feshtenha

A festa do Franco acabou não sendo tão divertida como costuma ser. Chegamos tarde, porque dei aula até as oito da noite, e acabamos ficando na ponta da mesa oposta à dele e dos amigos que conhecemos. Ao nosso lado, duas professoras de Inglês, uma da Università degli Studi di Perugia, e a outra da Stranieri, justamente pro curso de Comunicazione Internazionale que eu quero fazer. Foi uma pena ter sentado ali, porque o Franco e seus amigos mais íntimos são as pessoas mais cultas e engraçadas que eu já conheci aqui na Itália, senão na minha vida inteira.

Ele mesmo é professor de Inglês e tradutor, lá na Stranieri. Um homão alto, forte, peludo, e bichérrimo, e que ainda por cima tem uma queda pelo Mirco. Uma história sua famosa rolou lá mesmo na universidade: ele, fazendo mil gestos, caras e bocas pra explicar sei lá o quê, até que um aluno levanta a mão e diz:

– Pô, professor, o senhor faz tanta careta que fica parecendo até que é meio bicha!

Ao que ele responde:

– Só meio, querido?

A única vez que eu dei mais risada do que quando ele contou essa história foi ele mesmo relatando o dia em que ficou preso no carro do Mizio. Mizio também ensina Inglês e também é tradutor, mas fala Português de Portugal e sempre me cumprimenta dizendo “como estás?”, que eu acho engraçadíssimo. Ele é um amor, e de uns tempos pra cá anda trabalhando com cerâmica, usando uma técnica antiga que sempre foi segredo de família, e que ele resgatou. Temos um vaso meio dourado dele lindão aqui na sala.

Mas então: o Franco é a pessoa com menos senso prático que já pisou na face da Terra. Não sabe usar celular nem videocassete, não sabe usar o cartão do banco, e quem administra suas finanças é um amigo que trabalha num banco. Não sabe dirigir, não sabe nem ferver água pra fazer chá, e cada dia janta na casa de um amigo, ou num restaurante, ou algum amigo vai à casa dele pra cozinhar.

Um dia Mizio foi buscá-lo pra ir trabalhar, e no caminho passou no supermercado. Franco tinha caído no sono, e como era uma coisa rápida, Mizio trancou o carro, um Toyota ou outra coisa do gênero, e deixou o homem lá dentro. O tempo foi passando, o sol foi esquentando, Franco começou a suar e acabou acordando. Quis abrir a janela pra se refrescar, mas não conseguia. Tentou abrir a porta, mas não achava a alavanca ou o botão. Começou a sinalizar loucamente pras pessoas que passavam, mas obviamente ninguém se dignou a parar pra falar com aquele maluco de peito peludo que esmurrava os vidros de dentro do carro. Só quem parou foi um negão, um africano que vendia bugigangas. Franco desesperado tentando se fazer entender, e o negão nada. Franco tira da bolsa um caderninho de telefones e encosta na janela, apontando pro nome do Mizio – aparentemente ele queria que o negão telefonasse pro celular do Mizio, não se sabe como, pra que ele viesse abrir a porta. Nesse momento Mizio sai do supermercado, vê aquele negão enorme parado em frente à janela do carona, e, achando que eles estavam marcando algum encontro caliente, não se aproximou, pra não interromper as negociações. O tempo foi passando, o negão nada de sair dali, Mizio achou estranho e foi ver o que tava rolando. Quando finalmente abriu a porta, o comentário do Franco foi:

– Odeio o design japonês.

Crianças, ele e o Mizio contando essa história deixam você ficar sem ar de tanto rir. A cara do Franco imitando ele mesmo quando finalmente Mizio abriu a porta e ele pôde dar aquela super-respirada, é o que há. Até hoje quando eu lembro dessa história fico rindo sozinha.

Faltou só o Francesco, ex-chefe do Mirco e da Stefania na empresa onde eles trabalharam há alguns anos. Francesco é um genovês requintadíssimo, discreto, educado, bem vestido, cheiroso, culto, divertido, viúvo e rico. Sentimos falta dele no jantar, que no final acabou sendo divertido do mesmo jeito, principalmente no momento abertura de presentes. Eu dei um livro do Ian McEwan, Mirco deu um quadro de metal com ímãs pra fotografias, que ele mesmo pintou. Mizio deu uma caneta que estica, virando um apontador daqueles tipo antena de TV, pra dar aula. Os comentários do povo, conhecendo o retardamento tecnológico do aniversariante: só não vai esquecer de encolher a antena pra escrever, hein? E ele dando risada, e fingindo que escrevia com aquele negócio compriiiido.

