regali

Fui aos correios pegar o presente que a Marcinha mandou. Como o Mirco não só tinha esquecido completamente de me dizer que tinham deixado o recibo no escaninho, que os correios sempre deixam quando não tem ninguém em casa pra receber pessoalmente o pacote ou carta registrada, mas também perdeu o diabo do papelzinho, lá fui eu na agência munida só de documentos. Lógico que a mulher franziu logo o nariz.

– Mas sem o número do pacote como eu faço pra procurar?
– Senhora, outro pacote da Amazon com o meu nome eu tenho certeza que não existe, não tem como confundir.
– A senhora deve aguardar um instante que um outro funcionário vai lá dentro procurar.

De lá de dentro sai Bigode, marido da gerente do banco do Mirco, que é o carteiro aqui do nosso bairro. Pergunta como está Mirco, como está indo o apartamento novo, aquelas coisas. Volta lá pra trás e vai procurar de novo o pacote, que eu já tinha explicado que era uma coisa padrão da Amazon, uma embalagem de papelão assim e assado. Enquanto ele está lá atrás mergulhado em pacotes procurando o meu, meus olhos de lince vêem um envelope pardo pintado de verde, com meu nome e endereço escritos com a MINHA letra. Sendo retardada, apesar da visão aguçada, juro que por um momento me perguntei se tinha rolado um lance de dupla personalidade, de repente eu tinha alguma coisa a dizer a mim mesma e não tinha coragem de fazê-lo pessoalmente, sei lá. Aí finalmente as sinapses pegaram no tranco e lembrei que a Newlands tinha mandado uma coisa também. Ha! Fui aos correios pegar um livro e acabei papando outros dois! Porque Marcinha me mandou The Funny Farm, de Jackie Moffat, que estava, justamente, moffando na wishlist há décadas e tem um cachorro de gravata borboleta vermelha na capa, e Newlands mandou Papel Manteiga e aquele sobre Tolkien e C.S. Lewis, que aliás vieram recheados de coisas bubus como sapos, estrelas, bruxas-piratas e ilustrações roxas pro Mario Quintana. Além de uma carta verde que começa com “Queridona”.

Que dia feliz! : ))))))))

Melhor ainda: não tendo absolutamente nada pra fazer no trabalho, já que meus alunos de hoje cancelaram as aulas e não tinha nenhuma tradução pra fazer, das nove às dez li Papel Manteiga, que é meio poético demais pra minha cabeça mas tem algumas tiradas boas, receitas deliciosas e, claro, uma capa linda. E das dez até a hora de ir embora, às seis, li The Funny Farm. A autora parece mais americana do que inglesa, a julgar pelo senso de humor infantil, mas os bichos da fazenda são interessantíssimos. E tem fotos! De vaca, de cabrito, de porco, de vários cachorros, de uma raça de cabra praticamente extinta, típica da Ilha de Man, que a autora resolveu criar pra dar uma ajuda ecológica ao mundo – eles têm quatro chifres e são estranhíssimos. Estou aprendendo muito sobre parto bovino, inteligência ovina (nesse caso não há muito o que aprender) e preguiça canina. Como das 109 páginas que preciso traduzir até dia 25 já fiz 40, pode ser que hoje eu consiga terminar. É divertido : )

Obrigada, amigas : ))))))))

reveilão + potocas

Eu não sou festeira. Aliás, estou ficando mais e mais anti-social à medida em que o tempo passa. Mas resolvemos que o ano novo vai ser aqui em casa, então eccomi. Vêm Daniele e Eun Hae, Moreno e a namorada Marta, grávida, e talvez Giuseppe, o contador do Mirco que é um amor de pessoa. O menu: peixe. Graças aos céus está praticamente tudo já pronto, no freezer gigante da Arianna: insalata di mare, a mistura de frutos do mar já temperada pra fazer com spaghetti, dois lagostins e muitos mexilhões por pessoa. Só vou precisar fazer a sobremesa, que vai ser sorvete Gigi. Vocês sabem que eu adoro cozinhar, mas essa cozinha idiota aqui de casa me irrita. Quando nos mudarmos vocês vão ver só, nossa casa vai virar uma filial do Gula Gula no interior do Zaire.

