domenica

Antes do almoço queríamos aproveitar o lindo dia pra levar o Leguinho pra nadar. Como todo bom labrador banana, ele não pode ver uma poça d’água que se joga dentro, amarradão. E desde que veio pra cá nunca mais nadou. Na verdade não acho que ele sinta muita falta porque se diverte de outras maneiras, mas eu sei que ele ama dar umas patadinhas e hoje saímos de casa com esse objetivo. Só que não chove há um certo tempo e não tinha lugar nenhum onde ele pudesse nadar sem perigo – o rio que corta Bastia até que tava razoável, mas tem muitas pequenas quedas onde ele, atolado que é, poderia se embolar e se machucar. Na nossa busca por uma massa d’água decente, passamos por uma parte de Assis onde eu nunca tinha ido, lá pros lados de Ponte San Vetturino. E vimos coisas lindas, tipo essa ponte antiga.

Mas como coisa boa nunca é demais, vamos ao que interessa:

E essa girafa está nessa janela há pelo menos 20 anos, porque desde pequeno o Mirco vê esse bicho nessa casa em Santa Maria. Não temos idéia de quem seja, mas eu adoro a idéia de levantar os olhos e ver uma girafa de pelúcia gigante segurando uma janela. Ainda mais porque coisas insólitas desse tipo não acontecem praticamente nunca em lugares chatos como o interior do Zaire.

pré

Então já estou toda animadinha com os mil livros, as mil coisas de comer, as bolsas e sapatos que vou trazer do Rio pra cá. E já comecei também a fazer as compras das mil coisas de comer que vou levar pra lá. Porque quem vai da Itália pra qualquer outro lugar do mundo, o que é que leva de presente? Comida, lógico. A minha lista inclui risotos daqueles prontos, de pacote, que por sorte estão em oferta essa semana; macarrão com ovo, porque eu é que não vou ocupar lugar na mala com máquina de fazer macarrão; molhos de bichos estranhos (javali, lebre, cabrito, ganso); torta al testo e piadina; speck e scamorza; salames e prosciutto crudo; vinho, vinsanto e cantucci; bom vinagre balsâmico e bom azeite de oliva; pesto e parmesão. O diabo vai ser arrumar as malas, porque as nossas malas, quando não estamos viajando, ficam na garagem, cheias das roupas da outra estação. Pra levar a minha malona e a minha malinha pro Brasil vou ter que largar as roupas de verão em cima da cama, no lado em que eu durmo, pra não incomodar o Mirco. Porque eu simplesmente não tenho onde botar nada. Odeio essa casa, não tem espaço suficiente pra gente, os móveis são estúpidos, além de hediondos, e toda hora tenho que descer até a garagem pra pegar alguma coisa. No verão nem é um problema, mas no inverno o bicho pega porque lá embaixo é frio bagaray. Pobre tem é que morrer, tem razão a minha tia.

Da série Coisas que a paca odeia

Na estrada

. Gente que não liga a seta antes de virar, ultrapassar, sair da vaga, etc
. Gente que esquece a seta ligada eternamente
. Gente que começa a gesticular enquanto conversa com o carona, tira as mãos do volante e o carro vai sozinho pra outra pista
. Gente que pisca o farol mesmo quando você está com a seta ligada, ultrapassando um caminhão-jamanta daqueles com três dias de comprimento
. Gente que joga coisas pela janela
. Gente que acha que parar no meio da rua, numa curva, no sopé de um viaduto, sem ligar o pisca-pisca, é supernormal

êeeeeeeeee!!!

No final de um dia muito, muito difícil e cheio de pequenas frustrações, inclusive a de não conseguir, mais uma vez, falar com a médica pra finalmente pegar os pedidos da ressonância e dos outros exames pra enxaqueca, finalmente uma boa notícia:

A bolsa de estudos saiu! :))))

Claro que já meio que me arrependi de ter escolhido Comunicazione Internazionale. Apesar da maioria das matérias ser muito interessante, meu negócio mesmo é literatura e línguas, e a burra aqui poderia perfeitamente ter escolhido Lingue e Culture Straniere, que tem um monte de coisas maneiras no programa – tipo literatura eslava, língua russa, literatura portuguesa e brasileira e outras coisas legais. Mas vou me contentar.

Só que não vou conseguir acompanhar praticamente matéria nenhuma. Um horário mais ridiculamente pouco prático não poderia existir, e praticamente todas as aulas da universidade batem com as minhas aulas de inglês. Então vou ter que fazer tudo como não-freqüentante, o que é um porre, porque eu nunca fui C.D.F. nem tenho a força de vontade da Ane, e sempre passei de ano na escola e na faculdade porque nunca faltei aula nem um round na enfermaria e sempre prestei muita atenção no que as pessoas dizem ao meu redor, e sempre fui muito perguntadeira também. Agora fodeu, vamos ser eu e os livros, sozinhos. Vai ser duro.