Quando saímos do restaurante a neve tava caindo direto, mas felizmente não tivemos problema na estrada.

Na sexta não tivemos forças pra fazer nada. Gianni veio aqui em casa resolver mais uns dos intermináveis detalhes da viagem à Argentina, e acabou indo embora depois da meia-noite. Eu chapada, com as mãos tremendo, os punhos doendo horrivelmente, os tendões gritando de tanto digitar, e ainda por cima tendo que escrever e-mail pra uma criatura chamada Sema, que não sei nem se é homem ou mulher, perguntando se há vagas no hotel em El Calafate. Devo ter picado muita salsinha na tábua dos dez mandamentos mesmo.

reveilão

Quem não liga pro Natal dificilmente se empolga com o Ano-Novo. Acho que nunca passei um réveillon legal na minha vida – provavelmente porque a minha concepção de “legal” é muito diferente daquela clássica festão + álcool na cabeça + beijos em bocas estranhas. Há anos adormeço antes da meia-noite chegar. Meu primeiro réveillon aqui foi passado na casa dos pais do Mirco. Acabamos dormindo no sofá muuuuito antes da meia-noite. Em 2002 estávamos em Catania, na Sicília, e também caímos no sono assistindo a algum Star Wars. Em 2003 estávamos numa festa estranhíssima na Sérvia, mas só por falta de coisa melhor pra fazer.

Esse ano passamos o dia inteiro na oficina. Nesse dia 31 a micro-empresa (da qual Ettore era o chefe) foi fechada, e reaberta no mesmo dia no nome do Mirco, por razões que eu levaria um dia inteiro pra explicar. Os dois passaram a manhã toda no tabelião registrando o negócio, e eu fiquei na oficina atendendo telefone, organizando tabelas e mandando por fax pro tabelião, que não tem Excel e não sabe fazer tabela, e principalmente preparando as faturas de dezembro, que é o trabalho mais chato do mundo. Depois do almoço voltamos pro escritório pra terminar as malditas faturas, e acabamos tudo às nove e meia da noite. Um frio do cacete, eu morrendo de fome e cansaço, doida pra voltar pra casa, e o Mirco, que tem o às vezes péssimo habito de não deixar nada pra depois, ainda pára no meio da estrada pra fotografar umas árvores trigêmeas que ele vê todos os dias há cinco anos mas só agora lembrou de fotografar.

Mas tudo bem, eu já tinha deixado o jantar engatilhado. Foi só botar o pedaço de carne argentina no forno, apoiada diretamente na grade pra gordura escorrer, e as abobrinhas já cortadas longitudinalmente e batatas-palito congeladas também no forno, em seus tabuleiros. Moreno veio jantar com a gente, e resolvemos sair de casa, eu muito a contragosto, umas quinze pra meia-noite. Fomos pra casa de um amigo do Moreno, e encontramos umas outras pessoas que já conhecíamos. Eles moram no pedaço de Bastia que fica aqui atrás de Cipresso, onde eu moro; até que tinha vida aqui em torno, a julgar pelos muitos diferentes pontos de modesta queima de fogos, a que assistimos do quintal. Depois voltamos pra dentro porque tava frio pacas, o pessoal jogou cartas enquanto eu, que estava totalmente anti-social, fiquei vendo The Blues Brothers na TV. Fomos dormir lá pras duas da manhã.

Natáu

O almoço de Natal foi um belo pé no saco, por causa do climinha entre Mirco e a cunhada, que deu uma hipersupermegapisada intergaláctica de bola semana passada. Comemos o de sempre: fatias do pão umbro cascudo com patê de fígado de galinha, com salmão e manteiga, e com patê de tartufo; depois cappelletti com recheio de carne misturada de peru, vitela e cappone (galo castrado), uma parte in brodo, ou seja, cozido no caldo de cappone, e a outra parte com molho de tomate mesmo. Depois cappone assado na brasa com salada. E de sobremesa todos aqueles doces natalícios que eu odeio: panetone, pinolata, torrone, panforte. À noitinha fomos ao cinema ver Closer (meio assim assim), jantamos sanduba na Pans & Company do shopping, paramos pra tomar uma cervejinha/Bailey’s no Suggestum com Moreno e um amigo, e voltamos pra casa pra mimir.

