foi depois do Capítulo II da Epopéia da Carteira de Motorista Italiana (o Capítulo I foi aquele exame de 15 segundos, na terça-feira). O lance é o seguinte: na terça, na auto-escola, a secretária me deu um formulário pra preencher e completar com duas fotos 3x4 em fundo claro (eu só tinha com fundo escuro e tive que refazer as fotos) e três bollettini, que seriam três carnês de 10,33 € pra pagar – seria algo equivalente ao DUDA, acho. E com tudo isso na mão, mais duas fotocópias do certificado médico, do permesso di soggiorno e da carteira de identidade, eu tinha que ir à Motorizzazione di Perugia – o DETRAN deles. Os horários, como sempre, são ótimos: segundas, quartas e sextas, das 8:30 às 12:00 (abre bem na hora do rush, quando o trânsito pra Perugia fica impraticável) e das 15:00 às 18:30 (fecha bem na hora do rush, quando o trânsito vindo de Perugia fica impraticável), sendo que às sextas só abrem de manhã. Não deu pra ir na quarta, então ficou pra hoje. Já tendo sido avisada da bagunça que é aquilo lá, saí de casa às sete da manhã, pra evitar o trânsito maldito e chegar cedo. Cheguei às sete e vinte, e já havia 9 pessoas na minha frente, sendo que quatro eram auto-escolas, ou seja, com um MONTE de pedidos pra entregar, e uma dessas era uma senhora de maquiagem absurda que tinha chegado às quatro da manhã. E já tinha um antes dela.

A entrada pra Motorizzazione é uma ladeira que faz uma longa curva à direita e termina nos largos portões do departamento. Os carros fazem fila encostados na pista da direita, mas quando a fila chega lá na rua o pessoal, obviamente, não tem mais onde ficar esperando sem atrapalhar o trânsito, e acaba indo lá pra frente, pra perto do portão. Quando eu cheguei não entendi a fila de carros, porque vi os carros das auto-escolas e tive, juro, a vã esperança de que houvesse uma fila pra elas e uma pra nós, particulares. Passei direto pela fila de carros e parei em frente ao portão, onde todos aqueles motoristas estavam em pé, conversando. Perguntei como funcionava a fila, eles disseram que infelizmente não tinha essa de uma fila pra cada tipo de cliente, e que era melhor eu pegar um número, que um senhor baixinho (o terceiro a chegar) de óculos escrevia num bloquinho de comandas e distribuía informalmente aos que chegavam, e voltar correndo pra fila de carros pra não perder o lugar. O tempo foi passando e fui vendo mais e mais carros passando por mim e parando lá na frente, no portão. Às oito e dez abriram os portões do estacionamento, e todo mundo que estava parado em pé batendo papo saiu CORRENDOOOO, correndo mesmo, pros carros pra levá-los ao estacionamento, descer correndo do carro e se aglomerar na porta ainda fechada do departamento, no tradicional coágulo humano não-fila que os italianos são craques em fazer.

Aí começou a bagunça, porque um barrigudo arrogante que tinha acabado de chegar tava plantado logo na cara da porta. Todo mundo que tinha seu papelzinho não-oficial na mão e tinha chegado super cedo obviamente reclamou, e a discussão tava formada. Porque um sistema de fila deve existir pra todo mundo, e não só pros 15 primeiros que chegam! Porque organizar a fila é dever da Motorizzazione e não dos clientes! Sim, mas já que eles não fazem nada, os clientes pelo menos tentam organizar! Eu dei meu pitaco dizendo que em tudo que é lugar civilizado do mundo, quando a fila é uma bagunça as pessoas educadas simplesmente perguntam quem foi o último a chegar, e se enfiam depois dela. O povo continou discutindo, brigando, gesticulando, todo mundo se espremendo em frente à porta com medo do vizinho passar à frente, uma coisa horrorosa. Pelo menos o tempo tava fechado e soprava uma brisa fresca, senão os ânimos teriam esquentado ainda mais.

Às oito e meia em ponto uma funcionária vem em ritmo de cágado abrir as portas. O pessoal cai dentro como torcedores no Maracanã, só faltava gritar êeeeeeeeeeeeeeeeeeeee u-tererê uhuuuuuuuuuuu!. Fila? Nem pensar. Consegui chegar perto da ÚNICAAAAAAA FUNCIONÁRIAAAAAAAAAAAA no balcão, mas quando vi que vários dos senhores que tinham chegado antes de mim estavam logo atrás, deixei passar todos e só depois do nono barrigudo entreguei meus documentos. Era a chamada richiesta del foglio rosa, ou pedido do papel rosa, que de rosa só tem um retângulo na parte de cima, e que permite ao portador de dirigir na presença de alguém que tenha carteira há mais de dez anos. E depois de um mês e um dia (DON’T ASK) com esse papel na mão você pode entrar com o pedido dos exames teórico e prático. Normalmente eles levam dez dias pra te dar o papel rosa, depois da entrega do pedido. Mas durante a longa permanência na fila fiquei sabendo que atualmente o período de espera é de quarenta dias. Tudo bem, minha carteira internacional vale até setembro, pra mim o foglio rosa não faz a menor diferença, é simplesmente a primeira fase da obtenção da carteira. Pacientemente e com um sorriso esperançoso esperei a mulherzinha examinar minha papelada. A mulherzinha ajeita os óculos na ponta do nariz, ajeita o vestido de velha, ajeita os cabelos repicados anos 80 totalmente nada a ver, e sentencia:

- Tá errado aqui, senhora.
- Como, tá errado? O quê que tá faltando? Foi a auto-escola quem me deu os papéis.
- Deram-lhe os bollettini errados. Eram dois com a tarja verde e um com a tarja azul, lhe deram dois azuis e um verde.
- E agora?
- E agora precisa pagar de novo.

E me deu um maldito bollettino com tarja verde pra eu pagar. De novo.

Eu quero que alguém, qualquer um, alguém, por favor, me dê uma explicação razoável pra existência de uma diferença substancial entre uma tarja verde e uma tarja azul. Alguém? Não. C.Q.D.

A essa altura já eram dez da manhã e saí desembestada à procura de uma agência dos correios pra pagar o maldito bollettino. Levei horas pra achar uma, porque o trânsito em Perugia é uma coisa louca, não tem sentido nenhum, e se você erra uma esquina leva três horas pra voltar pro ponto de onde saiu, tendo que dar mil voltas por causa das inúmeras Z.T.L. (zone traffico limitato) e ladeiras de mão única. Quando finalmente achei a agência, havia 7 pessoas na minha frente. Paguei o bollettino e fui a uma papelaria em frente fotocopiar o recibo, que eu não sou boba e bem vou lá reclamar na auto-escola por me terem feito pagar 10,33 € duas vezes. Voltei pra Motorizzazione e a fila chegava lá fora. Entrei na cara-de-pau mesmo, achando que a mulherzinha do balcão ia me fazer passar direto, já que eu tava lá desde cedo e não foi por culpa minha que eu tive que ir embora e dar lugar ao número 11 (que era uma família de Gubbio, bem longe daqui, que acompanhava o filho adolescente pra pegar o patentino, a carteirinha de motorista pras lambretas que agora é obrigatória). Que nada. Logo me enxotaram, dizendo que eu tava furando fila, que eu era desonesta, que era mentirosa porque não estava lá desde cedo coisa nenhuma. Fui embora chorando de ódio, antes que alguém viesse dizer que eu era mal-educada por ser estrangeira. Porque aí eu matava alguém. Juro.

É nesses momentos que eu entendo gente que entra no McDonald’s metralhando todo mundo. Bem momento Dia de Fúria. Faz sentido.

Postado por leticia em 16:53

03.07.04

tem quem ganha, tem quem perde...

Ontem rolou o primeiro Palio di Siena (o outro é em agosto). Eu estive lá em 2002 e expliquei como funciona; quem quiser vai lá dar uma zoiada que eu tô com preguiça de explicar tudo de novo. Foi transmitido pela TV, como sempre, mas eu não vi. Ouvi no rádio que ganhou a Girafa, contra todas as expectativas, já que a favorita era a Torre.

**

Falando em ganhar e perder: nas últimas eleições (segundo turno) de semana passada, a esquerda papou um monte de cidades que “pertenciam” ao governo. A besta-mor do Berlusconi veio logo todo pimpão, pra disfarçar a cara de tacho, dizendo que isso não faz a menor diferença, que o governo vai continuar governando do mesmo jeito. Parece óbvio, mas aqui não é: meses atrás o governo Berlusca comemorou 4 anos de mandato (são seis), batendo o recorde de permanência no cargo. Quando vi essa matéria na televisão lembrei de um dos nossos professores de italiano no Rio, que dizia que toda hora tinha eleição na Itália porque toda hora um governo caía e ninguém terminava o mandato, e eu achei incrivelmente surreal. Agora a oposição, se achando a rainha da cocada depois dessa grande vitória nas urnas por todo o país, já anda pedindo pro governo renunciar. Quem dera.

Postado por leticia em 09:53

17.06.04

nhoque

Ontem fomos jantar na Sagra degli Gnocchi em um subúrbio de Perugia. Ano passado também fomos, mas não lembro o menu. Esse ano tinha, novamente, muita gente. O sistema deles é diferente do clássico esquema das sagras: você vai numa casinha chamada Segreteria (secreteria, mas me digam o que esse nome tem a ver com a sua real função) e pega um menu como esse abaixo, que tem um número pré-impresso na capa. Como sempre, marca-se a quantidade desejada ao lado do nome do prato disponível e depois vai-se a outra casinha onde meninas bonitinhas estão sentadas ao computador pra inserir os pedidos. Pendurado no teto da casinha, um mostrador digital diz em que número a fila está. Quando chega a sua vez basta ditar o pedido, dar um nome (o nome-código do Mirco nessas sagras virou Gino), pagar e ir procurar lugar numa mesa. Logo logo um dos velhinhos encarregados de pegar os pedidos vê você sentado lá sem nada na tua frente, à mesa, e vem pegar uma cópia do pedido (te dão duas cópias quando você vai pagar). Crianças e adolescentes da comunidade são encarregados de botar a mesa, e o fazem com muita dedicação e seriedade, é muito engraçado. Mesa posta, logo chega o jantar.

Tinha música programada praquela noite, mas o Perugia tava jogando contra o Fiorentina na disputa por uma vaga na série A. Perdeu. Antes ele do que eu.

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Chegando em casa, em menos de 5 minutos o Mirco já tinha ativado o seu Super Roncator Plus Tabajara, e eu fiquei vendo Portugal x Rússia. Peguei-me torcendo pelos portugueses. Tenho que admitir que ultimamente venho me interessando mais por Portugal, e não é só porque meu pai tá morando lá. Sempre tive um grande desdém por Portugal, por vários motivos. Primeiro pela inércia de um país que já fez grandes coisas e hoje não produz mais nada de interessante. Aqui na Itália ninguém nem sabe que Portugal existe, o que tem pra se ver lá, que tipo de vida eles levam, o que eles comem. Durante a nossa viagem pela Itália, eu e Valéria não encontramos NENHUM português. E o meu desprezo por gente que não viaja só não é maior do que o que eu sinto pelas religiões em geral. E olhem, vejam só, Portugal é super católico (muito mais do que a Itália, tenho certeza, porque a Itália é falsa católica).

A família da minha mãe é portuguesa, eles têm vários amigos portugueses, e cresci observando, porque sou observadoríssima, e discordando plenamente, do modo de pensar e viver deles. O exagerado valor dado ao trabalho, a incapacidade de se divertir, a necessidade de sofrer pra dar valor às coisas boas, tudo isso me dá uma irritação impressionante. E não vou falar da famosa burrice, porque generalizar é feio, embora eu conheça de perto alguns exemplos que corroboram perfeitamente essa teoria. Hoje creio que eles sejam simplesmente muito infantis, bobinhos – o que não se pode chamar de burrice, acho.

A verdade é que só não fui a Portugal ainda porque as companhias low-fare não vão a Portugal, e, quando vão, só a Faro, que fica longe da casa do meu pai, e ainda por cima com a Ryan eu teria que sair daqui de Roma, ir a Londres, dali a Dublin, pra só depois chegar em Faro. Nem fo*endo. Mas tenho vontade. Tenho lido coisas interessantes sobre Portugal na internet, visto belas fotos, e fiquei feliz desse campeonato europeu estar sendo realizado lá. Quem sabe assim o país não acorda pra vida – e consequentemente o mundo não percebe que Portugal existe de verdade e vale a pena conhecer...

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Ah, nem comentei porque me pareceu irrelevante: nada de Rio em julho ou agosto. Passagens completamente esgotadas, ou então com preços desumanos.

Postado por leticia em 09:23

16.06.04

votando

Pois então, fim de semana passado rolaram as famigeradas eleições pro Parlamento Europeu. Como todo mundo já tá careca de saber, não existe uma "consciência européia". Cada um quer resolver os problemas do seu próprio país – coisa muito normal, aliás, principalmente quando pensamos que a Comunidade Européia é formada por gente muito, mas muito diferente, em todos os sentidos. Difícil chegar a um denominador comum. E basta dizer que quase ninguém foi votar. Em países como a Polônia e as nações Bálticas, que acabaram de entrar na CE, só uns 20% do povo foi às urnas.

Mas aí. Como tudo aqui na Itália, o sistema eleitoral deles também é muito confuso. As eleições pro Parlamento Europeu coincidiram com eleições locais em algumas cidades e regiões (tipo a Sardegna, que tem um regulamento diferente em relação ao resto do país por ser desavantajada, em muitos sentidos. Essa palavra desavantajada existe? Estou confundindo tudo com o italiano.). Em Bastia teve eleição pra sindaco (prefeito), mas em outras localidades não. Não entendi o padrão, se é que existe; não tenho a menor idéia de por que uns votam agora e outros não. Só sei que o voto ainda é no esqueminha ridículo de marcar xizinho na cédula de papel (que, aliás, é colorido, dependendo da região).

A Umbria é considerada uma região "vermelha", e esse ano a surpresa ficou por conta de várias cidades tradicionalmente mais moderadas mas que dessa vez votaram em massa nos partidos de esquerda, acompanhando a tendência regional. Honestamente política não é um assunto que me interessa, ainda mais aqui, num país governado por um homem ridículo, baixinho, que fala tudo errado (lembram da história do Romulo e Remulo? Socorro!) e que comanda TODOS os canais de TV. Como eu digo sempre, a Itália é um país divertido, porque é um verdadeiro teatro do absurdo, e nada mais me surpreende aqui. Acompanhei muito pouco a propaganda eleitoral, que aqui felizmente não interrompe a programação normal e se limita a entrevistas e debates, sempre divertidíssimos, com gente falando tudo ao mesmo tempo, gesticulando, com jugulares pulando. Uma vez, depois do jantar, deixamos a TV num canal onde estavam rolando entrevistas com candidatos. Aparece um senhor grisalho de oclinhos e jeito enfezado abanando o fura-bolo no ar: era o Advogado Esqueci o Sobrenome Dele (aqui se usa muito o título de estudo da criatura, ao dirigir-se a ela, principalmente se for Avvocato ou Ingegnere), da Lista Consumatori, ou Partido dos Consumidores. Naquela enfezação toda e sempre usando linguagem muito coloquial, falou mal de tudo e todos, e reclamou de todas as coisas que também nos irritam aqui, sendo que o exemplo que eu lembro agora é o do raio do canone, ou assinatura, da TV. O que ele disse foi o que eu sempre pensei: se a qualidade dos programas da RAI chegasse pelo menos no dedão do pé dos da BBC, e se não houvesse propaganda, tenho certeza que ninguém reclamaria de pagar o canone – que custa a bagatela de quase 100 euros por ano. Mas pagar pra ver porcaria, intercalada com intervalos comerciais de até 5 minutos, é coisa de doido! Mas a parte mais engraçada foi quando ele tirou do bolso uma caixinha de jóias, daquelas clássicas de anel de noivado. "Fui à joalheria... comprar umas cerejas!" Ele abre a caixinha e estão lá duas cerejas de verdade. Demos tanta risada que ficamos sem ar. É que as cerejas esse ano custam os olhos da cara, chegando até a 14 €/kg, porque choveu muito, o frio se prolongou demais, caiu geada, e a cereja é uma fruta muito da fresca que se esburaca por qualquer coisinha. A produção caiu pra burro, em algumas regiões em até 70%, e a bichinha ficou cara mesmo, com preço de jóia. Mas que a cena foi engraçada, foi.

Sei que o Berlusconi ficou com cara de tacho porque a sua nojentíssima extrema-direita perdeu o trono em muitas localidades. Tenho escutado muito rádio, a estação da RAI, que transmite notícias, entrevistas, etc, e nada de música italiana horrorosa. Fala-se de tudo, de economia à guerra no Iraque, de problemas de saúde com médicos especialistas ao vivo no ar a erros de gramática ou conteúdo encontrados em livros, jornais, cartazes, placas estradais, etc. Aprendo horrores e ainda por cima me divirto porque o pessoal liga de casa pra dar o seu pitaco e a quantidade de imbecilidades disparada por minuto é impressionante. Mas tem-se falado muito dessas eleições e da situação da Europa como um todo e, claro, muito sobre a economia italiana. Muita gente contradizendo no ar o seu Berlusca, que de vez em quando dá o ar da graça e vai pro ar pra falar as suas besteiras mentirosas. Outro dia peguei o Berlusconi dizendo que iria baixar os impostos (é a mais nova promessa ridícula da direita) AINDA MAIS do que já tiham baixado. Liga um senhor e começa, ma Signor Presidente del Consiglio, MAS ONDE FOI QUE BAIXARAM ESSES IMPOSTOS, que eu não vi? Eu pago sempre mais impostos, todo ano! Se o senhor quiser lhe mostro a minha papelada! Nunca paguei taxas tão altas na minha vida, e as pensões nunca foram tão baixas!

Infelizmente tive que desligar e sair do carro bem na hora mais emocionante da discussão, porque tava atrasada pro trabalho.

Os cubanos (...) é que têm razão: homem que trabalha perde tempo precioso. Trabalhar só atrapalha a vida da gente.

Postado por leticia em 18:18

14.06.04

ui

Sábado aproveitei a tarde de sol pra dar banho nos cachorros. O primeiro seria o Legolas, assanhadíssimo com a bolinha nova que minha mãe tinha mandado pela Marcia e eu sempre esquecia de levar pra ele. Normalmente ele vem quando eu chamo e fica quietinho enquanto eu o lavo, com aquela cara de sofredor resignado, mas dessa vez ele só queria brincar com o raio da bola e não parou quieto um segundo. Terminado o banho, fui pro campo jogar a bolinha pra ele correr e secar. Ele insistia em ficar passeando no meio do mato, pulando feito um cabrito pra lá e pra cá. Quando me abaixei pra pegar a bolinha (coisa que eu normalmente evito de fazer porque conheço bem o meu cachorro; me abaixo pouco e mantenho o rosto levantado, pra poder saber onde o Legolas está. Técnica aprendida depois de várias cabeçadas no queixo), que eu não conseguia ver exatamente por estar no meio do mato, ele levantou de repente e deu um pulo, pronto pra sair correndo e pegar a bolinha que eu ainda nem tinha jogado. Ô cachorro bobo! E foi nesse pulo que ele me deu a cabeçada. Imaginem um cachorro cabeça-dura, de mais ou menos 40 quilos, batendo com a cabeça no seu zigomático direito. Sacaram? Vi estrelinhas e fiquei parada rodando no meio do campo feito uma bêbada até alguém perceber que não, eu não estava mais brincando com o Leguinho, que a essa altura já tinha largado a bola e tava roendo um galho, amarradão. Senti logo a maçã do rosto inchando. E toma gelo. E como doía.

Passei o jantar todo (pizza feita em casa, salame feito em casa, pão feito pelo primo padeiro, vinho feito em casa, presunto feito em casa, salame de avestruz feito em casa, tomates da horta da tia do Mirco) com o gelo no rosto, mas mesmo assim ficou inchado, e super vermelho. Resolvemos dar um pulo no hospital em Perugia pra fazer um raio-X e ver se tinha alguma fratura. A médica de plantão disse que semana passada chegou um senhor com o punho quebrado. O labrador dele foi meio efusivo demais ao cumprimentá-lo depois de um longo dia de trabalho, o cara caiu e apoiou mal a mão. Show.

**

Eu nunca tinha ido ao hospital aqui, a não ser pra acompanhar diversos familiares do Mirco. E quando fui ao pronto-socorro com o Ettore foi no outro hospital, que normalmente é mais tranquilo, o Monteluce. Dessa vez fomos ao Silvestrini, que concentra todo o movimento da província de Perugia, e a fila era enorme. Velhinhas bigodudas com pernas inchadas enfiadas em velhas Birkenstock, velhinhos de boina e óculos fundo de garrafa, um africano azul de tão preto numa cadeira de rodas, aparentemente com o tornozelo torcido, uma senhora com um polegar sangrando. Mirco, completamente avesso ao ambiente hospitalar, ainda mais depois da traumática operação do joelho, tava pálido feito vela. E eu só lembrando das histórias bizarras dos plantões de domingo/noite no Antonio Pedro, há anos-luz atrás. Engraçado que eu não sinto a menorrrrrrrrrrr nostalgia do ambiente hospitalar em si, mas sim da sensação que eu um dia já tive de estar à vontade ali dentro, de achar tudo natural, de pensar, de verdade, que o meu lugar era ali. Que boba que eu era.

Aqui neguinho quase não usa jaleco. Usam-se os pijaminhas verdes da cirurgia, ou então o uniforme do hospital – no caso do PS, calças laranja-gari (mesmo pra quem não trabalha de paramédico, fora, em ambulância) e camisa polo branca com um bordado no peito: o mapa da Umbria em verde, o número de emêrgencia médica, 118, em vermelho, e embaixo a inscrição Provincia di Perugia.

