Giannella

Às onze da manhã passamos na villa pra pegar a família. Leo chegou às onze e meia e fomos direto a uma praia chamada Lido di Giannella (Giannella é uma das duas restingas que ligam o Monte Argentario ao continente). É uma praia mais ou menos particular, teoricamente pertencente ao hotel de mesmo nome, mas o Leo deu um jeito e eles ficaram lá debaixo do guarda-sol e estirados nas espreguiçadeiras – tudo a pagamento, obviamente. Eu fiquei no ônibus lendo Andrea Camilleri enquanto o Paolo foi almoçar no restaurante em frente à praia. Foi ficando tarde e eu fui ao restaurante também, ver se os Salames já tinham acabado de comer e queriam ir embora, mas quem disse que alguém conseguia mandar as crianças pra casa depois do macarrão com manteiga nosso de cada dia? Tinham todos voltado pra areia depois do almoço, e eu acabei ficando por ali mesmo. E foi aí que conheci o Ulisse, dono do restaurante Da Ulisse (muito criativo. Strada Provinciale Giannella, km 3 – Albinia (GR). 0564.820214. Especialidade: frutos do mar grelhados). O cara é uma figuraça, cabelo tipo black power, camisa pólo amarelo-ovo, shorts brancos, ritmo lento, voz idem. Não sei de onde ele é, provavelmente de Roma, decididamente não toscano. Vi uns artigos de jornal emoldurados na parede e não consegui entender de onde eram, até que ele veio explicar: ele tem um restaurante em Cuba e outro em Brisbane, Austrália, que aparentemente faz muito sucesso. Ulisse adora viajar e vai ao Brasil todo ano. Praticamente me obrigou a provar o vino della casa, que ele mesmo produz, e é realmente ótimo. Ficou pau da vida porque eu não tinha almoçado, e não dava mais tempo porque os Salames já tavam saindo da areia. Mas deixou o cartão de visitas com a foto dele no fundo, em cinza, que infelizmente não vai dar pra ver direito se eu escanear, porque é uma comédia. Despedimo-nos e picamos a mula.

Deixamos os Salames na villa e fomos pra casa. Tomei banho e fiquei batendo papo com a senhora Teresa, que costura pra fora e consertou minha saia preta que tinha descosturado na lateral direita. Lá pras sete da noite eu e Paolo fomos de microônibus até a villa levá-los pra jantar fora. Leo queria levá-los ao chiquérrimo restaurante do Pellicano, mas falamos com o maître pelo telefone e ele se recusou terminantemente a aceitar crianças menores de 12 anos (o Leo tinha mentido pra ele antes, dizendo que todas as 7 crianças estavam na faixa dos 12. Na verdade só duas estavam.), a cozinhar peito de frango pra elas, e principalmente a fazer macarrão com manteiga pra eles. Aliás, quase desligou na minha cara quando eu falei, suspirando adequadamente, que as crianças estavam comendo macarrão com manteiga há 11 dias. Bom, então, Leo arranjou esse outro restaurante chamado La Sirena (ou A Sereia. Viale Caravaggio, 87/89. 0564.835032), de frente pra praia, e lá fomos nós. Eu fui num outro carro, porque era o aniversário de uma das Salaminhas e tinham comprado uma torta surpresa, que eu levei escondida até o restaurante e entreguei na cozinha, pra ser servida de sobremesa. Eu e Paolo, irritadíssimos com o Leo, comemos lá mesmo e botamos na conta dele. Menu: risoto de camarão com curry, rana pescatrice (é um peixe feio pra burro) no forno com batatas, um vinho branco de Avellino, cidade que fica perto de Napoli, e de sobremesa sorvete de nozes feito por eles mesmos. Tudo delicioso, impecável, o serviço ótimo; os proprietários, super simpáticos, vieram nos dizer que também têm um outro restaurante ali perto, especializado em carnes (La Locanda del Caravaggio – Via San Paolo della Croce, 6. Porto Ercole (GR). 0564.833078. Pertinho da colina dos javalis).

Felizes da vida com a barriga cheia, deixamos a família na villa e fomos dormir.

Pitigliano

A região onde estamos se chama Maremma. Um dia já foi uma área pantanosa, praticamente inabitável, insalubre, cheia de mosquitos e com grande incidência de malária (lembram que eu escrevi antes que Caravaggio morreu em Porto Ercole, e provavelmente de malária?). A coisa só foi melhorar lá pra 1700 e bolinha, com a família Lorena da Áustria, que depois da morte de Gian Gastone Medici, em 1734, começou a ajeitar essa vasta região. A terra se revelou fértil e generosa, como certamente tinha sido um dia, na época dos etruscos (sempre eles).

Pitigliano fica em cima de um bloco de pedra chamada tuffo, um tipo de magma vulcânico. Vêem-se cavernas e túneis escavados no tuffo, pelos etruscos. Provavelmente eram usados como tumbas ou com outras finalidades funerárias, já que as únicas estruturas sólidas e duradouras deixadas por eles eram tumbas, urnas funerárias e coisas do gênero. Eles se preocupavam muito mais com a vida após a morte do que com a vida antes da morte, e por isso não há sequer uma casinha etrusca pro pessoal estudar. Provavelmente as casas eram construídas com materiais perecíveis como madeira, palha, etc. Hoje esses túneis e cavernas são usados como cantinas e despensas.

