08.06.06

ufa

Rapaz, 11 horas e meia de trabalho hoje, entre traduções e aulas. Com meia hora de almoço só, pra comer meu franguinho com arroz integral – tudo frio, lógico, porque não tenho saco de esquentar nada na cozinha.

E ando com o sono atrasadíssimo. Por algum motivo desconhecido, não consigo dormir além das seis da manhã. Sempre acordei cedo e gosto disso, porque o dia rende mais e porque funciono muito melhor de manhã, mas não consigo ir dormir cedo porque chego tarde em casa e tem sempre alguma coisa pra fazer, ou conversas com o Mirco pra atualizar. Aí às seis eu acordo, plim!, tão cansada quanto estava na noite anterior. Nem os fins de semana escapam. Bosta.

Postado por leticia em 23:17

05.06.06

novità

Esqueci de comentar: desde quinta-feira passada sou a nova Director of Studies da minha escola. O que não quer dizer nada por enquanto, porque só depois de fazer o curso/training, em setembro, vou ser DOS certificada pra poder aplicar e corrigir provas e participar dos “eventos”. Então agora chego às nove na escola, como todo mundo; passo a manhã na agência de tradução, no segundo andar, aprendendo muito com a Jayne, e na hora do almoço desço pra ensinar. Acho que vou conseguir organizar melhor a minha vida, porque não vou conseguir ficar doze horas enfurnada lá dentro trabalhando, então vou ter que sair mais cedo – o que significa jantar antes das dez da noite, uhuu.

O mais importante é que, pela primeira vez na minha vida, tenho um contrato de trabalho decente. De agora em diante tenho direito a ficar doente sem me desesperar (porque até então, se não trabalhasse, não ganhava), tenho férias, tenho décimo-terceiro e décimo-quarto, e não preciso mais pagar meu próprio INPS (embora vá ter que pagar imposto de renda). Quem sabe agora consigo comprar um carro sem ajuda de ninguém.

Postado por leticia em 22:22

03.06.06

mêda

Saímos de casa às quatro da manhã. Deixei minha mãe no aeroporto em Roma e dali fui direto pra Spoleto. Pretendia dormir um pouco no carro, mas não deu porque me perdi e acabei gastando um tempo enorme pra achar a estrada certa. Encontrei com a Jayne, tradutora lá da escola, em frente à estação. Porque o desafio do dia, senhoras e senhores, foi fazer algo que eu sempre quis tentar mas nunca tinha tido a oportunidade de fazer: intérprete.

Era um evento sobre vinhos, e ia rolar uma espécie de debate pra discutir maneiras de aumentar as vendas dos vinhos italianos no exterior, já que a França ganha de lavada. O acordo era que seria uma tradução consecutiva e não simultânea, porque nem eu nem Jayne, que é inglesa, sabemos traduzir simultaneamente. LÓGICO que quando chegou na hora a coisa era simultânea, né. Precisamos nos dividir: Jayne ficou na platéia traduzindo pra quatro pessoas e eu NO PALCO, sentada atrás do suecão alto, importador de vinhos. Eu achei que tinha levado a melhor porque só precisaria traduzir pra uma pessoa, mas qual o quê!!! A RAI filmando, hominhos tirando fotos pro jornal local, todo mundo com microfone embutido e coisa e tal, e eu completamente estressada com tudo aquilo. Pra piorar o moderador era o bonitão charmosão que às vezes apresenta o TG5, Sposini, um pitéu. Também tinha o representante do spumante Ferrari (que fez questão de me deixar o cartão de visitas, embora eu tenha deixado bem claro que não tenho dinheiro nem pra Schweppes, quanto mais pra spumante Ferrari que é caro pra cacete), a presidenta das cantinas Lungarotti, um dos maiores produtores de vinho do país, e outras figuronas. E a monga aqui se escondendo atrás do suecão, que felizmente entende italiano, só não fala. Só que aí fazem uma pergunta pro suecão, ele responde em inglês perfeito de sueco, e eu tenho que pegar o microfone e traduzir em italiano, tentando 1) não correr demais e 2) evitar qualquer inflexão umbra. Caraca, crianças, que nervoso!

Apesar da enxaqueca de cansaço que me deu assim que cheguei em casa, bem depois do almoço, a experiência foi positiva: é mais uma coisa que eu sei fazer ;) Ainda não sei fazer BEM, mas é questão de tempo. Se outras oportunidades assim surgirem, aceitarei todas – até porque paga moooooooito bem.

Postado por leticia em 22:15

12.05.06

il carciofo (a alcachofra), ou o salame-mor

Poucas vezes na minha vida me senti tão mentalmente cansada quanto hoje.

Passei a manhã no concessionário Volvo em Perugia, estudando sociologia enquanto faziam o tagliando (tipo uma revisão) dos 60.000 quilômetros no carro do Mirco. Saí de lá às onze e vinte e voei pra chegar em Foligno pra aula do meio-dia com a Boquinha, a malona que lê Paulo Coelho. Mas o grande choque do dia foi a aula de duas horas logo depois da Boquinha.

O primeiro impacto não foi dos melhores. Tanto eu quanto Simona achamos o cara meio nojentão, com aquela cara de indiano, os lábios pretos, a barriga proeminente, os cabelos ensebados penteados pra trás, a voz baixa e profunda. Maior pinta de picareta. Ao telefone tinham dito à Simona que ele conhecia um pouco de inglês, e ele confirmou, dizendo que nunca tinha tido problemas quando viajava. Então lá fomos nós.

Crianças, em DUAS HORAS SEGUIDAS DE AULA nós só conseguimos fazer um terço de página do livro. E nessas duas horas ele NÃO:

. conseguiu memorizar as fórmulas de saudação "Nice to meet you" ou "How do you do"
. conseguiu entender que "Hi" e "Hello" são praticamente a mesma coisa – nunca tinha ouvido a palavra Hi, que ele pronuncia rigorosamente "í"
. conseguiu entender a diferença entre "How are you?" e "Nice to meet you"
. conseguiu entender que o pronome "it" não se usa só em substituição ao "è" italiano mas também se refere a objetos sem gênero
. conseguiu entender que "be" corresponde tanto a "ser" como a "estar"

entre outras coisas. Saí das duas horas exausta, como se tivesse acabado de fazer o vestibular pra Medicina da Unicamp. Cacetes estrelados! O melhor do episódio foi a pérola de sapiência e conhecimento dos processos de aprendizado lingüístico: ele tem uma reunião na quinta com o chefe que o mandará pra trabalhar em Bangladesh, e quer mostrar que melhorou o inexistente inglês. Então disse que é crucial fazer mais duas horas de aula na quarta, sabe, pra fazer bella figura no dia seguinte.

Já disse à Simona que o dê pra outro professor. Estou velha demais e sou foda demais pra agüentar essas coisas, sinceramente.

Postado por leticia em 22:23

11.05.06

bom!

Pra compensar a malona, hoje aconteceu uma coisa legal: falei no telefone com a mãe da Chiara, uma das minhas alunas preferidas. Tem uns 15 anos e é uma espoleta; fala pra caramba e conhece a cidade inteira. Tem as suas teorias malucas em relação às incongruências do inglês (que eu sempre rebato com as maluquices do italiano) e nossas aulas são muito divertidas. Ela começou a fazer aulas particulares de inglês porque estava com um débito formativo na escola – não me perguntem como isso funciona, mas você pode passar de ano mesmo ficando pendurada em algumas matérias. Sua média era 4,5 e no primeiro dia de aula a mãe veio falar comigo, dizendo que era uma missão impossível porque a filha não era boa aluna e coisa e tal. Veremos, respondi. Fizemos duas aulas de uma hora por semana por duas semanas antes da primeira prova na escola. Tirou 5,5 e ficou toda contente; eu achei uma merda de nota. Continuamos normalmente com nossas aulas, fazendo os deveres de casa juntas, tirando dúvidas, eu dando exercícios extras. Mais uma prova, e um 6. Na última prova tirou 7, e por isso a mãe quis falar comigo no telefone. Agradeceu um milhão de vezes, disse que a professora da Chiara na escola anda sorrindo de orelha a orelha, que nunca viu uma recuperação tão rápida (e eu achando tudo lento e insuficiente...), e que eu fiz um milagre. Aí eu me irritei porque a Chiara é uma garota inteligente e que faz aquela lenga-lenga toda mas na verdade gosta de inglês, me faz as perguntas certas, suas dúvidas nunca são idiotas, tem boa memória pra vocabulário. A mãe insistiu dizendo que o mérito era meu porque só um bom professor consegue botar algo na cabeça de aluninho ralé. Achei um modo terrível de falar da filha, mas fiquei quieta. De qualquer maneira, é muito bom ouvir essas coisas :)

Postado por leticia em 22:09

02.05.06

ufa

Graças aos céus hoje só tinham 5 alunos em Cascia. Nada de gente jogando bolinhas de papel no cabelo dos outros, gritando, sussurrando, enchendo a paciência.

A má notícia é que a prova deles foi adiada de junho pra setembro. Se eu tiver que ir praquele fim de mundo no calor do verão dar aula praquelas malas eu me mato.

Postado por leticia em 22:11

03.04.06

o tronco

Quando eu acho que finalmente vou ter tempo pra estudar, aparece alguém enchendo os poucos buracos do meu horário. Semana passada foi o Engenheiro Legal, que fez só uma semana e a essa altura já deve estar no Texas explicando a montagem das vitrines de sorvete. E hoje outros dois apareceram: o diretor da escola técnica de Foligno, que quer dar uma "refrescada" no inglês pra se comunicar com outras "figuras importantes da cultura mística européia" (medo), e o Homem Mais Feio do Mundo, que precisa também refrescar o inglês por uma semana, porque depois vai pra Hong Kong por quatro dias pra um contrato sei lá do quê – ele é consultor de qualidade, que deve ser o trabalho mais chato do mundooooooooooo. Até aí tudo bem; o diretor da escola foi devidamente colocado no único buraco de hoje, deixado pelo filho do dentista que vai repôr a aula na quarta. Mas o Homem Mais Feio do Mundo só pode fazer aula tarde da noite. Como abril é cheio de feriados e no verão trabalho menos e eu quero porque quero pagar a cozinha nova sozinha, aceitei o ridículo horário das oito e meia às dez da noite. Hoje não agüentei e terminamos às nove e meia porque eu tava caindo pelas tabelas.

Hoje então foi dia de record mundial de horas seguidas de ensinamento de inglês: ONZE. Sem direito a pausa pra comer ou fazer xixi. Tinha ido trabalhar com a Panda da Arianna, porque a Uno tava na revisão, e quando cheguei na casa dela pra deixar o carro eu já nem sabia quem eu era, onde estava, que dia era hoje. Mirco chegou logo depois, falamos rapidinho com os cachorros e fomos pra casa jantar. Mirco tinha aproveitado que eu ia chegar tarde pra ficar na oficina resolvendo pepinos, e tava roxo de fome. Por sorte Arianna tinha mandado a lasagna do domingo, que esquentamos em banho-maria e jantamos às onze da noite. Tipo assim, totalmente errado, mas não tinha outro jeito porque estávamos quase desmaiando de fome. E de sono. Boa noite.

Postado por leticia em 23:53

30.03.06

promoção?

Minha chefa hoje me convocou pra um papo na cozinha do segundo andar (os tradutores trabalham full-time e não voltam pra casa pra almoçar, cozinham lá mesmo). Me propôs o "cargo" de director of studies, posição que aquela louca da Cristina, com quem trabalhei na outra escola, ocupou por um ano, com competência duvidosa. Fiquei de pensar. A proposta é boa porque o contrato seria a tempo determinado, o que eliminaria os meus gastos com INPS (sou eu que pago, como doméstica do Ettore, pra poder ter uma aposentadoria um dia), e teria direito a férias, décimo-terceiro, e todas aquelas coisas legais que eu nunca tive na vida. Só que eu não sei se quero criar um vínculo oficial com a minha chefa desvairada. Porque eu não gosto nada dela, sabe. E não poder almoçar em casa é uma coisa muito chata; se eu conseguisse emprego mais perto de casa trocaria numa boa. Não discutimos salário porque não deu tempo, mas fiquei de pensar. Tenho que fazer algumas contas, pra entender o limite mínimo de euros por hora que eu posso aceitar. Semana que vem eu resolvo.

Postado por leticia em 22:14

27.03.06

caramba

Ótima surpresa hoje: primeira "aula" de conversação com um engenheiro que mora aqui em Bastia e que precisa refrescar o inglês porque parte pros EUA a trabalho por uma semana. Meu melhor aluno até hoje: ótima pronúncia, erros poucos e bobos, bom vocabulário. Nada surpreendente, queridos, porque ele é um homem que lê. CONHECI UM ITALIANO QUE LÊ. Um engenheiro, of all things. Simpático, educado, inteligente, gosta de viajar, come coisas estranhas quando viaja, e lê, inclusive em inglês. Não é um espanto? Normalmente conversação é um porre, mas nossa hora hoje passou voando. Não falta assunto pra quem se interessa por tudo. Que coisa maravilhosa!

Postado por leticia em 22:07

03.03.06

anta auditiva

Não tem coisa pior do que aula com aluno chato, putz grila.

Hoje substituí a Liese, que está no hospital, dando aula pra senhora Giuseppina, que fez a primeira aula comigo mas depois o horário ficou incompatível. Ela é professora e é muito, mas muito chata e metida – que nem a filha, que é aluna da escola há anos e vive sendo jogada de professor pra professor, porque ninguém a suporta.