A fila é aquela esculhambação italiana de sempre: ninguém sabe quem chegou primeiro, quem é paciente e quem é acompanhante, o que tem que fazer, nada. Na porta, um aviso em Times New Roman:

O PRONTO-SOCORRO NÃO É AMBULATÓRIO PSICOSSOMÁTICO NEM RESOLVE PROBLEMAS SOCIAIS.

O PRONTO-SOCORRO NÃO É PRA QUEM PRECISA DE CONSULTA COM ESPECIALISTA, PEGAR RECEITA DE MEDICAMENTOS DE USO CRÔNICO, ETC.

O PRONTO-SOCORRO NÃO É PRA QUEM PRECISA SOMENTE DE APLICAÇÃO DE MEDICAMENTOS ENDOVENOSOS, NEBULIZAÇÃO, ETC.

Tem coisas que não mudam, não interessa a latitude...

**

Uma paramédica descabelada me chama pra uma das salinhas. Dou um dos sobrenomes, ela insere no computador, nada. Eu tenho outros 4 sobrenomes, minha filha, vamos ver com qual deles eu fui inserida: Vieira. Pronto, lá vem toda a minha ficha técnica: onde eu moro, codice fiscale (como o nosso CPF), número da inscrição no sistema de saúde. Ela chama a médica sorridente, que vem com aquelas calças cor de abóbora horrendas me atender. O requerimento da radiografia sai da impressora, ela assina e me manda pra uma sala do outro lado do corredor, "depois dos elevadores, à esquerda". Cartazes escritos à mão indicam o caminho da Radiologia. Uma enfermeira simpática bate a chapa (coisa mais P.I.M.B.A. esse bate a chapa...), me dá o laudo e me manda voltar pra médica. A essa altura o Mirco já viu uns dois acidentados chegarem de ambulância e está verde de nervoso. Espero mais um pouco, um outro paramédico antipático pergunta quem tem que mostrar algum exame, lá vou eu, a médica lê o laudo, olha a radiografia, não fica satisfeita, vai pedir uma opinião a alguém lá fora, volta, me diz que tá tudo bem, digita "crioterapia", a impressora cospe outra página, volto pra casa com uma cópia do laudo radiográfico e a conduta a seguir.


Postado por leticia em 14:28

31.05.04

momento diarinho

Fim de semana mais light, impossível.

Sexta-feira fomos ao cinema com o Moreno, debaixo de MUUUUITA chuva, ver The Day After Tomorrow. Eu adoro o Dennis Quaid e adoro filme catástrofe, bem mentiroso, cheio de clichês e lugares-comuns. Adoro. Mas devo admitir que aquele frio todo me deu um nervoso danado. Só me acalmei quando o mendigo negão conseguiu entrar na biblioteca com seu cachorro lindo – que, aliás, é a cara do Demo.

Sábado Mirco trabalhou de manhã, como sempre, e eu fiz minha faxininha; depois do almoço rolou aquela dormidinha básica que ninguém é de ferro, e depois fomos enfrentar as hordas de peruginos que tiveram a mesma idéia de jerico que nós tivemos – a de fazer compras no Ipercoop. A gente nem tava precisando de nada, porque eu tenho ido ao supermercado praticamente dia sim, dia não, pra ter sempre tudo fresco em casa, mas nós adoramos fazer compras, então fomos. Dali fui deixar meu currículo na Libreria Grande – se tiver que ser emprego de vendedorazinha de merda, que seja numa livraria – e voltamos correndo pra casa pra fugir do trânsito. Jantamos na festa da primavera aqui embaixo, voltamos pra casa, e não conseguimos nos animar pra sair. Às dez e meia estávamos roncando.

E ontem foi outro dia de lerdeza total. O dia amanheceu lindo de morrer, com sol brilhando forte e uma brisa deliciosamente fresca – o tipo de clima que poderia perfeitamente se repetir diariamente por anos inteiros que ninguém iria reclamar. Ficamos em casa de bobeira de manhã, e depois íamos almoçar na Arianna, mas quando chegamos vimos o o carro do tio do Mirco estacionado, sinal que a namorada piranha dele também estava lá. Eu não a conheço mas sei que ela fez umas coisas horríveis, além de ser maluca de carteirinha, com passado de internações psiquiátricas, e deve estar constantemente sob a ação de psicotrópicos. O fato de que a família do Mirco ache super normal botar uma maluca dessas dentro de casa depois de tudo o que ela fez também seria, na minha opinião, suficiente pra requerer internação psiquiátrica pra todo mundo, mas enfim, non sono cazzi miei. Assim que vimos o carro demos meia-volta e picamos a mula. Acabamos indo almoçar no Toscanino, um restaurante famoso lá pros lados de Torgiano, onde fica a oficina do Mirco. Comi bem direitinho: um primo de tagliatelle com molho de tomate com frango e creme de leite (o lanterneiro foi de pappardelle ao javali, ma-ra-vi-lho-so), e depois filezinhos de porco num molhinho de alecrim, alcaparras e pimenta-do-reino. Diliça. Comportamo-nos muito bem e não tomamos refrigerante nem comemos doce, ficamos só no vinho branco seco mesmo.

Depois fomos pra oficina pra ajeitar os latões pra raccolta differenziata do lixo. Acho que finalmente o sistema de reciclagem de lixo aqui na Umbria vai pegar, coisa que me deixa muito feliz. O comune vai dar um incentivinho de 25 euros às famílias que alcançarem os 150 kg de lixo reciclável. A gente vai lá na tal isola ecologica (já falei dela num outro post), pesa as coisas e eles inserem os dados no cartão magnético. Se em fevereiro do ano que vem você tiver chegado aos 150 quilos, eles dão o tal incentivo. Claro que eu faria do mesmo jeito, mesmo sem o incentivo, até porque 25 euros é uma merreca, mas acho que é uma indicação de que a coisa vai funcionar de verdade. Por isso o Mirco lavou quatro latões enormes, originalmente cheios de solvente, e eu escrevi o rótulo pra cada um deles: papel, plástico, vidro e latinhas de aço e alumínio. Botamos tudo na garagem, que é bem grande, e quando estiverem cheios levo a tralha pra pesar.

Bom, acontece que ontem também era dia de Cantine Aperte aqui na Umbria. No ano passado fui com FeRnanda e Fabião, e esse ano resolvemos ir também. Nem estávamos sabendo de nada, porque a publicidade praticamente não existiu; por acaso ouvimos no rádio que a coisa rolava até as seis e resolvemos dar uma zoiada. F & F nos encontraram na oficina e de lá fomos pra Lungarotti, ali pertinho mesmo. Eles fazem vinhos muito bons (mas não excepcionais), e nessas ocasiões também dão sempre alguma coisa pra beliscar com a degustação de vinho. Ontem tinha bruschetta (porque eles também produzem azeite e o melhor modo de degustar azeite é com pão tostado), frios fatiados, cubinhos de pecorino. Enquanto Mirco e Fabião foram fazer a visita guiada das cantinas, eu e FeRnanda ficamos batendo papo. Dali fomos pra uma cantina pequena em Cannara, onde o Fabio já tinha comprado uns vinhos ótimos uma vez. Eles tinham fava e pecorino, e o Mirco deve ter comido tipo uma tonelada de fava.

Degusta aqui, degusta ali, no final das contas terminamos com sete taças de vinho, que, junto com a outra que ficou do ano passado, formam um conjunto de 8 peças. Ano que vem temos que lembrar que o modelo de bolsinha não muda, e se levarmos a bolsinha desse ano economizamos a entrada...

[Pra quem não sabe como funciona o Cantine Aperte (Cantinas Abertas): as cantinas da zona abrem as portas ao público. Você escolhe onde começar; nós começamos da Lungarotti. O ingresso custa 5 euros. Te dão uma bolsinha ridícula com uma taça de vinho dentro, e com essa bolsinha, que você deve pendurar no pescoço, entra-se em todas as cantinas que quiser, tendo pagado só uma vez. Só que cada vez que a gente muda de vinho, pega outra taça, e resolvemos não devolvê-las mas levá-las pra casa. Simples assim.]

Tem um castelo do século X ali perto de Bettona, chamado Rosciano, que o Fabio cismou que a gente tinha que ver. O bicho fica no alto de uma colina e a estrada pra subir até lá é incrivelmente íngreme. A probabilidade de encontrar um javali no bosque adjacente em teoria era grande. Eu adoraria ver um, embora tenha plena consciência do perigo – são bichos agressivos e, pior, pesadíssimos, fortíssimos. A cabeçada de um javali adulto é capaz de destruir a lataria de um carro. Infelizmente não vimos nenhum, até porque tava rolando uma bagunça danada porque tinha uma festa de casamento no castelo. Eu acho tão estranho essas festas assim, tão cedo! Aqui neguinho casa às 4, 5 da tarde e a festa acaba cedinho. Eu particularmente não consigo conceber casar durante o dia. Festa de dia não é festa, é no máximo um get-together desanimado! Não gosto não. Bom, no final das contas não conseguimos entrar no castelo, obviamente, e voltamos pra casa. F & F tinham e-mails pra checar e escrever, e depois que foram embora eu e lanterneiro ficamos vendo Stealing Beauty no vídeo. Pergunta se conseguimos sair depois? É ruim, hein. Dormimos como duas pedras.

E hoje acordei cedo, estendi a roupa no varal, fui dar minha corridinha, e agora no final da manhã vou encontrar a Marcia em Assis. Marcia é a mãe de um amigão do meu irmão, que vem passar uns dias na Itália e gentilmente se ofereceu pra me trazer umas roupas das quais eu tava precisando. Minha mãe preparou uma sacola e lá vem a Marcia trazer meus bagulhos pra mim. Ótima desculpa pra não ir trabalhar.

Postado por leticia em 10:14

28.05.04

Seu Franjinha, torta al testo e altre cose

Pois então, agora começa o período das sagras, as festas de cada cidade. No começo de maio rola o Calendimaggio em Assis, festa na qual o povo se veste com roupas medievais, há representações de cenas da época, desfile, provas físicas, etc. A disputa é entre a Nobilissima Parte di Sopra e a Magnifica Parte di Sotto (a cidade alta contra a cidade baixa). Esse ano ganhou a Parte di Sotto.

Anteontem começou a Festa della Primavera aqui em Cipresso. Armaram um palco e umas barraquinhas no jardim bem aqui atrás de casa – assistimos à festa de camarote! Quarta-feira FeRnanda e Fabião vieram jantar com a gente na festa. Essas festas têm sempre uma cantina de pratos típicos, que funciona quase sempre do mesmo jeito: um grande menu informa o cardápio daquela noite, você pega uma folha pré-impressa com todos os nomes dos pratos, e marca ao lado de cada prato a quantidade que quer. Enquanto isso alguém do seu grupo vai pegar uma mesa no galpão. As mesas são numeradas e, depois de pagar, você vai ao balcão de pedidos pra entregar o seu, com o número da sua mesa escrito bem grande no alto da folha pra neguinho não errar. Depois é só esperar que alguém vem te trazer o jantar. O menu também varia pouco, a não ser quando o tema da festa é alguma comida ou ingrediente em particular (como a festa da cebola em Cannara, ou a sagra do javali em Petrignano). Quarta-feira comemos antipasto primavera (salame, presunto, capocollo, azeitonas, feijão branco frio, flores de abobrinha, berinjela e alcachofra fritas, e outras coisinhas), Mirco comeu penne alla norcina (sempre presente em qualquer menu umbro) e nós mortais fomos direto ao secondo e comemos a igualmente onipresente torta al testo – com linguiça, linguiça e verdura, presunto, presunto e pecorino, etc.

Ontem Marco e Michela vieram, e comemos de novo na festa – dessa vez fui de tagliatelle com molho de ganso. O mais engraçado é ver o pessoal todo arrumado pra essas festinhas bobas. E fica tudo ainda mais hilário quando tem banda tocando. Quarta-feira foi um festival de bandas iniciantes, então rolou muito rock pesado, mas ontem foi o Mario Riccardi (o site não tá no ar ainda, acho) quem cantou música de salão pra fazer a velhacaria sacudir o esqueleto. Os jardins pipocando de gente, como um grande salão de baile ao ar livre; velhos e velhas super emperiquitados dando seus dois passinhos pra cá, dois passinhos pra lá, todos juntos se movendo em sentido anti-horário ao som do Franja Crespa Riccardi. De chorar de rir. Principalmente porque o seu Riccardi é um mito da dança de salão aqui no centro da Itália. Toda hora vejo cartaz anunciando Riccardi cantando em algum lugar. Não tenho mais nada a comentar sobre ele, já basta o fato de que ele tem cabelo crespo E usa franja, mas o figurino do resto da banda é de arrepiar também. Ontem tavam todos de terno bordeaux, e as cantoras (sim, porque Riccardi fez nome e deitou na fama, quase não canta mais, só vai marcar presença), todas gordas de mini-saia, bota de camurça rosa, cabelos amarelos, bem naquele estilo chacrete de ser.

O bom é que tanto eu quanto o Mirco dormimos sem problema mesmo com a orquestra do Riccardi se esgoelando lá embaixo. Só que essa noite eu tive uns sonhos muito esquisitos (minha mãe casava de novo e o Mirco não podia ir à festa comigo porque estava jogando na seleção italiana de futebol), me revirei a noite toda e dormi muito mal. Hoje estou super borocoxô, ainda mais que perdi a manha inteira na agência fazendo bissolutamente nada - e eu cheia de roupa pra passar em casa! E agora à tarde lá vou eu a Cannara, terra da cebola, visitar um cliente novo, com a mala do Pino do meu lado pra ver se eu tô fazendo direito. Ainda por cima o tempo fechou e acabou de cair um aguaceiro danado – bem na hora em que eu tava estendendo as roupas de lã no varal pra secar e poder guardar na garagem com todo o resto da roupa de inverno. Que bosta isso.

Postado por leticia em 14:14

30.04.04

Notícias da Bota

. Pela primeira vez desde a União da Itália um carabiniere assume o comando dos Carabinieri. Explico: até 2000 os carabinieri eram uma força especial do Exército, e sendo assim seu chefe-mor sempre foi alguém do Exército. Em junho o atual chefe da Força se aposenta e no seu lugar entra um marechalzão carabiniere. Aqui eles são ridicularizados como, sei lá, os portugueses no Brasil: o que tem de piada sobre os carabinieri não tá no gibi. E não sei exatamente por que, visto que é uma força especial mesmo, muito difícil de entrar, e eles são bem eficientes – aliás, na hora do aperto, é a eles que a galera recorre. Fora que a farda deles é linda. Mais informações aqui. E o site da fiction televisiva sobre os Carabinieri, que eu adoro e vejo toda terça-feira porque é um dos únicos programas “de família” atualmente em programação (o resto é lixo total), está aqui.

. A Alitalia tá indo mal das pernas, de verdade. O pessoal tá em greve desde ontem, mas lendo o jornal ontem de manhã vi que às vezes é melhor ficar quieto: a empresa é a segunda menos pontual, só perdendo pra Tap. Então de repente é melhor parar de reclamar e trabalhar um pouco melhor, cês não acham?

. Uma onda de tempo ruim está interessando a nossa península. Justo hoje que eu vou a Roma, que é tu-do na vida, encontrar uns amigos da minha mãe...

. Saiu a mala do Tommaso do Grande Fratello. Agora é entre aquela louca da Katia, a louca da Serena e o louco do Patrick. Loucos tempos, esses.

. Finalmente foi aprovado o projeto, com financiamento da União Européia e de empresas privadas, da ponte entre a Sicilia e o continente. As obras devem começar no ano que vem. Considerando que os antigos romanos já pensavam seriamente na idéia de construir essa ponte, até que levaram pouco tempo pra começar os trabalhos... NOT!

. A Ferrovie dello Stato está fazendo propagandas na TV anunciando a construção das novas linhas pros trens de alta velocidade. Tipo, duzentos anos depois de outros países. Isso é que é pais moderno e atualizado... ;)

Postado por leticia em 07:41

28.04.04

o tempo que o tempo tem

E já que o assunto sempre acaba caindo nas condições climáticas, falemos da forte dependência que o resto do mundo tem da previsão meteorológica. Nós tupiniquins, que até o ciclone de Curitiba (ou foi o tornado de Florianópolis? Não sei) sempre tínhamos passado longe dos extremos das intempéries, temos uma certa dificuldade em entender as maluquices climáticas dos outros países. Eu só comecei a notar isso nas últimas vezes em que estive nos EUA, quando via repetidas previsões meteo na TV. Aqui, e creio que em toda a Europa, não é diferente, por um simples motivo: o frio é um porre e muda mesmo a vida da gente. No Brasil, e no Rio em particular, só temos dois climas, o quente e o muito quente, ou seja, nada de muito bizarro acontece, meteorologicamente falando, e nada que requeira mudanças de hábito que vão além de andar seminu pela rua quando esquenta pra valer.

Aqui, a cada meia hora há um telegiornale, e depois de cada TG vem a previsão meteo, que, ao contrário do que acontece no Brasil, não se resume à garota bonita que estende a mãozinha e diz aqui chove, aqui não, e mostra as temperaturas. Aqui fala-se de coisas estranhas como pressão, ventos (todos os ventos têm nome), há previsão do tempo pra toda a Europa, contam-se causos e curiosidades sobre essa imprecisa ciência que é a meteorologia.

O mais engraçado é que em muitos canais quem faz a previsão é um coronel ou marechal das Forças Armadas. No início eu achava estranhíssimo ver aqueles homens fardados, engomados e limpinhos explicando que vai chover no feriadão, que há neblina na Pianura Padana, que por causa do mar muito mexido a conexão marítima da Itália continental às Ilhas Maiores (Sicilia e Sardegna) foi interrompida, que por causa da neve intensa é obrigatório dirigir com correntes no Friuli, no Alto Adige, no Piemonte. Hoje já me acostumei, e até já tenho um preferido: o capitão Guido Guidi, um baixinho com MUITA cara de italiano que é uma simpatia.

Mas o melhor de tudo é o tipo de informação que eles dão. Porque acabam falando, como eu já disse, de ventos, de pressão, de massas de ar de formação complicada, e usam uns termos esquisitos que já viraram piada. Por exemplo: nos últimos dias a região central da Itália foi "interessada" por uma onda de mau tempo... Interessada ficava a sua avó!

Toda essa informação incompreensível vem, obviamente, ilustrada por imagens de satélite, gráficos estranhos, setinhas que se movem, símbolos absolutamente indecifráveis.

E a galera só querendo saber se vai dar pra ir al mare no feriado...


Postado por leticia em 08:07

26.04.04

eventinho básico

E ontem foi dia de uma feira internacional de transportes em Verona. Lá fomos nós sair de casa às 6:30 da manhã, porque o Mirco ganhou convites de um fornecedor de tinta e, sabemos, de grátis até injeção na testa. São mais ou menos 4 horas de viagem. A estrada até Cesena é péssima, esburacadíssima, estreita, e ainda por cima interrompida em alguns pontos por causa de obras que se arrastam há anos. Mas o visual compensa: é um longuíssimo trecho elevado, como um viaduto mesmo, por cima do vale do rio Savio. A paisagem é deslumbrante, e é interessante ver como tudo vai mudando de aspecto à medida em que nos aproximamos da Emilia-Romagna, terra da Franzoca. As colinas emilianas são menos gentis, mais rochosas, os verdes são mais escuros; as casas não são mais grandes casas de campo feitas de pedra, mas de alvenaria. Depois de Cesena caímos na autostrada com 3 pistas em cada direção, e a viagem ficou mais fácil. Passamos por Forlì, por Faenza, por Imola (trânsito horrível porque ontem foi dia de corrida), passamos por fora de Bologna, pegamos a estrada na direção de Modena, cidade famosa pelo vinagre balsâmico, e chegamos a Verona.

A feira, no Riocentro lá deles, era muito menor do que se esperava pra uma feira internacional. Mas eu, com anos de experiência de congressos médicos, não vi nada de diferente dos nossos eventos, guardadas as devidas proporções: mulheres magras, bonitas e pouco vestidas apresentando furgões, stands oferecendo os onipresentes salgadinhos, batata frita, balinhas, café e refrigerante, vasos de flores já meio murchas espalhados por todos os cantos, gente fazendo fila pra tirar foto na boléia do caminhão, brindes inúteis distribuídos, muita papelada – panfletos, estudos, artigos de jornal e revista, propaganda, cartões de visita, posters, muitas sacolas de plástico e papelão. A viagem de volta foi mais tranquila porque o tempo melhorou, mas ficamos com fome até as 4 da tarde, pois não queríamos parar pra comer antes de Imola com medo de pegar a galera voltando da corrida. Queríamos ir ao cinema, mas faltou pique.

Postado por leticia em 14:23

27.03.04

caninos brancos

Ontem passei pela minha primeira experiência dentística aqui na Itália. O lance é que eu não ia ao dentista há séculos, porque obviamente confio mais nos dentistas brasileiros, mas como a viagem ao Brasil não sai, decidi parar de empurrar com a barriga e fazer a limpezinha básica de sempre.

Devo confessar que tava com uma certa meda. Não medo "de dentista" em geral: nunca tive cárie e as únicas vezes em que tive que tomar anestesia foram pra arrancar um dente de leite que se recusava terminantemente a cair e pra tirar um siso. Ou seja, nada de traumas odontológicos. Mas as histórias que circulam por aqui sobre um famoso dentista-açougueiro em Assis me deixaram meio relutante. E o Mirco não ajudava muito quando dizia que seu dentista não tinha alguns dentes. Não preciso nem dizer o quanto é grande meu desprezo por dentistas com dentes mal-cuidados – só se equipara ao meu desprezo por médicos que fumam. Mas como não tendo tu, vai tu mesmo, e eu já tava ficando nervosa sentindo meus dentes sujos, ontem fomos lá limpar nossos caninos.

