Da série coisas que a paca odeia

Na academia:

Mulher que malha maquiada
Mulher que malha com brinco de argolão
Mulher que malha de cabelos soltos
Mulher que malha sem calcinha por baixo do legging
Qualquer um que solte grunhidos quando levanta peso, pra todo mundo ouvir
Gente que sua excessivamente e fica com cheiro de batata doce
Gente que depois de meia série de quatro apoios levanta e vai olhar a bunda no espelho pra ver se o efeito foi imediato
Intimidade total entre funcionários da academia e clientes, “E aí, Robertinha, malhando muito, amor?”
Gente que malha com legging, camiseta, tênis, meia, toalha, faixa na cabeça, tudo com a logomarca da academia

Hoje o sol saiu. Tava ventando em Foligno, como sempre, mas não estava tão frio. Então aproveitei uma horinha entre uma aula particular e a primeira aula do dia na escola e fui dar um passeio ao longo do rio Topino.

Como as laterais do rio são muito altas (todo o percurso foi alterado ao longo dos séculos, e em certos trechos são muros a delinear a margem), fiquei protegida do vento. E então lá fui eu, descendo as escadinhas até chegar na margem gramada, onde uma trilha estreita de terra/lama, atraversada por pegadas de tênis os mais diversos e marcas de pneus de bicicletas, logo tratou de sujar minhas botas. Muita gente faz cooper ao longo do rio, mas àquela hora (do almoço) não tinha viv’alma.

Eu gosto de água. Não gosto de mar, mas todas as outras águas me estão simpáticas. Nos últimos dias tinha chovido muito e o Topino estava cheio, correndo veloz. É mais um riacho, coitado, no máximo uns 5 metros de largura – muito chutado esse valor; nesse sentido eu sou muito mulherzinha e não tenho a menor noção de unidades de medida – mas é alegre e simpático como todo riacho. Aqui e ali patos e marrecos faziam a digestão, parados contra a corrente, olhinhos fechados aproveitando o sol. O barulho delicioso do rio correndo é muito relaxante e só não sentei no gramado pra ler porque tava tudo muito molhado. Passei por baixo da ponte, não sem suspirar pela felicidade que é poder passar por baixo de uma ponte, num lugar completamente isolado e em um horário em que não passa um cão na rua, sem ter que ficar na paranóia de estar sendo seguida, ou de ver cobertores de mendigos, ou de ter que correr de pivetes. Vi alguns restos de fogos de artifício, porque o italiano médio desconhece a utilidade das latas de lixo públicas, mas nada de especial. Fui andando até o riacho fazer uma curva bem fechada, e na margem interna as águas vão depositando zilhões de pedaços de pau, restos de galhos e ramos que caem das árvores plantadas no calçadão beira-rio. Leguinho ali iria se fartar: pauzinhos infinitos pra brincar, água e um banco de areia. Continuei até a ponte de pedra do século XVI, que eu tinha acabado de atravessar voltando da casa da minha aluna, dei meia-volta e quando já estava de novo na curva dos galhos dei de cara com um cocker preto, com coleira vermelho berrante, fazendo a maior bagunça, se jogando na água, lama pingando dos longos pelos da barriga. Logo depois aparece a dona, com um grande vira-lata preto na coleira. Parei pra cumprimentar os cachorros e ela comentou que era a melhor hora pra levar os meninos pra brincar, porque nunca tinha ninguém, então eles podiam brincar soltos. A alegria de ver um bicho correndo solto e brincando está na mesma categoria do sabor do chocolate meio amargo dissolvendo na boca, do cheiro de livro novo quando enfiamos o nariz entre as páginas, da delícia que é inaugurar uma agenda novinha no começo do ano, na felicidade de ter canetas coloridas, no banho de chuva no verão, em bebê apertando o seu nariz e dando risada. Essas coisas. Subi a ladeira de saída da trilha do rio, sentei num banco de pedra e fiquei de longe vendo os cachorros rolando na grama, se sujando de lama, brincando, fazendo bagunça.

O resto do dia passou rapidinho.

che si fottano i caraibi

Hm, não sei bem o que dizer.

Natal é um porre e pra mim não tem outro sentido que não o aniversário do meu pai.

Ano Novo é mais porre ainda porque tem aquela alegria forçada estilo Carnaval, detesto. Mirco trabalhou até as dez da noite com o coitado do Stefano na oficina, eu faxinei pesado, passei roupa, traduzi e acabei fazendo um jantar bem light pra nós dois: risoto de camarão com abobrinha e espetinhos de lula e camarão que fiz no forno. Comemos no joguinho americano verde-escuro bordado por vovó, com os talheres de prata de mamãe, e capotamos à meia-noite e seis. Melhor que isso, só dois isso. Juro, meu ideal de réveillon é passá-lo dormindo.