O pior é que ela, sendo professora de italiano, acha que sabe tudo de gramática, e que o problema é "só" entender e ser entendida. Então eu deixo a gramática pra lá, porque ela não quer mesmo, e só faço os listenings de practical English do livro. Xeroco só as páginas que interessam, enfio a fita no som e vamos lá. O problema é que ela não entende LA-DA, nem o primeiro listening do primeiro livro. Tipo, o cara tá no avião e a aeromoça pergunta o que ele quer beber, e ele responde diet Coke, e nem isso ela entendeu – NEM COM A FOTO DO CARA COM UMA DIET COKE NA MÃO. Cacetes estrelados!!! Depois toca o telefone do cara, num restaurante, e ele, obviamente, responde Hello. Toquei a fita SETE vezes e ela não entendeu, e, o que é pior, nem deduziu, que ele estava dizendo Hello. "Pra mim não é Hello", disse, e eu respondi, é que ele pronuncia certo, enquanto que os italianos pronunciam "ellô". Putz, que aula comprida que não termina nunca!

Postado por leticia em 22:36

28.02.06

haja saco

Mais uma tarde de aula em Cascia.

Perguntei pro Michael se os adolescentes dele também eram mal educados, e ele disse que sim. Menos mal, quer dizer que não sou só eu. Vocês tão carecas de saber que eu sou chata e autoritária, e aluno na minha turma dificilmente cria problema, mas essa turma, vou te contaaaaaaaaaar! Michael, quando tinha um filho pequeno, foi chamado pra ir à escola pra uma espécie de Show and Tell – imaginem, um pai inglês em uma cidadezinha pequena, era uma coisa totalmente alienígena. Ele disse que conseguiu ouvir e responder só às primeiras perguntas, porque depois começaram a fazer uma bagunça tão grande que ninguém entendia mais nada. Ele ficou tão traumatizado com a experiência que se mudou pra Bélgica com a família toda, pra evitar que os filhos fossem educados à moda italiana ;)

Mas enfim. Esses alunos de Cascia são um desastre. Primeiro porque não faz muita diferença a minha presença e a do Michael ali, já que eles estão se preparando pro PET e pro FCE, que são exames prevalentemente escritos e concentrados na gramática, ou seja, qualquer um que saiba gramática da língua inglesa resolveria o problema. Segundo que temos pouquíssimo tempo pra nos preparar, e todo mundo sabe a dificuldade que os italianos têm com a língua inglesa. Terceiro que são todos péssimos mesmo e ninguém vai passar na prova, nem os da minha turma e nem os do Michael. Mas tudo bem, pagam, então nós continuamos indo lá uma vez por semana pra aturar os monstrinhos que não calam a boca um minuto sequer. Ô povo mal educado!

Postado por leticia em 21:18

07.02.06

nos cafundós

Tive uma nova experiência muito interessante hoje.

Eu e Michael, o inglês que deu o OK lingüístico pra eu trabalhar na escola, fomos mandados pra Cascia (leia-se Cásha, e é o tal lugar de onde veio a Santa Rita, vocês sabem, a que virou de Cássia em português), pra dar aula preparatória pros exames de Cambridge.

Só que Cascia é lá na puta que o pariu. A gente tem que telefonar antes pra perguntar se tem neve ou não, porque se tiver, a estrada fica intransitável. Mais de uma hora de viagem, eu dirigindo a Smart da escola e o Michael falando sem parar. A paisagem é um desbunde, e tenho que lembrar de levar uma máquina fotográfica semana que vem, porque tem muita coisa bonita pra ver.

A escola é um Liceo Scientifico, e a professora de inglês que nos recebeu é muito legal. Os alunos foram divididos em duas turmas: eu peguei a preparação pro PET, que é uma prova que eu nunca fiz e queria conhecer, e o Michael pegou os meninos do FCE. Meus alunos são 16, de idades variando de 14 a 18. Falam sem parar, mas com uma levantadinha de voz básica a coisa se resolveu. Eu me diverti, eles se divertiram e se maravilharam com o fato de que eu memorizei rapidinho todos os nomes (ooooh os poderes mnemônicos da paca... Como se fosse uma turma de 100 alunos... Adolescente se encanta com pouco, né). Foram duas horas bem interessantes.

Só que eu já estou até me vendo daqui a alguns meses, com vários pólipos nas cordas vocais. Porque estou dando uma média de 10 horas de aula por dia. Enfim.

Postado por leticia em 23:30

24.01.06

tronco

Hoje é feriado em Foligno, dia de San Feliciano, padroeiro da cidade. Meus planos eram estudar, passar roupa e dar aula de português pra Begonia de manhã, almoçar com o Mirco, estudar um pouco depois do almoço e ir pra casa da Chiara, que hoje não trabalha, pra ajudar na paella que vamos jantar hoje à noite. Mas a escola vai funcionar normalmente, então lá vou eu pro tronco, das três às oito e meia, non-stop. E que não venham me dizer que ah, são só cinco horas e meia de trabalho. Ensinar é uma das coisas mais cansativas que existem no mundo. Minhas cordas vocais estão ao ponto de explodir, e quando o dia termina eu já não sei o que estou dizendo, muito menos em que língua.

Mas eu me divirto :)

Postado por leticia em 08:10

13.01.06

'sti bimbi...

Eu estou com uns alunos muito engraçados. Uma das turmas de crianças (porque tá todo mundo correndo pra recuperar notas baixas em inglês na escola) tem uma filha de polonesa com italiano supereducada e muito inteligente, um geninho que pulou um ano na escola e é um ano mais novo que ela, e um outro garoto INSUPORTÁVEL um ano mais novo, que ainda desenha as letras, leva três anos pra entender o que tem que fazer, se distrai com facilidade, e ainda por cima é incrivelmente mal educado, bestemmia, ri alto, grita, pula, enche o saco dos outros, peida. Na última aula eu me irritei MUITO e ameacei de jogar um pilot no meio dos olhos e de deixá-lo sentado lá com a Simona na recepção até o pai dele chegar, e deixei muito claro que na casa dele ele pode ser o garoto mais mal educado do planeta, mas na minha sala de aula ABSOLUTAMENTE NÃO.

Aí hoje ele aparece todo bonzinho, elogiando a bolsa em formato de Rodolfo a Rena do Nariz Vermelho da polonesa, pedindo permissão pra sentar na cadeira dela, mais próxima ao quadro, enquanto ela desenhava a forca, mostrou o dever de casa (escrito num amarelo ilegível, mas tudo bem). E me sai com essa:

- Professora, dá licença que eu vou arrotar.

Abriu a porta do banheiro, enfiou a cabeça lá dentro, arrotou, fechou a porta.

- Não deu pra ouvir não, né?

Não sei se rio ou se choro.

Postado por leticia em 22:48

25.10.05

pestes

Comecei uma turma nova hoje. Mais crianças, dessa vez um pouco menores. São quatro: A e F., meninos de 6 anos, insuportáveis. L, menina, 6 anos, imensos olhos castanhos, vestindo Burberry da cabeça aos pés, como a mãe. E C., 5 anos, que já morreu mas esqueceu de deitar, lenta, burra, parada, chatérrima. Os dois meninos trazem carrinhos e um avião dos Carabinieri pra "aula" e se recusam a fazer qualquer coisa que não seja brincar com os ditos. Gritam O TEMPO TODO, correm pela sala, se sujam com os pilots coloridos, e só desenham coisas que tenham rodas. Pedi a F. pra desenhar uma casa, ele disse: mas aí eu tenho que desenhar a garagem com os carros... Não, F., eles moram ao lado da estação de trem, não têm carro, vão trabalhar de trem. Mas deve passar algum ônibus perto, né? Deixa quieto, F., desenha um Papai Noel então. Posso botar rodas no trenó? NÃO, F., TRENÓ ANDA NA NEVE, AS RODAS SÓ ATRAPALHAM. Se você não quer que eu desenhe carros, eu posso desenhar um tanque de guerra.... AAAAAAAAAAAAAAAH!!!

As mães são, obviamente, exatamente iguais aos filhos.

Michael, o professor inglês que é chamado sempre que alguma mãe preocupada suspeita que eu não tenha nascido nos EUA e testemunha ao meu favor dizendo que meu inglês é tão limpo que eu poderia ler o telejornal, odeia crianças em geral, mas essas 4, ah, ele as mataria todas. Me l'ha detto chiaro e tondo: le impiccherei tutte! E le madri anche!

Postado por leticia em 22:45

14.10.05

supermulher é o caralho, exclamou a princesinha

Chorei de cansaço hoje. Não consegui ir até o final do dia. Não tinha mais forças pra dirigir até Perugia e encarar duas horas seguidas de Salames. Liguei cancelando a aula, dirigi em semisonambulismo até em casa, estacionei o carro, encostei a cabeça no volante e chorei de exaustão.

Postado por leticia em 23:58

12.10.05

Camillina

Hoje comecei uma experiência diferente na nova escola de Foligno. Me botaram pra fazer conversação com uma menina de 6 anos.

Ela se chama Camilla e é uma figurinha. O pai trabalha numa famosa empresa suíça de sapatos que tem um milhão de lojas aqui na Itália e viaja muito a trabalho. As meninas passam boa parte do ano em Bangkok e estudam sempre em escolas internacionais, por isso falam bem direitinho o inglês e eu só tenho que manter esse inglês funcionando e corrigir certos errinhos – tipo usar o verbo no infinitivo em vez do passado, esquecer de usar o verbo auxiliar na pergunta, essas bobeirinhas típicas dos italianos. A pronúncia e a entonação são perfeitas, então na verdade não tenho muito o que fazer. Hoje desenhamos um mapa da Itália, com purpurina e tudo, porque ela se recusou terminantemente a ler. Semana que vem vou levar uns livros pra ver se ela gosta. A mãe da garota é uma mala, daquelas dondocas ridículas que não têm o que fazer. Mal fala inglês, é mulher de um alto escalão de multinacional mas tem o QI de um ovo de codorna, dentes pequenininhos e pontiagudos e um corte de cabelo que beeeeeeeeeeeeeenzadeus, e ainda quer vir me dizer o que EU tenho que fazer? Ora, vá pastar, minha senhora.

Aliás, essa escola tá cheia de pais chatos. Só porque a cidade é rica neguinho acha que é sei lá o que. Alôooooooooo, estamos em Foligno, darling, você pode ser o imperador de Foligno, mas a sua importância pro andamento do mundo é ZERO. Pelamordedeus.

Postado por leticia em 23:54

10.10.05

vai, isaurinha

Como se já não me bastassem as sarnas que tenho pra me coçar, arrumei outra. Aceitei trabalhar também praquela escola de Foligno. Não gosto da dona, mas gosto do fato de que eles fazem parte de uma cadeia, que obedecem à sede em Milão, que por sua vez obedece ao British Council. Seguem o European Framework pra línguas e usam livros legais. A escola fica em uma casa, e não em um prédio de escritórios. Até aí tudo bem, só que fica em Foligno, que é MUITO fora de mão pra mim, já que toda a minha vida (e a do Mirco) está organizada na outra direção, de Ponte San Giovanni e Perugia. Mas eles pagam bem, me dão um contrato melhor e me fazem trabalhar quatro horas seguidas por dia, coisa que com a AISIL não consigo porque meus horários são todos esburacados.

Que horas eu vou estudar, comer, dormir e fazer cocô, eu não sei. Mas a gente dá um jeito.

Postado por leticia em 23:06

22.09.05

será?

Parece – PARECE – que finalmente arrumamos um secretário. É o Stefano, um menino gigantesco de 19 anos que acabou de terminar a escola técnica de contabilidade. Quem mandou a criança pra nós foi uma das meninas da contabilidade do nosso maior cliente na oficina. A garota é esperta e por isso achamos que seu primão tem boas chances de funcionar bem com a gente.

Além de ser imenso, ele é engraçado, e quando começa a rir a gente acaba rindo junto mesmo sem saber do que se trata. Coisa mais engraçada é vê-lo junto da Elena, que é miudiiiiinha.

Eu não agüento mais pisar naquela oficina. Todas as manhãs bato ponto por lá, e não agüento maaaaaaaais. Odeio caminhões, odeio caminhonistas, odeio ferramentas, odeio prensas, odeio furadeiras, odeio gente mal educada. A coisa tá ficando tão chata que eu já tô até vendo o dia em que vou acordar com o pescoço duro, que nem no ano passado, durante aquele abominável estágio na agência de seguros. Só Stefano pode me salvar. Torçamos, torçamos.

Postado por leticia em 23:02

20.09.05

portuguêish

A minha turma de português é muito legal. É um casal jovem, ela grávida de três meses, que tem família em São Paulo, e uma menina muito legal, formada em línguas (alemão e inglês), com um namorado que adora o Brasil e uma grande curiosidade por línguas ocidentais.

É muito engraçado porque a Elisa, formada em línguas, tem obviamente mais facilidade, mas os outros dois, que já foram várias vezes ao Brasil, sabem um monte de palavras soltas (para com isso, vem cá, que saco, olha lá, hein, ih, alá!) e têm mais intimidade com a pronúncia. Que é, aliás, o fator mais desencorajante pro estrangeiro que aprende português. Até neguinho acostumar que Ronaldinho se diz Rronaudjinhu, menina do céu, que sofrimento. Passam a aula toda suspirando, um corrigindo o outro, é antchigo e não antigo, é mininu e não menino, é carro e não carru, e por aí vai. Quando eu li em voz alta um trecho que dizia "eu gosto de dirigir" eles quase infartaram. Djidjirigí? Que raio de verbo é esse?

Mas eu me divirto. E me emociono também, porque escutar alguém se esforçando pra falar a sua língua tão difícil, fazendo força pra pronúncia sair direito, e no final acabar falando igualzinho à Huňka, não é mole. Tem horas que morro de vontade de chorar.

Postado por leticia em 22:48

14.09.05

e durma-se com um barulho desses

A bomba não estourou, mas quando cheguei na escola hoje o envelope com meu chequinho dentro estava nas mãos da secretária. Coisa inédita desde que eu comecei a trabalhar com eles.

Tem gente que só funciona na base da sacudida mesmo...