Acaba que o cara é um amor, fez Medicina e se especializou em Odonto (há muitos anos atrás era assim que se fazia aqui), não tem dois dentes da frente porque nasceu sem (se chama “agenesia”. Lembro que meu primeiro cadáver, em Valença, tinha agenesia de um musculinho bobo da batata da perna...), fez vários cursos de especialização nos EUA, bate papo pra caramba, viaja pra burro, e tcham tcham tcham tchaaaaaaaaaam NÃO ME COBROU NADAAAA! Do Mirco cobrou 40 € em vez de 50, mas de mim, que sou “colega médica e ainda por cima brasileira” (a boa fama dos dentistas brasileiros é internacional, quéridos), não cobrou nada. ADOOOORO quando isso acontece, ainda mais quando estou completamente a seco no banco... ; )

Claro que o consultório do cara não é nenhuma chiqueza, não é todo tecnologicamente modernoso como costumam ser os dos nossos dentistas tupiniquins. Inclusive acho que ficaria muito estranho, já que o prédio dele fica na praça mais no alto de Assis, é super antigo e as salas são meio cavernas, como uma adega. Mas ele foi competente, usou todos os instrumentos aos quais estou acostumada, e ainda elogiou a minha técnica de higiene bucal. Mal sabe ele que 80% do mérito são da genética e dos antibióticos que tomei na tenra infância, que deixaram meus dentes menos brancos porém incrivelmente resistentes (como os do Mirco, que também nunca teve cárie).

Postado por leticia em 08:50

23.03.04

weekend

Piano piano, devagar devagarinho, vamos voltando à programação normal.

O feijão com arroz de sexta foi ótimo. Sábado fomos ao cinema ver Gothika (gostei). Domingo a Renata, irmã da FeRnanda, e o marido Stefano estavam aqui procurando casa pra morar. Aproveitamos e depois dos respectivos almoços sograis fomos todos juntos visitar os descendentes diretos do meu espetacular cachorro.

Foi aí que a FeRnanda proclamou que, já que ela e Fabião estão indo morar em Ripa (o Mirco aprendeu a falar ripa na chulipa), e que há duas outras casas à venda por lá, a Renata e o Stefano TÊM que ir morar na menor dessas casas e eu e o Mirco TEMOS que comprar a outra, que fica fora dos muros da cidadela mas encostada neles – essa casa fora do burgo tem quintal, e eu PRECISO de quintal, vocês sabem. Então tá, respondi, ficou decidido, o novo consulado brasileiro na Itália vai ficar em Ripa. Falta só saber quem vai pagar a casa, já que dinheiro eu não tenho. Mas digam se não é um lugar divino, Ripa na Chulipa:

Voltando de Torgiano, ou seja, da oficina onde estão os cachorrinhos, resolvemos passar por Brufa em vez de pegar a estrada reta direto pra casa. Brufa é uma cidadezinha no alto de uma colina (classic), que pertence ao comune de Torgiano mas fica a meros 3 quilômetros daqui de casa – excrusive já fui a pé com o Legolas, que voltou com três metros de língua de fora porque a ladeira não é mole não. Fora uma fábrica de rações que fica no alto de uma das colinas do vale e estraga a vista, Brufa é um amor. Lindas villas espalhadas pelo verdejante vale, cipressos aqui e ali, esculturas modernas de aço inoxida... HEIN? O que fazem esculturas modernas (leia-se hediondas) em aço inoxidável, ferro ou madeira laqueada entre cipressos e villas centenárias?

Eu já tinha visto essas aberrações no meio da praça principal da cidade quando estive lá a pé, então lá fomos nós conferir.


A entrada da praça é esse trambolho de ferro que, além de ser horroroso, deve ter custado uma fortuna, segundo avaliações do lanterneiro, que trabalhou 5 anos em uma empresa import-export de ferro e sabe do que está falando. Dentro da praça, lá num canto, há uma... uma COISA em aço escovado que parece um biombo prateado, sem sentido nenhum. Uma mulher de lábios finos demais, uma senhora com ares de atarefada enfiada num moletom colorido, está saindo da sua casinha fofa perto da escultura. Abrimos a janela do carro e perguntamos se ela conhecia esse escultor ma-ra-vi-lho-so. E aí começa mais um episódio de Cenas Italianas:

Velha: “Não sei quem é não... Por quê?”
Mirco: “A gente queria bater nele, porque essas esculturas são horrorosas.”

Pronto! A velha se soltou:
“Aaaaaaaaaaah, nem me fala! Queriam botar esse mijador (referia-se ao biombo, N.d.R.) prateado na frente da minha casa, eu falei, só se passar por cima do meu cadáver!”
Mirco: “A senhora sabe se esse escultor mora aqui?”
Velha: “Quem mora aqui?”
Mirco: “Ele mora aqui?”
Velha: “Quem, eu? Eu moro logo ali, ó”
Mirco: “Não, o escultor!”
Velha: “Não sei não senhor, eu não entendo nada de arte.”
Mirco (rindo): “Mas e aquela entrada da praça, o quê que a senhora acha?”
Velha (se exaltando): “Oscena! (pronúncia “ochêna” e obviamente quer dizer obscena) Se tivessem botado um arco de pedras tinha mais a ver com a praça, mas aquele negócio de ferro é osceno!”
Mirco: “Eu acho que vou tirar umas fotos e mandar pro Striscia la Notizia, quem sabe eles não vêm investigar quem deu permissão pra estragar o visual assim?”
Velha: “Acho ótimo! Tem mais é que derrubar isso tudo mesmo! Coisa horrorosa! E o pavimento dessa praça? Todo feito com resto de pedras da prefeitura! A praça ficou toda torta, toda desnivelada, outro dia caiu uma velha aqui do lado! Mas... vocês não são parentes do escultor não, né?”
Mirco: “Deus me livre ser parente de alguém que faz um negócio feio desses!”
Velha: “Então tá... Agora dá licença que meu filho tá indo me levar ao cemitério.”

Ainda gargalhando, fomos embora. Desnecessário dizer que se tivéssemos ficado lá ela teria contado quem estava indo visitar no cimitério, há quantos anos morava ali na praça, teríamos trocado receita de ragù, ela teria nos convidado pra um café.

Postado por leticia em 08:41

18.03.04

BBI

Momento Grande Fratello (Fratellão pros íntimos):

Carolina é uma piranha, Tommaso é um paraculo, Katia é uma mala, Serena é maluca, Rob, Bruno e Patrick são sensacionais, Ascanio é ridículo. E o melhor da casa é o Rodolfo, filhote de Terranova que acabou de ser integrado à casa.

Postado por leticia em 23:00

13.03.04

Era uma vez um artroscopia

Então o Mirco tinha um pedaço de menisco supostamente solto que tinha que ser removido. O ortopedista opera regularmente no hospital de Terni, a outra província da Umbria, a uns 70 km daqui. Então lá fomos nós sair de casa cedo na quinta-feira, pra chegar cedo a Terni. Chovia e fazia frio e o Mirco, além de estar morrendo de fome por estar em jejum, estava muito nervoso.

O hospital é grande, mas, como tudo na Itália, incrivelmente desorganizado. Pergunto na portaria qual o andar da clínica ortopédica: quarto andar. Subimos. No quarto andar, nenhum tipo de recepção, só alguns cartazes escritos à mão indicando direções opostas àquelas indicadas pelas placas oficiais, em letras brancas sobre fundo azul. Fomos parar na parte de Day Hospital Ortopédico, onde esperamos meia hora sem ver ninguém até que eu cacei uma enfermeira que passava pra perguntar se era ali mesmo que deveríamos estar. Não, querida, vocês têm que ir lá pro outro lado, no fim do corredor, na enfermaria de Ortopedia (onde não havia ninguém antes, e cujas portas estavam fechadas, e cujas luzes estavam apagadas). Lá vamos nós. Tocamos a campainha, abrem a porta, vamos lá falar com a enfermeira-chefona, que nos dá uma bronca por não termos chegado antes. Levam o Mirco pra enfermaria, onde colhem sangue pros exames pré-operatórios e rodam o ECG. Inicialmente me mandam sair, enquanto os médicos fazem o round, mas quando digo que sou médica alguém me arruma um jaleco pra eu poder ficar lá dentro. Os outros dois pacientes do quarto são um senhor que fez uma hilária cara de incredulidade quando lhe foi comunicado que sua operação, de coluna, vai ser feita na segunda-feira depois da Páscoa (aqui eles comemoram a Pasquetta, na segunda-feira, e a sexta-feira santa não é feriado como no Brasil), e um quarentão simpático com um descolamento do menisco direito.

As horas passam. O senhor almoça; Mirco e Claudio, o quarentão, são mantidos em jejum. Não vem ninguém dizer nada, perguntar nada, explicar nada. De vez em quando vou lá fora no corredor perguntar a alguma enfermeira se há alguma previsão de horário pra cirurgia. Ninguém sabe nada. Não estou nervosa porque sei que hospital é confuso mesmo, imprevistos acontecem e horários são difíceis de ser respeitados. Mas sempre achei uma profunda falta de respeito essa mania de achar que o paciente tem mais é que esperar quietinho. Poxa, neguinho nervosão, frágil, sentindo dor, preocupado, e tem que esperar HORAS sem saber o que está acontecendo, sem saber direito o que vão lhe fazer? Eu já levei a família inteira do Mirco ao médico aqui na Itália e sempre fiquei impressionada com a distância, o abismo que existe entre médico e paciente. A começar pela maluquice dos horários das consultas: não existe horário marcado, o médico atende das cinco às oito? Você vai ao consultório dentro dessa faixa horária, e vai ser atendido por ordem de chegada, o que significa zilhões de pessoas amontoadas na sala de espera. E como a maioria dos médicos atende em consultórios divididos com outros médicos ou dentistas, você nunca sabe se toda aquela gente está ali esperando o seu médico ou outra coisa. Então cada pessoa que chega, além do buongiorno ou do buonasera obrigatório, pergunta sempre “Quem é o último da fila pro Dr. Fulano?”. Uma coisa muito pouco prática. Às vezes realmente acho que estou morando em Coimbra.

Mas então, voltemos à enfermaria. As horas passavam. Mirco dormiu; eu desci pra comer uma torta al testo com presunto e queijo na cantina do primeiro subsolo. Lá pras duas da tarde vêm recolher Mirco e Claudio pra levar pra sala de cirurgia. Lá vou eu atrás; boto o pijaminha verde do centro cirúrgico, que eu não vestia há anos, a maldita touca que nunca consegue cobrir todo o meu cabelo, os sapatinhos, a máscara que um dia usei sem nem prestar atenção mas que dessa vez ficou incomodando o nariz, como na primeira vez.

Mirco está nervosíssimo. Como eu, ele fica irritado se não entende direito o que está acontecendo, principalmente se é alguma coisa que está acontecendo diretamente com ele fisicamente. Eu tenho essa vantagem de ser médica que ele não tem: pelo menos sou capaz de entender com detalhes o que está rolando e de saber mais ou menos o que esperar; ele não tem idéia e ri de nervoso o tempo todo. Pra piorar, ele é naturalmente desconfiado, o que não é ajudado nem um pouco pelas frequentes histórias de erro médico que se lêem nos jornais; então sua resposta a todo mundo que vem perguntar quem ele é (toda hora vinha uma enfermeira diferente fazer algum procedimento pré-anestésico ou pré-operatório) é Mirco Balducci, joelho esquerdo. Assim, só pra reduzir as chances de ser operado erradamente no joelho direito. Resolvem dar um tranquilizante, e ele começa a falar coisas sem sentido e a ter dificuldade de articular palavras. Fazem a anestesia, um bloqueio da perna toda através de injeções na região inguinal e no meio do glúteo, e vamos pra sala de cirurgia.

Posicionados todos os campos cirúrgicos, pincelam a perna com aquele desinfetante marrom-amarelado que já cansamos de ver em filmes e Globo Repórter, prepara-se o equipamento de artroscopia e começa o procedimento. Não vou ficar aqui explicando tudo porque não interessa. O que interessa é que eu fiquei horrorizada, apesar de ter sido uma coisa muito simples. E pensar que um dia eu já fui capaz de ver um procedimento desses e pensar nossa, que lindo, que interessante! Pensar que um dia eu já fui capaz de futucar dentro de alguém e achar isso a coisa mais natural do mundo! Onde é que eu estava com a cabeça, alguém me diz, por favor? O ortopedista futucava, puxava, cortava, mostrava, olha lá, não é o menisco, o menisco está firme (ele puxa o menisco com a pinça, várias vezes, com força), é um ligamento mucoso congênito que inflamou e agora está retesando tudo, tá vendo?, vou cortar (e corta), e eu lá, chocadaça, sem saber se olhava pra tela ou pro joelho amarelo do Mirco, que estava tão nervoso que esquecia de respirar e chorava sem parar. Fui ficando nervosa porque ele não respondia quando perguntávamos se estava sentindo dor. Mais tarde ele contou que depois do tranquilizante tudo ficou, obviamente, muito nebuloso e ele se lembrava só de algumas palavras, do médico batendo no rosto dele perguntando se tava sentindo alguma coisa, da enfermeira que marcou os pontos de anestesia com pilot, do campo verde que impedia que ele visse a tela (se tivesse visto alguma coisa ele teria morrido de nervoso, com certeza), dos enfermeiros pincelando a perna, das luzes do corredor da sala de cirurgia enquanto ele esperava um outro enfermeiro que o levasse de volta ao quarto.

Quando acabou, a sensação de alívio que eu tive foi uma das coisas mais significativas que eu já senti na minha vida. Não pertenço mais àquele mundo. Acho que jamais pertenci; foi tudo sempre uma ilusão idiota. Sempre digo que não me arrependo de ter estudado Medicina; aprendi coisas interessantíssimas, matei toda a minha curiosidade sobre o corpo humano, conheci pessoas ótimas, dei muita risada, aprendi a ouvir as pessoas, a aprender com os outros, a entender a dor alheia. Mas não sou médica. Nunca fui. E só fui entender isso anteontem.

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Como ele teve que dormir no hospital, voltei pra casa sozinha. Chovia muito e o trânsito estava horrível. Quando consegui chegar na estrada, começou o calvário. Sou muito fotofóbica e dirigir à noite na estrada é muito desconfortável. Na cidade, que bem ou mal é bem iluminada, não tem problema, mas no escuro da estrada qualquer luz de farol, de olho-de-gato iluminado, de outdoor na beira da estrada, me dá um lampejo nos olhos e me deixa momentaneamente cega. Depois de meia hora eu não entendia mais as distâncias, a terceira dimensão; perdi a noção do ponto de freagem nas curvas; não conseguia ler as placas; não conseguia achar o timing pra ultrapassar porque olhando pelo retrovisor não conseguia entender se o carro atrás de mim estava longe ou perto. Cheguei em casa cambaleando de cansaço e com a cabeça explodindo de dor. Fiz um risoto de pacote e fui direto dormir.

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Ontem o dia estava lindo. Saí de casa cedo pra ir a Perugia pegar um cheque por um trabalho que fiz ano passado, e enquanto estava lá, perdida (eu sempre me perco em Perugia), Mirco liga dizendo que já estava pronto pra ir embora. Faço o que tenho que fazer e volto pra estrada, pegando a direção de Terni. O dia continua lindo. Boto Skank no CD e canto A Cerca a plenos pulmões. A paisagem é divina, divina; as cidadezinhas no alto das colinas vão passando, muito claras contra o céu azul; o verde obsceno dos campos chega a ofuscar; castelinhos, casarões e mosteiros abandonados me enchem de curiosidade. A Umbria é linda, linda, linda. Ali na altura de Todi a paisagem é particularmente deslumbrante. Alguém vem me visitar, por favor, que eu preciso mostrar isso pros outros!

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Semana que vem começa o curso de agente de seguros, lá em Terni mesmo. É uma cidade industrial, principalmente siderúrgica, muito, muito feia. Há muitas pedreiras também, então as colinas em torno são todas “mordidas”, a feia pedra branca exposta ao sol, em contraste com os escuros ciprestes e pinheiros. Já estou prevendo uma semana chatérrima.

E agora dá licença que meu paciente precisa de uma injeção de heparina.

Postado por leticia em 08:05

03.03.04

Finalmente consegui tirar a maldita carteira de identidade! Olha que coisa antiquada e enorme... Bom, ninguém aqui usa mesmo, o documento mais usado é a carteira de motorista. A de identidade só serve pra circular pela União Européia, mas eu, extra-comunitária, não tenho esse direito; a identidade só serve dentro da Itália mesmo.

Atentem para o fato que meu último sobrenome não cabe na linha e ficou cortado mesmo.
Atentem também para a profissão, doméstica hohoho

Postado por leticia em 12:07

Ontem começou o chatíssimo Festival de San Remo. Saca Festival da Canção? É isso, com o agravante que é um festival de música italiana, e eu detesto música italiana. Tudo é horrível com relação a esse festival: os cenários cafonérrimos, como os de toda transmissão televisiva italiana que se preze; os cantores incompetentes com suas músicas chatas; as mutretas infinitas que todo ano rodeiam o espetáculo (ano passado rolou até processo porque já se sabia quem seria a vencedora muito antes do festival começar, como desmascarou o Striscia La Notizia). E não sou só eu, reclamona profissional, que estou dizendo que o festival é um saco. Esse ano a única celebridade que veio foi um sósia do Elton John. A lista dos famosos internacionais que recusaram o convite foi imensa, e, segundo o telejornal do canal 5, a coisa está ficando mais embaraçosa a cada ano. Se eu fosse famosa e VIP, não viria nem se me dessem um caminhão de dinheiro. Pagar esse mico, eu, hein!

Mas como eu tava dizendo, eu acho a música italiana tão ruim quanto a brasileira. Já mencionei aqui que detesto MPB. Não gosto de Chico, nem de Gil, nem de Caetano, nem daquela mala da Maria Rita, nem daquele insuportável do Milton Nascimento, nem de música pop. Os únicos CDs de música brasileira que eu tenho são os da Marisa Monte, que já admirei muito mas desde que botou aquele nome absurdo no filho deixou de existir para mim, o Bossa ‘n Roll da Rita Lee, e o Calango do Skank, que é divertidinho. Só. No Rio ficaram alguns dos Paralamas, comprados num surto de tenho-que-decorar-essas-musiquinhas-pra-poder-cantar-no-churrasco. Até gosto dos Paralamas, que me são particularmente simpáticos, mas hoje não me vejo comprando um CD deles. Do mesmo modo, não gosto da música italiana. Não ligo o rádio do carro nunca, porque não tenho saco pra ouvir sempre as mesmas músicas chatas – aqui praticamente só toca música italiana. Mas vou voltar ao assunto música italiana lá embaixo.

Na verdade eu não sou uma pessoa muito musical. Se a música for do meu agrado e estiver tocando, eu acho legal, mas se alguém desligar não vou ficar irritada. Se a música for chata e estiver tocando, eu fico MUITO irritada. Não tenho a menor vocação pra descobrir novas bandas ou novos ritmos; não fico catando coisas bizarras em .mp3 como um certo japa que eu conheço. Vivo perfeitamente bem sem música; muito difícil me pegar cantando, até porque eu sou completamente desafinada. Só preciso de trilha sonora mesmo pra fazer faxina, pra dar aquela animaçãozinha básica e pra fazer parecer que limpar a casa é super divertido. De resto, não tenho nenhuma música que me lembre um momento, um lugar ou uma pessoa. Não associo jamais uma música a uma situação em particular. Jamais presto atenção à trilha sonora de um filme. Gosto de shows, mas só se forem com músicas que eu conheço e sei cantar (o do Live em Sampa foi di-vi-no). Gosto de dançar, mas posso ficar anos sem fazê-lo que não entro em crise de abstinência. Ou seja, pra mim música é uma coisa que tá ali, mas podia perfeitamente não estar que daria no mesmo – mais ou menos como as frutas. Só dois produtos de consumo me destruiriam se deixassem de existir: chocolate e livros. Não me deixem sem ler que eu realmente viro bicho. Sou o tipo compulsivo que lê outdoor, propaganda no metrô, rótulo de shampoo enquanto toma banho, instruções e receitas na embalagem de TODAS as comidas, até de macarrão, manual de instruções de tudo que é eletrodoméstico, pedaço de jornal velho caído num canto, coisas escritas à mão dentro do sapato inglês do Mirco, o Boas Festas pré-impresso nas notas fiscais a partir de novembro, todos os detalhes do formulário pra depósito bancário, as lombadas dos livros na estante da casa daquele personagem do filme, todo e qualquer folhetinho que chegue às minhas mãos. É compulsivo mesmo, mecânico, involuntário, e já salvou minha vida várias vezes, especialmente porque tenho boa memória e dificilmente me esqueço de alguma coisa que eu li em algum lugar. Lembro de endereços de lojas que li na sacola de uma senhora no ônibus, do nome da empresa anunciada no metrô, da observação no pé da pagina da fatura do fornecedor. Eu acho que compensa o fato deu não ser muito musical...

Voltando à abominável música italiana: eu acho que o meu problema é que o tipo de música que eu gosto de ouvir não é compatível com nenhuma outra língua que não seja o Inglês. Convenhamos, crianças, rock em português é ridículo, perde credibilidade, não tem jeito. O mesmo pra música celta. O mesmo pra música de viado. É como bossa nova (que eu adoro, mas não tenho nenhum CD) cantada em, sei lá, alemão. Então eu acabo não gostando de mais nada cantado em outras línguas, já que tenho verdadeira alergia a música pop ou, pior, romântica.