**

O chão já está todo pronto, os azulejos da cozinha idem e ficaram lindos, os banheiros idem e não são lindos mas não tinha nada melhor. Semana que vem começam a pintar. Duas paredes cinza na sala. Mirco vai pintar um dos radiadores de vermelho, pra combinar com o quadro do Tin Tin que o Japa me deu e que a próxima criatura a encarar Rio-Roma vai trazer. Os móveis serão todos semi-vagabundos da IKEA porque se daqui a cinco anos eu me encher e quiser mudar tudo não vou ter remorsos financeiros. Casa não é museu imutável.

**

Quero ver Apocalypto. Adoro pré-colombianos.

**

Spaghetti aglio olio e peperoncino é uma das melhores coisas do mundo.

**

Meu pai vem passar um fim de semana aqui em janeiro.

B+

Ontem acordei cedo, em jejum, peguei a Une (se escreve Eun Hae) e fomos pra Ponte San Giovanni. Deixei o carro estacionado numa transversal da avenida e pegamos o ônibus até o hospital. Acabei doando sangue sozinha porque era a primeira vez que a Eun Hae doava e precisou fazer uma consulta cardiológica. A minha entrevista com a médica com quem se bate papo depois dos exames iniciais (pra ver se tem anemia, infecção em curso, etc) foi uma coisa meio bizarra. Ela olhava os resultados no computador e me dizia:
– As transaminases hepáticas estão ótimas, nem exagerou no Natal!
– É que eu não gosto de comida de Natal, só como cappelletti.
Ela ajeita os óculos de leitura, volta à tela do computador, se vira pra mim com olhos de vampiro:
– Quantas plaquetas… Tantas… Lindas plaquetas! (juro. Literalmente: “Ma quante piastrine… Tante! Bellissime piastrine!”)
– Ahan.
– Tão bonitas, e tantas…
– Hoje não tenho tempo, doutora. (você pode doar só as plaquetas, mas demora pra caramba porque a máquina tem que fracionar o sangue)
– Não se esqueça que você só precisa esperar um mês depois de doar sangue inteiro pra doar plaquetas.
– Ahan.
– Só um mês.
– Entendi.
– Tem certeza que não dá tempo hoje?
– Doutora, eu não tenho tempo nem de me coçar, pra vir resolver outras coisas em Perugia tive que vir doar sangue pra não perder um dia de trabalho. Sinceramente, hoje não rola.
– Que pena, tantas plaquetas… Fica pro mês que vem.

Faltavam só os caninos alongados no seu sorriso.

**

O resto do dia foi inútil. Na faculdade, o libretto não tinha ficado pronto ainda, só em janeiro. O cabeleireiro foi OK, e dessa vez Giuliana teve tempo de cortar direito, sem se afobar, porque o salão tava vazio. Almocei polpetta e legumes com a Eun Hae. A consulta médica durou 2 minutos e meio e custou 36 euros. A loja de produtos bizarros não tinha nada brasileiro. Resisti a um dos melhores sorvetes do mundo (a melhor sorveteria da Umbria fica em S. Maria, mas essa numa ladeira que sai da Piazza della Repubblica em Perugia também é o ó). Comprei bilhete de ônibus sem precisar porque tinha esquecido que já tinha um na carteira. Voltei pra casa correndo e terminei de ler 44 Scotland Street, de Alexander McCall Smith.

ulalá

Semana passada vimos Déja vu, com Denzel Washington, uma grande forçação de barra mas bom passatempo. E anteontem vimos A Good Year, baseado em um livro do Peter Mayle (seus livros são todos iguais, mas todos gostosinhos). O filme é uma delícia e você sai do cinema com vontade de sair correndo pra Provence. Eu sou antiquada em certos aspectos e ainda acho que francês é A língua da cultura e da civilização, e minha humilhação em não falar francês é infinita. Então decidi que esse ano eu vou estudar francês direito. Não sei quando, até porque tem as provas na faculdade e a mudança de casa, mas não importa. Não posso morrer sem preencher essa lacuna cultural.