Postado por leticia em 21:31

26.08.05

érre agá

O menino que tinha vindo aqui por umas semanas pra ver se dava conta do recado de ser secretário da oficina acabou se mandando. Foi contratado full-time pela empresa onde já tinha trabalhado ilegalmente antes, e resolveu ficar por lá mesmo, vendendo televisão e DVD. E com isso novamente mandamos pedido de secretários pro centro do emprego de Bastia. Por incrível que pareça, a senhora que comanda o batatal por lá trabalha muito bem. É sempre disponível, segue de perto os donos dos CVs que recebe, liga pras empresas que botaram anúncio pra saber como andam as coisas.

O problema é que só chegam salames.

Segunda-feira chegou um de Santa Maria, mas vestido como um bastiolo, todo gostosão, cinto Dolce & Gabbana, sapatos Prada, jeans Moschino (tudo com etiquetas e logomarcas enormes, claro), quilos de gel no cabelo, sobrancelhas feitas e um jeito de caminhar que ele deve ter levado algumas boas semanas pra desenvolver em frente ao espelho. Vinte anos e nada na cabeça. Parecia muito imaturo mas não necessariamente retardado, e combinamos que ele viria no dia seguinte às oito pra fazer uns dias de prova. Na tua oficina, ele veio? Nem na nossa.

Depois veio uma balzaca daquelas que ainda pensa que tem 20 anos. Cabelo repicado anos 80, batom rosa Paquita, blusa vermelha de elastex daquelas 150% sintéticas. Te olha com os olhinhos meio fechados, a cabeça de ladinho, estilo já saquei qual é a tua. Odiamos.

Depois veio um meio afeminado, de brinquinho e mechas no cabelo. Por mim e pelo Mirco, nenhum problema, ainda que sejamos meio antiquados com certas coisas, mas lugar de perua definitivamente não é em oficina. Imaginem o quanto o coitado não iria sofrer nas mãos dos operários, atualmente todos estrangeiros (incluindo dois muçulmanos). Mas mesmo assim seria um problema dele; o lance é que ele chegou com o zíper aberto, coitado, e mesmo tendo estudado escola técnica de contabilidade (são 5 anos), não sabia coisas muito básicas, e a manhã que passou comigo no escritório foi desastrosa. Salame, salame, salame. Salame com mechas.

Hoje de manhã veio uma sem queixo. A cara dela é muito engraçada, efeito intensificado pelo batom que ultrapassa os confins dos lábios. Louraça belzebu, barriga de fora, blusa ciganinha, uma bolsa Gucci pavorosa, voz de taquara rachada. Péssimo sinal, mas essa tem várias vantagens em relação aos outros salames: apesar de ter 32 anos, o que a desqualifica como aprendiz (o aprendiz ganha menos e há descontos fiscais pro empregador), está desempregada há três anos, o que imediatamente nos daria outros tipos de ajudas em termos de impostos e contribuições INPS. Além disso está fazendo um curso de administração de empresas daqueles financiados pela Regione Umbria, o que dá direito a 400 horas de estágio, pagas pela Regione e não pelo empregador. Ou seja, teríamos 400 horas de secretária grátis, suficientes pra fase de treinamento. E muito provavelmente o ente público que organiza o curso dá algum tipo de ajuda financeira, sempre tendo a Regione por trás, pra quem emprega os alunos – lógico, já que o objetivo final e concreto de todos esses cursos é enfiar essa gente no mercado de trabalho. Nosso contador está investigando melhor essas coisas pra ver o que rola. Ela teve uma malharia por sete anos, ou seja, sabe tocar pra frente uma empresa, e cuidava pessoalmente da contabilidade. Como experiência, é perfeita. Mas se tudo der certo, ainda vamos ter que convencer o Ettore, que não quer outra mulher aqui dentro. Não posso não concordar com ele; nem eu nem o Mirco escolheríamos uma mulher, se fosse possível. Uma oficina de lanternagem de caminhões e de pintura de máquinas industriais não é, definitivamente, lugar pra mulher. Primeiro porque, por mais que o Ettore e o Mirco sejam organizados e limpos, é impossível manter o ambiente impecável como o box da Ferrari. Os caminhões carregam tudo que é tipo de mercadoria, e sempre cai alguma coisa no chão – o que eu já varri de ração de coelho aqui do chão não tá no gibi. A poeira é onipresente, já que há sempre alguem lixando alguma coisa. A barulheira é tremenda, porque tem sempre alguém martelando, batendo, furando, limando, esmerilhando alguma coisa, cortando lâminas de metal, usando a prensa, soldando coisas. Pra se fazer ouvir nesse furdúncio, os meninos têm que berrar. Imaginem o bordel. Além de tudo isso, os caminhoneiros são absolutamente selvagens; ninguém dá bom dia ao telefone, entram no escritório com o cigarro aceso, entram com o caminhão a toda na oficina se calhar de encontrar o portão aberto, gritam, cumprimentam-se com tapões nas costas, trocam palavrões e imprecações. Os marroquinos fedem horrores e falam uma língua que não é nada, entendemos algumas palavras de italiano aqui e ali mas o resto é uma bagunça incompreensível. O menino do Congo, único educado e limpinho, ainda tem um italiano muito precário. Os dois equatorianos são praticamente mudos e ainda por cima falam com a boca quase fechada. Tudo é tão complicado que tem que ser muito macho pra aturar. Mas se todos os machos que chegam aqui são salames, então vai ter que ser uma Maria mesmo, e o Ettore que agüente a barra.

É uma experiência engraçada, essa de RH. É inevitável reparar em coisas que normalmente passam despercebidas (ou são ignoradas) em contatos mais rápidos e menos importantes: detalhes da roupa, do modo em que penteiam o cabelo, a intensidade e o tipo de perfume, se fuma ou não, se tem voz e jeito firmes de falar ou se está mais pro estilo gato miando, se os gestos são econômicos ou inúteis, os sinais que o rosto dá quando o interlocutor está realmente ententendo e processando o que você está falando. Estou me divertindo. Perco um tempo danado repetindo as mesmas coisas, mas me divirto.


Postado por leticia em 14:30

25.08.05

as cores de plástico não morrem

A gente vai vivendo e aprendendo, né.

Hoje eu e Mirco ficamos até quase duas da tarde tentando ajustar a cor de uma tinta pra porta de um caminhão. A cabine é branca, e aí vocês vão se perguntar, mas quanto pode ser difícil arrumar um branco? Quem trabalha com cores até vai dizer que existem muitos tipos de branco. Mas vocês sabiam que existem catalogados quase TRINTA MIL TIPOS DE BRANCO, só no ramo das tintas industriais?

O Mirco usa um tintômetro, cortesia do fornecedor de tintas, pra poder ele mesmo fazer as tintas de que precisa. O cliente dá o ano, a marca e o número do chassis do caminhão ou do carro, você insere esses dados no tintômetro, diz quanta tinta quer fazer, e ele te diz as quantidades, mantidas as justas proporções: 303,2 gramas de branco, 0,25 gramas de verde, e por aí vai. Esse branco do tal caminhão levava na fórmula original só preto e verde. Só que o caminhão é velho, já foi muito exposto ao sol e à chuva, já foi repintado outras vezes, de modo que o branco já não é mais aquele. E aí começou o sofrimento. A gente dava uma dedada de branco na porta, olhava, hm, tá cinza demais, vamos botar mais branco. Outra dedada: falta verde (eu não sou capaz de dizer se falta verde num branco, isso é coisa pro Mirco que trabalha com isso há anos). Outra dedada: falta vermelho.

As latas de tinta têm uma tampa com um misturador, sabe sorveteira elétrica, que fica com as pás girando dentro enquanto congela, pra não endurecer? Aqui é a mesma coisa; as latas de tinta, com suas tampas com misturador acoplado, ficam em uma estante com um motorzinho que faz girar umas borboletas, uma pra cada lata, que por sua vez movimentam os misturadores internos. Todas as latas têm a mesma capacidade volumétrica, mas há tintas mais ou menos densas, de modo que um litro de vermelho é muito mais pesado do que um litro de branco, por exemplo. Eu não sei direito o que é leve e o que é pesado, e quando o Mirco finalmente se rendeu e resolveu tascar umas gotas de amarelo no tal branco, mesmo não estando presente na fórmula original, lá fui eu pegar a lata. Me preparei mentalmente pra levantar no máximo 3 quilos (as latas são de 3 litros), mas esqueci do detalhe da densidade e quase quebrei o punho com o maldito amarelo, pesadíssimo.

É lindo ver as cores se misturando na lata. A tal tampa com o misturador acoplado tem um mecanismo que regula o quanto de tinta sai pelo bico – existem alguns dosadores de mel iguaizinhos no mercado; você aumenta ou diminui a boca do bico (cruzes) e assim aumenta ou diminui o fluxo de saída do que está dentro do pote/vidro/lata. Uma gotinha do amarelo cai no branco, fica ali um segundo e tchuuuuuum, afunda, some. A gente começa a misturar e lá vai ela, não mais gota mas agora uma linha, logo logo uma espiral, e depois sumiu, e eu continuo achando que não mudou nada da cor mas quando damos mais uma dedada na porta vemos que está, sim, mais puxado pro marfim.

Nessa brincadeira, muitas dedadas depois e a cabeça já girando de tanto procurar verde em branco, fomos almoçar quase às três da tarde.

Postado por leticia em 14:31

27.07.05

é chato ser foda

Uma das coisas boas da Itália é que, apesar do preconceito com os imigrantes, a meu ver plenamente justificável e que muito freqüentemente compartilho completamente, é que a curiosidade dos botenses às vezes é grande o suficiente pra vencer o preconceito.

Explico. Meu currículo de tradutora já correu o país inteiro, mas entendo que não deve ser muito comum ler coisas tipo "formada em Medicina", "Cambridge Proficiency", "professora de inglês", "ex-vendedora de salame de javali", "curso de roteiro cinematográfico na PUC-RJ", "nascida no Rio de Janeiro, Brasil", tudo isso no mesmo currículo. Então é normal que neguinho só me ligue quando a coisa aperta e surgem trabalhos bizarros que ninguém tem capacidade, ou vontade, de traduzir, e só alguém com um currículo tão estranho e inverossímel quanto o meu tem saco pra encarar. Mas às vezes acontece, e com isso já fiz trabalhos pra agências de tradução de Biella, láaaaaa nos confins do Império Austro-Húngaro, pra empresas na Toscana, e semana passada me ligaram de Foligno pedindo a tradução de uns textos técnicos sobre extintores de incêndio. Não posso ir a Biella nem quero me desabalar pra Toscana pra conhecer as outras agências, mas Foligno é aqui do lado, então liguei avisando que eu ia aparecer pra ver pessoalmente em que pé estavam as coisas. E fui, de carona com meu pai.

E o que aconteceu foi o seguinte: enquanto eu conversava com a dona da agência, uma morena muito escura por causa de melanócitos excessivamente ativos (assim ela me disse), entrou na sala um senhor barbudo e branquelo, de camisa pólo azul-celeste. Ela pediu que ele, inglês da gema mas com experiências de vida na França, na Espanha e em outros lugares, conversasse um pouco comigo em inglês. E aí repetiu-se a cena que sempre acontecia na loja do Fabrizio, o Louco: uma espécie de jogo de adivinhação, pra ver se ele descobria, pelo meu sotaque, de onde eu era. Cismou que eu era americana, e eu neguei. Começou a enunciar todos os países de língua inglesa, e eu, rindo, balançando a cabeça. Sobrou Malta, ele disse, mas o inglês maltês é esquisito. Tem certeza que você não é californiana?

Tudo isso resultou em uma nova oferta de trabalho. Porque o andar de cima é da agência de tradução, e no andar de baixo funciona, sempre pertencendo à mulher dos melanócitos assanhados, uma filial de uma famosa escola de inglês aqui do interior da Serra Leoa. Segundo o senhor inglês, que é um amor, é claro que posso dar aula (eu já tinha falado com essa escola pelo telefone, pra pedir o número de fax pra mandar o currículo, e foram muito enfáticos ao me dizer que só contratam native speakers), desde que, claro, não diga que sou brasileira. Então ficou combinado que quando (e se; não discutimos salário nem nada ainda) eu começar a dar aulas, vou virar nativa da Flórida. Então tá.

O chato de Foligno é que eu não posso ir de lambreta. E que se eu realmente conseguir voltar a estudar, vai ficar fora de mão pacas, porque é na direção oposta à de Perugia. Mas a gente dá um jeito.

E eu que só queria que me dessem livrinhos legais pra traduzir. SOMEONE GIVE ME SOME GOOD FUCKING LITERATURE!

Postado por leticia em 21:52

18.07.05

il segretario

O novo secretário é gente boa. Meio infantilzinho, mas aqui é coisa comum. Fisicamente é a cara do meu irmão, só tem os cabelos mais claros. É bonzinho pacas e está aprendendo rápido. Não é nenhum primor de esperteza e dinamismo e tenho a impressão de que em um determinado momento vai ter que escolher: ou acordar pra vida e ficar esperto, ou sofrer feito um cão na mão do Ettore e do Mirco, que são pessoas maravilhosas mas quando se trata de trabalho e coisa séria viram bicho.

Estou gostando de explicar as coisas pra ele. Juntos estamos revendo todo o meu método de trabalho. Ele é interessado e pede explicações, dá sugestões. Miraculosamente tem mais intimidade com o computador do que a imensa maioria da sua geração, o que já é um grande ponto a seu favor. Fiz pra ele um passo-a-passo do que fazer quando chega uma fatura, quando chega um caminhão, quando chegam peças pra pintar, quando chegam peças de um fornecedor. Expliquei que se a gente mantiver um método de trabalho, as chances de errar são pequenas. Expliquei que esse meu método de trabalho não veio do nada, mas de adaptações do que a coitada da Elisabetta, menina confusíssima, fazia antes, e de outras coisas que eu inventei pra simplificar a minha vida escritorial. Ele ficou todo agradecido e já começou a sacar umas coisinhas básicas.

Parece que vai funcionar bem. Acendamos velinhas.

Postado por leticia em 21:15

01.07.05

vai pro tronco ou não vai?

