ciao, carissimi!

Bom, a manhã vai ser agitada porque tenho ainda últimas coisitchas pra resolver em casa e ainda vou a Perugia pegar as cópias das radiografias do Ettore. Vamos almoçar na Arianna e depois vou de trem até Roma e de lá pego o shuttle (navetta) até o aeroporto. Meu vôo sai às oito da noite.

Como o computador do meu irmão subiu no telhado, aliás, foi subido, porque foi meu próprio irmão que involuntariamente o matou, provavelmente vou dar uma sumida boa daqui. Podem continuar escrevendo, mas saibam que só vou responder quando voltar, dia 13 de outubro. Se for alguma coisa urgente, escrevam pro endereço velho, aquele superleticia arroba libero ponto it. Só peço a cortesia de mandar uma cópia pro pacamanca ponto com, porque senão eu me perco depois e não sei o que já li, o que já respondi, etc. Sim, eu sou chata com essas coisas.

Me ne vado. Arrivederci!

e agora, josé?

A Varig anda me decepcionando. Além de ter cortado os vôos diretos saindo ou chegando de Roma, forçando todo mundo a parar em Milão, tem essa bosta da bagagem também. Quem sai diretamente de Milão tem direito a DUAS MALAS DE 32 QUILOS. Quem sai de outra cidade tem direito só a UMA DE VINTE QUILOS! E eu, que teria direito a mais dez quilos de lambuja por ser cliente Smiles Prata, nem isso tenho mais! Agora me diz: onde é que eu vou levar todas as piadinas, as tortas, os vinhos, os molhos e tudo o mais?

E a coisa mais ridícula é que eu não aprendo a pedir informações em italiano, quando ligo pra eles. Se peço em Português, quem atende é uma portuguesa, que eu obviamente sofro pra entender.

La Défense

Resolvemos ir ver La Défence, uma espécie de núcleo executivo todo moderno, com um arco quadradão e modernoso, exatamente na mesma linha do Arco do Triunfo. Alessandro já tinha estado lá e falou que era bem bonito, tem uma loja gigante da Fnac, tem um telão pro pessoal ver as Olimpíadas, vale a pena ver, então resolvemos ir dar uma olhada. Descemos na estação de Charles de Gaule – Étoile, vimos o Arco do Triunfo, e em vez de caminhar na direção dos Champs Elysées, seguimos pela Avenue de la Grande Armée. Levamos séculos pra chegar a La Défence, primeiro porque é longe pacas e segundo por causa da minha mancação. Mas chegamos.

É um lugar lindo, os prédios comerciais altíssimos revestidos de vidro espelhado, mas nada de cafonice. Jardins agradáveis, espelhos d’água (e cachorros nadando neles), restaurantes pra atender o pessoal que trabalha por lá, e lá na praça principal, onde ficam o pavilhão que abriga a Fnac, o shopping center e a estação de metrô e trem, vimos o tal telão e um bando de desocupados assistindo a uma competição qualquer dos Jogos. Como já tava na hora do almoço, fomos catar um lugar pra comer. Entramos no Panamé, se não me engano, de decoração digamos antiquada mas menu interessante. Comi um filé de atum grelhado com batatas fritas picantes, Mirco foi de entrecôte com batatas ao forno. A pizza dos nossos vizinhos de mesa parecia gostosinha, mas era pequena e custava 11 euros, uma afronta! Pagando o mesmo comemos nossas carninhas gostosas, e enquanto degustávamos as batatas desabou um toró lá fora. Uma quantidade de água caindo que eu nunca vi igual. Imagino que as chuvas no Pará sejam assim, estilo opa, a caixa-d’água virou. O pessoal correndo que nem louco, se escondendo onde podia, mas não tinha muita escondeção porque praça é praça, né, as poucas árvores eram jovens ainda e baixas, além do que ficar embaixo de árvore durante tempestade é a maior roubada, vocês sabem. O restaurante é todo de vidro, então a gente almoçou assistindo ao pessoal se encolhendo debaixo da marquise, bundas amassadas contra o vidro bem do seu lado enquanto você come sua sobremesa. Em cinco minutos acabou tudo e todos os desocupados voltaram aos banquinhos de frente ao telão.

Nós fomos dar umas voltas no shopping center, Mirco comprou umas calças jeans e uns suéteres e um par de tênis, e fomos nos juntar aos desocupados. Quando nos sentamos estavam mostrando uma competição de tiro com arco, muito legal. Quando mudaram pra ciclismo indoors, o Mirco começou a sentir sono e foi deitar na mureta da praça, como um mendigo. Eu fiquei lá, sentada no meio daqueles machos todos, atrás de um cabeludo com cara de sujo. Depois do ciclismo veio o judô, com lutas lindas, depois várias disputas de esgrima, e quando um Francês levou uma espadada inesperada o pessoal fez oooooooooooooh e o Mirco acordou. Pegamos o metrô e fomos direto ao supermercado, onde encontramos o Alessandro. Compramos linguiça e creme de leite pra fazer penne alla Norcina, mas não tinha mais penne e acabamos indo de farfalle mesmo. Meio quilo de macarrão De Cecco, que aqui custa uns 80 centavos, lá custa o dobro. Mesmo a massa Barilla, que custa um pouco menos, era cara. Mas era hora de ir pro albergue cozinhar, senão logo ocupavam as únicas duas bocas funcionantes do fogão (no comment) e a gente ficaria chupando o dedo.

Aí começaram as heresias gastronômicas. Na boa, eu acho muito triste alguém não saber cozinhar NADA, mas se você não cozinha NADA, em vez de ir ao supermercado comprar verduras e carne e arroz que você NÃO SABE cozinhar, não é mais fácil comprar um prato pronto que é só esquentar no microondas? Não, jacaré. Ouvimos de tudo nessa noite. O Mirco com a água fervendo e as farfalle nadando lá dentro, chega uma criatura que não sei de onde era, uma mulher com seus 30 anos, e pergunta se ela não podia aproveitar e cozinhar os spaghetti junto, já que o tempo de cozimento era o mesmo. Quando o Mirco perguntou como ela pretendia separar as massas na hora de comer, ela não respondeu. Depois ela perguntou a mim se na água do cozimento o molho já estava misturado. Não é de dar pena? Tudo bem você não ter a mais remota idéia de como se faz um molho, mas bastaria olhar dentro da panela e ver a água incolor pra perceber que não há nada lá dentro além do próprio macarrão que está cozinhando.