Hoje, feriado aqui na Bota (dia de Santo Stefano), resolvemos ficar em casa. O tempo tá uma bosta, um convite à preguiça, e há um monte de carne argentina e brasileira na geladeira nos esperando (compramos na Metro, no sábado à tarde). Compramos dois filés mignons argentinos e um pedaço gigantesco de roastbeef (que eles pronunciam rósbif-a) brasileiro – como diabos se chama isso em Português? Almoçamos uma sopinha chinesa de pacote, a última que sobrou das compras em Paris, depois um filezinho show de bola feito na bistequeira de ferro guisa, com batatas no forno, assadas com azeite e alecrim. Como Hannibal Lecter, nós também nos amarramos num Chianti, e abrimos uma garrafa decente pra acompanhar a carne. Aaaaaaaaaah quanto faz falta uma carninha decente, em vez desses bifinhos anêmicos de vitela que neguinho adora aqui!

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Eu ganhei chocolates holandeses do namorado da cunhada, papatinhos forrados de lã pra usar dentro de casa, uma mochila ótima pra viajar, um casaco ROSA absurdo, daqueles recheados de pluma de ganso. Só que, além de ser rosa (que é a cor da moda, vocês sabem), é curto, o que pra mim não faz o menor sentido. Eu sinto frio no corpo inteiro, e não só do umbigo pra cima; pra mim casaco curto é tão idiota quanto blusa de lã de manga curta. Qual é o propósito dessas coisas? Amanhã vou a Perugia trocar. Não tenho nenhum casaco desses de pena de ganso; me deixam maior ainda do que eu já sou, e também acho muito esportivo, não faz o meu tipo. Prefiro sobretudos, e queria um marrom, pra se juntar ao meu preferido, cinza-escuro estilo militar, com golinha coreana, ao preto Valentino e ao branco tabajara que eu tenho que levar ao Rio na próxima vez pra dar uma mudada na cara dele. Foi baratérrimo, mas o modelo é muito assim assim, queria uma coisa mais diferentinha. Mirco ganhou um pulôver marrom e um perfume Roberto Cavalli que, apesar da caixinha DE ONCINHA AZUUUUUUUL, é bem cheiroso.

Eu ainda não abri meu autopresente, o livro da Allende que o grisalhão da livraria cismou de embrulhar, mesmo eu dizendo que era pra mim mesma. Acabou que me comprei também uma agendinha Moleskine, cujo único defeito é ter pauta. Detesto escrever em papel pautado. Minha aversão a obedecer a ordens e regras chega a esse ponto. Mas tem umas coisas ótimas: duas páginas pra anotações de viagens (com espaço pra data, destino e comentários gerais), fusos horários, conversão de medidas e tamanhos de roupas e sapatos, códigos DDI, distância entre as principais capitais do mundo, mini-agenda telefônica destácavel, e uma espécie de bolsinho interno pra colocar papeizinhos que normalmente tendem a tomar chá de sumiço. Não sou muito de usar agenda, porque esqueço sempre que ela existe, mas adoro tê-la. Adoro agenda, diário, bloco, papel, de qualquer tipo, tamanho, cor, material. Basta que não seja pautado ou, pior ainda, quadriculado, como se usa muito aqui. O Moleskine (tipo sketchbook, com folhas espessas) que serviu de semi-diário em 2004 está acabando. Digo semi-diário porque acabo escrevendo praticamente só quando viajamos; colo ingressos de cinema, teatro, passagens de avião, trem, ônibus, metrô, cartões de visitas de lugares legais, bilhetes nos quais nos deixaram endereços e e-mails. Seu sucessor foi comprado em Castellina in Chianti nesse verão, durante a Saga dos Salames; foi feito à mão e tem capa de couro com as três musas da primavera gravadas na capa e há um lacinho pra amarrar e mantê-lo fechado. Estou doida pra inaugurá-lo.

a lil’ get-together

Ontem veio um pessoal jantar aqui em casa: Peppone e aquele casal que precisava de informações sobre NY, Gianni e Chiara, e a irmã do Gianni, Roberta, com o namorado calado, Marco (que eu jurava que era Bruno, que horror!). Quarta e ontem passei o dia cozinhando: fiz mini-pizzas de cebola e sálvia e de alecrim com sal grosso, cappelletti com recheio de salmão defumado (fiz a massa e o recheio em casa) com molho de abobrinha, lagostins cozidos rapidamente no vinho branco com azeite e salsinha, com salada mista, e petit gateaux com sorvete de creme que eu mesma fiz. O jantar foi um sucesso tal que fui até aplaudida, apesar de ter achado os cappelletti muuuuito mais ou menos, principalmente se penso no trabalho que me deram. Mas enfim, demos muita risada, papeamos muito, vimos fotos, falamos de viagens, e depois que o pessoal foi embora, pra lá de meia-noite, ainda fui ajeitar a cozinha e a sala. Àquela altura do campeonato já tinha perdido o sono, e acabei dormindo no sofá, abraçada ao How the Irish Saved Civilization.