as delícias da distribuição de renda

Por mim sábado eu não botaria o pé pra fora de casa, mas tive que sair pra levar a lista dos eletrodomésticos na loja, pra eles fazerem o pedido. Na volta passei na casa nova pra ver a quantas andavam os trabalhos. Encontrei dois lajoteiros botando a cerâmica do nosso apartamento. Trocamos os comentários usuais, como está indo, muito bem, a cerâmica é de ótima qualidade, a do apartamento do lado era uma merda, ah, que bom que está ficando legal. Aí ele solta a pérola. Vamos ser vizinhos!

Tóin.

É legal isso de todo mundo ter mais ou menos as mesmas oportunidades, mas jamais na minha vida imaginei que iria terminar morando no mesmo prédio de um albanês que de profissão coloca pavimentos de cerâmica. Dali a coisa foi só piorando: no mesmo andar temos um caminhoneiro e um napolitano, além de uma senhora que já mora ali na área. Em algum lugar do prédio tem um marroquino, e o que salva é o marechal dos Carabinieri no andar de baixo. Vejam bem, pedreiro é uma profissão como outra qualquer, mas eu acho muito estranho esse negócio de todo mundo ser igual. Porque a gente sabe que tem uns que são mais iguais do que os outros, não sejamos hipócritas. Por que um cara como o Moreno, que não estudou porra nenhuma, é ignorante, mal educado e vem de uma família de ignorantes e mal educados (são gente finíssima, mas isso não os faz menos ignorantes ou mal educados) ganha mais do que eu, que tenho um emprego que PRECISA de qualificação, ou do que o Mirco, que dá trabalho pra em média dez pessoas, ou do que a namorada dele, que é formada e trabalha em museu, enquanto que vocês vão me desculpar, mas dirigir ônibus elétrico todo cheio de mumunhas qualquer um consegue? Eu acho isso tudo muito esquisito. E jamais vou me acostumar à idéia de morar no mesmo prédio de um pedreiro, que provavelmente ainda por cima tem um carro muito mais novo do que o meu, e uma mulher que não trabalha.

Justiça social às vezes é um negócio injusto.

vida besta

Como as estradas aqui do interior do Malawi são cruéis com meu som vagabundo do carro, que pula por qualquer motivo, acabo escutando rádio todos os dias. Sempre Radio 2, com programas em vez de música, porque vocês sabem como eu abomino música italiana. De manhã pego um programa ridículo chamado O Rugido do Coelho, em que os apresentadores fazem perguntas idiotas e o público liga ou manda torpedos com respostas idem – coisas do tipo, você já fingiu ser alguém importante pra conseguir o que queria, qual foi a maior mentira que você já contou pros seus pais, se pudesse fazer um pedido ao Papa que pedido seria, etc. O melhor, lógico, são os comentários deles.

E quando volto, dependendo do horário, pego Dispenser, mais tarde, de longe o melhor programa da rádio italiana, em que um cara MOITO esperto e com uma clareza de raciocínio e comunicação impressionante fala de cultura em geral e toca músicas estranhas completamente fora do circuito pop. Normalmente fico repetindo os nomes dos livros que ele sugere até chegar em casa, pra não esquecer e poder anotar. Se saio do trabalho um pouco mais cedo, tem um hominho também muito claro que conta histórias de personagens ou fatos históricos importantes. Essa semana foi Frederico não sei o quê (nunca consigo pegar no começo), alemão, filho do rei da Prússia em não sei quando. Não sei o nome dele mas conheço sua história inteirinha. E se saio ainda mais cedo pego Caterpillar, um outro humorístico não idiota. Ontem e hoje eles estavam transmitindo ao vivo de Florença, onde aparentemente estava rolando um concurso de invenções inúteis.