Duas mongas francesas, mas de origem claramente magrebina, esquentavam óleo numa frigideira. Muuuito antes do óleo atingir a temperatura certa elas jogaram imensos pedaços de batata crua na frigideira. Perguntei o que elas achavam que estavam fazendo; a resposta, inevitável: batata frita. Aham, respondi. Olha só, fritura tem que ser coisa rápida, o óleo tem que estar bem quente, e os pedaços têm que ser pequenos, senão em vez de fritar eles vão cozinhar no óleo, coisa bem diferente (e bem mais nojenta). Ou vocês cortam as batatas em formato palito ou, se quiserem fazer batata corada, deixam em pedaços maiores, dão uma cozidinha no microondas rapidinho, e depois fritam muito rapidamente. Sacaram? Sim, sim. Mirco precisava da boca do fogão que elas estavam ocupando com a frigideira pra fazer o molho, e perguntou se elas não queriam jantar com a gente e esquecer as batatas, que a essa altura já tinham absorvido mais óleo do que o Zeca Pagodinho absorve cerveja. Elas concordaram e tiraram a frigideira do fogo, e resolveram seguir meus conselhos e jogar fora as já nojentíssimas batatas gordurosas. Diretamente da frigideira quente pro saco plástico, êeeeeeee, derreteu tudo, e elas não entendiam o porquê. Ficaram assistindo ao Mirco cozinhando e ele, percebendo o nível de imbecilidade das duas, perguntou se elas comiam linguiça. Não, somos vegetarianas! Caralhos estampados, você está vendo o Alessandro desmanchar quatro linguiças na panela, custa dizer olha, a gente não come carne? Se o Mirco não tivesse perguntado elas teriam ficado sem jantar. Odeio gente idiota, odeio, odeio. E a coisa ainda piorou: depois de picar as batatas restantes em pedaços microscópicos e cozinhá-los no microondas por tempo demais, e mesmo depois de já terem decidido que jantavam com a gente, e mesmo depois do óleo da frigideira já estar frio, elas jogaram essas batatinhas pequenas e cozidas no óleo. Tipo assim, já fica pronto pra fritar amanhã no jantar.

O alemão (as austríacas já tinham ido embora), John, um mexicano, as gêmeas brasileiras e a mãe delas jantaram com a gente. Foi muito legal, rimos pra caramba, contamos altas histórias. Dormir em albergue é SEMPRE desconfortável, mas esses encontros bizarros só acontecem em albergue, não tem jeito. Onde mais você encontraria um meio-rasta que faz colares de conchas? Onde mais você encontraria uma mula que acha que o molho já vem com a água do macarrão? Onde mais você entraria no seu quarto pra dormir e encontraria um casal de indianos suíços sorridentes, que olham pra você e começam a falar em Francês numa velocidade impressionante? Na verdade ele estava dizendo que tinha queimado a lâmpada do banheiro e se a gente quisesse tomar banho ele emprestava a lanterna. Fica pra amanhã, queridos.

Louvre

Hoje é o aniversário da minha avó.

Saímos uma meia hora mais cedo do albergue e fomos diretamente ao Louvre. Nem vou falar nada porque realmente não há o que dizer. Rodamos muito, entramos na muvuca pra ver a Mona Lisa, e mais tarde saímos do museu pra catar um lugar pra almoçar. Fomos cair num lugarzinho chamado Le Pelican. Eu tava com vontade de comer crêpe salgado ou então uma quiche de qualquer coisa, e no quadro-negro com os pratos do dia e especialidades da casa havia boas opções tanto de quiche quanto de crêpe, e sentamos, apesar de não parecer lá muito limpinho. Só uma senhora loura e sorridente, enfiada numa jaquetinha cinturada completamente fora de moda, com mangas bufantes, atendia. Botava a mesa, tirava a mesa, pegava os pedidos, trazia os pedidos, fazia a conta, pegava o dinheiro, dava o troco. Sem perder a classe, jamé. Só que nessa lerdeza levamos horas pra comer – e no final das contas não tinha nem a crêpe que eu queria, nem a quiche pela qual eu tinha me interessado, e acabei comendo outra coisa. Mirco foi de omelete mesmo, que é mais seguro.

Uma coisa legal de Paris, e, dizem, da França em geral, é que ninguém fica te enchendo ou fuzilando com o olhar ou dando indiretas pra você sair do restaurante. Se você não pedir a conta, ninguém te traz. Ninguém te expulsa. Você tem toda a calma do mundo pra comer e bater papo. Estranhamente, na Itália não é assim. Digo estranhamente porque o culto à comida aqui é quase uma religião, a cozinha é uma coisa levada muito, muito a sério, e o italiano adora papear, então realmente não entendo por que qualquer refeição em qualquer restaurante aqui dura pouquíssimo. Os pratos vêm voando, mesmo quando tudo é preparado na hora; a conta vem assim que os pratos vazios são retirados, e se você insiste em ficar sentado à mesa logo vem aquela sensação de mal-estar, de estar atrapalhando, ocupando a mesa de quem quer sentar.

Um casal sentado ao nosso lado, numa mesa minúscula como a nossa (outro motivo de reclamação do Mirco, as mesas microscópicas), puxou papo. A senhora era filha de italianos e falava muito bem a língua. O marido arranhava algumas palavras, aprendidas de tanto ouvir os sogros falando alto em italiano :) Foram muito gentis, mas nos deixaram em paz quando chegaram os crêpes de Nutella (que, aliás, poderiam perfeitamente ter sido a base da minha alimentação durante toda essa semana, se não fosse o meu bom senso) e foram embora.