Pictures to come.

findi

Ontem tivemos um dia cheio – cheio de programas inusitados. Mirco trabalhou até as quatro da tarde, e eu fiquei em casa dando uma faxinada, passando roupa, dando uma engatilhada no almoço – enfim, ameliando. Almoçamos um risotinho básico de abobrinha, salmão e açafrão, e logo depois chegaram Peppone e um casal de amigos. Esse casal vai passar dez dias em NY em janeiro e queria dicas do que ver, onde dormir, etc. O lance é que o Mirco sempre viajou muito, então todo mundo que quer dicas de viagem vem encher o saco dele. Pois então; esse casal é muito simpático. Ela é esperta pra caramba, apesar da combinação scarpin de cobra de salto altíssimo + jeans D&G + suéter de tricô com capuz, muito esportivo. O namorado é o clássico salame roedor de unha, mas bonzinho. Eles ficaram aqui até quase as seis, e depois que foram embora nos mandamos pro cinema.

Vimos Ocean’s Twelve, e achamos uma bosta. Não uma bosta comparada com Ocean’s Eleven; uma bosta mesmo. Roteiro esburacado, silêncios irônicos que não têm graça, private jokes, e inúuuuuuuuuuumeras forçações de barra. Só vale porque grande parte do filme se passa em Roma, que vocês tão carecas de saber que é tudo na vida, e porque tem o George, e porque a Zeta-Jones está absolutamente deslumbrante, com um corte de cabelo que ficou ó-te-mo.

E depois do cinema e de um sanduichinho na Pans & Company do shopping fomos pra casa do Roberto, em Santa Maria. Tínhamos sido convidados pra jogar Pictionary (tipo um Imagem e Ação, lembram?) com Roberto, Cristiana e outro casal de amigos, mas acabamos jogando outras coisas. Um jogo se chamava Taboo e é bem legal: você tira uma carta do maço e tem o tempo da ampulheta pra fazer os seus companheiros de time descobrirem a palavra escrita na carta, sem em nenhum momento mencionar certas palavras que também estão na carta – essas são as palavras-tabu. Por exemplo: a palavra que meu grupo tem que adivinhar é espelho, e as palavras tabu são reflexo, imagem, etc. Parece fácil, mas em certos casos você tem que dar uma volta danada pra chegar na bendita palavra. Até deu pra rir, mas nem eu nem Mirco somos pessoas particularmente competitivas, e não gostamos de jogar coisa nenhuma; o Mirco só gosta de competir com ele mesmo, e eu não gosto de competir com ninguém, principalmente comigo mesma. Mirco errou todas, não conseguiu fazer ninguém adivinhar nada, ficou nervoso e estressado, e acabou não se divertindo. Depois jogamos um negócio com cartas e uma maquininha que cospe cartas em você; esse é legal, mas a gente demorou tanto pra montar a maquininha e entender as regras que depois de duas rodadas já era mais de meia-noite e ninguém se agüentava mais em pé. Fomos pra casa e chapamos imediatamente.

otto dicembre

Feriado nacional hoje; é la festa della Madonna – pelo que eu entendi, já que não me interesso nem remotamente por esses assuntos religiosos, é o equivalente ao nosso 12 de outubro. Na praça em frente à basílica de Santa Maria degli Angeli, já há um certo tempo foi colocado um negócio imenso de ferro que eu não me interessei em saber o que é, mas parece um cálice; é bonito, o ferro é todo trabalhado e há sempre flores frescas como decoração (não vou nem comentar que nada disso sai dos bolsos da igreja, porque seria redundante). Não sei quando foi colocado lá; não presto atenção a essas coisas, mas sei que o período entre a colocação desse troço na praça e o dia 8 de dezembro é chamado de “mese Mariano”, ou mês de Maria. Ou pelo menos acho que é assim que funciona.