Outra coisa com a música italiana é que, na minha opinião de não apreciadora mas não por isso não entendedora (meu irmão é músico, pô), ela tem frases musicais, combinações de notas que não se usam nem no Brasil e nem nos EUA. Só consigo lembrar agora das músicas dos Gemelli Diversi (Gêmeos Diferentes. O nome já seria o suficiente pra mandá-los pro pelotão de fuzilamento, na minha opinião. Agora imaginem a qualidade das músicas...) que pra mim são todas muito estranhas, difíceis de seguir. Tem duas outras ESTRANHÍSSIMAS tocando no rádio ultimamente (eu não ligo o rádio do meu carro, mas o Mirco liga o do dele) mas eu não consigo entender o nome, porque os locutores italianos são como os brasileiros, só dizem o nome da música quando dá vontade, e nem sempre com a melhor das dicções. O refrão de uma diz “io ti amo, ma devo ucciderti” (te amo, mas tenho que te matar). A outra não lembro mesmo, até porque a mulher canta num tom tão estranho que não entendo o que ela diz.

Comecei a notar isso durante as caronas com a Marta, que só escuta rádio. Comecei a pensar numa coisa que eu li em algum lugar, não lembro direito onde, falando sobre sistemas musicais de outras culturas, as orientais em particular. Parece que há povos que têm outras notas além das nossas do-ré-mi-fa-sol-lá-si. Eu não consigo conceber outras notas! É como se alguém viesse me dizer que em outros países existem outras cores primárias. Sei lá, um cor chamada bljerfs, que não é nem azul, nem amarelo, nem vermelho, e nem é uma combinação qualquer dessas cores. Você consegue imaginar? Nem eu. Esse tipo de informação scombussola meu céLebro.

Acho que vou ali ler um pouquinho pra ver se passa.

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E sexta-feira partimos pra Rotterdam, visitar a Stefania, irmã do Mirco, que está meio que morando por lá. Apesar da greve das companhias aéreas (toda semana tem greve de algum meio de transporte aqui na Itália, é impressionante), parece que a nossa, a BasiqAir, que é holandesa, não vai entrar nessa história e esperamos não ter problemas pra embarcar. Voltamos no domingo com a RyanAir. Cortesia da Stefania, claro, porque eu não tenho dinheiro nem pra ir ali na esquina, quanto mais à Holanda

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Vi Big Fish ontem. Digo "vi" e não "vimos" porque o Mirco dormiu. Achei visualmente bonito, como tudo o que o Tim Burton faz, mas não gostei do roteiro. Achei que ficou faltando alguma coisa. E agora cinema só semana que vem, porque já esgotamos todo o arsenal do Warner Village de Perugia.

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Mirco encheu tanto o meu saco que resolvi seguir seu conselho: aproveitar esse tempo de ócio desempregatício pra tirar minha carteira de motorista (eu estou usando a internacional, que só dura até setembro).

Postado por leticia em 09:24

01.03.04

Frio

Está nevando em Bastia. Aparentemente nevou a noite toda, porque hoje telhados, campos e carros amanheceram cobertos de neve. O fenômeno é raro por aqui; a última vez que nevou decentemente em Bastia foi, se não me engano, em 1981, e há fotografias desse suuuper acontecimento espalhadas por todo o prédio da prefeitura. Normalmente aqui embaixo, no vale onde estamos, não neva de verdade; no máximo aqueles floquinhos bobos que derretem assim que tocam alguma superfície. Ontem, voltando do cinema, caíam algums floquinhos desse tipo, e o termômetro do carro marcava um grau, a temperatura noturna média aqui nas últimas semanas. Os últimos dias foram gelados de verdade, mas não tinha neve nem em Assis, só no alto do Subasio, que anda branquinho já há muitas semanas. Mas essa noite nevou de verdade.

São oito e meia e acabei de entrar em casa. Fomos até Santa Maria pegar o carro da tia de um amigo do Mirco pra levar pra consertar em Deruta. Deruta é famosa por aquelas cerâmicas maiólicas horripilantes, com dragões amarelos ridículos e mal desenhados ou flores e frutas estilizadas, como nesses pratos enfeiadores de parede:

O pai do Mirco tem um amigo de muitos anos que tem uma oficina lá, especializada em carros, ao contrário da oficina do Mirco, especializada em caminhões e máquinas industriais. Então lá fomos nós a Deruta, o Mirco dirigindo o Fiesta batido e eu atrás, na Punto que herdei quando ele comprou o Volvo. Deruta fica na direção de Roma, cidade que, além de ser tudo na vida, tem um clima muito mais agradável do que nós aqui do interior da Tanzânia. Roma é mais seca e mais quente do que a maioria das cidades italianas. Quase nunca chove, e neve é coisa raríssima, coisa pra contar pros netos. Em Deruta não estava nevando, mas os carros que vinham da direção de Terni, que ainda é Umbria mas fica a apenas uma hora de Roma, mas é alta e por isso muito fria, estavam todos cobertos de neve.

Eu acho frio e neve duas coisas tão chatas que nem consigo mais achar bonito. Olho os telhados branquinhos e me dá uma raiva danada porque sei que lá fora a temperatura não me permite fazer nada. Tenho roupa na máquina de lavar que tenho que estender, mas quem disse que eu tenho coragem de ir lá na varanda debaixo de neve pra mexer em roupa molhada e ficar com os dedos congelados? Sai fora.

Postado por leticia em 09:31

25.02.04

As fotos que fizemos no caminho entre Nocera Umbra e Colfiorito, na vã esperança de chegar a Sellano. A primeira foto é a tal “estrada branca” que o carteiro nos mandou seguir. A segunda é uma panorâmica da paisagem ao redor dessa estrada. Pena que o céu tava fechado; definitivamente vou dar um pulo lá na primavera, pra correr e brincar com o Legolas, e tirar mais fotos!


Postado por leticia em 12:04

24.02.04

Os Lemmings Atacam Novamente

Onze e meia da manhã de ontem. O telefone celular interrompe meu aprazível momento de limpar carne pro Ensopadinho Show de Bola. Mirco me diz só pra descer em 5 minutos que vamos dar uma voltinha em Sellano pra fazer um preventivo (orçamento). Onde fica Sellano? Não sei, ele responde. Lavo minhas mãos e desço, ainda cheirando a alho e carne. Ele começa a repetir as instruções que o tal cliente deu: pegar a estrada na direção de Foligno (que fica no caminho pra Roma), tem uma bifurcação, a direita leva a Spoleto, a esquerda a Fano, eu perguntei a ele se era pra pegar a direção de Spoleto e ele disse que não, que era pra ir na direção de Macerata, então é pra virar à esquerda. Claro que uma orientação dada assim com tão poucos detalhes e envolvendo dois lemmings desorientados como eu e Mirco, a coisa não tinha nenhuma probabilidade de ser fácil. Dito e feito.

Chegamos à tal bifurcação e pegamos a esquerda, que levava a Nocera Umbra, Fano, Macerata. Rodamos, rodamos, e nada de placa indicando Sellano. Aliás, nenhuma placa indicando nada conhecido; essa parte da Umbria é completamente desconhecida pra nós, e até a paisagem é um pouco diferente, mais toscana, embora na verdade esteja na direção oposta à Toscana. Passamos por trás do Subasio, por trás de Spello; ville belissimas entre as colinas, tudo já meio verdejante ma non troppo. O tempo muito estranho, céu nublado, carregadíssimo. Eu só pensando nas minhas calcinhas e lençóis que deixei pendurados no varal na varanda... Se a chuva que cai hoje é a mesma de dois dias atrás, aquela que veio com o Scirocco, vento do Marrocos, e trouxe a areia do Saara com ela e deixou meia Itália debaixo dessa poeira avermelhada (na Liguria, região onde fica Genova, nevou e ventou Scirocco no mesmo dia. Resultado: neve rosa nas ruas!), eu tô ferrada!

Rodamos, rodamos, e nada. Passamos por Nocera, cidadezinha de poucas belas e velhas casas de pedra acocoradas sobre as colinas. Foi um dos epicentros do grande terremoto de 97. Dá pra ver que quase tudo caiu, foi destruído, e quase nada foi reconstruído ainda, porque, obviamente, as porcarias das igrejas têm prioridade. Enquanto isso, MUITAS famílias continuam morando em containers precários. No frio que faz ali nas montanhas, não deve ser muito agradável. Pra vocês terem uma idéia das temperaturas invernais ali, a partir de um certo ponto da subida o Mirco aponta pra uns paus muito altos, pintados de amarelo e preto, fincados a pouca distância um do outro, ao longo da estrada. Estão ali pra marcar os limites da estrada, diz ele, porque no inverno a neve cai com tanta intensidade que não dá tempo de limpar a estrada, que assim fica com um nível de neve igual ao dos campos que a rodeiam. Sem uma indicação colorida como esses paus listrados, você simplesmente não vê a estrada. Delícia, hein? Imaginou você morando num container mal aquecido, numa cidadezinha com mais ou menos cem famílias, a estrada bloqueada pela neve por dias e dias... Enquanto isso, a igreja da cidade, e as das cidades turí$tica$ em torno, estão todas sendo reformadas desde 97, comendo dinheiro público com uma vontade impressionante. Mas deixa eu mudar de assunto, senão me vem aquela vontade que eu tenho de vez em quando, de sair chutando frades na rua.

No final das contas demos a volta na colina onde fica Nocera. Chegamos ao miolo de uma minicidade (paesino, em italiano). Hora do almoço, ninguém na rua. Vimos um carteiro parado num stop (cruzamento), olhando pra fora da janela do carro pra ver se vinha alguém da outra direção. Encostamos e perguntamos onde fica Sellano. Iiiiiih! Vocês erraram MUITO a estrada! Sellano fica logo atrás de Foligno, agora o jeito é voltar (tinha sido mais de meia hora de estrada desde a primeira saída pra Foligno) ou então continuar e terminar de dar a volta, mas vai levar mais de meia hora... Vocês pegam a estrada branca (hein?), depois vão ver as placas pra Colfiorito (encurtamento de Colle Fiorito, ou Colina Florida, região famosa pela boa qualidade de seus produtos laticínios), a estrada vira asfaltada, depois vem Casenove, logo depois vem Sellano.

E lá vamos nós pela tal estrada branca, que nada mais é do que uma estrada de mão única, de pedrinhas que deixaram o carro branco de poeira, serpenteando entre colinas verdes, plantadas, LINDAS, mas sem NENHUMAAAAA casa ao redor, nem uma vaca, um carneiro, uma pessoa, um cachorro, nada. Um vento forte soprando, as nuvens negras passeando lá em cima, aquela paisagem deslumbrante, o momento inoportuno – hora do almoço é sempre inoportuna pra qualquer coisa que não seja almoçar. Não resisti e desci do carro pra tirar umas fotos (que agora não tô com saco de editar). E, claro, fiquei com as botas todas brancas de lama... ;)

Circundamos um cemitério, e logo atrás dele começou o asfalto. Chegamos a um outro cruzamento, e nada de placa. Decidimos virar à direita, e fortunadamente chegamos a um outro paesino onde vimos placas indicando Colfiorito. Assim só pra constar, pedimos informação a uma camponesa maltratada pelas intempéries, que passava na rua. Iiiiiiih, não vai por Colfiorito não, é muito mais longe! Mais fácil descer tudo de novo e seguir até atrás de Foligno.

Tá.

Descemos tudo de novo, mudamos a direção no cruzamento, vamos na direção de Foligno. Continuamos nessa maluquice, estradas desertas e cheias de curvas absurdas, em meio a colinas cor de laranja. A essa altura já estávamos morrendo de fome; eu não tinha tomado café e já estava me sentindo verde. O cliente liga pro Mirco; mas onde é que vocês foram parar, meudeus? Mirco diz onde estamos (passando em frente a Ascolano, paesino com 6 casas – eu contei), ele diz que estamos na direção certa. Desconfiamos, mas seguimos em frente.

Depois de MUITO rodar, chegamos. Descemos uma ladeira atrás do açougue e damos de cara com o reboque de um caminhão, todo meio enferrujado, que é o tal negócio que o Mirco vai ter que dar jato de areia e pintar (ele não, o pai, já falei que o Mirco odeia caminhão e só pinta máquinas industriais). Vinte minutos analisando o bicho, tirando fotografias, explicando coisas. O orçamento final vai ser dado por telefone hoje à noite. E a nós resta arrumar um lugar pra comer.

Esse é um mapa meio pobrinho da Umbria que arrumei não lembro onde e já usei aqui antes. O trajeto em vermelho é o que deveríamos ter feito. O outro, em cor teal, é o que nós, bestas quadradas, fizemos.


Vinte minutos depois, estamos na altura de Foligno, e ainda de estômago vazio, porque em cidadezinhas de 6 casas não há restaurantes. Resolvemos continuar até Collestrada e parar pra comer no Autogrill do Ipercoop. A essa altura do campeonato eu já tava tonta mesmo, com as pernas tremendo de fome – pombas, já eram três da tarde! Comi um risoto de linguiça e ervilha, e depois uma bisteca de vitela e batatas no forno. Ainda ganhamos de brinde uma mini-garrafa de Valpolicella, que é um vinho do qual não gosto muito, mas de graça...

Continuamos até Perugia, pra pegar a haste de um limpador de farol de um caminhão Scania que há dias está só ocupando espaço na oficina. Voltamos tudo de novo até S. Maria pra pegar o tripé da máquina fotográfica da irmã de um amigo do Mirco; caiu um parafuso e ninguém consegue consertar. Última parada: Petrignano, pra pegar a lista de códigos de peças que o Mirco pinta pra Umbrapackaging. Estou eu sentadinha no carro, no sol, quando o Mirco bate no vidro. Dá pra você vir dar uma olhada aqui num funcionário que cortou o dedo? Lá vou eu olhar. Entro no banheiro onde ele está sem nem perceber que era o banheiro masculino (e mesmo que tivesse percebido, não teria feito a menor diferença, acho). O cara tá lá com um discreto corte em V no indicador esquerdo. Meio fundinho; se a mão estivesse limpa eu até daria um pontinho, se houvesse material de sutura na caixa de primeiros-socorros, mas num dedo cheio de graxa daquele jeito deixei quieto. Bota o dedo pro alto, meu senhor, mais alto que o coração, até parar de sangrar. Depois a gente bota um band-aid e pronto.

Depois que o Mirco me deixou em casa fiquei pensando: putz, não lembro mais NADA de medicina de emergência! Apaguei tudo da minha cabeça, não ficou nada!

Não sei se fico triste ou contente.

p.s.: Minhas calcinhas não saíram voando, apesar do vento forte, nem tomaram chuva vermelha.

Postado por leticia em 18:41

22.02.04

Complete as lacunas: Roma é T_D_ na V_D_

A jornada romana de ontem tinha dois objetivos: um era pegar uns sapatos que uma tia da FeRnanda trouxe do Brasil porque na mala dela não tinha mais espaço, e comprar ingredientes brasileiros na Castroni. O outro era fazer uma social básica com essa tia. Então.

Acordei cedo ontem pra lavar meu cabelo e dar tempo da juba secar antes de sair de casa (coisa que, obviamente, não se realizou. Meno male que a temperatura estava ótima e em certos momentos cheguei a morrer de calor). Encontrei FeRnanda e Fabião na movimentadérrima (cof cof) estação de trem de Bastia e pegamos o trem de pobre* das 8:44, com longa troca de trens em Foligno. Chegamos a Roma, que aliás é tudo na vida, quase meio-dia e fomos direto almoçar no McDonald’s da estação. Eu e Fabião encaramos um novo sanduíche de dimensões avantajadas. O meu está em processo de digestão até agora.

Metrô até Laurentina, uma viagem curta de ônibus e chegamos à casa dessa tia da FeRnanda que mora há 28 anos em Roma. Ficamos lá de bobeira batendo papo, meio em italiano, meio em português, com o simpático marido romano dessa tia; depois descemos ao apartamento de baixo, onde mora a filha mais velha deles com o marido, vimos a casa, vimos fotos da lua-de-mel nas Maldivas, vimos alguns mapas e posters de Tolkien na parede (quem disse que TODO italiano é Tolkien-clueless?), missão cumprida, fomos embora.

Aí começou a segunda parte da epopéia. Porque o Mirco não pôde vir com a gente de manhã por causa do trabalho, mas cismou que queria ir lá ver a Castroni e nos buscar. Só que o Mirco, além de ser caipira pouco acostumado a cidades grandes (caipira cidadão do mundo, mas caipira), tem um senso de orientação tão bom quanto o de um lemming. Eu e os outros dois ficamos rodando na estação uma meia hora e de vez em quando o lanterneiro ligava pra dar sua localização. “Não tenho a menor idéia de onde estou, só sei que o trânsito tá todo parado”. Como ele não sabia onde estava e nem se estava indo na direção certa, ou seja, não sabíamos quando ou se ele chegaria até nós, nós três resolvemos nos adiantar e pegar o metrô até a Ottaviano e ir andando até a Castroni. Começamos a fazer nossas comprinhas, começo a ligar pro Mirco pra saber onde ele estava, e o telefone desligado ou “inachável”. Deve estar no metrô, pensei. Dito e feito: terminadas nossas compras, já andando na direção do metrô pra voltar, já que o menino não dava notícias, liga ele: eu tô em frente à Castroni... Eu: mas na Via Cola di Rienzo? Ele: na Via Ottaviano. Eu: então pede pra alguém te explicar onde é a filial da Cola di Rienzo, a gente te espera lá na frente. Voltamos tudo de novo, carregando nossas sacolas cheias de guaraná Antarctica, pão de queijo, leite condensado e goiabada. Daqui a pouco chega ele, ligeiramente estressado por ter pego o caminho errado assim umas 296 vezes e ter levado mais de uma hora do Grande Raccordo Anulare, anel estradal que circunda Roma e que é meio difícil de entender, até o centro da cidade. Claro que chegou morrendo de fome; ele está sempre com fome. Resolvemos parar na primeira pizzaria no caminho pro metrô. Nossos homens saciados, continuamos até o metrô, descemos em Vittorio Emanuele, achamos o carro e partimos. Achamos o carro não é uma frase inocente: pra achar o carro foi preciso que o Mirco tivesse tirado fotografias da estação de metrô e do exato lugar onde o deixou, porque eu e ele somos mestres em perder o carro em estacionamentos.

Olha eu e os pombinhos na saída do metrô:

(e não reparem nos meus olhos fechados; eu sou a pessoa menos fotogênica do mundo e SEMPRE saio com essa cara de peixe morto)


Felizmente não pegamos trânsito, embora até agora não saibamos por quê. A viagem foi light, a estrada tava vazia, Mirco e Fabião trocando histórias de escolas e professores às gargalhadas (eles não têm a mesma idade mas estudaram na mesma escola técnica), eu e FeRnanda morgadas de cansaço. Foi chegar em casa, tomar banho pra tirar aquele fedor de trem, comer o resto requentado de linguine com frutos do mar de sexta, e mimir.

A única coisa chata foi não ter dado pra encontrar a Ane, que tava enrolada e não conseguiu se liberar... Bom, fica pra próxima. Significa fazer o sacrifício de voltar à cidade que é tudo na vida.

*Os trens italianos são divididos em diversas categorias. Há os trens de rico, que custam mais, param em menos estações, são mais limpos, têm lugares numerados e sempre atrasam. São o Eurostar e o Intercity. E há os trens de pobre, que custam menos, param em tudo que é cidadezinha, fedem, se a linha for muito movimentada você corre o risco de viajar sentado na sua mala no corredor, e sempre atrasam. Esses de pobre são vários: o Diretto, que como o próprio nome diz, NÃO vai direto a lugar nenhum, mas pára em qualquer mini-micro-estação; tem os Regionali e os Interregionali, cuja diferença não sei explicar. Algumas regiões têm, além dessa enorme variedade da Trenitalia (Ferrovie dello Stato), umas linhas internas estranhas. Aqui na Umbria temos a Ferrovia Centrale Umbria, com trens caindo aos pedaços, que liga Ponte San Giovanni a buracos como Città della Pieve, Umbertide, algumas cidadezinhas na zona do Lago Trasimeno, quase na Toscana.

Postado por leticia em 10:07

18.02.04

giornata IKEA

E acabei não comentando nossa incursão à IKEA, um dos nossos programas preferidos. Claro que nos perdemos no caminho e viramos à direita quando era pra virar à esquerda, mas considerando o nosso senso de orientação (menor ou igual a zero), até que a volta que tivemos que dar foi pequena.

Chegando lá, a cabeçada de sempre. Um mundo de gente que não tinha coisa melhor a fazer com o sábado à tarde e foi bater perna na IKEA. Aquele sotaque toscano delicioso vindo de todos os lados, o T com a língua pra fora típico do pessoal de Prato (que eles pronunciam Pratho), alguns peruginos comedores de vogais. Não vimos grandes diferenças em relação ao que estava exposto na primeira vez que fomos lá, ano passado. Notamos que nosso espetacular mix de cachorro de parede e gancho pra roupas não estava mais à venda. Em compensação havia minibichos de pelucia foférrimos a 1 euro, porta-lápis bonitinhos, belas coisas pra cozinha, formas pra muffin (que vou usar pra fazer petit gateaux), cadeiras de plástico pra oficina a € 9,90, tapetinhos pro quarto por € 1,90, entre outras coisitchas. Não tem jeito; você pode estar super bem-intencionado, pegar uma sacola crente que todas as suas compras vão caber felizes nela, mas no final das contas você acaba comprando um mucchio de coisas e tem que ceder aos encantos do carrinho. No final da tarde, tínhamos um carrinho por pessoa (a Arianna e a tia do Mirco foram com a gente). Sorte que a mala do carro é gigante, senão um dos quatro teria que voltar pra casa de trem... ;)

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E segunda-feira jantamos chinês com FeRnanda e Fabião. O aniversário da FeRnanda é agora dia 2 de março, e combinamos de fazer uma mini-festa aqui em casa, já que nosso apartamento é maior e eu tenho uma cozinha mais equipada (a FeRnanda não cozinha). O cardápio: coxinha de galinha, pão de queijo, guaraná, quiche de couve-flor ou empadão de frango ou torta de cebola (não decidimos ainda), bolo Prestígio. De qualquer maneira estamos organizando uma excursão à Castroni, em Roma, pra abastecer as nossas dispensas tupiniquins. A FeRnanda tem mesmo que ir à capital pra pegar uns sapatos que deixou com os primos que moram lá, então vamos matar dois coelhos com uma porrada só.

