de olimpiadas etc

Oquei, confesso: fiquei tentada a participar do boicote às Olimpiadas. Também acho os chineses ligeiramente tendentes ao hediondo, odeio o modo com que tratam os animais, a falta de respeito aos direitos humanos etc. Na verdade a cultura oriental em geral nao tem nada a ver comigo: tenho verdadeiro pavor de toda aquela disciplina, nunca fui chegada em uma autoridade, a idéia de nao ser um individuo mas sim mais uma abelha operaria numa colméia gigante me enche de terror, a falta de liberdade de expressao me da’ calafrios, mas o pior de tudo é que eu nao confio, de jeito nenhum, em quem vive pra trabalhar em vez de trabalhar pra viver. Nao confio, nao da’, é completamente incompativel com o, digamos, amago do meu ser. E se ainda por cima esse povo é sujo e escarrador e com alta incidencia de acne, to fora mesmo. O mundo ja’ esta’ uma merda agora, mas sinceramente acho que fazer parte de uma futura (espero que muito hipotética) Pax Chinesa seria MUITO pior.

Mas ai’ a gente para pra pensar e ve que a hipocrisia esta’ em tudo que é lugar, nos americanos que bombardeiam conforme lhes da’ na telha sem pedir autorizaçao de ninguém e que aparecem de mascara cirurgica contra a poluiçao em Pequim mas poluem mais que todo mundo, nos brasileiros que reclamam do governo mas nao impeacham ninguém, nos italianos que se acham superfashion mas compram roupas falsas vendidas por senegaleses e feitas pela mafia, no Papa, no mundo inteiro – estou citando os casos mais proximos a mim; o assunto seria coisa de meses recitando exemplos.

Entao quer saber? Que joguem, que compitam, que se divirtam, que vendam espaço publicitario, que impulsionem a economia chinesa, nao interessa. Embora o espirito geral das Olimpiadas nao seja a integraçao entre os povos, todo mundo sabe, continuo adorando esses eventos internacionais. Nao posso ver uma bandeira, ler um nome diferente, ouvir um hino desconhecido que fico logo toda assanhada. Assisto a todos os esportes, inclusive aqueles dos quais nunca ouvi falar, e nao importa de onde sao os atletas. Adoro as cerimonias de abertura, acho aquela cafonice otima, a alegria dos atletas contagiante, acho tudo lindo. E ca’ pra nos, o estadio Ninho e o Cubo dos esportes aquaticos sao dois desbundes de arquitetura.

Entao agora me deem licença que tenho muito trabalho pra entregar na segunda antes da viagem, e trabalhar com as imagens daqueles pitéus da nataçao na televisao ao meu lado é no minimo inspirador.

das montanhas

Tô pra escrever sobre esse assunto há pelo menos uma semana, desde que rolou o primeiro acidente envolvendo escaladores italianos lá não sei onde (antes dessas 9 mortes noticiadas pelo Globo hoje). A Cora me antecipou, mas parcialmente. Porque enquanto que a minha reação ao ouvir falar da morte desses caras também foi exatamente “whatever”, a do Mirco foi, “ótimo, talvez agora neguinho aprenda”. Começamos a falar sobre o assunto e chegamos à seguinte conclusão: as famílias é que deveriam arcar com as despesas de resgate.

Pensa bem: o cara sai do conforto do seu lar pra escalar uma porra de uma montanha que não faz a menor questão de ser escalada, em condições extremas, sabendo do altíssimo risco de cair/se perder/sumir/congelar/whatever, gasta uma grana pretíssima nisso, e ainda por cima quando cai/se perde/some/congela o governo (local ou do seu país, não sei como funciona direito) ainda tem que mandar helicóptero, outros escaladores, esquiadores, cachorros e o diabo a quatro pra salvar o fulano – tudo isso só pra ter o prazer de voltar do K9 com uma camiseta “I reached the top of K9 and all I got was this lousy T-shirt”. Eu não sei vocês, mas acho uma falta de respeito, um egoísmo, de dimensões intergalácticas. Como já dizia a sábia Eva, a empregada mais nota dez que já tivemos: se tivessem um tanque cheio de roupa pra lavar esse tipo de coisa não aconteceria…