Enfim, esse foi o único feriado desse ano que não caiu no fim de semana, e quem pôde aproveitou pra enforcar (ou fazer o chamado “ponte”) e foi esquiar nas montanhas. Nós obviamente ficamos por aqui mesmo, levantamos tarde e fomos pra oficina porque o Mirco tinha que pintar umas peças que eram urgentes, pra hoje de manhã cedo. Eu varri o chão da oficina, manobrei a empilhadeira, e com o ancinho dei uma ajeitada no cascalho do pátio dos fundos, que com as chuvas intermináveis acabou ficando todo irregular. Almoçamos na Arianna, e depois passamos a tarde inteira cortando a maldita forma de parmesão e embalando os pedaços a vácuo. Voltamos pra casa pra tomar banho e tirar o cheiro de queijo e dali fomos pra casa do R., amigo do Mirco que tem, entre outras coisas, uma colina em Mora, uma fração de Assis. Era aniversário da namorada dele, a fadinha C., magra como um grissino, dona das sobrancelhas mais artificiais que eu já vi na minha vida e que tem os olhos quase um de cada lado da cabeça, como uma coruja. É psicóloga e muito, mas muito cri-cri, mas o R. é um grande amigo e fomos lá marcar presença. Quem cozinhou foi a estranhíssima irmã do R., que é cozinheira e fotógrafa e já trabalhou em hotéis e restaurantes em lugares bizarros como Teneriffe e fotografa freqüentemente na África. Essa casa em Mora é uma villa maravilhosa, com piscina coberta e aquecida com teto que se abre no verão, um bosque delicioso e várias casinhas espalhadas pela colina. A mais usada é a casa del maiale (casa do porco), que tem esse nome porque uma metade da casa é reservada aos porcos que o pai, industrial milionário mas filho de açougueiro, compra ainda leitões, engorda, abate e faz lingüiça, salame, presunto e todas as outras mil coisas que se fazem com todas as partes do porco. Na outra metade há uma lareira elooooooooorme, pia, armários, mesas e um sofá; há porcos de cerâmica, plástico, vidro, pintados em pratos, nos panos de prato, no pegador de panela. No andar de cima há um terraço com uma vista linda do vale lá embaixo, e é onde o R. faz as suas famosas festas de aniversário, todo ano.

Quando chegamos R. estava acendendo as velinhas da IKEA na mesona que ficou depois que quatro mesas quadradas foram juntadas. A irmã tava botando pedaços de pão pra bronzear na brasa, pra fazer bruschetta; a outra irmã, caladona mas com olhos e ouvidos que não perdem na-da, brincava com os dois cachorros, Ercole e Scotti. Uma gatinha bebê miava lá fora, na janela, e dava patadas no vidro, mas quando abri ela não quis entrar, com medo do banana do Ercole, que abanava o rabo feito um louco, doido pra brincar com a bichinha. Mais tarde foram chegando os outros convidados, que nós não conhecíamos; eu sentei perto do fogo porque sou friorenta, e acabei batendo papo a noite toda com um casal muito simpático e esperto. Francesca é de Foligno e tem aquele sotaque engraçado deles, que tem um quê de romano; é formada em Filosofia e estudou um ano em Londres. O namorado, Stefano, é advogado, como o pai, famoso aqui na área, e morou em NY e em Madrid. Nunca conheci gente tão cosmopolita aqui no vale, fiquei pasma! Batemos um papo ótimo, troquei receitas com a irmã do R., expliquei que o que ela comeu num restaurante brasileiro em Rimini não foi farofa mas farinha de mandioca crua com feijão, e que essa farinha ela acha em Perugia, numa loja de queijos e produtos gastronômicos esquisitos na escadaria de S. Ercolano. Todo mundo deu livro de presente pra chatinha; eu dei Alta Fedeltà (ui), do Nick Hornby, já que não tenho a menor intimidade com ela e não conheço seus gostos. Digamos que vai ser um termômetro: se ela não vier depois comentar que achou graça, já vai cair mais ainda no meu conceito.

Enfim, detonamos juntos (éramos 12) cinco garrafas de um excelente Brunello de 1998 (pena, a melhor safra do último século foi a de 97), brincamos com os cachorros, e a festa terminou com a gatinha passeando sobre a mesa e comendo restos de bolo dos pratos. All in all, foi ótimo; agora infelizmente vai ser necessário aturar a chatinha outra vez se quisermos convidar Francesca e Stefano pra jantar, já que são amigos do R. e por isso temos que convidar todos juntos. Mas vai valer a pena; a chatinha é chatinha porque é boring, e não porque incomoda. Afinal de contas, no pain, no gain, né não?