Nós voltamos ao Louvre e terminamos de ver o que faltava. CLARO que eu sei que pra admirar direito tudo o que há lá dentro são necessários vários dias. Mas lembrem-se de que eu NÃO PODIA PARAR EM PÉ, pra admirar nada. Vimos TODAS as salas de TODOS os setores, andares, departamentos, mas tudo correndo, porque senão o sangue descia ao tornozelo direito, não conseguia mais subir por causa do edema, e a dor era verdadeiramente lancinante. Deixo aqui fotos das estátuas de Aníbal e de Júlio Cesar, colocados lado a lado, de um cabeção da Ilha de Páscoa, e de um tríptico medieval muito bonito.

Quando finalmente eu pedi arrego, botamos a carinha pra fora do museu e tava chovendo MOOOITO. Todo mundo parado ali embaixo da entrada esperando a chuva passar pra atravessar a rua e pegar o metrô. Ainda passamos no supermercado antes de voltar pro albergue. Dei uma descansada com os pés pra cima, tomei meu banho complicado e descemos pra jantar.

Ontem o Mirco teve piedade de uns espanhóis que cozinharam o macarrão por meia hora e acabaram comendo uma coisa desforme com pseudomolho de tomate, e convidou os meninos pra jantar com a gente. Só que eles deram o bolo e acabamos oferecendo a pasta que sobrou ao John, americano de 20 anos que estava rodando pela Europa há algumas semanas sem dinheiro nenhum. Ele tinha comprado um pacote de macarrão e uma lata de molho, que deveriam durar a semana inteira. O cara é uma figura, como vocês podem ver. Foi a primeira vez que eu conheci um semi-rasta. Ele explicou que foi um amigo dele quem fez os dreadlocks, levando quatro horas pra fazer metade da cabeça, enquanto ele levou duas horas pra fazer a cabeça inteira do amigo. Mas por que MEIA cabeça? Ele disse que seus dreads eram de inspiração celta (???), que os celtas misturavam mechas normais de cabelo com dreadlocks e trancinhas, mas ele achava muito confuso e resolveu organizar melhor a coisa, por isso fez só meia cabeça. Então tá. Ele pinta, num estilo confuso que eu não entendi direito como é, e disse que tem intenção de ir morar em Praga, porque ele é completamente anti-americano e quer morar na Europa, onde há um melhor relacionamento com a arte. Como Praga é a única capital européia que ainda é economicamente viável pra quem não tem um tostão, como ele, foi a cidade que ele escolheu. In bocca al lupo, John.

Conversamos também com um alemão de língua presa e duas meninas austríacas muito bonitas, e conhecemos duas gêmeas de Florianópolis que estavam passeando na Europa com a mãe, tão simpática quanto elas duas. Marcamos um jantarzão coletivo pra amanhã.

(Na foto vê-se uma sacola cheia de conchinhas, que o John estava tentando furar com aquela tesoura, pra fazer um colar. O Mirco está com os óculos fundo de garrafa do John.)

Jardin des Plantes, Quartier Latin, Saint-Germain-des-Près

Queríamos ver o mercado de rua no Jardin des Plantes, na Rue Mouffetard. Descemos na estação Monge e voilà!, provavelmente o mercado também estava de férias, como, aliás, metade das lojas de Paris, porque não tinha nada. Fomos andando, andando, andando, eu mancando, mancando, mancando, e fomos parar no Quartier Latin. Entre os bairros de Jardin des Plantes e Quartier Latin fica o Institut du Monde Arabe (1 rue des Fossés-Saint-Bernard – Place Mohammed V), que eu nem sabia que existia mas o Mirco já conhecia, pelo menos de fora, e tinha passado a manhã toda martelando meus ouvidos pra gente ir ver de perto.

Olha, é inacreditável. Simplesmente um dos edifícios mais lindos que eu já vi na minha vida – e olha que eu não sou muito chegada a coisas modernosas. A fachada sul é formada por 1600 painéis de metal de alta tecnologia, que filtram a luz que entra no prédio. São inspirados nos moucharabiyahs, telas de madeira entalhada que se usam no exterior de edifícios desde o Marrocos até o sudeste asiático (fonte: Le Guide Mondadori – Parigi). O acervo do museu também é lindo, com peças interessantíssimas de todo o mundo árabe. Meu pai e meu avô teriam crises histéricas lá dentro (meu bisavô era sírio).

Saindo dali fomos dar umas voltas. O tempo estava legal, mas soprava um vento estranho. Atravessamos a Ile-St-Louis, ali do lado, onde ouvi um Tico-Tico no Fubá tocado no violino por um velhinho numa ponte, e a Ile de la Cité, passamos pela Pont Neuf e caímos em Saint-Germain-des-Près.

É um bairro muito legal, cheio de lojas fofas e livrarias maneiras, felizmente todas fechadas porque senão teria sido uma frustração só, já que não tenho um tostão pra gastar. Acabamos almoçando por lá mesmo, num restaurantezinho bonitinho chamado Séraphin (5 rue Mabillon), cujo único defeito era a insuportável música dominicana tocando sem parar. Novamente levamos horas pra achar algo decente no menu. Eu fui de salada com filé de frango, que veio linda no prato, estilo morrinho, com tiras de peito de frango estendidas no sentido da altura. Claro que já veio cheia de molhos estranhos. Pra mim, que só como salada sem nada, nem azeite, nem sal, foi meio suplício, mas comi tudo. Mirco pediu umas coisas que nem eu lembro, e que não mataram sua fome mas deram pro gasto. Estávamos cansados de tanto bater perna e pensamos em ir ao cinema, mas o Mirco tava morrendo de sono e queria ir dormir num banco de praça. Só que lá pro final do almoço desabou um toró horroroso, e achamos melhor voltar pro albergue. No caminho paramos pra ver a igreja de Saint-Germain-des-Près, a mais antiga de Paris, e bem do jeito que eu gosto: velhona por fora e pelada por dentro (foto acima). Tivemos que nos abrigar debaixo da marquise de uma banca de jornal pra esperar a chuva passar, depois pegamos o metrô e voltamos. Eu tomei meu banho e fui dar uma descansada com o pé pra cima; Mirco e Alessandro foram ao supermercado comprar cerveja e coisas pro jantar. O Miguel, aquele cardiologista argentino que tínhamos conhecido dois dias antes, tinha combinado de voltar do trabalho às nove da noite e de jantar com a gente, e foi pontualíssimo. Depois de comer ficamos batendo papo até tarde da noite. Foi muito agradável, ele é um cara muito educado e interessante, e o Alessandro também é gente boa. Pena que o Miguel vai embora amanhã.