Os Salames estão acabando comigo. Não só porque o horário das aulas deles é terrível – terminar o expediente às dez e meia da noite é o ó – mas porque são realmente duas mulas. Ela nem tanto, mas ele, além de mula, é chatíssimo. Chatíssimo, íssimo, íssimo. Junte a isso um calor desgraçado na sala de aula, e pronto, imaginem o nível de endorfinas no meu organismo como anda: no porão do fundo do poço.

A boa notícia, se não pro meu bolso, pra minha saúde física e mental, é que a partir da semana que vem passo uma turma pra Margherita, filha de italianos da Basilicata mas born and bred na Inglaterra. Resolvemos, em reunião, que estudantes mais avançadinhos farão a primeira metade do curso com um professor não native speaker, e na segunda metade pegam um native speaker. Os Mosqueteiros não quiseram mudar de professor e continuei com eles até o fim, e a Quarentona Estressada também, mas com essa turma, que até que é legal mas tarde e longe demais pro meu gosto, deixei bem claro que é uma política da escola e que a mudança seria obrigatória. Depois de um breve muxoxo mudei de assunto e a partir de segunda a pobre Margherita é quem vai chegar tarde em casa. Num güento mais, chega.

Postado por leticia em 23:07

19.06.05

salames

De tanto eu falar que meus alunos são ótimos, simpáticos, engraçados, espertos, estudiosos, pronto, me deram de presente uma turma de salames.

São dois, macho e fêmea, cujo nível de relação interpessoal ainda não identificamos e está corroendo todo mundo de curiosidade na escola. Ele trabalha na TV, mas é todo misterioso e nunca diz exatamente o que faz. Ela é comerciante, self-made woman, tem uma espécie de estrabismo à esquerda que possivelmente é conseqüência de um acidente, e usa óculos de grau com lentes esverdeadas. Quarentona enxutona, lourona, mas nada perua, graças aos céus.

Ela é mais espertinha, interessante, gosta de viajar. Ele é um salame daqueles assim, sabe, embalados a vácuo. Do tipo que vive pro trabalho, e conseqüentemente passa o dia inteiro assistindo à TV, mas quando falo de um artista qualquer ele nunca ouviu falar. Não se interessa por mais nada além do trabalho. Fica difícil dar exemplos práticos pra uma pessoa que olha pra uma foto da Julia Roberts e depois olha pra mim, como se fosse uma 3 x 4 de uma maricota qualquer que ninguém conhece. Salame, salame.

Olha, eu sei que inglês é uma língua esquisita, cheia de mumunhas, de phrasal verbs, de pronúncias malucas que não fazem sentido, de regras que botam exceções pelo ladrão, de modos de dizer, de expressões idiomáticas. Sei que o italiano é cabeça-dura pacas quando se trata de língua estrangeira. Mas caraca, se o cara leva 8 horas pra ENTENDER o verbo to be – convenhamos, não tem o que entender, se conjuga assim e pronto, joga o verbo pra lá pra fazer a pergunta e vamos nessa, junta um not, come uma vogal, tasca um apóstrofo e vambora, não tem explicação, é assim porque é e pronto – tem alguma coisa errada. A Salama sopra todas as respostas pra ele, porque ele não é capaz de fazer um exercício que é todo igual – TODO igual, só substituindo they por mike and susan, you and I, the girls, my brothers, etc. Veja bem, um exercício com oito questões, TODAS elas com uma lacuna pra preencher com o MESMO verbo are, e o cara não acertou NENHUMA. Tudo bem que ele também é todo pessimistão, saca o tipo?, aquele que fica balançando a cabeça o tempo todo e fazendo tsc tsc e resmungando nunca vou aprender isso, caraca, como é difícil, que língua maluca, nunca vou conseguir entender, não compreendi o mecanismo. QUAL MECANISMOOOOOOOO, pergunto, arrancando os cabelos. Não tem mecanismo, não chegamos ainda na fase do mecanismo, você só tem que decorar a porra da conjugação de um verbo ridiculamente fácil, e decorar que é pra jogar o verbo antes do sujeito na pergunta, e decorar que is + not = isn't, e are + not = aren't! Caralho, exclamou a princesinha!

Além disso é lento. Ele não sabe uma resposta, eu e a Salama dizemos qual é, ele leva uns dez segundos pra começar a escrever. Quando achamos que ele já terminou de escrever e tocamos pra frente, de repente vejo o Salame olhando ainda pro exercício de antes, uma palavra escrita pela metade, a caneta da RAI na mão, parada no ar. Morte aos lentos. Odeio-os todos.

Volto da aula rouca, frustrada e com dor de cabeça. Pra não dizer completamente exausta.

Postado por leticia em 22:43

13.06.05

de línguas

Hoje foi um dia pesado. Saí de casa cedo e toquei pra Perugia, onde fiz a prova do CELI – o certificado de língua italiana mais ou menos equivalente aos de Cambridge pro inglês, por exemplo. Não sei por que cargas d'água não fiz assim que terminei o curso na Stranieri em 2002, até porque os exames são organizados por eles, mas enfim.

Sei que passei, mas o teste foi chato pra cacete. Cada texto chato, cada múltipla escolha safada. Pra variar, acabei rápido a primeira parte e fui catar alguma coisa pra comer, já prevendo que não voltaria pra casa antes das nove e meia da noite – minha última aula começa às sete e meia, em Perugia mesmo, e não valia a pena voltar pra casa, nem pelo tempo e nem pela gasolina. A prova foi num hotel de nome ridículo (Etruscan ChocoHotel. CHOCOHOTEL. Quequeísso, gente. E La Spo' ainda me pergunta se a culpa do clima maluco é do homem na lua. O clima maluco é culpa de gente que funda um hotel e lhe dá o nome de ChocoHotel. Não há Eurochocolate no mundo que justifique. Estamos falando de um nome do nível de Suely Maria, vejam bem.), bem perto de onde mora o Aluno Endocrinologista. Bom, porque amanhã de manhã volto pra prova oral, e às onze vou dali direto dar aula.

A segunda parte da prova foi a mais fácil. Tudo gramática, aquelas coisinhas bobas de completar um texto com as palavras corretas, de achar erros bestas nas frases (tipo "al ponte di" em vez de "al punto di"), de completar com os verbos no tempo correto. Fiz em 7 minutos, contados no relógio. O tempo da prova era de uma hora e quarenta e cinco minutos. Na boa, não é pra esnobar, mas puta que pariu, estamos falando do último nível de italiano; se uma criatura leva mais que meia hora pra botar uma dúzia de verbos no passado, ela está no nível errado. Não lembro direito das provas do Proficiency, mas lembro perfeitamente que era gramática das mais cascudas, sentence transformation, uns negócios barra pesada. A gramática dessa prova me surpreendeu. Nem um condicional! Nem um subjuntivo esquisito! Nem um passato remoto, minha única dificuldade com o italiano! Nada. Tudo facílimo. Levei mais dois minutos pra preencher os quadradinhos da ficha de respostas e fui lá pra fora continuar lendo The Bookseller of Kabul – delicioso, by the way.

A última parte de hoje foi o listening, também chatérrimo. A compreensão do que diziam os fulanos não era difícil, muito pelo contrário, até fácil demais, já que eles claramente se esforçavam pra falar devagaaaaaaaaar e tão pausadamente que parecia que estavam falando com retardados. Só que as perguntas eram terríveis, mal-feitas. Gosto mais daqueles listenings cheios de números e horários que te confundem, e você tem que se concentrar de verdade pra ouvir o que a mulherzinha fala com o barulho da estação de trem no fundo, sabe, coisas assim.

A mulherada – porque é só mulher que estuda línguas, impressionante – estava toda nervosíssima, principalmente o pessoal que faz o mestrado da Stranieri sobre didática da língua italiana pra estrangeiros. Se não passam no teste, não ganham o certificado do mestrado. Pra facilitar as coisas, quem queria podia escolher fazer o teste no nível 3. Não sei pra vocês, mas pra mim parece a história do inglês não mais obrigatório pro Rio Branco. Se você vai dar aula de italiano e está inclusive freqüentando um mestrado sobre o assunto, acho mais que razoável que você fale a língua PELO MENOS muito bem. Quem não vai além do nível 3 não fala nem razoavelmente bem, fala assim assim. E eu não gostaria de ter aulas de uma língua com alguém que a fala assim assim. Mas o mundo é estranho e poucas coisas me surpreendem.

Depois da chatice dos testes fui pra Ponte San Giovanni matar um par de horas até as seis, hora marcada pra minha aula de francês com o Valerio. Estacionei na sombra, no estacionamento da Coop, àquela hora vazio, escancarei as portas do carro, respirei o cheiro resinoso de pinheiro que acho que vinha da cerca-viva da casa limitante com o estacionamento, e ataquei o Bookseller of Kabul. E depois fiz minha aulinha de francês, fui cumprimentada pela minha pronúncia, voltei a Perugia, dei minha aula capenga de inglês porque tinha esquecido o livro e as fitas, e agora estou aqui em casa escrevendo pra vocês em vez de tomar banho e ir dormir, porque eu é que não tenho mais saco de dirigir até a casa do Gianni e da Chiara pra discutir uma viagem à Argentina que eu não estou nem um pouco disposta a repetir.

Boa noite.

Postado por leticia em 23:23

27.05.05

uia

O dia foi pesadíssimo.

Antes das sete e meia eu já estava na oficina, botando a papelada em ordem. Às dez toquei pra Santa Maria, pra pegar umas coisas que um amigo do Mirco deveria ter deixado na recepção do hotel da família – lógico que o tal amigo saiu pra viajar de manhã cedo e com o recepcionista deixou só o telefone sem fio que esquecemos no carro que o Mirco consertou, mas o pagamento que é bom, nada. Aproveitei pra passar no Comune em Bastia pra deixar uma cópia do novo permesso di soggiorno, fui na USL (Unità Sanitaria Locale) pra renovar minha carteirinha do sistema de saúde, passei na Rita pra comprar fruta e verdura, nos correios pra pagar o imposto do lixo e pegar uma carta registrada que chegou pro Ettore (era uma multa que um dos marroquinos levou em março), e no fornecedor de tintas pra pegar dois latões de diluente. Passei em casa pra botar as frutas na geladeira, comi correndo uma salada de macarrão que já estava pronta desde ontem, toquei pra oficina de novo, desovei os latões e fui correndo pra escola. Meio-dia e meia F. chegou pra corrigir um artigo de filosofia comigo, à uma chegaram os outros dois mosqueteiros, fizemos nossa última aula (chuif!), quando saíram M. já tava lá fora me esperando (é estudante de Medicina, tem uma voz potentíssima e é muito, muito inteligente), quando acabei com ele chegou a Quarentona Estressada, que terminou às seis e meia. Direto pra Coop pra aproveitar as ofertas (suco de fruta em caixinha, queijo robiola, macarrão Buitoni, atum em lata), e dali pra casa. Passei roupa até meia-noite e meia, sempre ouvindo essa música miserável. Mirco chegou do jantar-reunião de amigos de escola primária quando eu tava saindo do banho. Ainda tão tocando essa bosta? Sim, caro, e continuaram tocando até uma e meia da manhã, quando finalmente ligamos pros Carabinieri e imploramos pra mandar uma patrulha aqui pra desligar a musiquinha de carrossel, porque tem gente que trabalha amanhã, queridos. Minha cabeça já tava explodindo. Reguei as plantas nas varandas e dormi com Bruce Chatwin na mesinha de cabeceira, untouched.

Postado por leticia em 23:55

24.05.05

aluninhos

Finalmente minha turma do hotel/restaurante tomou tento e resolveu se dedicar mais seriamente às aulas de inglês. Bom, mais ou menos, porque o W., aquele que não entende nada e esquece que tem aula, desistiu oficialmente. I., o filho da companheira de W., que morreu há alguns anos, levou um ai-ai-ai desta que vos escreve e desde então temos conseguido ter aula pelo menos uma vez por semana, às terças-feiras.

Como o tempo tá uma delícia e nossas aulas são das seis e meia às oito da noite, quando o sol não torra mais e um ventinho fresco arrepia os cabelinhos do braço, fazemos as aulas no jardim do hotel. Passarinhos cantando ao fundo, o jardineiro que apara a cerca-viva gigante com tesouronas igualmente gigantes, hóspedes idosos que tomam sol na porta do quarto, e nós estudando inglês para hotelaria e turismo, na mesinha de plástico verde no gramado, em meio às margaridinhas primaveris. Uma diliça.

I. é simplesmente a pessoa mais gentil que eu já conheci na minha vida. Um doce de menino. O nosso consultor (leia-se vendedor), que fez a entrevista inicial com ele e lhe vendeu o curso, outro dia veio comentar isso comigo. Caramba, que gente gentil, aqueles dois! É tão raro ver essas coisas hoje em dia que a gente até se espanta. Hoje levei um alfajor pra ele de presente, porque foi o único aluno que não ganhou (simplesmente porque levamos séculos pra conseguir nos encontrar desde que cheguei de viagem; eles são enroladíssimos e toda hora têm algum problema ou então esquecem que tem aula e somem). Ficou todo bobo, tadinho. A aula foi tranqüilex e cheguei até a ficar triste de não ter ido de lambreta, porque o tempo tava lindo. Adoro a primavera.

**

Terça também é dia de Aluno Endocrinologista, em Perugia, bem na hora do almoço. Ele é um cara muito divertido, com uma expressão facial difícil de se encontrar entre os umbros. Ele tá lá lendo um texto do livro, ou respondendo a um exercício, e de repente, do nada, começa a rir sozinho.

- Quê que foi, Stefano.
- Tô lembrando da velhinha.
- Que velhinha?
- Aquela que...