:)

Ontem à noite jantamos na casa do Gianni e da Chiara. Foi ótimo, eles são realmente muito simpáticos. A Chiara é o tipo de pessoa que você acaba de conhecer e já considera a sua melhor amiga – não por forçação de barra, mas porque ela é muito engraçada e bobona, e não tem como não gostar dela. Conversamos principalmente de viagens, porque eles também adoram viajar, e vamos com eles a Heindover no fim de janeiro. Fiquei encantada com as fotos que eles tiraram no sul da Espanha; morro de vontade de conhecer a Espanha moura.

O menu não tava lá essas coisas, mas o importante foi que batemos altos papos até uma da manhã e demos muita risada também. Bom, isso.

Gianni, Chiara, Bruno e a namorada Roberta (irmã do Gianni), eu e Mirco

festa de arromba

Olha, não é porque fui eu quem cozinhou não, tá, mas sábado a festchinha aqui em casa foi uó. Tudo muito confuso, obviamente, porque o apartamento É pequeno e tinha a maior cabeçada; tudo mais confuso ainda porque tinha gente de tudo quanto é tipo, amigos de escola, outros dos tempos de futebol, outros da escola técnica, vizinhos de casa, coisas desse tipo. Gente muito diferente, quase todos casados, quase todas as esposas meio retardadinhas, fora a Chiara, que é esperta pra caramba. Gosto cada vez mais dela e próximo sábado vamos jantar na casa dela.

O menu foi: belisquetes variados (amendoim, Pringle’s, pistache, azeitonas, Fonzies), salada de arroz que o Mirco encheu minha paciência pra fazer, apesar de ser um prato de verão (resultado: sobrou pra burro. Eu não gosto e Mirco não come comida velha, vai sobrar pros cachorros e frangos da Arianna), piadina de speck e scamorza no forno, bruschetta de paté de fígado de frango comprado na Coop, porque essas nojeiras eu me recuso a fazer, quiche de presunto e queijo. Muito vinho tinto, cerveja, Coca e água mineral com gás. A sobremesa triunfal foi um pratão de profiteroles, que eu recheei com sorvete Gigi. Ficou uma diliça e todo mundo ficou bobo com a minha paciência em fazer tudo from scratch, dos bignis ao sorvete.

Como não consigo ir dormir sem antes deixar tudo arrumado, mandei o Mirco pra cama e lá fui eu lavar umas loucinhas (pratos e talheres eram de plástico, então só tinha uns tabuleiros e formas de quiche pra lavar), arrastar os móveis pro lugar certo e passar pano de chão. Acabei dormindo no sofá, atacada por uma onda de melancolia.

p.s.: Niente foto porque foi o Gianni quem fotografou o evento, e TODAS as fotos saíram horríveis. Gente de boca aberta, gente de olhos fechados, gente abaixando pra pegar guardanapo ou amendoim que caiu, gente estendendo o braço pra pegar mais vinho, gente de costas, gente de olhos vermelhos, enfim, todas as tragédias da fotografia juntas.

cultura na roça

Continuando a série programas deferentes, ontem saímos um pouco da rotina e fomos assistir a um ballet em Foligno, no Politeama, que já foi um teatro e hoje funciona como cinema.

Eu adoro ballet clássico. Fiz aulas durante alguns anos quando era pequena, mas parei porque sempre fui gorda, desastrada e desprovida de graça e elegância, coisas que uma bailarina não pode ser. Mas continuei gostando, e sempre que tinha temporada no Municipal eu ia. A última vez foi o que, há uns três anos, com a Syrléa? Vimos o Lago dos Cisnes, que é um dos meus preferidos.

O de ontem era Don Quixote, que não é lá um dos meus favoritos, mas dá pro gasto. Mirco, obviamente, nunca tinha visto um ballet, e estava curioso. Tínhamos visto o cartaz na saída do cinema na semana passada e nos interessamos. Eu liguei pra bilheteria ontem à tarde e a mulher disse que não precisava comprar antes, porque ainda tinha muito ingresso sobrando e eu poderia perfeitamente comprar na hora. Então pouco antes das nove da noite estávamos lá, numa pseudo-fila confusa, porque eles não só não foram capazes de botar uma bilheteria só pro ballet, então tinha público do ballet e dos cinemas na mesma fila, mas também só tinha uma pessoa atrás do balcão vendendo os malditos ingressos. Pra melhorar a confusão, professores e alunos de dança tinham desconto, e tinham que entrar na fila com um documento pra conseguir pegar os ingressos mais baratos. Acabou que o espetáculo começou com quase 20 minutos de atraso, porque senao não ia nem ter público, já que metade da galera ainda tava lá fora, na fila, passadas as nove horas, horario teórico do início do espetáculo.