Minhas matérias vão ser: marketing, informática geral, lingüística italiana, política econômica, comunicação política, estudos culturais e organização política européia. Inglês e espanhol só vão começar em novembro, mas se minha mãe achar meu certificado do Proficiency, que sumiu no vácuo, pelo menos inglês vou conseguir pular, já que o objetivo do curso é fazer com que os alunos consigam um diploma de nível C2, de acordo com o European Framework de línguas, e o CPE é exatamente isso. Aliás, só a título informativo, o CELI 5, de italiano, que tirei em junho, é o equivalente italiano e mais bobinho do CPE. A má notícia é que não só vou ter que estudar espanhol, que todo mundo sabe que eu abomino, mas vou ter que tirar o diploma também – o DSE, Diploma Superior de Español.

Aliás, esse negócio de European Framework me deixou me coçando toda de vontade de aprender línguas bizarras e sair me diplomando toda. Já pensaram, um diploma de Gaélico? Até o nome é lindo: Réamhtheastas Gaeilge, no nível mais baixo, e Bunteastas Gaeilge, no nível menos mais baixo (tá bom, Bunteastas não é lindo). E Suomi? Eu não sei que língua é, mas adoraria ter um diploma chamado Suomen kieli, ylin taso 7-8. Tem exames de luxemburguês também, acreditem se quiserem. Tem grego moderno, tem euskara, tem catalão, dinamarquês, holandês, norueguês, sueco, e, lógico, entre as mais difusas línguas ocidentais tem também espaço pro português. Cada vez que eu olho pra essa tabelinha me coço toda de curiosidade de aprender coisas.

Já arrumei meu material escolar todo: uma bolsa de juta escrito “Mi piacciono i libri, ma mi piace di più la gente che li legge” (gosto de livros, mas gosto mais ainda da gente que os lê), caderno novo, bloquinhos veeeeeelhos da época em que eu ainda freqüentava congressos de Medicina, post-it, liquid-paper em caneta e em fita, canetas coloridas (mil), borracha novinha imaculada, carimbos bubus de bichos que compramos em Honfleur em agosto (Newlands, minha filha, tu ia morrer várias vezes naquela loja foférrima) e que não servem pra nada a não ser me deixar contente, minha fiel lapiseira preta da Paper Mate que nunca me deu um desprazer na vida, apesar do uso contínuo por anos a fio, pastinhas com e sem elástico, minigrampeador, enfim, todas essas coisas absolutamente necessárias pro bem-estar de uma pobre paca manca. Estou feliz da vida, e só não estou mais feliz da vida ainda porque não vou conseguir assistir a todas as aulas.

O pepino que vou ter que descascar no ano que vem (esqueci o futuro do verbo dever, alguém me ajuda?) vai ser a provável impossibilidade de renovar a bolsa. Porque fiz um contrato melhor com a escola, sou a professora com mais turmas (e teoricamente com mais renda…), o que vai provavelmente me tirar da camada mais pobre da população. Como já sou formada, não tenho direito a bolsa por mérito, mesmo que conseguir vencer minha tendência à preguiça intelectual e tirar boas notas sem assistir às aulas. Mas como o interesse por cursos universitários anda baixo (nem teve prova de admissão esse ano, apesar da turma com número fechado – normalmente é a maior casa da mãe Joana e qualquer um entra, mas poucos saem…), pode ser que mesmo não sendo mais paupérrima eu consiga alguma coisa. Mas é cedo demais pra me preocupar com esse abacaxi. Segunda-feira acordo cedo pra não pegar trânsito excessivo indo pra Perugia, estaciono perto da casa do Aluno Endocrinologista, ando uns três quilômetros a pé até a faculdade, e se tudo der certo consigo até lugar pra sentar razoavelmente within hearing distance na Aula Magna. Quando estudei italiano na Stranieri nunca tínhamos aula lá, porque éramos poucos, mas entrei uma vez durante um concerto de alunos músicos. O teto é todo pintado com horrendos motivos mussolinescos, que ficaram ali como recordação daquele tenebroso período – que, cá pra nós, muitos não acham tão tenebroso assim. São horrendos por causa da história que têm por trás, não exatamente por motivos estéticos. Achei tudo muito parecido com Portinari, aqueles pezões, a força do peão de obra italiano, essas coisas.

Falei demais, vou dormir.