No final de janeiro vamos passar um fim de semana em Rotterdam, com a irmã do Mirco. A avó deles vai também, e vai ficar por lá por algumas semanas, até a Stefania voltar com ela pra Itália pra dar uns rolés e comprar uns quilos de parmesão. Eu queria muito sair ou chegar em Bruxelas, que não conheço, mas fica a 2 horas de viagem de Rotterdam e não vamos forçar a Stefania a dirigir isso tudo pra ir nos pegar ou levar ao aeroporto. Então vai ser um fim de semana suuuuuuuperlegal, no frio, em Rotterdam, comendo batata. Sempre melhor que Bastia, lógico.

E pra Grande Viagem Anual de 2006 Gianni e Chiara me vieram com a maldita idéia do cruzeiro marítimo no Caribe. Vejam bem: eu odeio mar, odeio barco, odeio ilhas, odeio espanhol, odeio lugares exótico-latinos, odeio drinques servidos no abacaxi, e olha aonde querem me levar! Pior: conseguiram convencer o Mirco, que chegou até a desistir do sonhado retorno à Austrália depois de 5 anos sem pôr os pés por lá. Vou levar uma mala extra cheia de livros pra ficar lendo enfurnada na cabine fugindo do sol, mas tudo bem. Vou ter que ceder porque a essa altura do campeonato sou uma contra 3.

Lógico que mesmo que acabar gostando, jamais admitirei. Ja-mé.

cão literário

Dei um pulo na minha livraria de estimação hoje, pra ver quanto gastei em livros esse ano (nem vou dizer) e de conseqüência quanto tenho de bônus em janeiro (70 euros). Estou eu lá conversando com a caixa, porque é lógico que eu tinha que sair com alguma coisa (no caso, o último livro de Alessandro Baricco), quando entra um cachorro pelas portas automáticas.

Um vira-latão, daqueles cor amarelo-diarréia, pelo curto muito áspero e feio, focinho curto, orelhas tortas, dentes acavalados numa boca que não fecha direito. Não é magro nem tem falhas no pelo; não tem coleira mas não deve ser abandonado porque não é arredio e tem cara de bem tratado, apesar de ser realmente horroroso. Entrou, parou em frente à seção de culinária, deu uma olhada ao redor e foi passear pela livraria, muito calmamente, strolling around, como um aposentado que passeia na Nossa Senhora da Paz. Parei pra falar com ele, lógico, cocei atrás das orelhas e ele em troca entortou a cabeça, fechou aqueles olhinhos gostosos de cachorro sem raça e botou a língua pra fora. A menina da caixa disse que ele volta e meia vem visitar. Entra, dá umas voltinhas, vai lá pro depósito onde é mais quentinho ou pra seção de livros de criança que tem menos movimento, e quando cansa de observar o vai-e-vem das pessoas, vai embora.

É nessas horas que o telefone com máquina fotográfica faz falta.

aiuto!

Cara, na boa, sou só eu que acha o Benigni um dos idiotas mais idiotas de todos os tempos? QUE CARA CHATO!!! Pula, salta, grita sempre, sempre, sempre, é infantil, ridículo, bobo, hiperativo, e ainda por cima sempre enfia aquela canastrã da mulher dele em tudo quando é filme. Dez minutos de La Vita è Bella na TV me deixaram em um estado de irritação daqueles que só aula de matemática consegue. SOCORRO!

uia

A enxaqueca começou no sábado, no final da manhã. Tomei logo o remédio, como sempre, mas dessa vez demorou a passar e não consegui nem ajudar a botar a mesa na Arianna; tive que ficar jogada no sofá embaixo do cobertor até passar. A segunda porrada veio lá pras sete, no meio do cinema. Estávamos vendo The Interpreter (gostamos muito, mas no final eu já não estava entendendo mais nada por causa da dor). Tomei outro comprimido e fiquei torcendo pra dor ir embora pra eu não ter que sair no meio do filme, mas não deu. Sou teimosa e fiquei até o final, mas cheguei em casa chorando de dor.

Na segunda acordei a massa falida. Uma náusea horrorosa, a cabeça rodando, o corpo mole. Essa dor me destrói, é uma coisa tão absurdamente intensa que destrói a gente moralmente também, um negócio impressionante. Por sorte as duas escolas estavam fechadas por causa do feriado, que aqui se comemora no dia primeiro de novembro, então pude ficar em casa sem remorso. O dia INTEIRO no sofá de pijama. Não conseguia ver TV porque o barulho incomodava, mas arrisquei umas pagininhas e, vendo que rolava, acabei terminando The Grapes of Wrath (maravilhoso!), devorando The Virgin Suicides (prefiro Middlesex) e começando The Lovely Bones, de Alice Sebold, muito gostosinho. Mirco foi tomar um drink com o Moreno porque eu realmente não tinha condições de sair de casa. Cheguei até a bater um bolo à tarde, não sei como, e ainda embrulhei dois pedaços em papel alumínio e dei de presente pras duas meninas que bateram aqui na porta trick-or-treating. E depois chapei, e mais nada.