A companhia de ballet é de um romeno e de uma milanesa que estudou dez anos na Rússia. O grupo tem a minha idade e eu honestamente esperava um pouco mais de profissionalidade, embora, pensando bem, se eles fossem realmente profissionais e bons de sapatilha não estariam se apresentando num ex-teatro em Foligno, of all places. O lance é que o palco do teatro é minúsculo, ao ponto que a coreografia, que não era a original de Petipas mas do próprio romeno, ficou claramente prejudicada. O bailarino principal chegou a dar um chute numas pedras cenográficas enquanto saltava piruetando; voaram bolinhas de isopor por todos os lados. A iluminação era sofrível, e o cenário parecia coisa desenhada pelos alunos da segunda série na aula de Artes (eu fui aluna da Nêga no Andrews, e vocês?). O figurino poderia perfeitamente ter sido montado todo na Ciganinha, na Saara do Rio, tal o excesso de babados. A menina que fazia o Sancho Pança já estava me irritando, sacudindo os braços sem parar como uma retardada. Os bailarinos eram completamente descoordenados entre si, principalmente os homens, que pulavam e levantavam as pernas sempre com um meio segundo de diferença entre um e outro. E três dos quatro bailarinos homens coadjuvantes eram fortes como estivadores, e não esbeltos como bailarinos costumam ser. A música era terrível, porque obviamente não tinha orquestra, por falta de espaço e por falta da orquestra propriamente dita. O público, não habituado a esse tipo de espetáculo, aplaudia a toda hora, e aplauso invadindo a música da cena seguinte não é a coisa mais legal do mundo.

Mas all in all foi um programa divertido. Fiquei lembrando de quando era criança e tínhamos sempre ingressos pro Municipal; assisti a Copélia, Gisele e o Quebra-Nozes trezentos milhões de vezes, sempre das frisas ou das primeiras filas da platéia. O barulhinho seco toc-toc das pontas de gesso no palco é sempre uma delícia. Fui dormir contente :)

uhuuuuu

Tivemos uma soirée animaaaaal ontem. Metemos o pé na jaca. Detonamos geral. Abalamos Bangu.

I lie.

A APM, a companhia perugina de transportes, patrocina os jogos de vôlei da liga nacional, e os funcionários têm direito a ingressos pros jogos. Moreno tinha dois sobrando, ofereceu, de graça, né, nóis aceitou e nóis foi.

Foi no Palasport Evangelisti, o mesmo onde rolou o show do Biaggio Antonacci há um tempinho atrás. Conseguimos estacionar tranquilamente e atravessamos o estacionamento tabajara, de terra batida e esburacado, sem maiores problemas. Tava frio, mas nada do outro mundo. Lá de fora ouvíamos alguém berrando algo num alto-falante, e um barulho de torcida fazendo êeeeeeeeee. Na entrada, um estande oferecia cupons dando desconto na compra de produtos de beleza pra homens na cadeia de lojas de cosméticos mais in aqui da zona. Um montinho de gente se amontoava numa pseudo-fila em frente ao estande onde distribuíam-se os ingressos pra convidados – o nosso caso. O nome do Moreno tava na lista, pegamos os bilhetes e entramos.

Não sabíamos quem estava jogando contra o Perugia Volley, dono da casa, e não havia nada escrito nem no ingresso, nem em nenhum lugar do estádio. Sabíamos que era uma partida relativamente importante, série A, transmitida excrusive pela TV a cabo, canal de esportes. O estádio não estava nem remotamente cheio, então sentamos em qualquer lugar mesmo, perto da quadra. E comecei a observar o ambiente, tentando ignorar o cheiro de cachorro molhado no ar (chovia há horas lá fora).