Então eu subi mais um degrau na escala do radicalismo. Porque se o lema do médico é primum non nocere, o de todo ser humano deveria ser primum non encherusacus. Ninguém tem o direito de encher o saco dos outros assim, causando preocupação aos parentes e despesas a quem tem que resgatá-los e tomando o espaço de notícias mais importantes no telejornal. Sendo assim, passei de “whatever” a “antes eles do que eu” e, finalmente, a “já vão tarde”. Amém.

food for thought

A Cora escreveu um post sobre o discurso de Gettysburg e os comentários do povo acabaram sendo sobre história em geral. Também deixei meu pitaco, mas como depois fiquei matutando resolvi trazer o assunto pra cá.

Eu gosto de história, vocês sabem. Prefiro os períodos anteriores à pólvora, porque depois fica tudo muito Hollywoodiano, mas estudar fatos mais recentes nos faz entender muita coisa. Agora na faculdade fizemos Storia Contemporanea, de 1848 até a WWII, um período que eu acho chatérrimo mas que é muito esclarecedor. Como são coisas que todos nós estudamos na escola, é só dar uma revisão com um enfoque mais adulto, sem grandes traumas. O livro é enorme, mas como é uma releitura não fica muito pesado. Então nem pensei muito na coisa até que a Nicoleta, minha colega romena, veio comentar que estava apavorada com a prova (que eu não fiz ainda porque tive enxaqueca nas 48 horas anteriores e não conseguia nem abrir os olhos, quanto mais estudar) pois não sabia por onde começar. Como assim, Bial, perguntei. Foi aí que ela me lembrou que, sendo da minha idade, ela foi à escola no período da ditadura, e por isso só aprendia a história “photoshopada” da Romênia, com o Ceausescu como personagem principal e salvador da pátria. Hoje ela é cidadã européia e não sabe BISSOLUTAMENTE NADA sobre a história da Europa. Cazzo, não sabe nada de verdadeiro nem mesmo sobre a história do seu próprio país. Parece uma besteira cuja conseqüência mais grave é simplesmente precisar de mais tempo pra estudar pra prova, mas cara, é um lance MUITO sério.

Veja bem: não só fica mais difícil entender o que está acontecendo, ter uma certa visão do futuro e sobretudo sacar por que as coisas são como são hoje na Europa e no mundo, mas até coisas (relativamente) menores ficam prejudicadas. Fica faltando uma fatia enorme de bagagem cultural que ela deveria ter em comum com outros europeus (e ocidentais em geral, visto que a gente estuda basicamente história européia na escola), mas não tem. Quando alguém me diz que se chama Mario eu já sinto falta de alguém com quem compartilhar a piada amarela (Mario? Que Mario? Hahahaha etc), imaginem no caso dela, que não sabe nada sobre Napoleão, por exemplo! Vocês têm idéia do tamanho da lacuna cultural que essa mulher tem? Conseguem imaginar como seria a vida de vocês se não soubessem quem foi Napoleão? Quantas referências culturais ficariam faltando? Não teriam gostado de Master and Commander. Não teriam entendido os livros do Temeraire (repito: leiam, leiam, leiam). Não entenderiam o contexto, a história, o motivo, a importância de metade do acervo de qualquer museu ocidental. Do fusuê do 14 de julho em Paris teriam reparado só nas roupas da Carla Bruni. De quantas conversas, aulas, palestras, filmes, livros, fotos, quadros interessantes ficariam privados? Cara, é um pedaço ELORME de vida que simplesmente não está lá!

Tremo só de pensar. A vida sem saber não tem a menor graça.

fidibéqui

Uma das muitas coisas legais de ensinar são os ex-alunos.