Mãe, pede a receita do bolo Prestígio pra vovó, por favor, que eu não tenho! E a do quiche também, que ela já me deu 300 vezes mas eu perco SEMPRE...

Postado por leticia em 09:12

04.02.04

Mais um “veranico”. Depois de uma semana gelada, o último weekend foi super light em termos de temperatura, e por enquanto o clima ainda é de inverno carioca, super tabajara. Anteontem de manhã fui aos correios, só de pullover de lã sobre a malha, e senti calor. De tarde fui correr (na verdade correr um pouco e caminhar muito, porque estou super fora de forma), de camiseta de manga curta. Como é bom poder ir à varanda pendurar as roupas no varal e voltar com as mãos inteiras, em vez de duras, congeladas e insensíveis!

Mas acho que a coisa não dura. Olhando pela janela agora cedinho só vejo um paredão branco de neblina. Merda.

Essas são as fotos do tombo do Mirco domingo, no quintal da Arianna. Foi querer brincar de cabo-de-guerra com meu cachorro e se estabacou de costas no chão. Não consegui tirar nenhuma foto dele já no chão. Estava ocupada me sbudellando (algo como “eviscerando”) de rir.


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Anteontem fomos ao Ipercoop, o supermercadão aqui da área, pra nos distrair, e acabei comprando uma maquininha de fazer pasta, igual à da Franzoca. Comprei também o famoso rolo de macarrão, e uma tábua de madeira pra preparar a massa, já que a minha mesa hedionda é porosa demais pra fazer qualquer coisa com farinha, vai ficar tudo imundo. Ainda essa semana pretendo fazer um macarrão qualquer. Depois digo como ficou e dou a receita.

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Aquela planta comprida que no Brasil se chama Espada de São Jorge aqui na Itália se chama Lingua di Suocera (língua de sogra). Vivendo e aprendendo.

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E a penúltima parte da epopéia sérvia: o mercado de Majilovac. Sabe feiras medievais, ao aberto, com lama no chão e as coisas mais estapafúrdias expostas ao público? É assim. Vendem porcos, sapatos, chapéus, colheres de pau, trenós, galinhas, peças de carro, gasolina, chocolate, binóculos, cigarro, roupas de couro, roupas de couro falso, bandejas em inox, meias (comprei várias), facões, relíquias de guerra, brinquedos tabajara, vestidos de gala, cestos de vime, móveis, carneiros, ferramentas, temperos, água mineral de origem duvidosa, bebidas alcoólicas de tudo que é tipo, pneus, maquiagem, canetas coloridas, perfumes falsos, malas e bolsas, enfeites de Natal. Entre outras coisas. Só não vendem livros.

Que depressão esse mercado! Aquela lama no chão, os carros estacionados de qualquer jeito, gente feia e encasacada caminhando carrancuda pra lá e pra cá, gesticulando com os vendedores; as roupas incrivelmente cafonas penduradas nas araras; todo mundo fumando sem parar; os vendedores botando a mercadoria em amassadíssimos sacos plásticos de supermercado antes de dar aos clientes; gente vindo fazer compras de TRATOR; gente com casaco de pele falsa; gente experimentando sapato ali mesmo, em pé na lama; senhoras comprando brocas pra furadeira e correia pro motor do carro; crianças querendo brincar com os porcos e galinhas... Caramba, é outro planeta mesmo. Chegamos em casa cansados de tanto ver coisa estranha e feia. E as únicas coisas que eu comprei em todo esse tempo na Sérvia foram nesse mercado: alguns pares de meias coloridas (listradas de vermelho e branco, listradas de amarelo, branco, preto e verde, preta com bolinhas azuis, listrada de lilás, verde, amarelo, azul e laranja, e uma listrada em tons de cinza e azul com o desenho do Tigrão), um batom fedorento mas bonitinho, e uma bolsa horrível em couro fake pra Carmen, que é de uma cafonice ímpar. Só.

Sei que em Belgrado com certeza teríamos visto coisas bonitas, e não falo só de coisas pra comprar. Dizem que a cidade é bonita, e vimos algumas pontes interessantes no caminho até lá na volta pra casa, mas infelizmente o tempo e o clima não permitiram. Não posso nem dizer que ficará pra próxima, porque espero veementemente que não haja uma próxima. Programa de índio assim de novo, nunca mais.

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No começo de março vamos a Rotterdam visitar a irmã do Mirco que tá morando lá. Ela quem vai pagar as passagens, porque eu não tenho dinheiro pra ir nem na esquina...

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E pra não perder o hábito, fotos cachorrais. Esse é um vizinho da Arianna que tem vários microcães. No domingo passou lá pra visitar, e levou toda a trupe.


Mister Legolas fazendo pose blasé:


E todo feliz com seu galho no meio do mato:

Postado por leticia em 09:08

30.01.04

eu reciclo, tu reciclas, ninguém mais recicla

Quando me mudei pra Bastia, praquele apartamento em frente à creche e perto da Martinha, a Arianna me deu de presente um vaso daqueles retangulares e longos, de botar na janela, com diversas ervinhas: aipo, hortelã, alho, salsinha e uma outra cujo nome não lembro. Essa última, que segundo a Arianna é meio chata de pegar, morreu uma semana depois. As outras vingaram muitíssimo bem. Até demais, no caso do hortelã, que cresce demais e em tudo que é lugar e em qualquer condição climática.

Claro que eu trouxe minhas plantinhas aqui pra Cipresso. Mas botei o vaso dentro de casa quando fomos pra Sérvia, e quando voltamos descobri uma Pulgãozolãndia funcionando entre as minhas plantinhas! A umidade e o abafamento dentro de casa fizeram os bichinhos se multiplicarem alegremente – e as plantas ficaram todas amarelas, murchas e borocoxôs. Arianna, minha camponesa preferida, me mandou botar as plantas pra fora de novo. Segundo ela todas essas ervinhas aromáticas são muito resistentes (a não ser o chato do manjericão) e não é um inverninho assisano que consegue derrubá-las. Então lá fui eu, cheia de fé, abandonar meu vaso no frio da varanda.

E não é que os pulgões morreram de frio e as plantas renasceram? O aipo e a salsinha, que eu tinha podado de acordo com as instruções da Arianna, estão cheios de brotinhos. O hortelã, que tinha sumido, já esta crescendo descontroladamente em diversos pontos da terra. O alho que eu colhi tarde demais e por isso era só raiz foi substituído por um dente de alho que estava brotando na geladeira, e já cresceu um bocadinho. Agora quero botar nos outros dois vasos que estão vazios na varanda, e que já hospedaram manjericão e salsinha, um pouco de sálvia, de alecrim e de manjericão. Se o espaço permitir, louro e tomilho também.

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Falando em ervas aromáticas, tem receita nova.

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Outro dia chegou aqui em casa um panfleto da nova Isola Ecologica do Comune de Bastia. Dizia que lá podemos descarregar não só o clássico lixo reciclável, mas também móveis velhos, pilhas e baterias usadas, remédios vencidos, óleos, tintas. Lá fui eu conferir, contra a vontade do Mirco, que tem um amigo que trabalha na administração do Comune e disse que o lixo que é separado pelos moradores e depositado em caçambas próprias pra cada tipo depois é misturado todo de novo quando chega no depósito principal! Mas eu fui lá assim mesmo, amarradona, crente que ia encontrar uma coisa muito civilizada e organizada... Ma sì! Aqui no interior da Jamaica? Jamé! A Isola Ecologica fica num buraco lá no fim do mundo, no meio da Zona Industriale, no fim de uma rua não asfaltada. O cara muito antipático da recepção nem me ajudou a descarregar o monte de vidro, latas, plástico e papel da mala do carro, e apontou vagamente uma caçamba láaaaa longe quando eu perguntei onde deveria depositar papel e papelão. E a cartelinha que o panfleto citava, através da qual você ganharia prêmios depois de um determinado número de pontos acumulados (os pontos correspondendo ao peso do lixo reciclável depositado ali; quanto mais lixo, mais pontos), não existe ainda. Quer saber? Não vou separar mais nada. Azar o deles.

Mas fico com raiva dessas coisas. Tento fazer a minha parte, mas se ninguém mais faz, a coisa fica complicada. Lá em casa ninguém era de desperdiçar nada, de deixar luz acesa, de ficar horas com o chuveiro ligado sem ninguém debaixo; nunca joguei lixo pela janela, sempre recolhi o cocô do meu cachorro, e lá no prédio separávamos pelo menos os papéis do lixo normal, e os porteiros depois vendiam pra empresas que os reciclavam. Reciclávamos papel de impressora, coisa que continuo fazendo aqui (e fazia no escritório também, eu tinha uma gaveta só de folhas de papel pra reciclar): se tenho que imprimir uma coisa que 1) não é importante, 2) vai ser enviada por fax e depois arquivada, ou 3) vou jogar fora logo depois, como por exemplo o horário do cinema que eu baixo da internet, não vou imprimir a cores com qualidade máxima de impressão numa folha em branco. Pego uma folha da nossa gaveta de recicláveis, ou seja, de folhas já usadas uma vez, com só um dos lados impresso, e imprimo o horário na face em branco.

Não deixo a torneira aberta enquanto escovo os dentes.

No inverno sinto frio demais e não consigo, mas no verão desligo a água enquanto estou me ensaboando, ou lavando a cabeça, ou desembaraçando a juba.

Programo meu itinerário antes de sair de casa pra rodar o menos possível e assim economizar gasolina e poluir menos de uma vez só. No verão, só ando a pé ou de bicicleta.

As sobras de pão e cascas de legumes aqui de casa vão quase sempre pra Arianna, que mistura na ração das galinhas.

Só ligo a máquina de lavar roupas e o ferro de passar à noite, quando a tarifa é mais baixa e o consumo geral da galera é menor; assim sobrecarrego menos o sistema, além de economizar.

Se deixo uma camisa de molho na água com sabão, uso essa água depois pra lavar o banheiro.

A água de cozimento de qualquer verdura ou legume depois é usada pra uma sopa, ensopadinho, risoto, ou até mesmo a junto à água do macarrão, pra não desperdiçar as poucas vitaminas queimadinhas que ficaram.

As sacolas de compras de plástico não são de graça nos supermercados italianos. Então peguei a mania de ter sempre algumas sacolas dentro do carro, dobradinhas em forma de esfiha, como a Hunka me ensinou há muuuitos anos. Assim economizo os 3 centavos por sacola, produzo menos lixo plástico e entulho menos a minha casa, que já estava virando um deposito de sacolas.

Ando fazendo uma intensa campanha anti-fumaça com a Arianna, que como toda boa camponesa tem mania de queimar tudo: folhas, lixo, papel.

Uso o timer da TV pra não correr o risco de dormir com ela ligada.

JAMAIS, em nenhuma condição, jogo chiclete no chão.

Eu me acho bem ecológica. Ou não?

Postado por leticia em 14:20

27.01.04

Então ontem fomos ver o Retorno do Rei, aqui no cinema tabajara de Bastia mesmo porque não estávamos com saco de ir até Perugia.

Olha, eu gostei. Os efeitos especiais e as cores são uma bosta, mas eu gostei. Muito melhor que o segundo filme. Mas pela cara do Mirco e de vários outros no cinema, e pelos cochichos explicativos que se multiplicavam na sala de projeção, acho que deve ser MUITO confuso pra quem não leu os livros. Nomes demais, lugares demais, mudanças de cena demais, reis demais. Quando voltei pra casa peguei meu mapa de Middle-Earth em italiano e dei uma aulinha de geografia pro lanterneiro, mas ele não gosta muito desse tipo de literatura e só fingiu que entendeu hehehe

Minas Tirith é tudo na vida. Confesso que chorei quando apareceu pela primeira vez. Quero ir morar lá.

O que é aquela cena ridícula do Legolas subindo no oliphaunt? Vai apelar assim na China, PJ...

E a pessoa responsável pelas perucas e implantes dos atores merece umas cinco dedadas em cada olho. O pior, de longe, foi o Denethor, que com aquela linha de inserção capilar parece ator canastrão em fim de carreira apelando pra recursos estéticos lamentáveis pra ver se a queda ao ostracismo vai mais devagarinho.

Adoro os Rohirrim. O Forth Eorlingas! (Avanti, Eorlingas... *sigh ) logo antes do ataque aos orcs que estão incomodando Minas Tirith foi de arrepiar.

Acho que a atriz que faz a Éowyn tem muita cara de boazinha. E louras com cara de boazinha, é universalmente sabido, não matam Witch-Kings.

E gostaria de ter visto o Shire devastado por Saruman e Wormtongue... Hobbits rebeldes no cinema, isso sim seria uma revolução.

Mas no geral, gostei, gostei.

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Hoje de manhã cedo fomos doar sangue em Perugia, eu, Mirco e um rapaz que trabalha pra ele, que no final das contas não pôde doar porque tava com a PA baixa demais. Tava frio, tudo bem, mas quando chegamos a um certo ponto (ou a uma certa altura em relação ao nível do mar – Perugia está no alto de uma colina), demos de cara com neblina e com inesperados chão e telhados nevados. Tivemos que estacionar lá na casa do chapéu, porque ninguém lembrou de espalhar sal nas rampas do estacionamento, e depois de ver a pequena Fiat Panda à nossa frente deslizar sem controle rampa abaixo, demos marcha a ré e fomos procurar vaga em outro lugar que não fosse um plano inclinado.

A coisa não foi simples, porque como doadora de primeira viagem (na Itália, claro) tive que fazer ECG, exame físico cardiológico, preencher fichas e responder a perguntas idiotas. Mas nesse vai-e-vem dentro do hospital Monteluce fiz amizade com todo mundo hehehe Da enfermeira que me mediu a pressão e rodou o ECG e acabou falando da alergia a cipreste da filha, ao médico jovem e claramente inexperiente que olhou meu ECG e me fez as perguntas idiotas (e quando viu a ficha me disse, “allora sei medico? Brutta cosa...”), à médica de Foligno que me encaminhou ao ECG dizendo que todo médico é um paciente chato e negligente e ela também só foi fazer o primeiro ECG aos 40 anos, passando pela médica bonitona de olhos maquiados com uma pesadíssima sombra azul, que conseguiu a proeza de pronunciar meu nome corretamente; o enfermeiro que tirou sangue do braço direito pra tipagem sanguínea e fez a clássica pergunta da “saudaje”, a enfermeira que me encaminhou à sala de doação, que descobrimos ser nossa vizinha do andar térreo; incluindo a enfermeira que fica vigiando a galera na sala de doação, impedindo que neguinho se empolgue e levante e saia andando logo depois do procedimento, enfermeira essa que confessou ser médica mas há anos ter abandonado a profissão pra virar enfermeira, e terminando com a senhora que nos dava o café da manhã depois da coisa toda (a doação se faz em jejum pra aproveitar e fazer glicemia e colesterolemia, além dos clássicos testes anti-infecciosos).

Minha PA costuma ser muito baixa, de cadáver mesmo, mas dessa vez tava a 120 x 80. Mesmo assim quando cheguei em casa, depois de ter ido ao banco e aos correios em S. Maria, não estava me sentindo muito bem. Dor de cabeça e mal-estar muito pentelhos. Almoçamos pesto de novo, porque não tava com o menor saco de inventar nada pra comer. Não comi quase nada e fui dormir. Acordei às quatro da tarde. Insomma...

A primeira vez que doei sangue eu ainda era caloura. Lembro que eu já tava no terceiro pirulito (eles te davam um pirulito enquanto você ficava lá abrindo e fechando o punho) e a bolsa nada de encher. Meus amigos chegavam, doavam e iam embora, e eu lá. Que coração preguiçoso, credo. A enfermeira chegou a vir me sacanear, perguntando se eu tinha certeza de estar viva. Hmpf.

Só passei mal depois de doar sangue uma vez. Foi a última vez que doei dentro do Gaffrée, em campanha do HemoRio (depois passei a ir diretamente ao HemoRio. Aliás, vão, queridos, é realmente um ato de solidariedade. E ainda te fazem um monte de exames de grátis, e te dão coisas gostosas pra comer depois. DOEM SANGUE!). Era um dia quente e minha pressão tava realmente baixa. Como no meu caso a hipotensão é uma coisa fisiológica, insisti tanto que consegui convencer a enfermeira que me examinou a me deixar doar. Me entupiram de água mineral, coca-cola e suco de laranja pra aumentar o volume de líquido dentro dos vasos, e consequentemente elevar a PA até o próximo xixi. Assim que terminou eu estava legal, mas no meio do curtíssimo trajeto até a casa da minha avó, comecei a me sentir muito mal. Um peso na nuca, vertigem, náusea. Cheguei em casa verde, me joguei no sofá e dormi o dia inteiro. Pelo menos aprendi que pressão cadavérica = no way doação.

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Hoje é Giorno della Memoria, pra lembrar o Holocausto. Perdoem-me, mas confesso que não suporto mais esse assunto, simplesmente porque a coisa toda é muito over. Como assim, maior tragédia da história humana, como anunciam na TV aqui toda hora? Perguntinha básica: e todos os outros felasdaputa que mataram (e ainda matam) milhões de pessoas em outros países, que nem preciso citar porque todo mundo aqui é bem informado e não-burro e é capaz de dar o nome de pelo menos um carniceiro genocida que não seja o Hitler? Por que o único genocídio considerado realmente trágico é o holocausto? Por que será, hein?

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A sopa ficou ótima!

Postado por leticia em 18:12

26.01.04

O site do único cinema de Bastia. Detalhe pra maravilhosa luz da foto do cinema (em Visita Virtuale).

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Fiz sopa de grão-de-bico hoje. Se ficar boa, boto a receita.

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Ontem fiz um almoço brasileiro pra retribuir a gentileza da família sérvia que nos hospedou em Majilovac. Só que, com medo de alguém não gostar do menu, Arianna e Liliana (a tia do Mirco, irmã do Ettore) resolveram complementar o cardápio com simplesmente um ganso recheado, um coelho recheado, e três quilos de patate arrosto. Fora os antipasti.

Meu feijão ficou ótimo, o arroz nem tanto (fiquei com preguiça de medir a água e acabei botando demais, a parte do meio da panela ficou unidos venceremos), a farofa show. Todo mundo bateu um pratão, mas só quem repetiu foi o filho solteirão da Liliana, porque não come nem ganso nem coelho.

Nunca mais cozinho brasileiro pra essa gente, só os viados peruginos me entendem! O jantar que fiz aqui ano passado entrou pra história da gastronomia gay umbra. Neguinho comeu até morrer e não sobrou NADA, e olha que fiz muito de tudo! Mas pros camponeses xenófobos alimentares, não cozinho mais NADA. Gente mais chata, tira todo o tesão da coisa! Me fizeram desperdiçar meu precioso feijão preto comprado em Roma e meio quilo de farinha de mandioca que tenho que me deslocar até Perugia pra comprar. Não faço mais, pronto.

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Faxina Soundtrack

Falamansa – Forró do Bole-Bole
Sugababes – Hole in the Head (ouço 20 vezes seguidas)
Sister Sledge – We Are Family
Anita Ward – Ring My Bell
Supercat – My Girl Josephine
Madonna – Ray of Light
Patrick Hernandez – Born to Be Alive
Doobie Brothers – Long Train Running
Jocelyn Brown – Somebody Else’s Guy
Cher – Believe
Chaka Kahn – I’m Every Woman
Soup Dragons – I’m Free
Elvis Presley – Hound Dog
Cool and the Gang – Get Down On It
Bee Gees – Disco Inferno
Janis Joplin – Try
The Commitments – Nowhere to Run
Elvis Presley & JXL – Little Less Conversation (ouço 18 vezes seguidas)
Sylvester – You Make Me Feel
The Commitments – Too Many Fish In The Sea
The Bangles – Walk Like an Egyptian
The Pretenders – Middle of the Road
K. C. And the Sunshine Band – That’s the Way I Like It
Gloria Gaynor – Never Can Say Goodbye
Ed Motta - Manuel

Meninas, não há teia de aranha no canto do teto do quartinho da máquina de lavar que se salve.

Postado por leticia em 19:48

20.01.04

casa

E ai vao as fotos do escritorio fatto in casa. Atentem às latas vermelhas que fazem de coluna de sustentaçao pras prateleiras de aluminio.

A porta, com a tal placa do Koala e o poster desenhado pela Newlands pro Fashion Rio. Pendurado na maçaneta, uma coisinha chinesa que ganhamos do restaurante chines onde vamos sempre. Da pra ver a ponta da minha escrivaninha, que o Mirco arredondou porque sabe que eu vivo dando topada, entao pelo menos que sejam topadas em algo nao pontudo, pra reduzir o grau de auto-destruiçao. No chao, arquivos com as faturas da oficina, que estou inserindo no computador.

Essa é a minha scrivania. Na prateleira do alto tem dois origamis que minha amiga Ayako fez, uma foto minha com a Ria, filipina, e Shi-Hong, chinesa, em frente à Università per Stranieri em Perugia, com o arco etrusco no fundo. Diarios e agendas. Um postal da Eurochocolate de 2002 (A Me Non Piace il Cioccolato - quem diz é o Pinocchio, claro), uma foto minha com a Hunka, na formatura dela, e a caixa rosa com coisinhas que nao sei onde botar.

Na prateleira de baixo, alguns livros, um segura-livros com uma bola de aço que o Mirco trouxe da empresa vendedora de ferro onde ele trabalhou por 5 anos, velas, um calendario do courier que trabalhava com a gente na empresa do Chefe Idiota, listas de livros a ler e a comprar espalhados em post-its e folhas impressas, uma caixa de CD-RW, e depois alguns dos feiissimos arquivos (raccoglitori) com meus documentos. Por ultimo, naquela caixona vermelha, traduçoes feitas.