E aqui ele entra com uma piada, normalmente em dialeto perugino, o que significa que ele tem que me explicar porque a graça toda está justamente em certas palavras e expressões típicas de Perugia, enquanto que aqui no vale onde moramos fala-se uma variante do italiano bastante diferente em termos de pronúncia e léxico. Ou então conta um causo que aconteceu no ambulatório – todo médico ou ex-médico tem dúzias de histórias bizarras de pacientes pra contar. Até eu tenho várias, e olha que minha experiência no ramo foi muito limitada. Ele tem um estoque aparentemente infinito. Ficamos horas dando risada. Ou então é alguma coisa maluca que aconteceu com ele, como quando, tentando expulsar um sapo da varanda de casa, o sapo espirrou alguma coisa no olho dele. No dia seguinte ele acordou cego de um olho, e todos os colegas com quem ele falava estavam mais interessados na história do sapo do que nos sintomas do olho, porque achavam curiosíssimo esse negócio de sapo que esguicha. No final o olho voltou sozinho ao normal, depois de algumas semanas, mas agora toda vez que eu olho pra ele penso no sapo e dou risada.

Isso quando a mãe dele, que mora no mesmo prédio e me adora, não vem me perguntar como vai o filho, como se estivesse no conselho de classe da escola primária.

Como é bom conhecer gente engraçada! Como é VITAL conviver com gente engraçada! :)

Postado por leticia em 21:26

19.05.05

várias

Ontem fui dar aula, pela primeira vez, na nova sede da escola, em Perugia. Levei horas pra encontrar o prédio, porque a numeração tem um quê de esquizofrênico, mas acabei achando. Tudo novinho, limpinho, cheirosinho, uma beleza. Os chefes são um Antonio, que já trabalhou na sede de Ponte San Giovanni, e uma rechonchuda sorridente que já cansei de ver na escola mas a quem nunca fui apresentada oficialmente. Aqui é meio assim, quando você vai trabalhar num lugar novo ninguém te apresenta nem explica o grau de parentela entre as pessoas (porque SEMPRE tem algum grau de parentela), você vai descobrindo com o tempo, e não sem algumas gafes inevitáveis. Não tenho a menor idéia de quem sejam essas pessoas, nem de que tipo de relacionamento tenham com a escola, nem entre eles, que aparentemente não são de Perugia mas não têm sotaque forte de nenhum outro lugar que eu reconheça; não sei nada. Sei que cheguei lá e só havia eles dois, que me acolheram como se me conhecessem há anos, e já me botaram logo pra avaliar um teste em CD que tinham criado pra nivelar os alunos.

A coisa boa é que falou-se em muita coisa nova. Parece que finalmente alguém tá dando uma sacudida na mesmice didática da escola. Falamos de viagens com os alunos, de dublagem de vídeos (segundo eles, tenho ótima voz), entre outras coisas. Gostei, apesar da aula ter terminado às nove e meia da noite, quando a chuva já começava a cair outra vez. E apesar da enxaqueca, que estava dando os últimos sinais de vida, depois do golpe de amotriptan que tomou no dia anterior. Quando cheguei em casa Mirco tava de pijama, no telefone com o Moreno, tentando convencê-lo a deixar as lesmas pra outro dia porque ainda tava chuviscando. Acabou que foi o Moreno quem o convenceu, e lá foi o Mirco caçar lesmas no mato com Moreno e Stefano. Nem vou botar as fotos aqui porque dá um certo nojinho. Na próxima vez, se não estiver enxaquecada, eu vou. Deve ser emocionante, essa coisa de safári de lesmas.

Outra coisa boa: Valerio, o outro professor que vai me dar aulas de francês em troca de aulas de português, não vai mais deixar a escola, como tinha decidido. Agora no verão muitos alunos saem de férias e vamos ter tempo de nos dedicar às nossas aulinhas, uêba!

Outra coisa boa: amanhã à tarde e sábado o dia inteiro vou participar de um curso de escrita criativa em Perugia. Dica do S., um dos meus aluninhos queridos, que também vai participar. Depois digo o que achei, e o que acharam. Ah, acendam velinhas pra mãe dele, que tá no hospital, por favor. Não a conheço, mas ele é muito legal e a irmã, que veio no meu aniversário porque é mulher do outro aluno da turma, também é, clara indicação de que a mãe tem grandes probabilidades de ser legal também.

Outra coisa boa: descobri qual era o problema com a internet, e já foi devidamente resolvido. Coisinha à toa.

Outra coisa boa: finalmente consegui botar nos eixos a turma de Petrignano, aqueles do restaurante-hotel, aqueles que esquecem que tem aula e vão pra Parma, Milão, Pádua, sem me avisar nada, bloqueando minhas terças e quintas à tardinha. O mais velho, companheiro viúvo da mãe do rapaz e dono do hotel, já desistiu, mas o rapaz, que é simplesmente a pessoa mais gentil que eu já conheci na minha vida, prometeu que vai tomar tento e voltar a estudar direito. Hoje já cancelou a aula, mas tudo bem.

Outra coisa boa: domingo vamos a Bologna, pra uma feira de equipamentos e produtos pra meios de transporte – coisa de trabalho do Mirco; ano passado foi em Verona e foi legal, apesar de não termos visto nada da cidade. Dessa vez pretendemos dar umas voltas em Bologna, cidade que ele não conhece e que eu conheço pouco, mas adoro assim mesmo. Todo mundo adora Bologna. Come-se bem, a cidade é uma delícia, alto-astral, cheia de bicicletas e estudantes, os bolonheses são muito simpáticos (o único que foge à regra é aquele retardado do Leo, aquele traste com quem trabalhei na Toscana, com os Salames, no verão passado) e têm um sotaque bem gostosinho.

A coisa chata da semana é que eu queria ir à Dinamarca visitar minha prima Paola, e dar uma mão com as 3 creonças antes que ela fique louca, mas se a bosta do permesso di soggiorno, que em teoria sai amanhã, não ficar pronto logo, não posso sair da Itália. Não podendo confiar na data em que disseram que ia ficar pronto, não pude comprar a passagem pra Copenhagen. A coitada da Paola, que tem não sei quantos laudos de joelhos e crânios e colunas pra dar, deve estar enlouquecida. Burocracia é uma bosta mesmo.

Postado por leticia em 12:01

14.03.05

ui

Hoje preciso:

- dar outra limpada na casa pra pelo menos garantir um estado de semi-limpeza quando voltarmos, já que o Mirco não tem tempo nem de se coçar, quando mais de passar o aspirador de pó.
- lavar o cabelo e rezar pra ele se comportar direito.
- levar a mala velha cheia de roupa de verão pra garagem.
- preparar o almoço.
- passar um Everest de roupas que se acumularam aqui nas últimas semanas. Ainda não fechei a mala porque dois pares de calça Capri e duas blusinhas amarrotadas estão na fila de espera do tratamento anti-rugas.
- decidir qual livro levar pra ler no avião.
- separar o calmantinho meia-boca pro Mirco, se ele não conseguir dormir no avião – coisa pouco provável, já que ele dorme até em pé, se deixar.
- resistir e não dormir depois do almoço, porque quero chegar exausta ao aeroporto e ver se assim consigo dormir no avião.

Quem vai nos levar a Roma é a Roberta, irmã do Gianni. Quero só ver se as malas vão caber no Golf. De qualquer maneira, saímos daqui às três e meia da tarde. Precisamos chegar cedo e ser os primeiros a fazer o check-in, pra ver se conseguimos botar Gianni e Chiara nas poltronas da frente, que têm mais espaço pras pernas. Nessas horas ser alto é realmente um porre.

Postado por leticia em 08:59

12.03.05

enxaq

Imaginem que ontem, depois de antecipar a aula da Quarentona Estressada porque o Burbone e a Burbina não puderam vir, resolvi dar um pulo na minha médica, pra pegar mais umas amostras do remédio pra enxaqueca. Os horários dela são muito estranhos e por isso depois daquela vez em que ela me deu uma amostrinha pra experimentar, não tive mais tempo de ir lá – minhas aulas concidem com todos os horários possíveis da doutora. Dessa vez tive sorte, e quando cheguei só tinham 6 pessoas na minha frente. E eu, retardada, sem um livrinho pra ler, porque esqueci no carro. O tempo passa, e sinto estranhas pontadas atrás do olho esquerdo. Ironia do destino, quando finalmente entrei pra falar com a doutora, já não estava enxergando nada. Peguei minhas duas caixinhas de amostra grátis, a receita pra pegar outra caixa de grátis na farmácia, tomei logo um comprimido, entrei no carro e não tenho a menor idéia de como consegui chegar em casa, porque não só não via nada, como não entendia nada do que estava acontecendo ao meu redor. Me joguei na cama e chapei até as nove e meia, quando acordei sozinha, e arrisquei ligar a TV. Apesar de ter tomado o remédio tarde demais, mais ou menos uma hora depois do início dos sintomas, deu uma ajudada boa e consegui assistir à televisão. Grissom me fez companhia enquanto o Mirco foi ao cinema com o Moreno, que tinha entrado em crise novamente depois de rever a ex, o grande amor da vida dele, numa discoteca. Só que depois não consegui mais dormir. Mirco voltou e eu ainda no sofá da sala, a TV ligada baixinho e a dor latejante atrás do olho já bem mais sutil. Às quatro da manhã desisti e fui pro computador terminar a revisão da tradução maneira. Terminei às dez e meia, fui fazer compras e aos correios, voltei pra casa, fiz faxina, engatilhei o almoço (peito de frango grelhado, brócolis no vapor saltati all’aglio e olio, pirê de batata), lavei a cabeça, desci à garagem pra pegar as malas, comecei a fazer as malas, me irritei porque não achei um suéter que o Mirco me deu há dois anos e eu amo e não sei onde enfiei, experimentei roupas pra saber o que cabe e o que não cabe e conseqüentemente o que posso levar e o que não posso, e às quatro da tarde o Mirco chegou da oficina, rugindo de fome. Almoçamos, minhas olheiras assustaram a nós dois, fui tirar um ronquinho enquanto ele foi comprar luvas de borracha pra oficina, mais tarde pensamos em ir ao cinema mas desistimos e ficamos vendo TV. Pra variar, chapamos no sofá.

Postado por leticia em 08:37

09.03.05

blé

Ando meio assim sem sono, e quando acordo cedíssimo pego um livro, obviamente, e detono o bichinho. Domingo de manhã detonei La Stagione della Caccia, mais um Camilleri bem legal. Hoje foi a vez de The Importance of Being Earnest, de Oscar Wilde, que apesar de ser uma peça de teatro (eu ODEIOOOOOOOOOOOOOOO teatro) é bem legalzinho, mordaz, malvado, divertido – um ótimo passatempo. De hoje até a hora de viajar, na segunda, provavelmente só vou ter tempo de ler mais um mísero livrinho, porque tenho mil coisas pra fazer. A agitação pré-viagem ainda não tomou conta de mim, provavelmente porque eu detesto argentinos, detesto espanhol, detesto frio, vou pisar no Brasil só por dois dias e meio em Foz e não vai dar pra ir ao Rio, porque não tenho todo o dinheiro de que precisaria pra comprar tudo o que eu quero, porque meu cabelo tá uma merda, porque a situação econômica aqui (e com "aqui" me refiro à Itália no bojo) tá mais preta que o bico do peito da nega do leite.

A tradução legal que preciso entregar antes de viajar já foi devidamente terminada, agora falta dar uma superhipermegarevisada, trabalho muito dificultado pelo fato de que eu não tenho dicionário de português aqui. Se as mulas do hotel em Foz não derem pra trás, pelo menos esse problema vai ter sido resolvido nos próximos trabalhos, porque o Houaiss em CD já foi expedido pro Paraná. Também pretendo comprar um teclado brasileiro, pra parar com essa palhaçada de ter que acentuar na mão.

E juntamente com a revisão da tradução, com as aulas que me restam a dar, com as manhãs na oficina e com o dia-a-dia da casa, ainda tenho que pegar a mala na garagem, selecionar as roupas de verão que vou levar, achar lugar pra botar o resto (e essa vai ser a parte mais difícil, porque os armários estão cheios de volumosas roupas de inverno e não tem lugar nem pra mais uma calcinha, quanto mais pra blusinhas e afins), deixar uns molhinhos prontos pro Mirco poder almoçar sem estresse enquanto eu não estiver, tomar cuidado pra não deixar nada de estragável na geladeira senão o Mirco esquece e quando voltarmos vai ter um fungo gigante e mutante dentro, passar as roupas de verão que estão desde setembro enfiadas em malas na garagem, preparar o beauty case, o kit quelóide e o kit protetor solar fator um milhão, fazer uma lista do que eu pretendo/preciso comprar, essas coisas. Caraca, agora lembrei que também tenho que levar os cachorros pra vacinar.

E aí quando voltar vai ser ralation total: em abril vence meu IPVA, meu INPS, meu permesso di soggiorno, e o relaxamento do meu cabelo. Maravilha.

Mas abril também é o mês do meu aniversário. Dia 17. Cês já pensaram no que vão me mandar de presente? Hein?

Postado por leticia em 19:11

02.03.05

ristorante

Hoje, depois de uma manhã insana na oficina, preparando as faturas de janeiro, finalmente consegui dar a primeira aula decente aos dois alunos de Petrignano. As aulas são no restaurante do hotel do Walter, que é o ex-companheiro da mãe do Ivan, o outro aluno. O Walter é um caso perdido, não presta atenção, não entende nada, não aprende mais nada, mas o Ivan é esperto. O problema é que eles nunca conseguem ter aula: esquecem, viajam, não podem, ficam doentes. Em teoria eu comecei com eles em fevereiro, mas só fui conhecer o Walter semana passada, e mesmo assim a aula durou meia hora porque ele chegou atrasado e saiu mais cedo.

A coisa engraçada é que a aula termina às oito, quando já tem alguns clientes chegando ao restaurante pra jantar. Nós ali, sentados num canto perto da porta da cozinha, discutindo o uso de there is e there are, e os clientes observando de longe enquanto pedem o filé com pimenta verde e verdura no alho. Outra coisa engraçada é que o toca-fitas que usamos pra ouvir as fitas do livro normalmente fica na cozinha, ao lado da máquina que faz a massa, ou seja, é todo coberto de respingos de massa de macarrão. Coisa de louco. Mas ontem até que me diverti, não posso reclamar. E também recebi uma sondagem telefônica de uma escola de línguas em Perugia onde nem lembrava mais de ter deixado o currículo. Parece que tem mais alguma louca querendo aprender Português, e se a garota concordar com o preço pode ser que role. Bom, muito bom.