:)))

Às duas da madrugada de hoje nasceu o Alessandro, filho do Marco e da Michela. Depois do trabalho fui ao hospital de Assis conhecer a criança e parabenizar os pais. Marco, que é uma pessoa muito particular, estava todo bobo mas obviamente se cagando de medo. O bebê é uma gracinha, três quilos e meio, cabeludinho mas não muito, as unhas compridas, os dedos ainda enrugados. Mirco comprou uma planta (porque flores morrem logo e não gostamos de ver coisas morrendo) pra eles e uma igual pra nós, e foi de paletó visitar o menino.

Foi interessante pra nós dois, porque eu só vi recém-nascidos no hospital onde estudei; nenhuma amiga minha tem filhos e não acompanhei de perto as gestações das minhas primas mais velhas, de modo que nunca tinha tido a oportunidade de participar assim de tão pertinho de uma nova vida que chega. Mirco, então, que tem família pequena e nunca tinha visto bebê tão pequeno, ficou chocado. Toda hora olhava pra mim e dizia mas é pequeno DEMAIS, como é possível? Michela com aquela cara de mãe, já sabendo instintivamente tudo o que há pra saber, observando as mãozinhas microscópicas que abrem e fecham durante o sono agitado, os minilábios que mamam o vazio, a posição de rã. Aquele cheirinho inconfundível de bebê no quarto, todo mundo sussurrando. Pensei logo na Carola, na mulher do Walterino, na FeRnanda que quer engravidar, na Dani irmã da Mari que já engravidou, na Ane com a linda Isabella, na Christine, na Criss. Beijos a todas!

E quando chegamos em casa nem ligamos a televisão e nem conversamos, touched by the scene; jantei minha sopa de fava com macarrãozinho em silêncio, li meia página e capotei.

todi, todi, todi vidro… ;)

Então fui fazer a ressonância magnética hoje. Lá em Todi (leia-se casa do chapéu), cidade que eu não conheço – só estive num restaurante na periferia, no ano passado, com aquele imbecil do Leo e a família dos Salames, lembram? O hospital de Todi é um ponto de referência aqui na Umbria e a mulherzinha do centro de reservas de Perugia disse que só eles e o hospital de Marsciano têm a máquina pra fazer o exame que me pediram (ressonância + perfil angiográfico). No hospital de Marsciano, mais fácil pra mim porque ao meio-dia e meia teria aula na zona industrial da cidade, não tinha vaga, e me mandaram pra Todi.

Não é exatamente longíiiiiiissimo, mas é longe, e a estrada é uma bosta, bosta, bosta, toda remendada e irregular. Fui devagarinho, porque além da estrada bosta, meu carro é outra bosta, e ainda por cima tinha muita neblina. Todi fica no alto de uma colina e levei horas pra subir no meio daquela névoa toda, fazendo curvas estranhas atrás de um caminhão que levava traves de cimento. O hospital fica dentro dos antigos muros da cidade, coisa maneiríssima, mas na recepção me mandaram descer uma escada escondida atrás do posto de gasolina e entrar num caminhão branco (!!!). Então tá.

Acontece que o serviço de ressonância do hospital de Todi é uma ressonância magnética móvel, que fica, justamente, nesse caminhão branco. Do lado de fora, um container com aquecedor elétrico e oito cadeiras – a sala de espera. Sem saber pra onde ir nem com quem falar, entrei no container e fiquei batendo papo com um senhor de Marsciano que tinha ido acompanhar o irmão, que no momento estava no caminhão fazendo o exame. Quando o irmão saiu, um cara bem novinho, de brinco, pijama verde de cirurgião e os ridículos tamancos de plástico que todo o pessoal da área de saúde usa veio me chamar.

Eu nunca tinha feito ressonância, e da tomografia do cabeção feita no ano passado, depois do ridículo tombo com a lambreta, não tenho absolutamente nenhuma memória. Eu não sou claustrofóbica nem naturalmente assustada, mas definitivamente ressonância é o exame mais chato do mundo! Você fica ali olhando praquele teto branco (eu nem isso, fechei os olhos torcendo pra dormir um pouquinho) e ouvindo uns barulhos muito estranhos – tlec tlec tlec, truuuuuuuuuuum, truuuuuuuuum, papapapapapa, e mais nada. Posso imaginar o horror que a experiência deve ser pra quem tem claustrofobia ou coisas do gênero. Eu só me entediei, mas minha mãe teria morrido de pânico lá dentro.