Embaixo, apoiados na escrivaninha: o "almoxarifado" da Ikea, com gavetinhas pra selos, post-its, mouse reserva, mini-lampadas pra mini-luz, também Ikea, que esta logo abaixo do calendario, aparafusada naquele troço de madeira cinza-azulado encostado na parede, estoques de coisas de papelaria, etc. Em cima desse almoxarifado, uma pastinha rosa transparente que é meu porta-correspondencia, e um estojo cheio de canetas coloridas. Continuando em direçao à parede, o porta-correspondencia que virou porta-papel de carta (carta da lettera), blocos (blocchi), envelopes (buste), papel colorido (carta colorata), e apetrechos de escritorio (cartoleria) em geral. Grampeador (cucitrice), fita adesiva (scotch), furador (foratore, buca-buca, il coso che buca), uma almofadinha cheirosa cheia de cravos que o Mirco trouxe da Australia ha muitos anos e me deu de presente, um potinho pra comer sorvete que uso como porta-clips e post-it pequenos, um porta-incenzo azul que comprei na rua do Ouvidor, uma latinha de guarana que tomei na Sérvia (nem preciso dizer que era horrivel), incenso, meu computador velho, que hoje nao uso pra mais nada, mas nunca se sabe.

Espalhados sobre a escrivaninha, meu Moleskine, fotos que nao foram penduradas porque acabaram os imas, um CD que tenho que masterizar pra garota da calça dourada, formularios do banco, e essa coisa estranha plastificada que é a torta al testo que eu tenho que mandar pra Lia.


E o meu quadro de fotos...


E a escrivaninha do Mirco, também atolada de arquivos, almoxarifados, dicionarios, papelada, CDs, cartuchos de reserva pra impressora.


E pronto.

Postado por leticia em 09:41

15.01.04

ancora il freddo...

A coisa mais chata do mundo não é aula de matemática. A coisa mais chata do mundo não é filme da Xuxa, nem irmão que acende a luz do quarto enquanto você está dormindo, nem coceira na sola do pé, nem música sérvia. Dividindo o primeiro lugar da lista pacamanquiana de coisas mais chatas do mundo, juntamente com os Brasileiros Chatinhos que Moram na Alemanha e Se Acham OOOOS Alemães estão o frio e a neve.

Ao contrário da Luciana, desde a primeira vez que eu vi neve, já odiei. É bonitinho na hora, mas logo depois as ruas ficam imundas e a neve vira uma coisa cinzenta asquerosa. Fora que toda a complicação que a neve e o frio causam na sua vida já são suficientes, pelo menos pra mim, pra achá-la horrorosa, mesmo antes de virar a coisa cinzenta asquerosa.

Uma vez comentei com o Duduzão que a diferença entre o calorão e o frião é que o calorão te irrita, mas o frião, além de irritar, dói, e muda a sua vida. Pular umas ondinhas, jogar um balde de água na cabeça são suficientes pra aliviar o calor, pelo menos momentaneamente. Mas o frio não se alivia, meus queridos. Estando fora de casa não há modo de escapar, não importa o quanto você esteja bem coberto. Se estiver ventando, então, sai de baixo.

O ar frio corta o seu rosto, deixa a sua pele descascando e os lábios sangrando. Os olhos lacrimejam e o nariz escorre sem parar. As vias aéreas DOEM quando você respira. Suas extremidades (leia-se nariz, orelhas, mãos e pés) doem enquanto estão congeladas e principalmente durante o descongelamento. Uma vez fiz a burrice de entrar em casa num dia muito frio e entrar direto no banho mais ou menos quente. Putz grila, olhei pros meus pobres pezinhos e parecia que eu podia ver todos os capilares enlouquecento, dilatando feito doidos, comprimindo os tecidos adjacentes; a dor, a dor alucinante!!! E as orelhas, quando saem do ambiente gelado pra um ambiente “requentado”? Difícil conter a vontade de segurá-las, porque a sensação é a de que vão cair a qualquer momento.

O frio congela as portas do carro, que ficam difíceis de abrir. Se tiver chovido algumas horas antes, as ruas e estradas congeladas, ou mesmo nevadas, tornam o já pouco simples ato de dirigir (vocês já pararam pra pensar na complicação cerebral-motora que é dirigir? Né coisa fácil não, quéridos!) uma coisa de maluco. Outro dia fomos de carro até o Subasio. Com a Fiat Punto chegamos várias vezes a subir até o alto mesmo, e depois descer pelo outro lado, até Spello – um lindíssimo passeio, diga-se de passagem, com ou sem neve. Mas dessa vez, com a Volvo, que é muito mais pesada, depois de um certo ponto não conseguíamos mais nos mover. As rodas giravam em falso e o carro saiu completamente de controle. Mirco é bom de roda, mas na ladeira congelada não tem piloto que tire a coisa de letra. Levamos séculos pra conseguir virar o carro e descer, e ficamos bem uns 5 minutos atravessados na estrada porque o carro simplesmente quis ficar naquela posição.

No frio cavalar mesmo, até a gasolina congela. Na Sérvia, no caminho de Majilovac ao aeroporto, vimos dois caminhões parados porque o diesel havia congelado. E o freio de mão? Perdi a mania de puxar o freio de mão quando estaciono o carro, agora deixo o bichinho engrenado porque senão na manhã seguinte ele se recusa a sair do lugar.

E as roupas? E a chatura de carregar sempre dúzias de apetrechos a mais pendurados sobre o seu corpo? E o saco que é ter que tirar luvas, chapéu/gorro, cachecol, casaco, malha de lã, toda vez que se entra em um lugar aquecido? E o outro saco que é ter que botar tudo isso de novo quando se sai do lugar aquecido? E os cabelos, que não secam nem com reza forte? (lembrem-se que cabelo ruim e secador são coisas incompatíveis). Eu saio na rua de cabelo molhado mesmo, não tô nem aí. No máximo taco minha boina cinza por cima, mas normalmente não uso nada. Os italianos ficam todos escandalizados achando que eu vou pegar pneumonia.

(E aqui faço um adendo de caráter estritamente pessoal: chapéu é que nem pé, não existe UM bonito sequer).

E as mãos descascando, por mais creme Neutrogena formulado para pescadores noruegueses que eu passe? E a dor nas articulações dos pés, que começa com uma coceirinha básica e depois vira um joanete vermelho?

E a impossibilidade de andar a pé na rua por causa do vento gelado? Essa é a pior. Eu adoro dirigir, mas como toda boa carioca sou acostumada a andar a pé pra lá e pra cá, subindo e descendo a Visconde de Pirajá pra “ver as modas”, parando pra comprar banana no cara que vende fruta na esquina, ou pra tomar um suco de fruta, ou um milkshake de Ovomaltine no Bob’s de Ipanema vendo os pivetinhos encherem o saco dos outros na calçada; correr na Lagoa todo dia, mesmo no inverno; poder parar pra conversar com alguém que encontrei na rua sem ter que fugir pra algum lugar fechado por causa do frio. Essa prisão automobilística é horrível, horrível.

Postado por leticia em 12:15

14.01.04

non si capisce niente

Nao to entendendo esse inverno. Primeiro faz um frio cavalar, depois essas temperaturas invernais cariocas! Hoje sai so de malha de la por cima da blusa, e morri de calor. Fui até correr antes do almoço, de manga curta! Eu to achando otimo, claro, porque odeio frio (falo disso amanha, hoje tenho coisa pra fazer), mas o pessoal, mesmo achando a temperatura agradavel, acha, com razao, que essas perturbaçoes climaticas birutas nao podem ser sinal de boa coisa. Fora o fato que alteram o curso normal das plantaçoes, ou seja, pode ser que esses dias de sol e relativo calor causem problemas aos cultivos de coisas invernais, como o radicchio. Nos, brasileiros, que desconhecemos grandes variaçoes climaticas e por isso nao damos trela ao tempo que faz hoje ou amanha, nao costumamos prestar atençao a essas coisas. O tal do veranico no meio do inverno é so uma encheçao de saco; o calor excessivo num verao particularmente quente é so outra encheçao (pra quem tem que trabalhar, é obvio). Aqui, como em qualquer lugar onde variaçoes climaticas mudam a vida de um pais e de seu povo, a coisa toda ganha outras dimensoes. Engraçado isso.

Postado por leticia em 17:12

27.12.03

Senta que lá vem pregação

Então vamos falar de cigarro. De novo.

Fumar é o ato de maior idiotice de que o ser humano é capaz. Jamais vou entender o que leva uma pessoa a sequer começar a fazer uma coisa que há anos se sabe que dá vários tipos de câncer, tem mil substâncias viciantes, causa impotência nos homens, destrói a microcirculação, deixa os dentes e as unhas amarelos, dá um bafo que chiclete nenhum do mundo é capaz de eliminar, deixa a pele envelhecida, os cabelos feios e fedorentos – e ainda por cima PAGA por isso! Maior exemplo de fraqueza eu realmente não consigo conceber. Depender de uma coisa que além de matar lentamente, fede, é absolutamente inexplicável pra mim.

Além de ser uma coisa idiota, é também um dos maiores exemplos de má educação e desrespeito pelos outros. Mesmo que o cigarro não fizesse mal, só o fedor deveria ser suficiente pra transformar o ato de fumar em uma coisa a se fazer escondido, isolado – como peidar. Se a premissa básica da vida em sociedade é não encher o saco dos outros pra que ninguém encha o seu, como é possível que seja aceitável um não-fumante voltar pra casa depois de um papo no pub, ou uma noite na discoteca, fedendo tanto que é preciso pendurar as roupas na varanda pra pegar um vento e perder o cheiro? Com o cabelo fedendo tanto que na manhã seguinte a náusea te persegue e não dá vontade nem de tomar café? Com os olhos lacrimejando por causa da merda da fumaça?

Todo o problema deriva do fato que quando um imbecil fuma (fumante = imbecil), está fazendo fumar todo mundo que está em volta. Porra, eu NÃO fumo, NÃO quero ficar fedendo, não quero aumentar as minhas já altas probabilidades genéticas de desenvolver um tumor de qualquer coisa, NÃO quero respirar essa merda de fumaça! Quer fumar? Vai fumar no SEU banheiro, trancado! Um banheiro que de preferência não seja usado por mais ninguém, porque o fedor permanece por horas a fio. Crie o seu proprio cubículo de idiotice e fique lá fumando como o idiota que você é, sem encher o saco de ninguém.

Aqui na Europa a coisa mais grave é que os fumantes se acham oooos reis da cocada. Pedir a alguém pra apagar o cigarro é como pedir, sei lá, pra plantar bananeira. Ficam te olhando como se fosse a coisa mais absurda do mundo. Como, absurdo? Absurdo é EU, que não tenho nada a ver com a história e sou muito melhor do que qualquer fumante (porque, como todo fumante é imbecil, já parte com pontos a menos, em qualquer situação. TODO fumante está errado quando fuma, SEMPRE, porque fumar é SEMPRE um ato imbecil, e portanto SEMPRE errado), ter que ficar fedendo por estar rodeada de gente idiota e fraca, que não consegue ficar uma hora ou duas sem acender aquela merda dentro de um pub ou boate!

Ontem, depois do cinema, fomos pegar a Carmen e demos um pulo na nossa pizzaria preferida, pra beliscar umas coisinhas. A Carmen fuma (e depois se pergunta por que seus cabelos caem tanto e a pele é tão feia...), sabe que eu tenho HORROR a cigarro, e mesmo assim acende sempre um cigarro quando está comigo. Ontem discutimos feio porque eu pedi a ela que me fizesse a gentileza de não fumar na minha presença. Aí começa a argumentação ridícula e estúpida de quem não tem razão (lembrem-se, o fumante NUNCA tem razão):
- Mas se todo mundo aqui fuma, não é o meu cigarro que vai fazer a diferença...
Vai sim, cara-pálida. Gente pensando como você, em relação ao cigarro, ao papel de bala no chão, ao ato de furar fila, de não pagar multa, de corromper o policial, de não recolher o cocô do cachorro na rua, é que destrói uma cidade, um país, uma geração. Eu realmente não consigo entender qual é a dificuldade em sacar que pombas, cada um faz a sua parte e tudo vai bem; cada um faz o que dá na telha e acaba fodendo tudo. Qual é a dificuldade de entender uma coisa tão óbvia? Socorro!

Resultado: voltei pra casa irritada, fedorenta e intoxicada, com muita vontade de bater em alguém, de sair incendiando todos os campos de tabaco do mundo, de boicotar toda e qualquer manifestação de qualquer coisa que seja patrocinada por empresas de cigarro. Bando de feladaputa. Estragou a minha noite, de verdade. Uma merda de um rolinho de papel com coisinhas fedidas dentro, aceso numa ponta e com um idiota sugando a fumaça na outra, conseguiu estragar a minha noite.

Cada vez mais eu tenho nojo de pertencer à espécie humana. Se eu acreditasse em reencarnação, na próxima aceitaria ser qualquer coisa, menos um ser humano. Até uma barata serviria. Barata come mal pacas, mas pelo menos não fuma.

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E passando pra outro assunto, porque esse do cigarro me deixa extremamente irritada, raivosa e violenta: o menu de Natal aqui na Umbria.

Aqui a ceia de Natal não é tão importante, e normalmente é à base de frutos do mar (aquela chatice cristã de não poder comer carne, blah blah blah. Na minha casa a gente comia lombinho, bom pra caramba...). O grande balacobaco é o almoço do dia 25. Aqui no interior do Cambodja o pessoal (leia-se as donas-de-casa, em italiano casalinghe) faz cappelletti e ravioli em casa. As superdotadas galinhas da Arianna, que botam dois ovos por dia cada uma, são as fornecedoras de parte da matéria-prima. Além dos ovos, a massa leva farinha de grano duro, numa proporção indefinida – vai no olhômetro mesmo. O recheio dos cappelletti, que são redondos, é de carne moída. O dos ravioli, aqueles com formato de travesseirinho, é espinafre com ricota. A massa é servida in brodo, ou seja, no caldo onde foi cozido o frango/peru/ganso/carneiro, e com parmesão ralado por cima, claro. Eu adoro todos os dois :)

Dia 25, na casa da Arianna, comemos os cappelletti in brodo e depois spaghetti al tartufo. A Stefania achou uns tartufos não sei onde, porque esse ano não choveu e os tartufos não só não se acham como custam os olhos da cara (algo em torno dos 3000 euros por quilo, o tartufo preto. O branco custa o dobro.), e fez um molhinho pra macarrão. Não é incomum aqui comer mais de um tipo de primo piatto. Em teoria as porções são menores, é claro – mas só em teoria.

Depois vêm as carnes, como sempre todas misturadas: tinha peru e frango cozidos (sem gosto de nada) e bistecas de carneiro empanadas e assadas no forno (eu me livrei de todo o empanado porque tinha limão, pra variar... Ô fruta desgraçada!). Como acompanhamento, alcachofras empanadas ao forno, cogumelos recheados na grelha, verdura cotta.

E de sobremesa, só coisa que eu não gosto: panetone, pandoro (acho que é uma massa parecida com a do panetone, só que com muito mais manteiga, e sem essas drogas de uva passa e fruta seca. Engorda que é uma beleza.), biscoitos de pinoli, amaretti (biscoitos de amêndoa), torrone branco, torrone de chocolate (esse eu como), e provelmente outras coisas das quais não me lembro. Sei que passei depois a tarde inteira com vontade de comer um docinho gostoso, um sorvete, sei lá.

Pra beber, vinho tinto e branco, e depois um spumante, a grappa, o limoncello, etcétera. Tudo muito light.

Eu até que me comportei, até porque o menu não era exatamente o meu favorito. Fiquei mesmo nos dois pratos de massa, comi um cogumelo e só. Depois fomos ao cinema ver Mona Lisa Smile.

Ontem, que também é feriado na Itália (Santo Stefano), almoçamos na Arianna de novo. Dessa vez foram os ravioli, com molho de tomate, muito melhor do que in brodo. E duas linguiças na brasa – linguiça feita em casa, claro. Demos umas voltas a pé em Bastia pra digerir, em Perugia idem, depois cinema de novo (Hollywood Homicide), não depois de muita fila, de uma pizza horripilante na Spizzico, e depois a chatice com a Carmen na pizzaria.

E aí eu gostaria de mostrar a vocês um exemplo de fila italiana. Quando eu digo que italiano não faz fila, faz coágulos de gente amontoada sem nenhum tipo de respeito à ordem de chegada (até porque nem eles lembram quem chegou primeiro), neguinho acha que é exagero. Então lancemos um desafio: quem conseguir me dizer onde a fila começa e onde termina ganha um cartão-postal da Sérvia. E quem acertar quanto tempo levamos pra chegar à caixa e comprar os ingressos, ganha uma foto autografada do Legolas de chapéu.

Postado por leticia em 09:24

22.12.03

jantar Sérvio

Sábado fomos jantar na casa do Dejan, eslavo que trabalha pro Mirco e que vai nos hospedar agora no reveillon. A família toda é muito simpática e educada, e está na casa dos pais do Mirco toda vez que rola balacobaco. O pai, Momo, é caminhoneiro e faz as revisões do caminhão na oficina do Mirco (e foi daí que surgiu a idéia de botar o filho dele lá pra trabalhar). Ele já rodou toda a Europa e o Oriente Médio de caminhão, e as suas aventuras no Iraque, no Kuweit e cercanias são de matar de rir. Afirmou categoricamente que as mulheres sírias são lindas (o que explica a minha estonteante beleza hohoho), que Damasco é linda, e me deixou com mais vontade do que nunca de conhecer toda aquela região. Pena que o momento não é dos mais interessantes.

A mãe, Zorika, trabalha numa empresa de arranjos de flores secas. Jelena (pronúncia iélena), mulher do filho mais velho, Mika, também trabalha lá. Quando eu e Mirco tivemos que ir à fronteira com a Eslovênia pra carimbar a bosta do passaporte, no ano passado, o Mika e a mulher também foram, porque ela tinha o mesmo problema burocrático que eu. Lembro que na época ela não falava nada de italiano e me parecia mais perdida que cego em tiroteio. Depois não nos vimos mais, mas ela já ficou mais esperta, já fala alguma coisa de italiano, e é muito simpática. Mostrou as fotos do casamento: a festa durou três dias e ela mudou de vestido milhares de vezes! (um mais cafona que o outro, diga-se de passagem. A moda cigana realmente nãaaao é pra mim). Eles são super jovens, tanto ela quanto o Mika são mais novos que eu. Ela fez escola técnica de farmácia na Sérvia, ou seja, não é nenhuma retardada, coisa que me deixou muito feliz: tô cansada de lidar com gente absolutamente ignorante aqui no interior de Madagascar.

O jantar foi super simples: entrada de frios, depois uma sopinha light com macarrõezinhos compridos demais pra ser comidos como sopa mas o caldo estava uma delícia, e depois carne de vitela e de carneiro com salada. Eles já partiram pra casa deles na Sérvia, e dia 30 vamos eu e Mirco ficar na casa deles. Se a festa de ano-novo for do mesmo estilo que a festa de casamento, eu já vi que vou me divertir horrores!

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Todo o mundo civilizado já viu The Return of the King, menos eu. Vocês sabem, aqui na Guatemala os filmes chegam com muito atraso, e dublados. Só me recuperei do trauma de ver TTT em italiano porque depois baixei o filme da internet em língua original, e de vez em quando revejo pra dar uma refrescada nas idéias. Mas pra quem já leu os livros milhares de vezes em Inglês, como eu, e sabe os diálogos de cor, ouvir tudo em italiano é o horror, o horror.

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Amanhã vou a Roma pegar o visto pra Sérvia. Engraçado foi a minha conversa telefônica com o cara do consulado, semana passada. A começar do fato que, no catálogo telefônico, ainda consta Embaixada da Jugoslavia, embora Jugoslavia não exista mais.
- Bom dia, eu sou brasileira e gostaria de ir à Sérvia [sintam a estranheza dessa afirmação], preciso de visto?
- Precisa sim, tem que trazer duasfotos3x4umacartadafamíliaquetehospedateconvidando carimbadaeassinadapelaprefeituradacidadelánaSérvia, blah blah blah
- Peraí, meu querido, vai devagar que eu tô anotando...
- Mas vocês brasileiros são tão rápidos pra jogar futebol, e você demora tanto pra escrever? [clássico comentário totalmente nada a ver, estilo o que tem o c a ver com as c... Até porque eu escrevo MOITO rápido, quem me conhece sabe.]
- ...
- Então, a família que te hospedará tem que mandar uma carta te convidando, mas essa carta tem que ser carimbada e assinada na prefeitura da cidade deles.
- Ahn. [e eu pensando, sim, é bom mesmo eles criarem essas dificuldades, porque tem TAAANTA gente querendo ir passar o ano-novo congelando na Sérvia que se eles não segurarem a onda não tem lugar pra todo mundo! Not!!!]
- E mais duas fotos 3x4, e fotocópia do passaporte e do permesso di soggiorno.
- Ahn.
- E o passaporte original e o permesso di soggiorno original.
- [lógico, seu mongo] OK, ‘brigada…

Então amanha lá vou eu pegar o raio do visto. Aproveito pra fazer umas compritchas: tô precisando de leite condensado e farinha de mandioca pra fazer um cesto de salgadinhos e doces pra família da Marta, porque não tenho a menor idéia do que dar de presente pra eles no Natal. Então vou dar coisas de comer – quer coisa melhor? Aceito sugestões de cardápio. Até agora já pensei em quibe, coxinha de galinha, brigadeiro (já comprei o granulado), torta de limão e quadradinhos de laranja. Vou fazer tudo meia receita porque o que sobra de comida nessa época do ano não tá no gibi, e como além disso todo italiano é meio xenófobo alimentar, tenho medo deles não gostarem e todos os meus preciosos ingredientes tupiniquins irem pro lixo...