Postado por leticia em 07:49

25.02.05

num credito!

Acabei a Tradução Infinita! Nem acredito!

Tô com os punhos doendo, vou lá comer uma pizza e descansar minhas mãozinhas exaustas e em estado pré-LER. Ciao.

Postado por leticia em 20:10

22.02.05

ew

Ainda não terminei a Tradução Mais Chata do Mundo. Não consigo me concentrar, o troço é chato demais! Agora falta pouco, mas parece que por isso mesmo faltam também as forças. Só de olhar pro Word já tenho vontade de sair correndo.

A sorte é que vem outra tradução legal depois. Estranha, mas legal. E é segredo também, então tá de bom tamanho que vocês fiquem felizinhos por mim, tá bom?

Postado por leticia em 08:52

22.01.05

uhuuu

Ganhei uma turma nova. É um delicioso grupo de três pessoas, de nível intermediário-avançado; nos encontramos quatro horas por semana, às quartas à tarde e aos sábados de manhã. Foram uma mais que grata surpresa, e não só porque recebo mais por turmas de mais de três alunos. Temos S., namorando há 13 anos, apaixonado pela Escócia e assinante da revista Celtica, que eu nem sabia que existia. Temos M., 34 anos, casado com a irmã de S., consultor de informática, parceiro de xadrez de S. Temos F., 28 anos, casada, um filho de dois anos e uma gravidez de dois meses, formada em Filosofia, terminando um Master em Filosofia da Ciência, seja lá o que isso significa. Todos gostam de viajar, de ver coisas diferentes, de ir ao cinema, de ler ficção científica, fantasia e romances históricos. Não é uma bênção?

Além deles, agora me encontro na seguinte situação pedagógica: tem a Quarentona Estressada, que tem aulas de Português duas vezes por semana e rende um outro post só pra ela; tem o Burbone e a Burbina, pai médico do trabalho e filha figuraça, que têm aulas de Inglês Elementar e são fãs dos meus cookies; tem o Aluno Endocrinologista, em Perugia, que também faz Inglês. Agora parece que vai rolar uma outra turma em Collazzone, que é meio longe daqui mas pagam minha gasolina, então não tem grilo. Nada confirmado ainda, mas outras coisas estão surgindo. Bom.

Bicha Pedagógica ligou pro S. semana passada, depois da aula, pra perguntar o que ele tinha achado. Todo mundo em silêncio na recepção, como se fosse uma conversa reservada, e Bicha Pedagógica repetindo tudo o que o menino falava do outro lado da linha: que tinha levado um choque porque imaginava que o curso seria mais fácil, que não imaginava que ia cair com alguém que falava Inglês tão bem, que ele e os outros se sentiram transportados pros EUA (e confesso que foi difícil conter a risada). O melhor de tudo foi que o Chefe Catanese estava na sala e ouviu tudo. Mais tarde veio comentar comigo que tinha falado pessoalmente com o Burbone, que declarou estar satisfeitíssimo com as aulas. Que eles (e eu também) se divertem, eu sei, porque passamos a aula inteira rindo. Volto pra casa exausta, porque Burbina só tem 9 anos e tem muita dificuldade em acompanhar o ritmo do pai, que bem ou mal se lembra de muita coisa, mas me divirto, e isso é absolutamente crucial.

E pra comemorar a esplêndida relação custo-benefício do meu salário de dezembro, me dei de presente um par de horas na minha livraria preferida. Comprei um livro de exercícios de Francês básico, os contos de Lampedusa, dois Camilleri da série do Commissario Montalbano, Lady Chatterley’s Lover, Billy Budd. Em casa me esperam ansiosamente The Importance of Being Earnest, Bartleby the Scrivener, L'Étranger (olha como eu sou otimista), entre outros. Quase comprei o guia Lonely Planet da Irlanda, mas era caro pra burro e resolvi não exagerar. Até porque daqui a uma semana tem Dusseldorf, e mais tarde tem Argentina.

Postado por leticia em 09:07

12.01.05

ui

Os dias têm andado corridíssimos. Ontem foi a última aula de Português pra Bicha Chata, o que significa cinco horas e meia a menos de aula por semana, até me arrumarem outros alunos. Quando não estou dando aula, estou rodando por aí, entregando faturas a clientes e levando cheques a fornecedores, pegando peças de caminhão ou latas de tinta e solvente com o meu carro, o do Mirco ou o Fiat Uno caquético da oficina, encarando a fila no banco ou nos correios. E o resto do tempo fico aqui na oficina, que por enquanto anda bem tranqüila, apesar de não faltar trabalho. Estamos numa fase interessante, de preparação pré-organizativa, por assim dizer. Oficialmente desde primeiro de janeiro a oficina está no nome do Mirco, e começamos tudo do zero. Arrumei todo o escritório, exilei lá pra cima do armário os arquivos e fichários com documentos de 99, 2000 e 2001 e trouxe os outros, mais recentes, pra dentro do armário. Tirei muita poeira e teia de aranha, botei tudo em ordem cronológica, remendei etiquetas caidas; fizemos novas etiquetas e divisores internos pros novos fichários, tudo mais simples e mais organizado. Dei uma geral no computador, que é entupido de coisas estranhas em lugares bizarros – culpa da terrível falta de intimidade do italiano com eletrodomésticos em geral. A Elisabetta, secretária que saiu daqui no começo de dezembro, era um amor mas não particularmente brilhante. Assim como o Mirco, só sabia usar Excel, até pra escrever cartas, um hábito abominável que estou custando a remover do cérebro do lanterneiro. Além disso ela tinha mania de salvar documentos, muitas vezes enormes, no desktop – não sabia criar atalhos. Há varios files chamados "fatura" – de quê? De compra? De venda? De que ano? A quantidade de post-its colados pelo computador, ao redor do monitor, por cima das páginas do calendário de parede, é assustadora. Há uma quantidade impressionante de informação espalhada por todo o escritório, e aos poucos estou tentando botar ordem nas coisas, juntar anotações que falem do mesmo assunto, criar bancos de dados, atualizar os já existentes. Criei arquivos e tabelas pra tentar facilitar na hora de fazer as faturas, que devem fazer referência aos respectivos recibos fiscais e documentos de transporte; assim, em vez de ter que enlouquecer catando toda essa papelada na hora de faturar, basta copiar e colar a informação que já inseri na tabela.

Mas a culpa do antigo caos não era só da Elisabetta, coitada. Aqui ela tinha que lutar contra uma quantidade imensa de monstruosos inimigos da calma, da paciência e da organização: a ignorância, a voz alta, o stress, o dialeto e o semi-autismo do Ettore; a ignorância, a voz alta, o stress, os dialetos e a total falta de educação dos motoristas de caminhão, que entravam aqui como se fosse a casa da mãe Joana, falando alto, pegando no telefone, fumando, apoiando coisas em cima da escrivaninha; o barulho enlouquecedor de tornos, esmeris, prensas, máquina de cortar folhas de metal, pistolas de pintura a jato de ar comprimido, marteladas, marretadas, furadeiras, máquinas de soldar; a eterna poeira que se deposita imediatamente após a mais vigorosa faxina; a sirene de alerta das duas empilhadeiras quando dão marcha a ré; o cheiro de tinta, o fedor dos marroquinos, a fumaça dos caminhões, a umidade e o frio ártico do escritório, as blasfêmias de todos aqui – outro hábito horrível que estou penando pra abolir da vida do Mirco. Difícil se concentrar e fazer alguma coisa direito com tudo isso acontecendo. Mas aparentemente agora a coisa se acalmou, porque o Ettore realmente parou de dar pitaco e só abre a boca quando lhe perguntam alguma coisa. Cliente que não paga não é mais atendido, fornecedor que erra muito nas faturas (sempre pra mais, obviamente) e/ou entrega o que lhe dá na telha, além do que foi pedido, deixa de ser fornecedor, e só isso já reduziu MOOOOITO o nível de stress. Também não se faz mais hora extra; chega-se meia hora mais cedo de manhã, tenta-se respeitar os orçamentos feitos aos clientes, vai-se embora na hora de ir embora. Mudamos de contador: deixamos pra lá o Furio, que é amigo da família mas um horror em termos de organização e pontualidade, e pegamos o Giuseppe, amigo do Moreno, um cara legal, jovem, formado em Economia e Comércio, que sabe o que está fazendo. Então começamos com o pé direito, com tudo novo, tudo organizado, todos os documentos em ordem e tirados no prazo certo, tudo devidamente carimbado, assinado, xerocado, arquivado, de modo que não vai mais ser preciso organizar uma caça ao tesouro pra achar uma xerox do documento do marroquino ou os documentos de smaltimento (como é isso em Português? Em Inglês seria algo como disposal) de tinta e outros materiais tóxicos que obviamente não podem ser simplesmente jogados no lixo. Agora sabe-se onde está tudo, criamos uma bela rotina de trabalho, o que reduz a probabilidade de erros e de esquecimentos; quem manda é só o Mirco, de verdade, nada mais de autoridade dividida; não tem mais briga com cliente chato que não paga, não tem mais aquelas loucuras de trabalhar sábado à tarde e domingo de manhã porque o cliente largou o caminhão aqui na sexta à noite e o quer pronto e pimpante na segunda de manhã cedo, não tem mais essas maluquices. Já consigo ficar aqui o dia inteiro sem querer chorar de irritação, como acontecia antes.

Claro que o ideal seria estar dando mais aulas e vir pra cá só nas horas livres, até porque agora ficou muito mais fácil e muito menos time-consuming manter tudo organizado, e não há necessidade de ter alguém aqui plantado no escritório oito horas por dia. O telefone toca menos, porque praticamente só cliente chato é que ligava pra torrar a paciência do Ettore; como agora já sabem que com o Mirco o buraco é mais embaixo, os mais chatos simplesmente deixam de vir, pra não ter que ficar chorando preço, prazo, sei lá mais o quê, ou explicando por que raios não pagou a última fatura, ou por que o cheque bateu e voltou. Depois de um certo horário já não tenho mais nada de concreto pra fazer, enquanto que em casa as coisas pra limpar, as roupas pra passar, a comida pra cozinhar, a louça pra lavar (ah, isso não, porque eu sou paranóica com louça e lavo tudo antes mesmo de terminar de mastigar a última garfada), os livros pra ler, as coisas pra escrever, o nada pra fazer, se acumulam. Não posso reclamar; gosto de me sentir útil, e menos culpada por não poder pagar exatamente a metade de todas as nossas contas, e também estou aprendendo muita coisa e tentando perder a mania de deixar tudo pra cima da hora, mas por outro lado preciso de tempo pra fazer as minhas coisinhas. Estou de dedinhos cruzados pra ver se me aparecem novos alunos e novas traduções. Já falei com a Bicha Pedagógica lá da escola pra me arrumar logo uns alunos, de preferência por ali mesmo, na sede, e não em Perugia, que eu não tenho dinheiro pra pagar toda essa gasolina. Vamos ver no que vai dar. Já apareceu uma proposta pra dar aula pra um casal "muito exigente", o que quer que isso signifique, lá nos cafundós do Judas, sexta-feira, das sete às nove da noite. Falei pra Bicha Pedagógica, tá brincando, né, nega? A escola considera toda Perugia como sendo "in zona", e por isso não me paga adicional, mas pra mim não é não! São trinta quilômetros da porta de casa até essa última saída de Perugia, e é melhor nem falar dos engarrafamentos. Inda mais sexta-feira à noite! Tá bom que o cinema fica ali pertinho, mas peraí, né, tudo tem seu limite. Ele ficou de me arrumar coisa melhor, mas insistiu muito pra eu pensar, porque esse casal "muito exigente" não quer qualquer um dando aula pra eles não, e eu sou ex-médica, limpinha, domino perfeitamente todas as línguas que falo, não blasfemo nem falo (muito) palavrão, sou viajada, estudada, cheirosa, tenho dentes estupendos e fisicamente tenho nacionalidade não-definida, o que, acreditem, é uma coisa ma-ra-vi-lho-sa. Bicha Pedagógica deixou bem claro que eu TENHO que ir dar aula pro Casal Exigente, porque não há mais ninguém na escola que tenhas as minhas características – só ele, que morou 8 anos em Londres, coisa que ninguém diria já que ele não é exatamente muito esperto. Mas dar aula lá onde o vento faz a curva você não quer, né, bella? Bati o pezinho e disse pra ele jogar uma conversa em cima do Chefe Catanese (ah, esses sicilianos...) pra ver se ele me paga a gasolina. Senão não tem história. Ah, fafavoaêeee....

Postado por leticia em 19:55

19.06.04

Pequena introdução pra galera se situar + capitolo primo

Leo é uma mala sem alça. Ele aluga carros pra turistas americanos e ingleses, e na maioria das vezes vai buscá-los no aeroporto e os leva pro hotel ou pra villa alugada. Na verdade esse "transfer" é a sua especialidade. Não poderia ser de outro modo, já que ele não fala quase nada de Inglês e é completamente desprovido de classe, e por isso fica limitado a dirigir o carro mesmo. Eu fui chamada pra trabalhar como intérprete, quebra-galhos ocasional e boa companhia.