Ile de la Cité

Quando acordamos o vento uivava lá fora e o céu estava preto, preto. Meu pé doía muito, e por isso resolvemos começar o dia com um programa light: um passeio de ônibus de duas horas, passando pelos principais pontos turísticos de Paris.

E é hora de um aparte: olha, Paris é linda, é culta, é sofisticada, é linda e maravilhosa. O metrô cobre bem a cidade inteira, o tempo de espera é sempre mínimo, os mapas são bem claros e é impossível se perder. Mas PUTA QUE PARIU, UMA ESCADA ROLANTEZINHA DE VEZ EM QUANDO IA BEM, HEIN? De TODAS as estações onde saímos, entramos ou fizemos baldeação, só duas tinham escada rolante, e mesmo assim só até a metade do caminho. As que abrigam mais de uma linha, além das escadas, oferecem quilômetros e mais quilômetros de caminhada. Na boa: como é que faz o aleijado, o acidentado como eu, o velho, o mochileiro, a mulher com sapato desconfortável, o cego, a mãe com o carrinho do bebê, o exausto, o que fez compras, como é que esse povo faz pra se locomover? Numa cidade italiana eu até entendo, afinal a Itália é primeiro mundo e meio, mas pô, em Paris, a cidade mais visitada do mundo, famosa pela sua “vivibilidade”, não tem o menor sentido. Sofri como uma condenada, manquei muito por todos aqueles corredores pra mudar de linha, penei com todas aquelas escadas. Mó bola fora. Esse desconforto e os altos preços foram as únicas coisas que odiamos em Paris, de verdade.

Mas então, descemos na estação de Pyramides e fomos direto à Cityrama, agência que organiza vários passeios de ônibus, inclusive pra fora de Paris, no esquema excursão pra velhinho, sabe – com almoço incluído e coisa e tal. Compramos nossos bilhetes e entramos logo no ônibus, que por sorte saía dali a dez minutos. Botei o headphone nas zoreia e fiquei escutando as explicações em italiano. Mirco dormiu durante a primeira hora do passeio, mas acordou quando passávamos em frente à Torre. Chovia horrores mas o passeio foi ótimo; é bem legal pra quem quer ter uma idéia básica da cidade, uma noção básica de orientação. Chato mesmo é o preço: € 24 por pessoa. Ui.

Quando termina o passeio, você pode descer perto do Opéra ou em frente à agência, onde você pegou o ônibus. Descemos no Opéra mas logo tivemos que voltar correndo porque o Mirco tinha deixado a máquina fotográfica dentro do ônibus, e a mulinha da agência me disse, no telefone, que não podia fazer nada porque só tinha ela e outra pessoa na agência àquela hora. Vejam bem: o ônibus estaciona EXATAMENTE em frente à loja. Bastaria a mulinha acenar pro motorista pra ele descer, atravessar a calçada e entrar na agência pra saber o que tava pegando. Mas não, Mustafá, eu fui mancando devagar e o Mirco correndo feito um doido varrido no meio da rua pra chegar ao ônibus antes dele sair de novo, só porque a mulinha não queria abanar os bracinhos pra chamar o motorista. Mas tudo bem, a chuva parou e fomos procurar um lugar pra almoçar.

Aqui começou o problema: eu até acredito que se coma muito bem em Paris, mas nós tivemos uma certa dificuldade. Nesse dia caímos numa armadilha pra turista porque começou a chover de novo e eu, de sandália porque não conseguia usar sapato fechado, tava tremendo de frio, com os pés molhados. Não tinha como escolher; entramos no primeiro restaurante que vimos, que obviamente era uma merda, e obviamente era caríssimo. O problema todo é que o Mirco, como todo italiano, é um porre pra comer. Eu como poucas coisas, mas as coisas das quais gosto eu como até quando são mal preparadas. O Mirco não. Fora que o italiano gosta de comida simples – carne grelhada, massa com pouco molho, nada de cremes mirabolantes. Ou seja, nada de comida francesa. Eu tive graves problemas com a maionese nessa viagem. Porque eu ODEIO maionese. Como acontece com o vinagre e com o chá, só o cheiro da maionese já é suficiente pra me dar ânsia de vômito. E TUDO em Paris tem maionese, até um reles sanduíche de presunto com queijo. Mas tudo bem, fingimos que comemos bem pagando pouco e aproveitamos que a chuva parou de novo e o tempo deu a impressão de que iria firmar pra ir finalmente à Ile de la Cité.

Começamos pela Sainte Chapelle, cujas fotos no guia pareciam lindíssimas. Uma fila imensa. Até aí tudo bem, turista nasceu pra camelar, mesmo sendo complicado pra mim – vocês já entenderam, o pé dói horrivelmente quando eu fico em pé parada. Mas quando vimos que cobravam ingresso, aaaah não, darlings, eu não dou um centavo a nenhuma instituição religiosa, nunca, jamé – digamos que vai contra a minha religião, hohoho ;) Então caminhamos até a Notre-Dame. Que é UM DESBUNDE. E quanto brasileiro! Reconheci vários sotaques, muitos mineiros e alguns paulistas, e uma horripilante família de sotaque nordestino com as roupas mais hediondas que vocês podem imaginar. Claro que não subimos pra ver as gárgulas porque, novamente, cobravam ingresso.

Comemos um crêpe (aliás, crêpe é feminino ou masculino? Não reparei. Mula.) de Nutella ali perto, comprei o básico chaveirinho da torre pra chave do scooter, e fomos à Conciergerie. Basicamente é o lugar onde os condenados à guilhotina esperavam a hora H. Maria Antonieta ficou hospedada lá por uns tempos, tadinha. Há coisas interessantes pra ver, mas não sei se valem os € 6,10 do ingresso. O melhor foi na hora de sair: no guestbook, no alto da página na qual assinamos, algum italiano tinha deixado escrito: “Ma quanto è cara Parigi?!”