Postado por leticia em 16:53

16.12.03

Essa noite sonhei com a minha avó e, depois, sonhei que eu tinha uma amiga chamada Klevin (socorro) e com o Sidney Magal. E vocês não podem imaginar o penteado que o Sidney Magal tinha no meu sonho. Acordei compreensivelmente assustada.

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A Ane, além de ter dado a receita do gnoccho lungo, que eu tô louca pra fazer, falou da solidariedade dos italianos. Eu acho que a coisa tá mais pra solidariedade dos romanos, porque aqui onde eu moro, no interior da Nigéria, o pessoal é super fechado e desconfiado, e na maioria das vezes fica na sua em vez de ajudar os outros. Prova disso foi o episódio em que conheci o Mirco: eu e Valéria caminhamos quase meia hora no frio, debaixo de um chuvisco iminente, carregando malas em uma estrada sem acostamento, carros passando a mil por hora e o único que parou foi o Mirco, com o seu caminhão velho, mas àquela altura já estavamos quase no albergue.

Talvez em outras situações seja mais difícil ignorar alguém que precisa de ajuda. Por exemplo, acho que se eu passasse mal no meio dos correios alguém iria acabar me ajudando, porque não dá pra simplesmente fingir que não viu. Mas o pessoal aqui é mais fechadão mesmo, mais acanhado até pra dar informação na rua. Pra mim, carioca acostumadíssima a dar e pedir informações sem o menor problema, a vida aqui no Zaire é meio complicada, mas a gente se acostuma a tudo nessa vida, né não?

A loja do Fabrizio o Louco é meio que um ponto de informação a turistas ali na praça; toda hora entra alguém procurando um restaurante, um hotel, um banheiro, a caixa dos correios, uma tabaccheria pra comprar o bilhete do ônibus. Quando eu vejo que a pessoa tá mais perdida que cego em tiroteio, acompanho-a até onde deve ir. E fico triste quando me agradecem efusivamente dizendo que eu sou muito gentil: pombas, se a minha gentileza surpreende as pessoas, quer dizer que hoje em dia ninguém mais é gentil, e se isso não é motivo suficiente pra me entristecer, então me digam o que é. É como quando a gente freia antes das faixas de pedestre, quando tem alguém querendo atravessar (aqui quase não tem sinal de trânsito; atravessa-se na faixa de pedestres, e quem dirige tem a obrigação de parar pra você atravessar, embora isso quase nunca aconteça e, quando acontece, é com muita má vontade). A pessoa atravessa e normalmente agradece intensamente, e isso nos irrita (a mim e ao lanterneiro): é a nossa obrigação parar o carro, não haveria necessidade de agradecer tanto a alguém por fazer a sua obrigação, mas a coisa é tão rara hoje em dia que neguinho agradece, sorri, levanta o polegar; não em um modo desligadão, tipo valeu mermão, mas como se nós lhe estivéssemos fazendo um favor. Sintoma de que o mundo tá uma merda.

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E já que tá uma merda, continuemos a falar de comida que é bom e eu gosto. Vamos terminar a sessao cozinha italiana com a sobremesa e o que vem depois da sobremesa:

Aí depois de toda a comilança vem a fruta, pra limpar a boca. Normalmente maçã (mela), pêra (pera mesmo), kiwi, e agora nessa época do ano começa a aparecer a tangerina (mandarino).

E depois, de boca limpa, vem a sobremesa, conhecida com o nome muito generalizante de “dolce”. Um doce tradicional e que todo mundo conhece é o tiramisù, feito com queijo mascarpone, biscoitos Pavesini (sem gordura) molhados no café, ovos e chocolate em pó polvilhado por cima. Esse fim de semana vou ver se lembro de pegar a receita da Arianna, que é terrivelmente gostosa, e boto aqui.

Eles gostam muito de sorvete, no verão – e com razão, porque o gelato italiano é uma delícia, leve, colorido, ótimo. É muito comum alguém da família passar na sorveteria antes do jantar pra comprar um isoporzinho de sorvete, e a sorveteria dá as casquinhas de graça. Simpático, né? :)

Doces de colher são pouco comuns. Compota de fruta, eu só vejo de pêssego (pesca). Na verdade eles não gostam muito de doce muito doce. No sul do país a coisa muda de figura, e a galera abusa dos doces cheios de ovo e manteiga, mas aqui no centro do Gabão há coisas que eles chamam de doce, tipo os strufoli (doces típicos de Carnaval), que pra mim não são nem doces nem salgados. Acho uma bosta. Doce por definição tem que ser doce, né não?

E depois de tudo isso vem o café, sempre espresso, fortíssimo, e por isso mesmo só um dedinho no fundo da xícara pra neguinho não sair subindo pelas paredes de tanta cafeína. Tem gente, principalmente os mais velhos, que tomam caffè corretto, ou seja, “ajustado” com um pouco de bebida alcoólica, que pode ser grappa (aguardente de bagaço de uva, FORTÍSSIMA), licor de anis ou outra coisa igualmente horripilante.

E sabe que depois disso tudo muitas vezes ainda se toma um outro licorzinho qualquer, pra digerir? Um amaro, normalmente à base de ervas, podendo ser aromatizado com trufas ou outras coisas, ou então um limoncello gelado. O limoncello é um licor típico da costa amalfitana, ali perto de Napoli, feito com cascas do odioso limão amarelo marinado em álcool de cereais por não sei quanto tempo. É super forte, mas faz o maior sucesso com os turistas (e com os locais também). Eu tenho horror, claro, como a qualquer outra coisa que inclua o famigerado limão amalfitano em sua composição.

E aí no final das contas neguinho vai dormir, né, que ninguém é de ferro. Claro que nas grandes cidades todo mundo come uma besteira qualquer no almoço porque não há tempo nem pra respirar, mas aqui no interior o pessoal ainda tem um longo intervalo pro almoço (pausa pranzo) e volta pra casa pra comer, e sempre dá tempo pra uma dormidinha antes de pegar no batente de novo.

Postado por leticia em 10:09

15.12.03

Contorni (acompanhamentos): batatas são raras,

Contorni (acompanhamentos): batatas são raras, e em purê, mais ainda, pra minha infelicidade. Além de ovófila, ou completamente batatófila e as como de qualquer maneira. A Arianna faz batata assim: cortada em pedacinhos bem pequeninhos, cozida em panela baixa e coberta, com pouca água e dois dentes de alho. Nesse ponto nós somos muito mais competentes, porque batatamos dos modos mais criativos possíveis. Mas eles têm uma receita batatal que ganha de longe de qualquer batata frita: as famosas patate arrosto, assadas no forno com azeite e alecrim... Os outros contorni mais comuns são verdura cotta, sendo que "verdura" pode ser qualquer folha cozida (espinafre, chicória, bietola), ou insalata, que vem invariavelmente já temperada, pra meu grande desgosto, e normalmente significa qualquer folha, menos a nossa maravilhosamente insossa alface comum, e tomate, aipo, finocchio – o odioso funcho – e mais nada. Essas nossas invenções saladíferas aqui não são muito bem aceitas: salada é salada e pronto. Aliás, insalata significa qualquer folha que sirva pra fazer salada: alface romana, alface crespa, radicchio, etc. Eu morro de raiva porque às vezes peço verdura cotta no restaurante mas quero saber qual verdura, pombas, eu como espinafre mas tenho horror a bietola – mas pra eles é tudo a mesma coisa, e quase sempre o garçom me olha com cara de espanto e diz, è verdura, signora, verdura è verdura, no? Haja paciência!

Postado por leticia em 09:18

13.12.03

pão

E não esqueçamos do pão, que tem infinitas variedades, dependendo de onde se vai. Aqui no centro da Republica de Camarões – ou seja, Umbria, Toscana, Lazio e Marche – o pão é feito absolutamente sem sal, por motivos históricos (leia-se impostos altos demais sobre o sal, em tempos remotos, resultando em revolta dos padeiros que assim inventaram o pão sem sal). São aqueles pãezões enormes de um quilo, chamados filoni (no singular, filone), feios e com gosto de nada, e que já dois dias depois ficam secos, duros e incomíveis. Pra mim só serve pra fazer bruschetta, que no pão salgado fica muito estranha. No dia-a-dia como pão de forma mesmo, e de vez em quando uma baguete ou pãezinhos tipo francês que trago da loja quando sobram. O pão se usa como substituto da massa no jantar, e como acompanhamento pro secondo piatto. Italiano que é italiano não come sem pão. Eu acho um excesso de carboidratos desnecessário, e essa mania de comer com pão foi uma das poucas que eu não peguei por aqui.

Como eu estava dizendo, as variações do pão são muitas. A mais famosa é a piadina romagnola, uma massa folhada que leva ovo e gordura. Fica uma coisa achatada com cara de crepe mas com gosto muito particular – é ótima, diga-se de passagem. Come-se dobrada ao meio e recheada com qualquer coisa: linguiça aberta no meio, no sentido longitudinal, e assada na brasa ou na chapa, cogumelos, prosciutto crudo, mozzarella, rúcola, etc. Diferente da piadina, e na minha opinião iiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiinfinitamente melhor, é a já famosa (pelo menos aqui no blog) torta al testo. O testo é a plataforma refratária onde se assa a massa, que leva só farinha de trigo (que aqui se chama farina 00, doppio zero), água quente, sal, fermento e pecorino. Fica uma coisa de louco; quando a bicha está assando o ar fica com um cheiro que lembra o do pão de queijo... Como é mais alta do que a piadina, não se dobra, mas se corta em pedaços triangulares como se fosse uma pizza, e cada pedaço é dividido em duas partes, como um pão árabe, e lá dentro bota-se o recheio que quiser. Os mais tradicionais são capocollo (um embutido feito do músculo do pescoço do porco, DELICIOSO) e pecorino, e linguiça e erba (a famigerada verdura cotta; eu como sempre sem verdura, claro, já que ninguém nunca sabe me dizer que verdura é).

Postado por leticia em 11:33

12.12.03

Secondi - seconda parte

Um outro longo capítulo de secondi são os substitutos da carne: as leguminosas, aqui chamadas legumi, ovos, queijo, frios. Tudo aqui leva tomate, inclusive as leguminosas, que são comidas sempre em forma de sopa, até porque o arroz branco que nós conhecemos não existe por aqui, é coisa exótica, de marroquino, de tailandês. Mas então. As lentilhas, prato comum nas festas de final de ano, viram sopa de lentilha, com molho de tomate na receita. Detalhe que os grãos de lentilha aqui são muito menores que os nossos, e dizem que a melhor lentilha do mundo, que tem grãos minúsculos, é a de uma cidadezinha chamada Castelluccio di Norcia, não muito longe daqui. Vendemos essa lentilha na loja, e agora no final do ano o que mais tem é gente entrando e pedindo le lenticchie di Castelluccio. O feijão mais usado é o borlotti, que parece um feijão-manteiga, uma das minhas grandes paixões, mas não é. Com o grão-de-bico (ceci), que eu ainda não aprendi a usar, eles fazem tipo uma sopa grossa, com alguns grãos deixados inteiros, com macarrão do tipo quadradinho – são como pequenos azulejos de massa, próprios pra sopa. A Arianna faz um grão-de-bico com quadradinhos que é de comer chorando.

Os ovos são mal aproveitados, na minha opinião. Sou super ovófila: adoro ovo mexido, frito, cozido, quente. Aqui normalmente se comem os ovos cozidos e regados com azeite (claro), ou então como omelete.

E os queijos? São tantos que nem dá pra mencionar. Aqui na zona onde eu moro eles fazem alguns queijos muito bons, particularmente a caciotta, um queijo macio e mais puxado pro doce, que eu amo, e os pecorinos, de leite de cabra, um mais gostoso que o outro. Tem também o stracchino, queijo cremoso que não chega nem aos pés do nosso requeijão (que dirá do Catupiry!), e os “formaggini”, queijinhos tipo Polenguinho, que são ótimos pra dissolver na sopa, nham nham. Em casa eu uso muito Philadelphia, porque sinto falta de queijo cremoso mas não acho nada decente...

Postado por leticia em 11:54

11.12.03

Secondi - prima parte

As carnes são quase sempre grelhadas ou cozidas, difícil achar alguma coisa frita. O nosso refogadinho básico de cebola alho e óleo aqui vira cenoura, cebola e aipo, e nada de deixar dourar, é só pra dar uma esquentada leve. Picadinho quase não se faz, e quando rola é com muito molho de tomate, que é aproveitado pra pasta do primo; e quase sempre é de carneiro (agnello). Bichos estranhos são servidos quase sempre assados: coelho (coniglio), pombo (piccione, é HORRÍVEL), ganso (oca), pato (anatra), javali (cinghiale). Os cortes de carne são totalmente diferentes, eu não entendo nada, só reconheço bistecca (que eu considero carne de milésima categoria, cheia de nervos, peles e tendões), a famosa fettina di vitello (um filezinho fiiiiino, anêeeemico, triiiiste), costeletas (raras), rosbife, linguiça na brasa. Muito comum é o peito de frango já empanado, pronto pra fritar, mas eles não fritam num monte de óleo como nós fazemos, mas chegam até a usar papel-manteiga no fundo da panela antes de botar pouco óleo pra esquentar. Frango assado quase não se faz, e quando se faz, o bicho é seeeempre despedaçado antes ou depois de ir ao forno. Eu achava que era maluquice da Arianna, que tem um alicatão de cortar frango e sai despedaçando tudo, cortando ossos ao meio, de forma que os pedaços ficam pequenos, mas cheios de lascas de osso. Mas comendo na casa de outras pessoas vi que é mania deles mesmo. Nunca vi um frango assado (ou ganso) chegar inteiro na mesa, coitado. Quanto aos frutos do mar, aqui na Umbria, como já comentei várias vezes, são artigo de luxo. Peixe peixe mesmo quase não se come, a galera não gosta muito, sendo mais chegada aos outros frutos do mar. Acham-se facilmente no supermercado filés de merluzo e outros peixes congelados, prontos pra cozinhar; postas de peixe-espada (que eu adoro), frutos do mar limpos, preparados prontos pra macarrão, com lula, camarão, mariscos, polvinhos. Muito comum é a receita de lula recheada: o recheio é de farinha de rosca (pan grattato) temperada com o caldinho onde foi cozida a lula. Como sempre, entopem de limão, o que torna o prato absolutamente incompatível com o meu paladar.

Uma coisa que eu aprendi aqui foi a comer linguiça, coisa que eu sempre odiei com todas as minhas forças. É bastante provável que eu não goste da linguiça brasileira, muito mais gorda e menos temperada, mas não sei, já que desde que comecei a comer a bichinha não voltei mais ao Brasil. Mas aqui eles a usam de várias maneiras, e não só na brasa ou no feijão (alias, no feijão pra eles é coisa exótica): ou cortadas ao meio no sentido longitudinal e passadas na chapa, ou então tirando a carne da pele e refogando como se fosse carne moída, pra fazer molho de tomate, pra usar como topping de pizza, pra fazer o molho (salsa) norcina, cuja receita já dei aqui... Praticamente toda vez que eu como pizza peço uma que tenha linguiça, pra matar minha vontade de uma carninha básica, e ela NUNCA vem cortada em rodelas como no Brasil, mas sempre fora da pele, em montinhos espalhados sobre a pizza (sbriciolata, literalmente esmigalhada, ou seja, em migalhinhas. Bonitinho, né? :)

Outra mania deles é de comer vários tipos de carne ao mesmo tempo: linguiças na brasa com ganso assado e talvez umas bistecas... Ou então misturam carne de carneiro, vitelo e linguiça na mesma panela, pra fazer o molho de tomate do macarrão de domingo.

Postado por leticia em 17:28

10.12.03

Primi

Um primo piatto pode ser uma sopa (zuppa ou minestra, normalmente no jantar pra pegar mais leve com a digestão), um risoto, ou uma massa. Os risotos mais comuns são de cogumelo, de aspargo, à milanesa (com açafrão), de frutos do mar, de radicchio, mas as variedades são infinitas: abobrinha com salmão, linguiça, legumes e via discorrendo. A massa também oferece infinitas possibilidades, mas jamais se come macarrão que não seja al dente, e também jamais nadando em molho como comemos no Brasil. Ragù (o molho à bolonhesa, meu preferido) é coisa pros dias especiais. O macarrão do dia-a-dia é o clássico com pomodoro e basilico (tomate e manjericão), do qual não sou muito fã, carnívora que sou. Muito comum também o molho de tomate com atum – e aí já começa a melhorar. All’arrabbiata com molho vermelho apimentado e azeitonas. Ou então com bacon e molho de tomate. Pasta in bianco é só o macarrão com azeite e queijo ralado (amo!). Ou então spaghetti all’aglio e olio. Pasta bianca é qualquer molho que não envolva tomate: alcachofra, aspargo, cogumelos, trufa, legumes, atum, creme de leite (panna, que não é beeeem creme de leite mas dá pro gasto) com ervilhas, com frutos do mar, al pesto genovese (aquele molho de manjericao, pinoli e pecorino). Pasta al forno (lasagna, canneloni), pelo menos aqui onde eu estou, não rola quase nunca. Tem também as massas recheadas, ravioli/tortellini/cappelletti, com recheios variados, como de carne, de ricota e espinafre, de gorgonzola e nozes, de batata, de abóbora. Não preciso nem comentar a onipresença do parmigiano grattugiato, que vai bem com tudo, exceto com frutos do mar.

E os formatos do macarrão? São zilhões! E há combinações clássicas que pegam muito mal de descombinar: as orecchiette con broccoli, por exemplo. Ou penne all’arrabbiata. Ou tagliatelle al ragù.

Amanhã: i secondi piatti.

Postado por leticia em 12:37

09.12.03

como come, essa gente!

E como hoje começamos uma dupla dieta (eu pra continuar sílfide e o Mirco pra baixar os triglicerídios e perder os 8 quilos que ganhou comendo besteira em casa na minha ausência), vamos falar um pouco de comida, só pra variar um pouquinho.

Não sei se já comentei aqui, mas o mundo todo acha que sabe como é a cozinha italiana, mas não sabe coisa nenhuma. Surpreendi-me horrores quando saí do circuito dos restaurantes e passei à fase de frequentar a casa de italianos, supermercados e a minha cozinha. O macarrão deles é diferente, a pizza é diferente, a carne é diferente, os doces são diferentes. No final das contas os ingredientes são os mesmos, mas o modo de usá-los é totalmente diverso. Mas comecemos do começo.

Antipasti: pelo menos até onde eu sei, no Brasil não temos o hábito de comer antipasti, a não ser em restaurante (o famoso couvert; aqui na Itália existe um coperto, que equivale ao nosso "serviço"). Aqui de vez em quando rola, se for uma ocasião mais ou menos especial, ou se a galera for muito boa de garfo. Mas não rola nada frito, porque eles aqui não fritam quase nada. São triangulozinhos de pão de forma sem casca (pan carré) com pasta de cogumelos, de cenoura com ricota, com uma fatia de salmão. No inverno vêm as famosas bruschette (bruschetta no singular): a clássica de aglio e olio, outra clássica com tomate fresco e azeite, pasta de cogumelos (aqui na Umbria normalmente os cogumelos são combinados com a trufa negra), creme de alcachofra (como eles comem alcachofra!). Ovinho de codorna? Nem pensar; só se acha nos supermercados maiores, e mesmo assim não é sempre que tem. Eles acham super exótico. No mais, há coisinhas sott’olio e sott’aceto – leguminhos em conserva em azeite ou vinagre, um mais horripilante que o outro, ou então legumes grelhados (verdure grigliate; berinjela, abobrinha, batata, tomate, pimentão na grelha com salsinha e azeite), ou ainda uma das invenções mais nojentas do mundo: insalata de mare, um misturado pronto de frutos do mar, temperados com muito limão (amarelo, claro) e vinagre, que se come frio, BLEEERGH. Se for uma refeição sem secondo, às vezes servem-se frios como antipasto, e aí é lógico que você vai pedir um macarrão sem carne, porque se entupir de salame, presunto e linguiça seca e depois ainda encarar bolognesa não dá, né, queridos.

Amanhã: i primi piatti.

Postado por leticia em 17:50

08.12.03

programa indígena

Programa indígena de domingo às vésperas do Natal: ir ao Ipercoop, o maior centro comercial do centro de Hondur... do centro-Itália, pra comprar uma nova all-in-one da HP, em promoção por só 129 eurinhos (o Mirco tem um quê de japonês tecnológico, e trocou de computador e máquina digital de novo, e aproveitamos pra comprar uma impressora decente, que também é scanner e fotocopiadora). O shopping-supermercado abre às nove. Chegamos às dez e já havia engarrafamento na estrada. Estacionamos super tabajaramente, entramos no shopping e nos dirigimos ao supermercado. Longa fila de gente com carrinhos vazios, esperando ansiosamente pra entrar e gastar o décimo-terceiro. Nós, sem carrinho e sem grandes ambições consumistas, saímos furando fila, atrás de mais gente sem carrinho. Controlando o rebanho que entrava, um segurança fortão de rabo-de-cavalo e óculos escuros, se achando o rei da cocada. A galera impaciente, feito motorista de ônibus do Rio que não aguenta esperar o sinal abrir sem dar umas aceleradas só pra irritar todo mundo. Todo mundo reclamando, batendo boca, fofocando, rindo, comentando, trocando receitas, reclamando dos preços, dando dicas de produtos em oferta, reclamando do frio (que obedeceu às previsões meteorológicas e realmente começou ontem, como previsto há semanas). O segurança libera uma parte da galera. Corrida pra dentro do supermercado. Lá dentro, filas já homéricas, famílias com três, quatro, cinco carrinhos cheios de panetone. Vai gostar de panetone assim na China! (eu odeio).

Mesmo com metade da Umbria enfurnada no supermercado, conseguimos entrar, comprar e sair em 20 minutos. Incrível.