Fora alguns poucos grandes patrocinadores, como TIM, o concessionário Mercedes ali da área, a Nike, chocolates KitKat, chocolates Perugina (que foi comprada pela Nestlé, filhos da puta), a academia de ginástica high-tech de Perugia onde eu malhava quando estudava lá, o resto dos anunciantes era completamente desprovido de glamour. Pizzeria do Fulano! Tendas e Toldos Sei-lá-o-quê! Restaurante do Mario! Fábrica de sacolas plásticas do Riccardo! Manutenção de Empilhadeiras Família Rossi! Desratização O Flautista Mágico! (juro). O patrocinador principal do Perugia, de uniforme vermelho e tênis à escolha do jogador, é Bacchi, concessionário de caminhões Iveco e revendedor autorizado de peças pra caminhões; é fornecedor do Mirco e já fui lá quinhentas vezes buscar peças. O do outro time, de azul marinho e tênis todos iguais, que mais tarde descobrimos ser o Latina (Latina é uma cidade perto de Roma), era a Acqua e Sapone, cadeia de lojas de produtos de higiene e limpeza que tem em tudo quanto é lugar; a de Bastia vive lotada. Os uniformes são tão cobertos de patrocinadores que mal tem lugar pro número do jogador, quanto mais pro seu nome – ou mesmo o nome do time; por isso demoramos tanto pra entender quem era o adversário.

A gigantesca torcida organizada do Perugia era composta de umas 20 pessoas – nerds, adolescentes empolgados, mainly losers. Havia também dois chineses (don’t ask) batendo animadamente naqueles tambores verticais deles. Uma gordinha loura entupida de maquiagem e já com uma certa idade tentava animar a galera, se achando a Rainha Pan-Universal das Cheerleaders de Todos os Tempos. O pessoal da torcida estava munido de pedaços de madeira com tiras grampeadas nas laterais; batendo essas tabuinhas uma na outra o barulho é insuportável. Também tinham megafones ridículos que imitavam sirenes da polícia ou de ambulância. Delicioso. O narrador do jogo falava no microfone, mas a acústica do lugar é horrível e não dava pra entender UMA SÓ PALAVRA.

A torcida organizada do Latina era composta de, hm, oito pessoas.

O Perugia tinha até mascote: um grifo, que eu só saquei que era um grifo porque esse é o símbolo da cidade desde a remota Idade Média, porque mais parecia uma vaca com bico e uma coroa na cabeça. Mas desse cara vestido de grifo eu nem fiquei com pena, porque pelo menos ele tava todo coberto e consequentemente não era identificável. Pior era o cara que fazia propaganda do Limmi, suquinho de limão (amarelo, claro) que se vende nos supermercados pra quem tem preguiça de espremer a fruta propriamente dita. O cara tava vestido de garrafa bojuda de Limmi, só com a cara aparecendo na frente, e mal conseguia caminhar. Fiquei horas rindo dele, e ao mesmo tempo morrendo de pena cada vez que o via perambulando pela quadra.

A cada pedido de tempo os limpadores de chão entravam em cena: crianças pequenas, vestindo camisetas pretas escrito MINI em branco, que riam muito e apostavam corrida com o vassourão. Entre os sets o menino-Limmi passeava pela quadra e me fazia ter ataques de riso.

Acabou que o jogo terminou rapidinho; o Perugia ganhou de 3 x 0, e tenho que dizer que jogou muito bem, apesar do negão que a cada bomba matadora que detonava na quadra do Latina, perdia umas duas recepções de bobeira.

E depois desse jogão-ão-ão fomos ao hospital, porque o Mirco distendeu um tendão da mão direita (não lembro qual, meu Sobotta ficou no Rio) e queria ver o que era. Ficamos horas lá mofando, porque um policial tinha sofrido um acidente de carro e o PS inteeeeiro (ou seja, os dois médicos de plantão) parou pra socorrê-lo. Na nossa frente, um cara asqueroso com pinta de cigano e/ou do sul, cabelo oleoso, cara de sujo, calça cor de tijolo com um rasgo na parte interna da coxa esquerda, sapatos de camurça estilo Birkenstok, abertos atrás, suéter de lã rosa por baixo de um colete absurdo. Com ele, uma garota de cabelo até a bunda, de maquiagem borrada, uma daquelas bolsas nonsense de crochê com pompons na alça, piercing de argola no nariz e a maior cara de drogada que eu já vi na minha vida. Reclamaram sem parar, fumaram onde não podia, e eu já tava torcendo pra que caísse um raio na cabeça de cada um dos dois quando finalmente fomos atendidos, o Mirco fez o raio-X, voltou, falou com o médico de novo e fomos pra casa.

Noitada selvagem, né não?