A essa altura do campeonato eu já não me aguentava mais em pé, de verdade. O tornozelo inchado e vermelho, com dois sulcos feitos pelas tiras da sandália. Bem pimba mesmo. A chuva tinha parado de vez e resolvemos voltar pro albergue, até porque tínhamos combinado de ir jantar na Flabb e ainda queríamos passar no supermercado pra comprar um vinhozinho. Tomei banho, dormi um pouquinho, peguei nossa sacola de secos e molhados (que continha um quilo de penne Spigadoro, cuja fábrica fica aqui pertinho, em Bastia, e que pertence ao avô de uma ex-namorada do Mirco; duas abobrinhas da horta da Arianna; salmão em lata; uma garrafa de Chardonnay) e saímos. Pra chegar até a Flabb mudamos de linha duas vezes e obviamente nos perdemos quando saímos da estação final, tendo que ligar pra ela, mas chegamos. Flabb acenando da janela feito uma louca e nós dois na rua, eu mancando e o Mirco repetindo “que coisa estranha encontrar uma amiga que você não conhece. Que coisa estranha você TER uma amiga que não conhece.”

Vou logo dizendo que o bairro onde ela mora é um docinho, o prédio é uma gracinha, adorei o interno azul do edifício, não gostei de ter que subir até o quarto andar de escada mas só porque estava manca, normalmente não tenho nada contra escadas. O apartamento dela é lindinho, arrumadinho, a cozinha é mínima mas espertamente aproveitada, esquecemos o macarrão no fogo enquanto batíamos papo na sala e tivemos que jogar fora (cof cof cof) e recomeçar porque o Mirco se recusa a comer massa scotta (cozida demais), ela desencavou um copo de requeijão Poços de Caldas light pra botar no macarrão, fofocamos muito, rimos, adorei a Flabb, com certeza a gente teria se conhecido de alguma maneira se tivéssemos ficado no Rio porque ela é exatamente o tipo de amiga que eu prefiro: esperta mas não cruel (de cruel já basta eu, né, por favor), boazinha mas não chata, engraçada, gosta de comer e ler, e a mãe dela tem cachorros lindos! Dei de presente pra ela um livro que eu tô querendo ler há séculos mas não tinha comprado na Itália porque não conseguia descobrir qual era a língua original. Agora já sei, é Francês, por isso vou ter que comprar a tradução mesmo. Em Português chama-se Queimada Viva e foi escrito por uma muçulmana que, claro, foi queimada pelos familiares porque fez alguma coisa que o Corão não aprovava – pediu o divórcio, acho. Vi a entrevista dessa mulher na TV há algum tempo e me interessei pela história. A Flabb me deu Autograph Man, o segundo livro da Zadie Smith (falarei dele mais tarde).

A sobremesa foi petit gateaux com um sorvete de baunilha que era uma coisa de louco. Infelizmente o vinho deixou o Mirco com sono, e eu também estava exausta e com o pé gigantesco de tão inchado, e e achamos melhor picar a mula. Fomos de táxi porque realmente não dava, crianças. Foi deitar a cabeça no travesseiro e chapar.

Ah, não tem foto do encontro porque eu sou a pessoa menos fotogênica do mundo e saí horripilante.

p.s.: Fotos feitas dentro de Notre-Dame. Reparem na última linha do cartaz que pede exorbitantes dois euros por cada velinha (detalhe que UM QUILO dessas velas, na IKEA, custa pouco mais de um euro, se não me engano): Foreign money accepted. Depois neguinho acha que eu sou radical quando digo que a Igreja Católica é simplesmente uma multinacional muito, mas muito bem sucedida. Que nojo, nojo, nojo, nojo.

Marais, Beauburg, Les Halles, Montmartre

Acordamos às 8:30 e descemos pra tomar café. Chafé, suco de laranja com gosto de plástico, chocolate quente delicioso, leite quente; pãezinhos com manteiga ou geléia. Nós trouxemos presunto e queijo de casa, principalmente porque as embalagens já estavam abertas e se deixássemos na geladeira a semana inteira, estragar-se-iam (linda mesóclise). Fomos de metrô até o Museu Picasso. Descobri que meu pé dói mais se eu ficar parada em pé, por isso tenho que ficar caminhando o tempo todo, ou então sentadinha com o pé pra cima. Quando gostava muito de um quadro tinha que ficar passeando pra lá e pra cá em frente a ele, pra poder admirar direito. Adorei, apesar de odiar arte extremamente abstrata. Dali demos um pulo até a Place des Vosges, pra decidir aonde ir. Fomos andando até o Beaubourg, demos uma volta no Centre Pompidou, depois no Les Halles e acabamos almoçando perto do Pompidou, num restaurantezinho charmoso, com um cartaz da Bebel Gilberto na porta do banheiro. Comemos bons ravioli de ricota com molho de dois queijos, e Mirco ainda encarou um entrecôte com salada e batata frita.

Dali pegamos o metrô até Montmartre. Conselho de amiga: não pegue o teleférico pra subir até a igreja. Não precisa, e pelo preço do bilhete, € 1,60, fica menos necessário ainda. A igreja, que obviamente é a Sacré-Coeur, é um desbunde de linda. Havia uma estranha mancha vermelha, enorme, na torre direita, que não descobrimos o que era. A vista lá de cima é bonita, e não dá pra deixar de comparar com a vista que se tem de Roma lá do alto daquele diabo de Bolo de Noiva na Piazza Venezia. Paris é clara, Roma é toda em tons de terra (eu particularmente gosto mais da vista de Roma).