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Todo mundo sabe que as diferenças entre as regiões da Itália são abissais – e às vezes basta mudar de cidade. A Umbria, em particular, tem muitas diferenças internas: a parte de Terni, do lado de lá do Tiber, é mais perto de Roma, e o sotaque deles tem um quê de romano (p que vira b, t que vira d, f que vira v. “Capito?” vira “Gabido?”. Esqueci o nome do fenômeno fonético, foi mal.). Aqui na parte perugina se come torta al testo, aquela maravilha que já comentei aqui várias vezes, feito um pão achatado assado sobre uma plataforma de ferro. Na parte ternana, não sabem nem o que é. Em Città di Castello, mais pros lados da Toscana, eles comem uma coisa parecida com a torta mas que não é a mesma coisa, e se chama ciacia.

Quando eu falo que moro no Cambodja, é porque realmente o centro da Itália é um lugar muito atrasado em muitas coisas, até porque tem um pé no norte e outro no sul. A Lidia, simpática leitora do norte da Itália que lê meu blog em Português pra praticar a língua (e obviamente sofre com os neologismos, gírias e minhas maluquices linguísticas), outro dia me escreveu dizendo que certas coisas das quais reclamo aqui são inimagináveis pra ela também – citou o caso do espelho no armário, coisa completamente desconhecida aqui no Zaire e comum no norte da Itália.

É um país fenomenal, esse Zâmbia.

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Hoje é feriado, dia de N. Senhora. Eu não entendo nada de santo e não tenho a MENOR intenção de, mas acho válida a pergunta da Criss: se a Madonna concebeu hoje, comé que Jesus foi nascer dia 25? Muito caroço nesse angu, ou é burrice nossa?

Postado por leticia em 09:55

05.12.03

potocas

Quando eu digo que a Itália é um país muito engraçado, neguinho acha que eu estou exagerando. Mas vê se não é verdade:

Essa semana teve greve dos transportes públicos. Não precisa nem dizer que cada cidade fez um horário diferente – em algumas a greve foi só de manhã, em outras durou algumas horas de manhã e outras à tarde, em outras ainda começou no final da tarde e terminou à meia-noite (isso não contando as cidades onde o horário pré-estabelecido não foi respeitado e a coisa durou o dia todo). Un casino, como se diz aqui – uma zona.

E a famosa patente a punti (a carteira de motorista com o sistema de pontos)? Lembro-me de ter comentado aqui a indignação da galera com o novo sistema. A quantidade de gente que logo na primeira semana já saiu perdendo zilhões de pontos foi impressionante – inclusive meu amadíssimo Chefe, que leva uma média de duas multas por mês, e continua sendo idiota a ponto de encaixar o cinto de segurança ANTES de sentar no carro, enganando assim seu carro igualmente idiota (uma Mercedes), que pára de apitar quando “sente” o cinto encaixado, mesmo que o motorista esteja sentado sobre ele. E qual é a última novidade da patente a punti? O sistema informático que controla toda essa farofada está sobrecarregado e à beira do colapso. Palavras do TG (telegiornale): il sistema rischia di andare in tilt.

E a televisão? O único programa ao qual assisto, Striscia la Notizia, é uma palhaçada só. Anteontem desmascararam uma “maga” que bota anúncio no jornal dizendo que curava hepatite B e C através de um ritual feito de madrugada, na praia. Mandaram um falso cliente atrás da mulher com uma microcâmera. Era uma criatura magra, de cabelos vermelho-fogo, óculos abelhão, cara de gafanhoto – me lembrou muito a professora de Divination do Harry Potter, só faltava o xale etéreo enrolado no pescoço. Ela olhou os exames do cara, falou que as transaminases iriam baixar tantíssimo depois do ritual, que pedia só 250 euros antecipados porque afinal de contas acordar de madrugada não é mole, entre outras imbecilidades. Quando o repórter apareceu e se apresentou, a mulher entrou em tilt! Entrou correndo em casa, disse que ia chamar a polícia, que era realmente uma curandeira, que absorvia a doença dos “pacientes” e por isso cobrava caro; depois jogou fora os exames do paciente com cara de Bart Simpson (I didn’t do it, nobody saw me doing it, can’t prove anything), xingou o repórter, que àquela altura se controlava herculeamente pra não desabar de rir, de tudo que se pode imaginar. Eu dava tanta risada que quase me saiu vinho pelo nariz* (Rubesco da Lungarotti, ótimo custo-benefício, menos de 6 euros a garrafa). E ontem à noite, no mesmo programa, o vira-lata Willy, que de vez em quando dá as caras por lá, deitou na mesa, passeou pra lá e pra cá, se assustou com a vespa gigante de espuma que volta e meia é lançada do teto (em homenagem ao Bruno Vespa, um jornalista com cara de sapo que é meio ídolo e meio odiado por aqui). Imaginem um telejornal onde há um cachorro que passeia por sobre a escrivaninha, tapando os repórteres? Claro que é um programa muito longe de ser sério, mas a coisa toda não deixa de ser altamente surreal, principalmente se levamos em conta o cenário totalmente trash (aliás, italiano em matéria de cenário trash é campeão. TODOS os programas têm cenários do nível do Qual é a Música. Juro.).

*E vamos aproveitar a deixa pra entrar numa particularidade da língua italiana, que aliás reflete muito bem a personalidade megalomaníaca deles: os verbos reflexivos. Tudo que é verbo pode, dependendo da situação, virar reflexivo. Como eu disse ali em cima, em italiano não se diz que saiu vinho pelo meu nariz, mas ME saiu vinho pelo nariz. Eu não comprei um carro: mi sono comprata una macchina (ou, mais coloquialmente, mi sono fatta una macchina). Não cortei os cabelos: mi sono tagliata i capelli. Marta não fez uma roupa com a costureira: si è fatta fare un vestito. Eu não tomo banho de manhã: mi faccio la doccia la mattina. Os homens não fazem a barba: si fanno la barba.

Eu demorei a entrar nesse esquema egotrip linguístico, mas volta e meia me pego pensando em um Português reflexivo que só consigo detectar como estranho quando dou o rewind mental e paro pra analisar o que falei.

Leiam Marcovaldo, leiam Gli Indifferenti (angústia pura), leiam La Mossa del Cavallo (stupendo!), leiam Il Deserto dei Tartari, leiam La Coscienza di Zeno (fe-no-me-nal), leiam I Malavoglia (e vos desafio a não chorar no começo, no meio, no fim), leiam coisas legais, e deixem Pirandello pra lá que o cara era chato bagaray – ou sou eu que sou alérgica a teatro e linguagem teatral em geral?

Preciso de livros, meu estoque anda baixo. Sugestões sao bem-vindas.

Postado por leticia em 10:42

27.11.03

Da série Coisas Italianas Que

Hoje: COZINHA E ADJACÊNCIAS

... Amo:

- Os armários da cozinha. Os armários que ficam em cima da pia têm um escorredor no lugar da prateleira de baixo. Assim você lava os pratos e os coloca diretamente pra escorrer, escondidos no armário; a água pinga dentro da pia e os bichinhos ficam lá, escorrendo e guardados ao mesmo tempo. Poupa-se assim o trabalho de secar os pratos.
- Os panos de prato. Todos os panos de prato, que são maiores do que os nossos, já vêm com uma alcinha em uma das pontas pra pendurar em um dos invariavelmente presentes ganchinhos.
- A lata de lixo escondida no armário debaixo da pia. Achei uma idéia ótima. Nada daquelas mini-lixeirinhas horripilantes dando plantão em cima da pia.
- Geladeiras e máquinas de lavar louça embutidas. Se bem que, se eu tivesse uma geladeira lindíssima, em inox, por exemplo, não a esconderia, muito pelo contrário...
- As mesas aumentáveis, que todo mundo tem. Tem visita e não cabe todo mundo na mesa? Abre-se a bichinha, gira-se ou monta-se um pedaço adicional, e eccola! Uma mesa com mais dois lugares.
- O forno, quase sempre elétrico, que esquenta rapidinho, sem aquela moleza dos fornos a gás.


... Odeio:

- A falta de ralo no chão, por motivos óbvios.
- As geladeiras, que muitas vezes são pequenas (como a da Fran).
- A implicância dos italianos com o forno de microondas.
- As panelas, quase sempre com cabo curto, e quase nunca em teflon (eles também implicam com o teflon).
- As torradeiras, que não fazem as torradas pularem. (pularem ou pular? Não sei!)
- A ausência de área de serviço. É comum ter a máquina de lavar roupa no banheiro ou na cozinha. Varal no teto? Nem pensar! São todos montáveis, como uma tábua de passar roupa. Assim, pra ocupar bastaaaante espaço. A única vantagem é que no inverno você bota o varal perto do termosifone que quiser, e as roupas secam rapidinho...
- A ausência de tanque de lavar roupa, causada pela ausência da área de serviço. Não consigo conceber a vida sem tanque de lavar roupa. Onde se lavam os panos de chão? Onde se esfregam as roupas brancas que a máquina de lavar não dá conta de clarear? No balde? E quantas vezes tem que mudar a água do balde? Olha, vou te dizer, sinto mais falta do tanque do que do ralo.
- O fato da galera não ser adepta do misto quente. Eu sou LOUCA por misto quente. Não só eles não são muito fãs da coisa, que aqui se chama toast, assim, em inglês, com pronuncia macarrônica, como também acham estranhíssimo comer queijo e presunto de manhã, ou no lanche da tarde. Presunto e queijo, pra eles, são substitutos mais ligeiros da carne, bons pra comer à noite, quando não pega bem se entupir de coisas pesadas. E nada de presunto cozido como o nosso, não senhor. Prosciutto cotto é coisa de turista. Italiano que é italiano só come prosciutto crudo.

Alinhás, sabe que esse tempo todo comendo pouca carne ? porque a carne deles é uma merrrrrrrrrrrrda ? me deixou meio intolerante? Ontem almocei bisteca e senti meu estrombo reclamando até tarde da noite.

Postado por leticia em 11:57

12.11.03

Então hoje Martinha me conta

Então hoje Martinha me conta que o Chefe pediu a ela, pelo telefone (hoje está fora, em Turim), que ligasse pro commercialista (que seria assim o contador) da empresa pra saber que tipo de providência tomar pra me botar in regola, ou seja, pra passar a assinar minha carteira. Ah, too late, Marlene. Agora também não quero mais. Vai ser linda a cena:
- Então, vamos assinar o contrato?
- Não, estou indo embora.
- COMO, INDO EMBORA?
- Estou indo embora. Voltando pra casa.
- E comé que eu vou achar outra pessoa pra ficar no seu lugar? (leia-se tô fodido, ninguém na Umbria fala Inglês, comé que eu vou comprar cartuchos vazios a preço de banana de fornitores que só falam Inglês?)
- Só lamento. Culpa do seu amiguinho lanterneiro.
Segue risada maléfica.

Amanhã começamos a mudança do escritório. Vamos pra uma cidadezinha aqui perto, pra um galpão novo. Vai dificultar mais ainda a minha vida porque, se a Marta adoece, coisa que acontece com frequência, eu não posso pegar a bicicleta e vir trabalhar, ou pedir uma caroninha, porque o novo escritório é longinho da minha casa – aliás, longinho de tudo. Ainda bem que essa lamúria está pra terminar.

**

Cena italiana:
17:15, banheiro da estação Termini, Roma. Uma mulher entra esbaforida, após inserir os 0,60 na roleta. Abre a pequena mala em cima da bancada da pia, saca uma saiona e uma camisa, se despe da roupa do corpo e começa a vestir a saia, coisa que, levando-se em conta o design da mesma, levou um bom tempo. Passa a “tia” do banheiro e vê a mulher em pé no meio do banheiro, de sutiã cor de vinho, tentando abotoar a lateral da saia.

TIA: Nossa, que saia linda!
MULHER DE SUTIÃ: Brigada!
TIA: Bom, também, quando se é magrinha assim*, qualquer coisa fica bem, né...
MULHER DE SUTIÃ: ... (sorriso satisfeito)
TIA: Eu nunca fui magra. Um horror pra comprar roupa!
MULHER DE SUTIÃ: Imagino...
TIA: Mas que que eu posso fazer, adoro comer!
Segue-se uma longa gargalhada. A mulher de sutiã termina de se vestir, dá boa tarde e vai embora. A tia do banheiro grita de longe um outro boa tarde e um boa viagem.

* Pra quem está aprendendo italiano: quando se usa um verbo impessoal, ou seja, com pronome si, o adjetivo vai pro plural. Essa frase em italiano fica assim:
- Quando si è magre, tutto ti sta bene...
Outro exemplo?
- Quando si è giovani, tutto sembra possibile.

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Mental note: meia xícara de arroz + 1 brocolão e meio + 2 cenouronas = almoço pra uma semana inteira.

**

Acho que não enxaguei direito o Legolas anteontem. Ele tá todo cinza...

**

Quero ir ao cinema hoje. Quero ver Kill Bill.

**

Run to the water
and find me there
Burnt to the core but not broken
We’ll come through the madness
of these streets below the moon
with a nuclear fire of love in hearts

I can see it now, Lord
Out beyond all the breaking of waves
and the tribulation
It’s the place and the home of ascended souls
Who swam out there in love

Nuclear fire of love in our hearts é MUITO bonito.

(Run to the Water, Live, do CD The Distance to Here, que é FE-NO-ME-NAL.)

Postado por leticia em 16:37

28.10.03

Curiosidades da lingua italiana

Tizio = Fulano
Caio = Beltrano
Sempronio = Sicrano (é com esse ou com cê?)

Postado por leticia em 11:53

25.10.03

E a palavra italiana de hoje é...

Imbranato = burrinho. Exemplo: alguém a quem eu mando um formulario em 4 vias, com uma carta explicando DETALHADAMENTE que so precisa firmar em um campo, e que nos devem enviar a pagina rosa e a pagina azul, e esse alguém que me devolve todas as quatro paginas, sendo que so uma esta assinada, esse alguém é uma mula, ou seja, completamente imbranato.

Postado por leticia em 12:47

24.10.03

E a palavra italiana de hoje é...

Rimbambito = meio bobo. Essa noite dormi mal, ou então, Ontem bebi demais, hoje tô toda rimbambita (toda retardada).

Postado por leticia em 10:32

23.10.03

E a palavra italiana de hoje é...

Scombussolato = atolado, confuso. Mas não no sentido de SER atolado, mas de ESTAR atolado.
Exemplo: Pô, fulano entrou aqui morrendo de pressa, falou 400 coisas diferentes, deixou um monte de papel na mesa, fez a maior zona, agora ficou todo mundo scombussolato!

Postado por leticia em 10:40

29.09.03

hohoho

Tão pensando que apagão é só no hemisfério subdesenvolvido do mundo? Ha! Ontem foi um dia “bioloógico”, como definiu um colega dono de cachorro. Desde as duas da manhã sem luz nem água – TODA A ITÁLIA e mais a França, dizem. Digo “dizem” porque eu vivo num mundo sem TV ou rádio, e não gasto dinheiro comprando jornal, e por isso dependo da boa vontade de vizinhos e colegas de trabalho pra me informar sobre o que acontece no mundo. A piada que corre aqui é que o Berlusconi esqueceu de pagar a conta de luz – grande parte da eletricidade que empurra a Itália pra frente é comprada da França, desde que a galera aqui decidiu em plebiscito ficar longe da energia nuclear. Hoje já me andaram dizendo que foi tudo culpa de uma árvore que caiu em algum lugar da rede elétrica na França, e de um raio que caiu na Suíça. Não sei; só sei que a luz só voltou às quatro da tarde e que foi um dia chato, cinza, chuvoso, frio, chato, chato, chato. Pelo menos não trabalhei.

Postado por leticia em 12:36

22.09.03

Ontem à noite teve desfile em Bastia. Essa semana é de festa, tem o Palio di San Michele. Os bairros ("rione"), que sao quatro, competem de tres maneiras: tem o tal desfile, com direito a carro alegorico e tudo, os jogos medievais, e a corrida em torno da praça principal. A festa começou na sexta-feira; fui jantar na taverna do Rione San Rocco (onde eu moro) com a familia da Marta. Cada rione tem a sua taverna, com menu tipico umbro (pappardelle com ragu de javali, torta al testo com linguiça ou presunto cru com pecorino, bruschettas, sopa de trigo, etc). No sabado rolou um show na praça, um conjunto meio tabajara que cantou musicas anos 70 (leia-se musica gay) vestidos a carater, com direito a perucao black power e tudo. Soh nao dancei até me acabar porque o pessoal aqui nao tem aquela tendencia rebolativa que os brasileiros tem, e eu fico com vergonha de me empolgar sozinha. Faltava a Hunka; teriamos feito mil coreografias viadas juntas. De qualquer maneira, ri tanto que no dia seguinte tava sem voz.

Domingo foi dia de faxina: de manha cedo em casa, e mais tarde na casa do Mirco, pra pagar o favor que ele me fez dando banho no Leguinho no sabado ;) E à tarde fui trabalhar na loja do maluco do Fabrizio, com a Carmen. Passei em casa rapidinho pra trocar de roupa e lah fui eu pra praça ver o desfile.

Como a Marta comprou a "assinatura" dos bilhetes, ou seja, comprou bilhetes pros quatro desfiles, mas desfilava ontem, me cedeu o bilhete. E lah fui eu me sentar lah no alto da arquibancada do meio, com a minha landlady atras e uma vizinha ao lado. O desfile é uma coisa teatral misturada com numeros musicais, tudo extreeemamente tosco e amador, é claro. Eu tenho verdadeiro horror a teatro, de qualquer natureza e grau de profissionalidade, mas acabei me divertindo, principalmente quando um dos carros alegoricos, que soltava fogo, quase quase pegou fogo. Mas tudo bem, faz parte. A lenga-lenga durou quase uma hora e meia, ao fim da qual eu jah tava com dor na coluna e morrendo de sono.

Depois fiquei pensando na pequenez da cidade pequena. O pessoal aplaudiu e ficou maravilhado com um livro gigante tabajara colocado sobre o palco, que foi montado na frente da igreja, que se abria e fechava. Imagina se vissem uma aguia da Portela que soh falta revirar os olhinhos, ou um dos carros malucos da Mocidade com gente pendurada em tudo que é lugar e neon a dar com o pau, ou uma comissao de frente do Salgueiro, ou um casal de mestre-sala e porta-bandeira (que eu acho a coisa MAIS LINDA DO MUNDO). A qualidade de vida no interior é barbara, a tranquilidade é otima, mas a probabilidade de virar um idiota com antolhos é muito, mas muito grande.

(detalhe pra fantasia da Marta, que fazia o papel de uma das criadas de um estranho escritor ingles assolado por terriveis pesadelos. Marta de touquinhaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa)

Hoje nao fiz outra coisa que nao limpar, etiquetar, ensacar, encaixotar cartuchos, soh fui sentar a bunda no escritorio agora. To morta, e pretendo seriamente ir dormir às sete e meia da noite hoje.

Postado por leticia em 18:20

19.09.03

numeros

Sabe uma coisa engraçada? Cada pais tem o seu jeito de ditar numeros de telefone. Eu to acostumada a ditar sempre dividindo o numero de forma que a segunda parte, depois do tracinho, tenha 4 digitos. Aqui na Italia nao soh eles nao usam tracinho nenhum (eu fico completamente zarolha tentando ler os numeros sem nem um tracinho no meio, pontinho, nada!), mas se o numero tem seis digitos, falam de dois em dois! Fico louca, nao consigo decorar de jeito nenhum! E quando eu falo do meu jeito, ou seja, dividindo em dois grupos de tres digitos, ninguém me entende.

Mistérios da vida.

Postado por leticia em 17:49

30.08.03

no comments

E o modem chegou! E com ele a moda Bastia:

...

Postado por leticia em 17:50

29.08.03

Estou aqui eu anotando preços de cartuchos vazios quando entra o Pai do Chefe no escritorio, vestido digamos medievalmente. Amanha tem o Palio di San Rufino no centro de Assis, e ele esse ano soh desfila, mas normalmente faz parte da competiçao de tiro com besta. Nao tem coisa mais engraçada do que o pai do seu chefe de calça justinha, roupa de veludo nesse calor, bota e oculos :) Aih a garota da calça dourada saca fora o seu telefone celular com camera digital e faz uma foto.

Postado por leticia em 17:30

07.08.03

Hoje acordei pensando na minha

Hoje acordei pensando na minha avó. Provavelmente o que desencadeou o pensamento foi o fato de que há muito tempo não como uma comidinha realmente gostosa. Eu cozinho muitíssimo bem, obrigada, mas comida de vó é comida de vó, inigualável e incopiável. Fora que ela tem participação ativíssima na preparação dos pacotes que depois minha mãe me manda.

Dia 19 é aniversário dela e não tenho a menor idéia do que mandar. Aceito sugestões.

***

Hoje a peixaria tava aberta! Tem uma peixaria em frente à minha casa que só abre às quintas e sextas. Quando saio de casa de manhã e vejo a porta aberta, significa que a semana tá terminando. Uhuuu!

(Não ficaram satisfeitos com o horário estranho da peixaria? Todas as lojas de produtos alimentares em S. Maria degli Angeli e Bastia fecham na quinta-feira à tarde. E a pausa pro almoço nos escritórios de S. Maria e Assis começa às 13:00. Em Bastia, às 12:30. E o mais engraçado é que eles comentam essas coisas como se fossem seriíssimas... Impressionante o atraso desse povo.)

***

Falando em atraso... Dá pena trabalhar aqui no escritório. As meninas são formadas em contabilidade, mas nunca estudaram com computador, nem têm computador em casa, muito menos internet. O que significa que volta e meia me perguntam coisas tipo:
- Como faço pra criar uma pasta nova?
- Como faço pra selecionar um pedaço de texto?
- Aaaaaaaah, mas então pra mudar uma coisa de lugar é so arrastar pra onde eu quero?

***

A última novidade da menina da calça dourada: banho frio dá dor de cabeça.

Então tá.

Postado por leticia em 11:56