Ele trabalha, na maioria das vezes, com clientes de uma conceituada agência de aluguel de ville (lembrem-se que o plural em italiano não tem s), com sede em Londres. Esse grupo que acompanhamos na Toscana nesses 12 dias é composto de 13 pessoas, que fizeram contato com a agência de Londres através da agência de turismo deles nos EUA. Não posso dizer nem o nome da família nem o da cidade onde moram, porque é gente MUITO rica e conhecida. Digamos que a família se chama Xis. Essas 13 pessoas são: o Salame, filho do poderoso patriarca Mr. Xis (quando um homem é um bundão, em italiano, se diz que è un salame. Bundão como esse eu nunca vi, por isso o apelido), a Mulher do Salame, os Quatro Filhos dos Salames (digamos Salaminhos 1, 2, 3 e 4, em ordem cronológica), a melhor amiga da Mulher do Salame, que chamaremos de Morena Simpática, sua única filha, que chamaremos de Sardenta Sorridente, dois dos três filhos do seu segundo marido (ela ficou viúva quando estava grávida de 8 meses da Sardenta Sorridente, e anos depois casou com um viúvo com 3 filhos), que chamaremos de Moreninho e de Blonde Teenager, o melhor amigo do Salame, doravante chamado Super Stronzo, e as duas baby-sitters, que chamaremos de Ruivona e Filipinona (o motivo do aumentativo é puramente estético – a Ruivona é ENORME e a Filipinona, de origem obviamente filipina, é bem, bem gordinha). A família Xis tem tanto, mas tanto, mas tanto dinheiro que eu não consigo nem explicar. Mas vou dar exemplos ao longo dos posts e vocês vão entender o nível dessa gente.

A família Xis alugou uma villa em Larniano, uma colina pertencente a San Gimignano, província de Siena. Na Toscana quase tudo que é colina tem um nome, como se cada uma fosse um bairro, todos pertencentes à cidade principal. A villa di Larniano é simplesmente uma torre construída no ano 1000. Isso mesmo que vocês leram, ano 1000.


É bem grande, tem um monte de quartos, um monte de banheiros, máquina de lavar louça e máquina de lavar roupa, piscina imensa, quadra de tênis, cozinha confortável, salões e mais salões, TV com DVD player. As babás ficaram hospedadas num hotel 4 estrelas na entrada da cidade.

Os carros de aluguel eram 3: duas monovolumes (uma Renault Espace modernérrima, com cartão em vez de chave, e uma Ford cujo modelo esqueci) e uma Opel Astra pras babás.

Os Salames não trabalham, seus filhos não vão à escola mas são homeschooled (e as babás, ambas de formação pedagógica, ajudam, juntamente com os infinitos professores particulares). O Super Stronzo é arquiteto e antipático. A Morena Simpática é ex-bailarina e coreógrafa, elegante, linda, super sorridente. O velho Mr. Xis é um dos maiores acionistas de uma das mais importantes publicações dos EUA, e tem tantas, mas tantas empresas que um dia resolveu dar uma de presente ao melhor amigo de cada filho. O Super Stronzo se encarregou de falir a que ele ganhou.

Os Salames têm casa na Suíça, em um outro lugar dos EUA onde passam o verão inteiro, e em outros lugares que eu já esqueci. São muito religiosos e seriamente envolvidos com a sua igreja, que não sei qual é porque esse assunto realmente não me interessa.

Background completo, vamos ao relato propriamente dito...


Sábado, 19 de junho

Acordei super cedo e saí de casa antes das seis e meia. Fui até Todi encontrar o Leo e o microônibus. Logo de cara já me irritei: quando perguntei onde deveria sair da estrada, ele falou "pega a saída de Todi". Só que Todi tem duas saídas, uma chamada Todi-Orvieto, que é meio lateral à cidade, e outra chamada Todi-San Damiano, que fica bem de frente pra Todi, e foi onde eu saí. Liguei pra ele pra avisar onde eu estava, e seguiu-se o seguinte diálogo:

Leo: Por que você saiu em San Damiano?
Leticia: Porque você é super esperto e sabe dar indicações muito bem, e mesmo sabendo que eu não conheço NADA de Todi nem se preocupou em dizer qual saída pegar. Super legal, adorei. Adoro me perder.

Tudo bem, ele veio me buscar, demos a volta toda de novo. Deixei o carro estacionado em frente a um centro commerciale, subi no microônibus, cujo motorista se chamava Massimo, e fomos pro aeroporto de Roma. Leo foi pegar outros clientes no centro de Todi, que teriam que ir ao aeroporto também – dois coelhos com uma porrada só.

Chegamos cedo demais. Fiquei uma hora batendo papo com o Massimo no ônibus, sem entender quase nada – ele é de uma cidadezinha minúscula perto do Lago Trasimeno e tem um sotaque horrível, além de ser super bronco, o que invariavelmente atrapalha a dicção. A hora da chegada do vôo dos Salames foi se aproximando, e eu fui ao portão de chegada esperar, com aquele cartazinho ridículo na mão, escrito Family Xis. Nunca imaginei que um dia fosse passar por uma situação dessas. Ao meu redor, amontoados num canto do portão de desembarque, mil outros Leos, cada um com seu cartazinho escrito à mão e com grafia errada, enchiam o saco dos passageiros que saíam perguntando que vôo era aquele que tinha acabado de aterrissar. O monitor avisava que o vôo dos Salames estava desembarcando, e nada do Leo chegar. Chegou, todo suado, praticamente junto com eles. Um bando de crianças louras e sorridentes, e TRILHÕESSSSSSSSSS de malas enormes, do tipo que cabem dois cadáveres dentro, confortavelmente instalados. Cumprimentos, apertos de mão, carregamos o ônibus de malas, todo mundo sobiu, Leo montou na sua Alfa preta, e lá fomos nós pra Todi, onde íamos parar pra almoçar.

A viagem a Todi é tranquila; alguns minutos de bate-papo desconfortável e formal intercalados com meias-horas de sono. Em Todi almoçamos no La Mulinella (Località Pontenaia - Todi (PG) - 075.8944779), os Salames numa mesa linda no jardim, embaixo de uma árvore, e eu com o Massimo, no ar condicionado dentro do restaurante. Comi tagliatelle com molho de ganso, super bem feito. Eles fazem um pão com nozes que é de comer chorando. As crianças Salame comeram macarrão com manteiga – sacrilégio, italiano odeia manteiga. A Mulher do Salame conseguiu convencer o garçom a trazer um cappuccino pra ela em plena hora do almoço, coisa incrível, já que normalmente os italianos são extremamente puristas quando se fala de comida, e quase sempre se recusam a cometer heresias alimentares, não interessa quem está pedindo. Mas ela lançou um sorriso de Mulher de Salame Milionário e o garçom trouxe o cappuccino, não sem revirar os olhos, claro.

Acabado o almoço, era hora de tocar pra San Gimignano. Leo me veio com a novidade: eu tinha que levar o carro das babás até a Toscana, coisa que não estava prevista nos nossos acordos iniciais. Esse carro já deveria estar em Larniano, com os outros dois, e em momento nenhum se falou em Leticia dirigindo. Mas, como não tinha outro jeito, lá fui eu dirigindo a Opel Astra – carrão, aliás, motor tinindo, ar condicionado super power.

A viagem foi um saco. As estradas depois da saída pra Siena estão em obras há anos e o tráfego corre em uma única fila em cada direção. Levamos séculos pra chegar a S. Gimignano, mas pelo menos a paisagem é bonita. E vi uma coisa insólita, num lugar insólito: um velho pastor de ovelhas, de cajado e tudo, sentado à sombra de uma árvore, enquanto os carneiros pastavam num pedaço de campo às margens da autostrada Roma-Firenze, uma das mais movimentadas do país. Eu tinha decorado o número do quilômetro, mas não anotei e agora esqueci. Mas a imagem incongruente ficou gravada na minha cabeça, e vai ser uma das últimas a sumir se um dia eu tiver Alzheimer.

Chegando à villa, as crianças foram direto trocar de roupa e pular na piscina. Na cozinha encontrei a Giuseppina, toscana de sovaco cabeludo que prepara refeições a domicílio pra turistas endinheirados, com a ajuda do filho rastafari Simone. O jantar daquele dia estava na grande mesa do terraço: como antipasto, bruschette de berinjela e de tomate e lindos barquinhos de massa recheados com creme de abobrinha e flor de abobrinha. De primo, spaghetti com molho de tomate fresco, e de secondo, asas e coxas de frango assadas. Vinho branco e água mineral. Claro que ninguém comeu nada, porque tinham se entupido de besteira no ônibus. Giuseppina ficou puta da vida, mas disfarçou bem. Nós ficamos resolvendo os últimos pepinos com o Massimo, administrador da villa – providenciando mais toalhas, aprendendo a mexer na máquina de lavar roupa, etc. Fomos até o hotel das babás (Relais Santa Chiara - Via Matteotti, 15 - S. Gimignano (SI) 0577.940701), que nos seguiram no Astra, e depois finalmente nos dirigimos a Racciano, uma outra colina ali perto onde eu e Leo ficamos hospedados numa outra casa do mesmo dono da Villa di Larniano. A casa era minúscula, dois quartos, um banheiro, uma sala/cozinha e um rustico embaixo, com lareira e uma mini-cozinha. A minusculidade da casa foi um IMENSO motivo de irritação: não tenho a MENORRRRRRRRR intimidade com o Leo e dividir aquela casa microscópica, e, pior, dividir banheiro com ele, foi uma das piores experiências da minha vida. Mas enfim.

O bom da casa é a vista: Racciano fica numa posição exatamente oposta à colina onde fica S. Gimignano, por isso da janela da cozinha dava pra ver as torres da cidade:


Leo saiu pra comer pizza. Eu fiquei em casa lendo A Brief History of Time e acabei adormecendo, mas acordei com ele chegando em casa. Ele mora sozinho há anos e, sem ter ninguém que dê uns toques de vez em quando, foi ficando incrivelmente barulhento, fala e resmunga sozinho, fala alto, deixa a torneira aberta enquanto vai beber água na cozinha, um PORREEEEEEEEEE. Também não toma banho todo dia e não vi nem sombra de escova de dentes.

Postado por leticia em 19:45

18.06.04

uhuuu

Amanhã cedinho parto pra Todi, onde vou encontrar aquela mala do Leo, deixar o meu carro estacionado sei lá onde, e juntos vamos ao aeroporto de Roma pegar aqueles americanos milionários pra quem eu vou trabalhar como intérprete. Talvez eu volte amanhã mesmo e só comece a trabalhar de verdade do domingo até o começo de julho, mas de qualquer maneira não se assustem quando eu sumir: estarei rodando pela Toscana, vendo lugares maravilhosos que eu ainda não conheço, e podem deixar que estou levando meu diário convencional e quando voltar faço o relato completo.

E falando em gente cheia da grana, nem contei a história do canadense e seu Car from Overseas.

Estou eu entrando na agência outro dia, com a sólita má-vontade, quando vejo uma ruivinha sentada à frente da Roberta, uma das secretárias. O sotaque era inconfundível: ou era americana ou canadense. E era canadense. Ativei meus Super Ouvidos de Tuberculoso pacamanca Inc. e pesquei a seguinte história: ela era a assistente pessoal (será que um dia eu vou ser tão rica que vou precisar de assistentes pessoais em outros países?) de um canadense que comprou uma casa no monte, atrás de Assis (avaliada em 400.000 euros), e que, apesar de ter cidadania italiana, não tem residência oficial aqui, e por isso não pode comprar carro. Como aqui não rola nada sem carro, ainda mais pra quem mora no morro, ele quer trazer o carro dele do Canadá pra cá. Vou repetir, se alguém não entendeu direito: ELE QUER TRAZER UM CARRO DO CANADÁ PRA CÁ. E a discussão toda era em torno da possibilidade ou não de fazer uma coisa do gênero, em termos assicurativos. Parece que depois de sei lá quantos meses aqui, um carro estrangeiro tem que obrigatoriamente ser registrado na Itália e pegar placa italiana. Fiquei curiosíssima, needless to say, e outro dia, quando ela voltou com o tal canadense, que aliás é muito simpático e não tem a menor cara de milionário, até porque é bem jovem, eu bem dei um jeito de me intrometer e bater papo em Inglês. Não deu tempo de descobrir como é que essa criatura ganha toda essa grana porque o maldito cliente com quem eu tinha horário marcado chegou, mas eu já falei pra Roberta perguntar, assim como quem não quer nada, a próxima vez que ele aparecer lá (ele tem que ir levar e assinar uns documentos).

Postado por leticia em 09:31

03.05.04

a coisa tá ficando boa (era hora!)

Então o lance é o seguinte: aquele cara de Todi, que aluga carro pra turista americano endinheirado, pra quem eu traduzo os e-mails de negociação com os gringos, me convidou pra ser intérprete de um grupo cheíssimo da grana que vem pra Toscana no final de junho. Se eles aceitarem os meus selviços, que obviamente não se limitam a traduzir do Inglês pro Italiano e vice-versa mas incluem explicações gastronômicas e enológicas (claro), históricas e linguísticas, curiosidades locais, além da minha infinita simpatia e capacidade de entretenimento, vou faturar uma graninha boazinha que vai dar pra quase pagar minha passagem pro Rio em julho – se eles deixarem gorjeta, melhor ainda, claro. E ainda por cima daria pra conhecer vários lugares interessantes da Toscana que eu nunca vi, com hospedagem e refeições pagas – essa parte das refeições é muito importante, vocês sabem. Pra isso vou ter que dar uma chorada na agência pra poder me ausentar durante esses dias. Como a coisa com a gringaiada não tá confirmada ainda, por enquanto boca de siri. Quando eu souber direitinho como vai a coisa e decidir quando vou dar a chorada, aviso, pra vocês acenderem velinhas.