Da série coisas que a paca odeia

Na sala de aula

. Gente que simplesmente não consegue escrever pequeno
. Gente que prefere rabiscar em vez de apagar
. Gente que escreve de caneta em livro
. Gente que não anota nada nunca e depois fica repetindo as mesmas perguntas idiotas
. Gente que usa lápis sem apontar nunca, nem mesmo quando nem a própria pessoa consegue ler o que escreveu com aquela ponta de lápis totalmente trolha
. Gente que não consegue copiar mais de uma palavra do quadro-negro de uma vez, tendo que levantar os olhos praticamente a cada sílaba

família buscapé

Ontem, que aliás foi aniversário da minha mãe, fomos a Roma buscar Ettore & cia. no aeroporto. Vocês lembram, eles foram à Holanda visitar a irmã do Mirco, que agora mora lá com o namorado.

A coisa linda é que também foi a avó do Mirco, a Lucia, de 84 anos. Nunca tinha sequer ido a Roma. A Perugia, só duas vezes, a pé (são 25 km), quando era jovem, pra entregar peles de coelho a um comprador. Não se sabe como, conseguiram convencer a menina a subir num avião e a ir a um outro país que ela nem sabe onde está. E o mais legal: não só ela gostou da viagem, achou tudo curiosíssimo, e contou todos os detalhes, mas também disse muito blasée que achava que o vôo seria mais assustador, mas acabou que não deu nem um medinho sequer. Viemos no carro ouvindo os relatos da viagem e morrendo de rir com as impressões que eles tiveram. Interessante ver como os pontos de vista mudam dependendo do background que você tem. Eles não têm nenhuma referência da vida no exterior, e acham o fim do mundo, por exemplo, não ter tempo de voltar pra casa pra almoçar e ter que se virar com um lanchinho. Acham engraçado que as casas em Amsterdam não tenham cortinas e ninguém fique olhando lá pra dentro pra curiosar – se fosse aqui na Itália, ia ter gente colado nas janelas o dia inteiro só pra assistir à vida dos outros. Acharam genial a arrumação das flores no mercado, as combinações de cores, etc. Acharam os holandeses muito gentis e simpáticos, opinião com a qual eu não posso discordar porque todos os que eu conheci eram muito legais. Enfim, disseram que valeu a pena e fiquei muito contente por eles por finalmente terem saído da toca e visto não só onde a filha tá morando, mas um outro mundo totalmente diferente do quintal da casa deles.

uia

O jantar na festa de Rivotorto, melhor sagra da Umbria, teria sido muito melhor se, entre os cannelloni de carne de caça e a torta al testo com lingüiça na brasa a enxaqueca não tivesse atacado.

As crises estão ficando mais freqüentes e o remédio não está mais adiantando tanto. Em Paris acordei uma vez de madrugada com dor. E o último sintoma que faltava, a artéria pulsante na testa, agora não falta mais. O autodiagnóstico é claro: enxaqueca em salvas. A pior, claro. Aquela que dá vontade de dar um tiro na cabeça, porque qualquer coisa, QUALQUER COISA, é melhor do que aquela dor.

p.s.: Não preciso nem dizer que o post não foi escrito no dia da enxaqueca, porque teria sido impossível. É retroativo mesmo.

cose della moda

Toda hora minha mãe pede pra eu fotografar vitrines ou mandar revistas pra ela ficar sabendo, com antecipação, qual vai ser a moda pra próxima estação. Na verdade nem precisa, porque ela tem um olho clínico pra essas coisas que é realmente invejável.

Ano passado o grande lance foi o rosa. E também as jaquetinhas cinturadas, de preferência brancas, e as microssaias pregueadas. Esse ano custou a aparecer algo de mais sólido nas vitrines, e só agora a coisa pareceu se definir. A cor do ano, parece, é o verde-limão. E o estilo do ano, parece, é o hippie (ou íppi, como se diz aqui), que eu a-bo-mi-no. Vejo túnicas com calças (não gosto, mas é bom pra gordas), batas tipo ciganinha, com elástico abaixo do peito (socorro), saionas disformes, combinações cromáticas escalafobéticas. Mal posso esperar pra festa de Bastia em setembro, quando as bastiolas fashion victims exibem suas figuras na mesquita, os cabelos preto graúna, os óculos de sol que cobrem metade da testa, os saltos que vira e mexe entalam entre os paralelepípidos do centro histórico. Diversão garantida.

Enquanto isso, levo dois minutos pra passar a bata indiana (a nacionalidade, não só o estilo) linda que minha mãe mandou, de algodão finiiiiiiiiiiiiiiiiiiiinho, bordado branco sobre tecido branco. Chique e fresca. E sem o maldito elástico embaixo do peito, nem o decote canoa elasticizado, que toda hora escorrega pelos ombros. Viva mâmi.