Lembram daquele curso que fiz ano passado em Foligno, que era uma turma só de moças? Acabo de receber um e-mail de uma delas, a mais esperta, dizendo que volta e meia dá uma olhada aqui pra ler o blog (ela fala espanhol) e que viu que eu estava de viagem marcada pra Barcelona. Deu uma dica de restaurante que quando eu voltar espero poder compartilhar com vocês. E me convidou pra cerimônia de entrega dos diplomas (!), quando rolar.

Um outro ex-aluno agora está na China, trabalhando como voluntário nas Olimpíadas, e toda hora me manda uma foto. Chegamos a nos encontrar em Foligno naquela época do curso pros policiais, quando ele veio tirar umas dúvidas de gramática e contar as novidades.

O arquiteto, que é aluno e não ex porque ainda vem aqui em casa ter aula, trouxe bombons de gianduia divinos de Turim quando esteve lá pro congresso internacional de arquitetura.

A oncologista, uma das minhas alunas preferidas lá na escola, me ligou mês passado gritando no telefone que finalmente ia casar, e mandou o noivo pra ter aulas comigo. Deve estar voltando da lua-de-mel e não vejo a hora de revê-la.

É tão legal reencontrar essas pessoas! Não sei se sou eu que dou sorte, pois a maioria dos meus alunos é legal, ou se eu sou seletiva mesmo e simplesmente vou largando os chatos pelo caminho. O fato é que todos os meus alunos mais legais e espertos viraram amigos interessantes e todo mundo mantém contato de alguma maneira. E todos eles têm sempre alguma coisa a ensinar.

Life is good.

êeeeeeee!

Vocês sabem que eu adoro um presente.

A Raquel, que no ano passado me mandou uma bolsa daquelas quadradas de lona (só que essa é muito maneira, com uma reprodução de uma pintura na frente; vou com ela pra faculdade todos os dias), dessa vez me mandou um caderno.

Eu adoro cadernos. Sou cadernófila. Tenho dúzias, grandes, pequenos, coloridos, não coloridos. A maioria sem nada escrito (ainda). Digamos que cadernos são uma das poucas coisas, se não a única coisa, que eu me permito ter só por ter, e não necessariamente pra usar.

Vejam se não é uma coisa:

Brigada, Raquel : )))))))))))))

finalmente!

[ring ring]
[paca] Pronto.
[voz feminina] Vieira?
[paca] Sì.
[voz feminina] É a polícia.
[paca, raciocinando] Ãn.
[voz feminina] Teu documento tá pronto.
[paca] AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAH!!! ALELUIA!
[voz feminina, rindo] Sabia que você ia gritar! Pode vir hoje, se quiser, eu estou aqui até as duas.
[paca] Tô indo, tô indo!

Fiz uma fornada de cookies com gotas de chocolate e lá fui eu correndo pra Assis pra pegar o maldito documento no Commissariato. Quem me ligou, e quem estava lá sozinha, porque os colegas estão todos de férias, foi a minha policial preferida, a que há anos renova os meus documentos e que me reconhece sempre (“você não é aquela dos mil sobrenomes?”). Atacou os cookies, agradeceu e me mandou embora rindo, “agora tão cedo a gente não se vê!”.

O novo permesso di soggiorno por motivos familiares vence só em 2012, e até lá, espero fervorosamente, a minha cidadania portuguesa já terá saído e não terei mais que me preocupar com essas coisas de pobre. A missão da semana agora, então, é encontrar passagens baratas com a RyanAir de Perugia pra Barcelona, porque temos um casal de CouchSurfers que nos convidam praticamente todo mês, e além disso tem o José, que está indo passar uma semana lá com a família e tem um apartamento livre nos esperando. Yaaaaaaaaaaay!

uêba

Achamos passagens miraculosamente baratas pro Rio em setembro. Ainda mais miraculosas porque, vocês sabem, o meu problema burocrático dificulta muito as coisas: enquanto meu permesso di soggiorno definitivo não chegar, não posso pisar na área Schengen, que é praticamente toda a Europa menos a Grã Bretanha, e isso limita muito o meu leque de opções na hora de viajar, excluindo as companhias européias. Dessa vez vamos de Alitalia até Milão e de lá com a Tam pra SP e depois Rio.