A torre só dá pra ver descendo a escadaria e virando à direita, na direção do centro do bairro. A praça é cheia de artistas sujinhos que fazem caricaturas e retratos, alguns cafonas, outros lindíssimos. Mil lojinhas de crepe e de kebab espalhadas por todo o lugar. Paramos pra comer um crepe com Nutella, que ninguém é de ferro, e depois voltamos pro albergue, porque meu pé tava inchado, vermelho e dolorido, bem pimba mesmo. No nosso quarto, um casal de chilenos e um de americanos, todos recém-chegados. Todos na fila do banho. A americana, imensa de gorda, levou horas pra tomar banho. Depois foi o Mirco, que assim que acabou desceu pra preparar o jantar, e depois fui eu.

O que será que leva alguém a construir um banheiro com as seguintes características:

1. Chuveiro daqueles odiosos que você aperta o botão, a água cai por alguns segundos, e depois pára, e você tem que apertar de novo.
2. Pia microscópica com torneira de jato tão forte que depois de escovar os dentes você sai do banheiro parecendo que se mijou nas calças, de tanta água que espirrou na sua cintura e nos seus países baixos.
3. NENHUM gancho ou prateleira pra apoiar shampoo, sabonete, roupas secas, toalhas, nada.

Quando finalmente consegui terminar o banho, com o pé direito apoiado na pia e fazendo acrobacias pra me lavar sem molhar as feridas (e as roupas e a toalha, que eu acabei botando em cima da única cadeira do quarto, devidamente transferida pra dentro do banheiro), eu já tava morrendo de fome. Desci e felizmente o Mirco estava dando o toque final ao macarrão com molho de tomate e ervilha. Enquanto o macarrão cozinhava, fizemos amizade com o Alessandro, italiano de Monza que tava comendo uma lasanha congelada requentada no microondas, comprada no supermercado perto da estação de metrô ali da zona (Hoche). Claro que ele aceitou sem pestanejar a oferta de um segundo round de jantar preparado comme il faut. Uma coreana que já tinha comido dois potinhos de uma coisa muito, muito nojenta com consistência de paté e cor de uma coisa que eu não vou dizer o que é, rodava pra lá e pra cá, morrendo de curiosidade sobre o que o Mirco tinha na panela. Acabou sendo convidada pra jantar também, e ficou emocionadíssima por saber que todos os ingredientes tinham sido trazidos diretamente da Itália e eram genuinamente italianos! Ela já tinha visitado a Inglaterra, a Alemanha (ela também odiou Berlim, esqueci de perguntar se o diploma dela era comprado) e agora estava na França, mas no ano que vem tinha planos de fazer a Europa Meridional – Portugal, Espanha, Itália e Grécia. Meio biruta a menina, tagarela até não poder mais, e apaixonada por um cara que ela conheceu na Inglaterra. Depois do jantar fomos todos ver TV e jogar conversa fora. Conhecemos um argentino que mora na Itália há alguns anos, o Miguel, que é cardiologista e estava em Paris a trabalho – antes que alguém pergunte o que um cardiologista estava fazendo num molambento Albergue da Juventude, eu digo logo que se eu tivesse SEIS filhos também passaria o tempo todo tentando economizar cada centavo, inclusive dormindo em albergues molambentos. A coreana biruta continuava falando sem parar, mais ainda depois de tomar umas cervejas que o Mirco e o Alessandro foram comprar no boteco turco ali do lado, e acabou me emprestando um cartão telefônico pra eu ligar pra Flabb e tentar entender onde ela mora. Achei a voz dela idêntica à de uma amiga da minha mãe chamada Baixinha.

Ali na sala de TV também conheci um geólogo brasiliense que mora no Rio e é muito gente boa, uma paulistana boba que está só há três semanas em Paris aprendendo Francês mas já quer voltar pra casa (e isso porque ela é comissária de bordo e não fala uma palavra de Inglês), e uma oxigenada horrorosa de Fortaleza que está há três meses na França “só na putaria”, palavras dela, e acha que consegue transformar um não-visto de turismo em um visto de estudo na Sorbonne. Faz-me rir. Depois que essas duas mongas foram dormir eu fiquei batendo papo com o geólogo, cujo nome nem perguntei, por mais algumas horas. Até que deu uma canseira generalizada na galera e todo mundo foi dormir.

Chegando em Paris

Acordei sozinha às cinco da manhã. Fiquei vendo reprises das Olimpíadas até umas sete, quando consegui pegar no sono outra vez, mas fui acordada às oito com um telefonema: alguém procurando, como sempre, o Doutor Eros, veterinário que um dia já foi o dono do nosso número de telefone. Mirco acabou acordando também e cismou de ir tomar café na rua, coisa que nunca fazemos. Como quase tudo tava fechado, porque em Ferragosto o país inteiro pára, fomos parar lá em Santa Maria, na pasticceria Marinella. Comemos nossos croissants com presunto e queijo, tomamos nossos sucos de fruta, papeamos rapidamente com a Piera, sogra da FeRnanda, que encontramos por lá, e resolvemos dar uma volta na Basílica de S. Maria, porque lá dentro tem um roseiral que eu nem sabia que existia e o Mirco queria me mostrar. Não é nada de extraordinário, são rosas de alguma espécie sem espinho que provavelmente neguinho acha que é milagrosa exatamente por esse motivo. Fiquei impressionada com o tamanho da igreja. Eu só tinha visto a parte interna, normal, onde tem a Porziuncola e onde se celebram as missas, mas claro que nunca fiquei passeando lá pelas entranhas. O negócio é imenso, os corredores são largos, os blocos de pedra são gigantescos – e as portas são todas fechadas, obviamente. Hohoho.

Voltamos pra casa pra fazer as malas, fechar janelas, tirar tudo da tomada, essas coisas chatas pré-viagem. Voltamos a S. Maria, passamos na nossa padaria preferida pra comprar pão e fomos almoçar na Liliana, tia do Mirco. Massa curta com molho de bichos diversos (porco, carneiro e ganso), depois ganso assado com batatas ao forno, que eu dispensei porque tinham muita semente de funcho, que eu odeio com todas as minhas forças. Lá pras duas e quinze partimos. Fui dirigindo porque o Mirco tava morrendo de sono e veio roncando ao meu lado no carro, enquanto o CD player tocava os CDs de música anos 70 que eu gravei pro casamento da Renata.