Os finalistas de ontem foram o “abridor de portão preguiçoso”, que só ouvi mencionar e pelo que entendi é uma espécie de robô que abre o portão pra você, e o “tortômetro”, um troço genial que pode ser usado pra toda e qualquer torta, de qualquer dimensão e modelo, e calcula exatamente o tamanho exato de cada fatia pra que a torta seja realmente dividida em partes iguais. Os de hoje foram uma espécie de aparelho de tecido pra grávidas, um tipo de suporte de barriga, que transfere o peso da pança pra coluna vertebral de modo harmonioso, pra evitar dores nas costas, e uma coisa que não entendi direito como é feita mas dei muita risada quando ouvi: um negócio pra ajudar os pais que ensinam os filhos a andar de bicicleta sem rodinha. O cara começou a apresentação assim: todo homem que já correu atrás de um filho de bicicleta vai dar valor à minha invenção. Cara, eu caí na gargalhada, inclusive porque meu pai filmava tudo quando a gente era pequeno, inclusive as aulas de bicicleta, e lembro direitinho dele todo corcunda correndo feito louco atrás do Tuco, de mim e das minhas primas, e nós cambaleando na bicicleta sem rodinhas. Achei absolutamente hilário. Um que também me fez dar risada mas não foi pra final foi o P di Parcheggio (parcheggio = estacionamento), um P iluminado que acente no alto do seu carro quando você está estacionando pro motorista que está atrás de você não roubar a vaga nem encher o saco. A coisa linda é que em um país civilizado uma coisa dessas jamais passaria pela cabeça de ninguém, já que roubo de vaga é uma coisa unheard of e ninguém pisca farol todo irritadinho só porque um fulano demora pra estacionar. Um dos juízes deu oito, mas disse que daria dez se além da luz o aparelho tivesse uma pistola que desse um tiro no idiota que insistisse em encher o saco. Ri pra caramba.

E pra finalizar o dia das risadas idiotas, peguei vários velhinhos de chapéu no trânsito hoje. O Moreno, que dirige ônibus, tem uma teoria: morrinha no trânsito ou é mulher ou é velho de chapéu. Toda vez que tem alguém muito mole na minha frente penso no Moreno, que é uma figuraça, dizendo essa frase, e acabo rindo sozinha.

Finalmente a maldita neblina, que não se mexia desde domingo, resolveu dar uma trégua. Eu tava sentada no computador, de repente do nada olhei pela janela e dei de cara com um céu azul! Caraca! Aproveitei pra fazer um longo passeio ao longo do rio, namorando os patinhos enquanto dava meus passos largos e vigorosos. Cheguei na escola vermelha e morrendo de calor, feliz da vida. Amanhã levo o mp3 player que é mais legal : )

A primeira unidade do livro que uso pra dar aula tem uma parte com fotos de coisas conhecidas, que o estudente deve usar pra perguntar “Where is it from” enquanto o outro responde “It’s from …..”. Tem a estrela da Mercedes, tem um camembert, tem duas gueixas, tem um par de óculos Armani, tem cerveja Guinness, tem tênis Nike, tem matrioska russa, e tem… tem uma foto de uma torcida brasileira. Toda vez que vejo essa foto começo a rir sozinha, porque não só dá pra ver a cara de brasileiro da galera, mas inclusive o que está escrito nos cartazes. Meus alunos devem achar que eu sou maluca, mas quando vejo aquela foto com um Roberto qualquer segurando um cartaz escrito “Galvão, cadê o Romário”, caio na gargalhada.

a compulsão ataca novamente

Passei uma boa, BOA parte do sábado assistindo a Heroes. Maldito Hiro! Malditos Hiros! E por culpa do CrisDias também comecei a baixar Battlestar Galactica. Céus, por que eu não fui nascer burra e atlética!

E pra festejar o aniversário do Mirco fomos jantar com Daniele e Une no restaurante de carne argentina lá perto do Lago Trasimeno. Nada como um bom filé na brasa… Macché fettina!