E aí hoje outra coisa legal pintou, embora seja uma parada muuuuito mais remota. No final do ano passado vi na TV um programa chamado Donnavventura (o nome é cafonérrimo, mas o programa é legal). É uma equipe de mulheres que vão dirigindo por aí em lugares bizarros – tipo um Camel Trophy, lembram? O que eu vi foi na América do Sul, que não me interessa, muito pelo contrário. Não sei se eles foram ao Brasil, só vi os lugares mais podreira que eu não tenho a menorrrrrrrrr vontade de visitar – Peru, Bolívia, Colômbia, essas merdas. Fui lá no site ver onde seria o próximo e quando seria televisionado, e acabei me inscrevendo pra participar. Hoje recebi um e-mail dizendo que as entrevistas tête-a-tête serão em Roma no próximo sábado (o que infelizmente destrói meu esquema da feira de livros em Torino), na Piazza del Popolo. Eles fazem o mesmo esquema de recrutamento dos reality shows: vão com um furgão equipado de cidade em cidade, e a galera vai fazendo os testes, tudo filmado, claro. Já pensou, viajar dirigindo jipões em lugares surreais que eu nunca vou ter dinheiro pra visitar? Um dos requisitos é ter boa redação, já que o diário de bordo é obrigatório. Dos requisitos que eu acho mais importantes (pra eles) o único que eu reeeeealmente não tenho é ser fotogênica. O resto a gente dá um jeitinho... Velinhas, por favor.

Postado por leticia em 19:37

26.04.04

...

Falta pique também pra continuar nesse trabalho chato. Meu tutor já sacou que eu não tenho nem saco nem vocação pra coisa, porque vive me perguntando o que é que eu gosto e o que eu não gosto, e quando me apresenta aos clientes diz que eu estou em período de teste, pra saber se quero ou não trabalhar nessa área. Hoje fomos visitar um cliente odontotécnico com um consultório lindo e simpático, e me deu a maior vontade de arrumar um emprego part-time assim bem idiota, tipo secretária de médico ou dentista. Pouco empenhativo pro céLebro e pouco time-consuming, ou seja, perfeito. Já voltei a comprar jornal pra procurar emprego. Vamos ver o que rola. Acendam velinhas.

Postado por leticia em 14:45

03.04.04

Momento rádio-relógio

Coisas que eu aprendi visitando clientes estranhos nessa semana e girando pela zona de Assis e Bastia:

. É possível quebrar uma costela tossindo.
. Couro de cervo normalmente é muito fino, leve e granulado como textura, mas a moda européia outono-inverno 2004 é esse couro tratado a vácuo, que então fica liso, brilhante, pesado e rígido. Vai entender.
. Italiano no volante, perigo constante.

Postado por leticia em 18:32

11.02.04

Desde segunda-feira eu e as meninas (Carmen e Claudia) passamos as manhãs na loja do Fabrizio o Louco, limpando e arrumando a loja pra reabertura no dia 26 de fevereiro. Só que, além do maluco do Fabrizio, a furiosa mulher dele, Rossella, também vem trabalhar. Eles são duas das pessoas mais grezze – toscas – que eu já conheci na minha vida. Gritam o tempo todo, brigam sem parar, xingam, maledizem, bestemmiano. Rossella é a cara da irmã malvada de um dos personagens de South Park que agora não lembro quem é – aquela garota feia de aparelho fixo, toda atarracada. Ela fuma feito uma chaminé, tem um sotaque perugino hor-ro-ro-so, e passa metade do seu tempo falando mal do Fabrizio e da sogra, e a outra metada enaltecendo o monstruoso filho Saverio, que aliás é um capítulo à parte em termos de falta de educação.

Se o Fabrizio já é chato, estressado e estressante nas CNTP, imaginem com uma mulher dominadora feito a Rossella. Tudo o que ele faz a irrita, e vice-versa. As paranóias dele deixam qualquer um maluco, mas ela já o atura há tantos anos que o saco já encheu, e ao primeiro sinal de maluquice ela liga o berrador e não pára mais. Hoje, depois que o Fabrizio pediu a nós pra varrer a loja pela enésima vez – coisa inútil, já que ainda estávamos tirando a poeira das prateleiras e jogando papel absorvente empoeirado no chão – a Rossella simplesmente começou a bestemmiare feito um marinheiro:
- Mavvafanculo tu e quella troia della tu’ mamma che ti ha parturito! Porca puttana della maiala, sacro imperatore Giustiniano, ma che pugnetta che sei! (vão tomar no cu você e aquela piranha da tua mãe que te pariu! – o resto são xingamentos sem sentido, inventados na hora, uma coisa que sempre me faz rir muito aqui na Itália. E quanto a pugnetta, que aliás nem sei se tem dois tês, só preciso dizer que gn se pronuncia como nh, como em gnocchi, e que “sei” é a segunda pessoa do singular do verbo ser.).

Além dessas chaturas, ainda há dois agravantes: UM - tanto o Fabrizio como a mulher são ignorantões e grosseiros clássicos, e adoram discutir sua vida sexual e ginecológica com quem quiser ouvir (e com quem não quer também), o que, considerando o charme e a elegância do casal, é de dar náuseas no pobre ouvinte. DOIS - como todo bom italiano, são dois hipocondríacos. Quem me conhece, e quem lê esse blog há algum tempo, sabe que eu sou completamente fria e calculista em relação a doenças. Tenho plena consciência de que se você acreditar muito firmemente que alguma parte do seu corpo está doendo, ela vai doer de verdade. Achei que tivesse me livrado dessa maluquice curtidora de doenças quando parei de trabalhar com a Martinha, que é um amor mas todo dia tinha uma dor nova (incluindo dor no olho.), mas hoje ouvi um festival de queixas doloríficas, tanto da parte da Rossella quanto da Carmen. Uma tem dor nas costas, a outra rebate dizendo que tem vertigem. Uma diz que se não segura na prateleira cai da escada (porra, então por que não me deixou subir quando me ofereci pra ficar lá em cima passando garrafas de Barolo pra quem ficou embaixo?), a outra contra-ataca dizendo que tem “predisposição à dor óssea”. Uma reclama que não dorme bem, a outra dá um direto de esquerda afirmando que tem “ataques de afã” quando deita na cama. Caralho, exclamou a princesinha! Acabei perguntando por que as duas donzelas não tinham ido ao médico ainda, se essas coisas incomodavam tanto. Ficaram quietas e mudaram de assunto, as duas.

Têm sido manhãs cansativas. Subir e descer da escada carregando caríssimas garrafas de vinho cobertas de poeira definitivamente não é legal. Fazer isso ouvindo a Rossella dizer o quanto o filho dela é mais inteligente até do que os professores da escola é menos legal ainda – ainda mais quando eu conheço o monstrinho e sei que não só ele é ignorante como os pais, mas também é incrivelmente, mas INCRIVELMENTE mimado e mal-educado. Hoje terminamos de tirar o pó de TODAS as prateleiras, TODOS os potes de molho e garrafas de vinho e pacotes de cogumelos secos e ervas pra risoto. Amanhã só precisamos colocar no lugar os queijos e salames, e limpar o chão. Mas vou estar sozinha com o Fabrizio, que já sei que vai começar a pregação catequista pra cima de mim. Pelo menos não vai ter ninguém fumando do meu lado.

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Ontem fui a Perugia com a Carmen buscar o laudo da ressonância magnética do joelho do Mirco. Houve ruptura de um pedacinho posterior do menisco lateral esquerdo, o que significa que terá de ser feita uma artroscopia pra remover o pedacinho, que o incomoda muito. Sexta-feira vou falar com o ortopedista dele pra marcar essa cirurgia e tentar convencê-lo a me deixar assistir.

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Estou lendo “Sob o Sol da Toscana”, de Frances Mayes, que a FeRnanda me emprestou sexta-feira passada. Tive que começá-lo logo, antes de Huxley, porque a FeRnanda é que nem eu, ciumenta dos livros, e quer que eu o devolva logo. Aliás, tem um da Sark que eu deixei com ela pra ela treinar Inglês, e esqueci de pegar...

O livro é delicioso. A autora é americana e mora em Cortona, última cidade toscana na zona de fronteira com a Umbria, não muito longe daqui. Conta suas desventuras na casa que ela e o marido compraram ali em Cortona: as reformas, as maluquices italianas, a dificuldade de ter horários cumpridos aqui, descrições de jardins, dicas de botânica, receitas gostosas. Realmente uma delícia de livro. Pena que é traduzido, porque o Inglês da FeRnanda não é lá essas coisas. Não tem jeito: livro traduzido é uma merda até quando foi traduzido bem.

Postado por leticia em 16:53

12.01.04

Fui despedida hoje, por injustissima causa e pinimba do Chato Bafudo. Achei otimo. Nao tem coisa pior do que passar um terço da sua vida fazendo um trabalho que voce odeia, pra um chefe que voce absolutamente abomina, e ainda por cima ganhando pouco.

Agora é achar outra coisa, preferivelmente part-time, pra poder me dedicar aos estudos. Preciso voltar ao meio academico, vai que essa inguinorança da roça é contagiosa e eu fico monga que nem eles!

Postado por leticia em 19:40

18.11.03

O lanterneiro quer casar. Comigo.

Comigo. Não sei se rio, choro ou encho de porrada.

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Quinta-feira começamos a mudança do escritório. Lá fomos nós subir em escada pra descarregar caixas e mais caixas de toner, que obviamente vinham cheias de teias de aranha, aranhas vivas, aranhas mortas, cocô de rato, entre outras delícias. Cheguei em casa coberta de poeira e teia de aranha. Como tinha sido, por outros motivos, uma merda de dia (giornataccia ; o sufixo accio/accia significa uma merda. Um dia de merda é una giornataccia, um trabalho horrível é um lavoraccio, e così via), Samuele se ofereceu pra me levar ao cinema. Veio me buscar com um bouquet de rosas vermelhas, que agora repousam num vaso aqui em cima da minha nova escrivaninha. Não gosto de rosas, ainda mais vermelhas ? coisa mais novelesca e lugar-comum ainda não foi inventada. Como os caras que descarregaram os móveis aqui fizeram alguma cagada e mancharam um pedaço da escrivaninha-balcão (estou na reception, como eles dizem aqui, assim, sem traduzir), botei o vaso em cima pra cobrir. Então; fomos jantar no enonè, que já comentei aqui, comi tagliatelle all?uovo con crema di funghi porcini e funghi porcini (de-li-ci-o-sas!), depois fomos ver Kill Bill. Achei bobérrimo. Visualmente tem grandes sacadas, mas os chafarizes de sangue e os braços cortados são excessivos. Mas tudo bem. Só que a sessão era tarde e fui dormir lá pra uma e meia da manhã.

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Sexta-feira foi ooooo dia da mudança. Passamos o dia inteiro desmontando coisas, remontando coisas, achando coisas, perdendo coisas, enchendo caixas, carregando furgão, descarregando furgão, limpando chão, tirando pó, arrumando escrivaninhas, fazendo inventário. O novo escritório ficou lindo, minha escrivaninha-balcão-reception é enorme e cheia de lugar pra botar todas as minhas coisas, meu computador é novinho, minha impressora idem, o aquecimento funciona bem e por isso não precisamos mais trabalhar de casacão. Só que ainda não ajeitaram a internet ? só o computador do Segundo Chefe está conectado. A vista não é uma Brastemp ? estamos na zona industrial de uma cidadezinha pequena, em torno só há campos ainda não cultivados, algumas casas espalhadas, e MUUUUITA neblina. O dia foi causativo e fui dormir cedo.

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Sábado fui dispensada do trabalho na loja à tarde, então trabalhei no almoxarifado, ajudando a botar em ordem a tralha, das sete e meia da manhã às seis e meia da tarde. Pelo menos toda a parte de papelaria e material de escritório ficou arrumadinha.

À noite Massimo veio me pegar. Queríamos ir ao cinema ver Mystic River, mas tava lotadaço e não rolou. Fomos pra um pub em Perugia bater papo, comer uma piadina com salame picante e mozzarella e beber Pepsi. Só que eu esqueço que não posso mais ir a esses lugares; a fumaça de cigarro é tanta que no dia seguinte fico completamente enjoada e não consigo comer nada.

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Domingo trabalhei na loja de uma da tarde às sete e meia da noite, com a Claudia, que foi embora às três e meia, e com a Carmen. Foi um dia chatérrimo, de tempo feio e frio, pouca gente na rua, poucos clientes, poucas vendas, pouco tudo. Fui pra casa, dei uma dormidinha básica, e às onze Massimo veio me pegar. Eu, linda, sílfide decotada, esqueci que as calças estão caindo perna abaixo e acabam arrastando no chao, e tropecei várias vezes, mas é só um detalhe. Encontramos Claudia e quatro amigas (uma maaaaaais lindja que a outra, cruz-credo) no Velvet, boate super fashion de Perugia. Domingo à noite no Velvet é noite de música anos 80. Engraçado que além dos clássicos Prince, as velhas da Madonna, Walk Like an Egyptian e outros, rolou muita coisa que o pessoal dançava pulando e cantava cheio de alegria mas que eu nunca ouvi? Gozado isso. Fora as musicas italianas da época, que faziam o pessoal dar gritinhos e dançar como loucos ? sacam a reação da galera em fim de festa quanto começa a tocar abram suas asas, soltem suas feras? Então. Samuele apareceu meteoricamente, mas depois foi pra casa (e se deu mal, bateu com o carro). Acabei indo embora cedo, por motivos lanterneirídicos, mas não dormi nada, ainda por motivos lanterneirídicos.

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E ontem foi o primeiro dia operativo aqui no novo escritório. Quer dizer, operativo my ass, porque não fiz nada além de montar escrivaninhas, instalar impressoras, instalar programa de compatibilidade de cartuchos, fazer listas do que tá faltando, etc. Capotei cedo na cama, mas hoje ainda estou com dor de cabeça. Uma noite mal dormida me destrói totalmente.

Ontem também chegaram as revistas totalmente viadas que a Marcinha mandou! Uma mais viada que a outra, bem mulherzinha mode on: Elle, Marie Claire, Nova, a revista dos Vigilantes do Peso? Hoje já tenho leitura construtiva antes de dormir! :)

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Não tenho cachorro, tenho um grifo, uma quimera. Legolas é parte gato, porque adora se esfregar nas pessoas, e é louco por um peixinho. É parte sapo, porque come moscas e grilos. É parte cupim, porque mastiga madeira com uma facilidade... É parte coelho, porque ama cenoura, brócolis, couve-flor.

Postado por leticia em 16:41