Ciampino é um aeroporto ótimo. Pequeno, tranquilo, estacionamento idem e idem (mas custa a mesma fortuna que o Fiumicino). Nada de longas distâncias empurrando carrinhos, nada de saídas erradas e placas confusas. Fizemos logo o check-in e ficamos sentados vendo o povo passar.

Uma fila enorme de gente indo a Ibiza. Todos no estilo “fighettone”, óculos escuros da moda (ALGUÉM UM DIA VAI TER QUE ME EXPLICAR POR QUE NEGUINHO ACHA SUUUPERFASHION USAR ÓCULOS ESCUROS EM LUGARES FECHADOS), Havaianas com bandeirinha e tudo, calças Capri ou jeans e sandália ou tênis, algumas garotas de cabelo muito obviamente alisado, muita maquiagem, garotões tatuados e artificialmente bronzeados, porque afinal de contas é feio chegar branquelo na praia. Uma louca de saia jeans rasgada, camiseta preta e BOTAS COWBOY. Please. Na fila pro vôo pra Dortmund, um monte de turistas mal vestidos. Muitos policias rodando pelo aeroporto. As meninas sentadas ao nosso lado reclamavam que o vôo pra Ibiza estava atrasado em 4 horas. Crianças louras, inglesas e eslavas, faziam a maior bagunça, correndo ou desenhando com canetinhas coloridas. No banco em frente ao nosso, a Cenoura Celeste, uma ruiva alta e gorda vestida toda de um vaporoso tecido azul-céu. Mais à frente, a Família dos Japoneses Bizarros: a mulher imensa de gorda, com cara de suja e super mal vestida, todas coisas difíceis de ver no caso dos japoneses em geral; o marido macérrimo, de boné, com uma pequena mochila nas costas à qual estavam pendurados 5 chapéus daqueles que os japas adoram, uma caneca de metal e um rolo de fita adesiva transparente. O filho pequeno horroroso, coisa também estranha, porque filhotes de japoneses costumam ser foférrimos. Muitos italianos falando alto, alguns negros bem vestidos, muitos eslavos. Muita confusão.

O vôo saiu vinte minutos antes da hora. Descemos em Beauvais, que fica assim mais ou menos no fim do mundo. É nessas que a RyanAir te phode: a passagem pode até custar uma titica, mas com certeza você vai descer num aeroporto que fica lá no cu do Judas e vai morrer numa graninha de buzum até o centro. Não deu outra: € 10/cabeça pra ir ao centro em um ônibus caindo aos pedaços, apertado, entupido de gente, fedorento, dirigido por um negão educadíssimo que no entanto demonstrava uma certa relutância em pisar direito no acelerador e foi se arrastando até o ponto final, em Porte Maillot.

Deveria ser relativamente simples: pegar o metrô em Porte Maillot, mudar de linha duas vezes e chegar até o Albergue da Juventude de Cité des Sciences. Foi simples, jacaré? Claro que não. As máquinas automáticas de bilhetes estavam quebradas, e àquela hora não havia mais ninguém trabalhando na estação. Voltamos todos pra rua, eu, Mirco e mais um monte de mochileiros irritados e sem saber o que fazer. Passou um ônibus amarelo com um M imenso igual ao M da estação do metrô; subimos sem nem nos perguntarmos pra onde ia, deduzindo que, como a estação de metrô era impraticável, o ônibus nos levaria até a próxima estação. Ledo engano. Ia pro camping, totalmente nada a ver. O motorista foi bonzinho e na volta ao centro parou no meio da rua pra chamar um motorista de táxi que ele conhecia, e explicou aonde queríamos ir. Já era meia-noite e meia e meu pé latejava horrivelmente, pra não falar na incrível necessidade de tomar banho. Vocês acham que o motorista sabia onde tinha que ir? Nãaao, seria simples demais. A bosta do albergue fica lá no fim do mundo, fora do centro, num bairro super baixo-nível, e o motorista nunca tinha passado por lá. Conseguimos chegar mais ou menos perto do albergue, com a ajuda de muitos mapas e do sistema de localização satelitária do carro, mas as ruas nas quais deveríamos virar estavam fechadas pra obras. Levamos séculos pra chegar ao albergue, eu nem sabia mais onde estava de tanta dor no pé. Mas conseguimos nos ajeitar no único beliche livre dos três que ocupam o quarto 304, tomar banho no chuveiro completamente nonsense que só alguém que toma banho uma vez na vida e outra na morte é capaz de projetar, e fui dormir. Mirco ainda arranjou forças pra descer à cozinha pra fazer um sanduíche de atum (a gente sempre viaja com comida na mala). Eu, que sucumbo facilmente à gula mas não à fome, dormi de estômago vazio mesmo. No meio da noite caiu um temporal desgraçado. Alguém levantou pra fechar a janela e evitar uma inundação, mas não sei quem foi.

rumo a Parrí

Muito obrigada a todo mundo que me escreveu desejando melhoras. Não vou responder um por um, pelo menos não agora. Também não vai ter cartão-postal pra ninguém, porque eu não tenho UM TOSTÃO FURADO pra gastar. Vamos almoçar na Arianna e zarpar pra Roma. Nosso vôo sai de Ciampino às sete da noite. Volto sábado que vem, com relatos e fotos, como sempre.

Ciao!

a volta

O vôo dos salames partia às dez e dez da manhã, por isso às seis e meia já estávamos na villa entupindo o microônibus de malas. Eu fui dirigindo a Ulysse e a mala do Leo dirigindo o Astra das babás, que não tavam a fim de pilotar.