Minha lista de coisas pra fazer e comprar e de pessoas pra visitar no Rio já tem umas três páginas. E olha que eu escrevo pequeniniiiinho…

hihihi

Ontem foi um dia especial. Fomos convocados ao tribunal de Perugia pra falar mal da nossa ex-chefe.

O lance é que o Careca, que hoje tem sua própria agência de tradução e que é meu maior cliente, está processando o Dragão Laranja por mobbing, que é uma coisa meio complicada de provar. Não nesse caso, visto que só eu vi, em um ano e meio, PELO MENOS 20 pessoas se demitirem por causa de um ambiente de trabalho absolutamente impraticável. Então quando me ligaram pra perguntar se eu estava disposta a ir lá pra descrever como era trabalhar naquele manicômio, minha resposta foi “só se for agora”.

Encontrei o pessoal na esquina da Via Settevalli com a rua onde fica a agência. Dois carros cheios de gente; praticamente um comboio. Todo mundo usando ou vestindo alguma coisa roxa, que é a cor que o Dragão Laranja mais odeia. Éramos dez. DEZ. Dez pessoas usando roxo, contentes e risonhas, doidas pra falar mal da ex-chefa.

Vislumbramos o Dragão e seu fiel escudeiro, o Salame-mor (o amante que ela botou pra trabalhar na agência, mesmo ele sendo engenheiro e retardado, e conseqüentemente não entendendo nada de coisa nenhuma, muito menos de tradução ou administração de empresas), em frente à saída das escadas rolantes por onde chegamos ao centro. (Sim, Perugia é uma cidade estranha, um dia eu explico de novo). Passou, viu aquela muvuca toda e nos deu um olhar congelante, nem cumprimentou. Todos demos nosso melhor sorriso falso.

Enquanto o Careca subia ao fórum pra saber se a gente ia mesmo ser chamada pra falar, ficamos na calçada trocando figurinhas. Acabou que a convocação não era pra hoje, porque não era uma audiência, mas não importa. Subimos assim mesmo e fomos catar a sala onde tava rolando a conversa entre o juiz, os advogados e ambas as partes. A porta estava aberta, o Salame-mor estava sentado numa cadeira antiga exatamente em frente à porta, e nós distribuídos nos sofás estranhos e cadeiras desconfortáveis no corredor. Ficamos quietinho ouvindo tudo o que os advogados disseram, fizemos gestos de uhuuuuu e de vaffanculo, dependendo de quem estava falando, fizemos dancinhas de comemoração, reviramos os olhinhos, foi lindo.

O mais legal foi quando o advogado dela saiu da sala e deu de cara com aquela multidão roxa. Virou-se pro Dragão e perguntou, mas todas essas pessoas estão putas da vida com você? Hohohoho. Essa louca é muito subestimada; quando a gente conta as nossas histórias do manicômio ninguém acredita, e só começa a ver que é tudo verdade, e que é muito pior do que o seu pior pesadelo, quanto nos juntamos e compartilhamos causos. A ficha deve ter caído na cabecinha do advogado dela só naquela hora. Também deve ter entendido, naquele momento de click, que não tem como o Careca perder a causa. Não com tantas, tantas testemunhas. E isso porque várias pessoas não foram, algumas porque não moram mais na Itália.

Segunda que vem vamos nos encontrar com o advogado do Careca lá na agência pra contar mais detalhes sórdidos e ver qual a probabilidade de ganhar uma causa coletiva contra ela. Porque todos nós saímos de lá estressados, psicologicamente destruídos e fisicamente doentes – alguns com dor de cabeça crônica, alguns com enxaqueca recorrente (eu), outros com psoríase (eu), outros com distúrbios do sono, outros com fadiga crônica, outros com gastrite. Não faço questão de ser indenizada por nada. Quero só vê-la fodida. Muito. Chafurdando na lama, sangüinolenta, cagada, fodida e mal paga. Principalmente mal paga.