Como eu só tinha aula em Marsciano bem mais tarde, e o exame terminou às dez, fui dar uma olhada na cidade, apesar da neblina broxante. Atravessei o arco, uma antiga porta no terceiro círculo de muros, e fui subindo a ladeirona, naturalmente chamada Corso Cavour, até a praça central, naturalmente chamada Piazza del Popolo. Quando cheguei lá em cima e estava entrando no Uffico Informazioni Turistiche pra pegar um mapinha – porque eu adoro um mapinha – me ligam de Marsciano cancelando a aula. Bem, agora foda-se, já estou aqui, vou é rodar. Tudo bem que não dava pra ver la-da por causa da névoa, mas a cidade me pareceu linda, a praça é maravilhosa, e tenho que voltar algum dia. Desci a ladeirona de novo, parei num mercadinho pra comprar pão e presunto pro jantar do Mirco, entrei por uns becos, desci umas escadas, vi anfiteatros romanos de longe, mas fiquei com medo de me perder nas brumas e voltei pro carro, que eu tinha estacionado num buraco ao lado de uma banca de jornais. Dez minutos pra desestacionar, e peguei a estrada de novo. Parei na Libreria Grande pra pegar meus Mankell (dica da Mary) que tinham chegado (eu é que não vou ler thriller ambientado na Suécia traduzido em italiano, tá doido?) e fui pra casa fazer o almoço. E depois pra Foligno, enfrentar a turma da Confartigianato (que é muito legal) e a ferinha da Camila. E depois ainda fui a Perugia, pra antepenúltima aula com o Paulo Cintura. Cheguei em casa acabadona, compreensivelmente.

balaio de gatos

Estou cada vez me desarrependendo mais de ter escolhido COMINT em vez de literatura estrangeira. Minha turma é bem legal. Claro que só conheço as três fileiras da frente, porque ainda é cedo pra lembrar da cara de todo mundo e eu só consigo ir à faculdade às sextas, mas olha que delícia de melting pot: a Elisa, a Boazinha Branquinha, de Terni; a Ludovica, de Avellino, perto de Nápolis; a menina de Palermo; a Eleonora, de Bolzano, praticamente no Império Áustrio-Húngaro; a Corina, alemã (não descobri de onde ainda); a Susanna, de Ascoli Piceno, lá onde o judas perdeu os suspensórios; a Isis, mexicana; a neguinha idiota e arrogante, que, bem, é de Cuba; a Cristina, de Frosinone, pros lados de Roma; uma rastafari da região de Marche, Onde Nada Acontece Nunca Também; as duas malucas da Calábria; a Flavia, de Spoleto, que tem o sotaque mais engraçado do planeta. Tem uma menina da Etiópia que hoje não veio. Atrás de mim hoje tinha uma albanesa chamada Igla. Sei que tem uma austríaca, uma polonesa e uma russa. O resto da turma deve ser igualmente misturado, ainda não descobri.

O lance é que a minha universidade é a única na Itália a oferecer esse curso, então a galera vem de tudo que é lugar do país pra estudar aqui. E como a universidade se chama Università per Stranieri, bem, é mais que lógico que os estrangeiros também sejam tantos. Muitos vêm estudar italiano, como eu fiz em 2002, e depois engatam um curso universitário normal. Acho muito maneiro isso.

E pra continuar no clima internacional, descobri que há uma coreana dando aulas de inglês na escola de Ponte San Giovanni. Chama-se Lori, é espertérrima, tem inglês impecavelmente americano, é quase bonita (de modo geral não gosto da estética oriental), alta, magra, elegante. Hoje estava com uma jaqueta roxa maravilhosa. Quase quase proponho um escambo coreano-português, que tal?

E pra continuar mais ainda no clima internacional: a faxineira da sede da escola em Madonna Alta é russa. Física e engenheira química. Chama-se Elena e é um amor, fala um italiano terrivelmente carregado mas vê-se que é uma criatura boa, desiludida no amor e no trabalho, e sobretudo muito interessante. Já morou na Hungria, na Ucrânia e na Eslováquia. Hoje abriu um sorrisão quando cheguei, atrasada por causa da bosta da Eurochocolate: pensei que a senhora não vinha mais! Elena, pelamordedeus, dammi del tu, você é mais doutora que eu e me chama de senhora? Sempre puxo papo com ela porque, vocês sabem, adoro conversar com gente diferente, e ainda por cima lembro do nome dela, então já viu, conquistei. Pena que chego lá sempre em cima da hora e mal dá tempo pra gente conversar. Estou doida pra saber como é a vida na Hungria, na Ucrânia, na Eslováquia. O que se come nesses lugares? O que neguinho faz quando tá um frio desgraçado e não dá pra botar o nariz na rua? Como se diz “tá um frio desgraçado hoje” em húngaro, em russo, em eslovaco? So many questions, so little time.