A viagem foi super light. Pegamos uma estrada menos importante, com menos movimento, e caímos direto no aeroporto, sem passar pelo anel rodoviário de Roma, que é onde a muvuca acontece sempre. Mas e pra descarregar aquele povo todo e aquelas malas todas no aeroporto, já que não dá pra estacionar? Leo falou “larga o carro aí e vem me ajudar”, e lá fui eu. Mas depois obviamente rolou um grande estresse com as duas guardas de trânsito que vieram me dizer que nunca tinham visto uma criatura tão cara-de-pau quanto o Leo, que tinha largado o carro quase no meio da rua e desaparecido no aeroporto, pra catar alguém que viesse pegar as malas dos Salames. Eu estava num estado de irritação ímpar, porque o coitado do Paolo teria que dar uma volta enorme pra retornar a Porto Ercole (ele tinha que ir a Volterra, totalmente fora de mão) e nos deixar na villa, onde pegaríamos a outra monovolume e a C3, pra levá-las ao aeroporto novamente e devolvê-las à Avis. Os Salames se despediram, me deram a minha gorjetinha básica que depois o enxerido do Leo quis saber de quanto foi e eu não disse, e foram embora. Mas ainda não dava pra me sentir aliviada, porque 1) ainda não tinha sido paga e 2) ainda não estava na minha casinha.

E aí recomeçaram os perrengues. Porque o filho da puta do Leo, que dormiu em casa todas as noites enquanto eu e Paolo dormíamos na casa de uma velha desconhecida, em vez de ir ao banco de manhã cedo pegar o dinheiro pra pagar o microônibus e a mim, veio de mãos abanando. Quando ele pediu ao Paolo pra ele dar um pulo em Orvietopra pegar o dinheiro, longe pra cacete, onde fica a agência de banco do Leo, o Paolo se irritou de verdade e começou a dizer um monte de desaforos – muito educadamente, porém, porque ele é um lord. Eu fiquei quieta mas tava doida de vontade de vociferar também. No final das contas o Leo ligou pro Renzo, o dono da companhia de ônibus, e concordaram de se encontrar em Orvieto. O que significava que eu teria que voltar a Porto Ercole com o coitado do Paolo, pegar aquela bosta da C3, voltar sozinha até Todi, deixar a C3 no estacionamento do centro commerciale onde eu tinha deixado o meu carro, deixar a chave no tabaccaio do centro commerciale, pegar o meu carro e voltar pra casa. E rezar pro Leo me pagar assim que fosse possível.

Voltei batendo papo com o Paolo e a viagem passou rápido. Despedimo-nos, ele foi embora pra Volterra e eu peguei a estrada que ele me explicou. Dei uma volta danada mas não tinha outro jeito. Passei por um monte de cidades estranhas, atravessei campos, sempre achando que tinha errado o caminho e depois vendo que não, quando a próxima placa pra Viterbo aparecia. Passei por Saturnia e Tuscania e deu uma vontade danada de parar pra ver os castelos, LINDOS. Mas fui indo.

Agora vem a parte boa.

Quando faltavam uns 30 quilômetros pra chegar a Todi, o carro começou a apitar. A anta do Leo não tinha abastecido o carro e o combustível tava no fim. Eu não tinha UM TOSTÃO, e mesmo se tivesse não queria gastar meu dinheiro botando gasolina praquele idiota. Mas o apito ficava cada vez mais insistente e eu tinha que parar em algum lugar. Entrei no primeiro posto de gasolina que vi. Diálogo:

– Encho o tanque?
– Não, deixa eu te explicar. Esse carro é de um filho da puta que encheu o meu saco durante 12 dias de trabalho e ainda não me pagou nem uma grana que ele me devia já antes desses 12 dias. Eu tenho que ir a Todi, onde ele mora, deixar esse carro e pegar o meu pra voltar pra casa, em Perugia. O negócio é o seguinte: eu quero chegar a Todi com MEIA GOTA de gasolina no tanque. Que é pra ele ligar o carro, andar dois metros e parar.

O cara me olhou meio descrente, mas fez uns cálculos de cabeça e sentenciou:
– Dois litros bastam.

Catei umas moedas no porta-níqueis, paguei os dois litros e fui embora pra Todi.

Só que eu não lembrava onde tinha largado o meu carro. Naquele primeiro dia, como eu tinha errado a estrada, acabamos dando umas voltas, e eu me confundi. Sabia que tinha deixado o carro no estacionamento de um centro commerciale, mas não sabia qual era, até porque não tinha nada escrito (se tivesse, eu com certeza lembraria). Rodei, rodei, o carro apitando loucamente de novo, parei num posto de gasolina pra pedir informações mas os caras não souberam me explicar direito, voltei a onde eu achava que era mas não era, e já estava quase chorando de ódio quando vi dois garotos entrando num carro, prontos pra sair do estacionamento. Pulei na frente do carro e expliquei a minha situação, e eles gentilmente se ofereceram pra me levar aonde eles achavam que era o tal centro commerciale. Deixei a C3 estacionada nesse lugar errado e fui com eles. Felizmente achamos o outro estacionamento, que era relativamente longe. Os meninos se ofereceram pra me levar de volta ao estacionamento errado, onde eu pegaria a C3 pra depois deixá-la no estacionamento certo, na vaga deixada pelo meu carro. Pensei bem e decidi que não, obrigada.

A essa altura era uma e meia da tarde e estava tudo fechado, por isso não tinha como deixar a chave da C3 com ninguém. Entrei no meu carro e vim embora.

Conclusão: deixei de presente pro Leo um carro de aluguel estacionado longe, sem uma gota de gasolina, e sem chave. Se eu tivesse programado tudo isso, não teria dado tão certo.

Vim rindo sozinha no carro de Todi até em casa.

**

Leo me pagou só dois dias depois. Não me deu nenhum adicional por ter dirigido todos aqueles quilômetros, coisa que não estava no acordo inicial. Três dias depois eu deixei a chave no bar aqui debaixo de casa e ele veio pegar – de carona com um amigo, porque o carro dele ainda estava na oficina. No dia seguinte me ligou pedindo pra eu falar no telefone com um cliente dele, um americano cujo carro de aluguel tinha morrido no meio da estrada, perto de Napoli. Ele me pagou por essas três ligações internacionais, do meu celular ao celular do americano? Não preciso nem responder.

O que ele não sabe é que eu venho mantendo contato regular com a garota da agência de turismo dos EUA, que organizou a viagem dos Salames. E já deixei bem claro que eu trabalho SOZINHA.