Um dos aspectos mais interessantes de Pitigliano é a sua mistura com a história dos judeus na Itália. Por um longo período, a comunidade judaica de Pitigliano foi bem importante. Em épocas de perseguição de judeus, a cidade serviu de refúgio pros perseguidos. A comunidade judaica chegou a representar 20% da população da cidade, em 1850 – um caso único na Itália. Depois da unificação italiana, em 1871, os judeus foram emancipados e, livres pra ir aonde quisessem, foram deixando a cidade, mudando-se pra outras áreas mais prósperas. Nos anos 30, na época da propaganda anti-semita, os judeus de Pitigliano sobreviveram muito bem, obrigada.

Hoje não há mais uma comunidade judaica em Pitigliano (vou falar disso mais adiante), mas a herança cultural permaneceu. A sinagoga foi restaurada, e a padaria kosher já pode ser visitada novamente. Também há um grande cemitério judeu.

A cidade de Pitigliano é famosa pelo vinho branco, o Bianco di Pitigliano, do qual comprei duas garrafas. Já abrimos uma e o vinho é realmente delicioso. Também fazem vinho kosher, que dizem que é uma porcaria mas o pessoal compra por curiosidade mesmo.

28 de junho

A partida da família estava prevista pras onze da manhã. Acordei cedo e fiquei enrolando, lendo, vendo TV, falando com o Mirco no telefone. Paolo ligou me chamando pra tomar café no bar; fui. Passamos nos correios pra enviar uns cartões-postais, demos umas voltas pra matar o tempo e finalmente fomos à villa pegar os Salames.

A estrada pra Pitigliano é cheia de curvas, e na última delas o Paolo parou pra gente tirar foto – e pra retomar o fôlego, porque a cidade é LINDA. Vista assim, de uma colina oposta, é de arregalar os olhos mesmo. Linda, e super diferente. Ficamos lá babando e fotografando e depois entramos na cidade. Já era hora do almoço e enfiamos os Salames numa pizzaria.

Os Salames queriam ir ao museu judaico, mas naquele dia estava fechado, sabe-se lá por quê. Leo conseguiu falar com a diretora e convencê-la a abri-lo por algumas horas, só pra nós. Enquanto ele ia lá buscar a velhinha, eu e os Salames fomos dar umas voltas.

Achei a cidade bem parecida com Perugia, cheia de becos, arcos, ladeiras. O mais estranho é olhar por cima das muralhas e perceber que você está plantado numa plataforma de pedra. Muito verde ao redor, uma cascata ao longe, linda paisagem, e um calor de matar. Voltamos à praça principal e as crianças foram tomar sorvete. Logo chega a mala do Leo com a velhinha curadora do museu, uma senhora judia de 350 anos e óculos fundo de garrafa. Entramos no bairro judaico e, passando por um arco, descemos até o tal museu, que nada mais é do que a parte funcional do bairro judaico – onde ficavam a padaria, a cantina, etc. Mas vamos com calma.

Ela foi explicando tudo com muita tranquilidade, falando sem parar, mal dando tempo pra eu traduzir pros Salames. Vimos a sala dos banhos rituais, praticados principalmente pelas mulheres menstruadas, antes do casamento, ou nos 45 dias depois de um parto. Segundo ela, tudo isso está escrito na Bíblia (abstenho-me de comentar). A água que sobrava dos banhos descia através de um buraco no chão e ia parar lá nos tanques onde se curtia couro. Também vimos o forno da padaria, fotos daquele pão furadinho judeu cujo nome eu esqueci e que tem cara de ser bom pra caramba, os tanques de tingimento de couro e tecidos, a cantina onde até hoje se armazenam barris de vinho kosher.

A velhinha falou que hoje só vivem mais 3 judeus em Pitigliano, além dela, mas como a sinagoga deles é uma das únicas 5 da Toscana, muitas festas religiosas são celebradas nela – aliás, no dia seguinte iria rolar um casamento básico.

A sinagoga já sofreu muito, coitada. É pequena mas charmosinha, e chega-se até ela através de um terraço onde, um dia, ficava uma biblioteca. Hoje não há mais teto e o terraço é a céu aberto mesmo. Um grande pedaço do teto da sinagoga caiu nos anos 60. Aparentemente o tuffo não é o tipo de terreno mais estável do mundo, e quando resolve se acomodar balança tudo o que está em cima, e foi numa dessas que o teto desabou. Hoje as pinturas no teto são claramente modernas demais, o azul das escritas é cafona, o dourado é excessivamente artificial. Ainda há uma parte do templo reservada pras mulheres, que em teoria não podem assistir aos rituais junto com os homens (não vou comentar, é melhor). Uma cortina numa das paredes cobre a mini-sala que guarda o livro sagrado deles. Bem no meio do templo, uma estrutura de madeira avermelhada, de onde são conduzidas as cerimônias. Tudo muito bem cuidado, limpo e sobretudo interessante. Pena que a velhinha tinha uma reunião na prefeitura e tinha que ir embora.

Poderíamos ter saído pelo portão da sinagoga, que dá pra rua, mas não queríamos que nenhum outro turista nos visse, já que em teoria não deveríamos estar ali. Por isso descemos tudo de novo e saímos por onde entramos. Os Salames nos despacharam, como sempre, e eu voltei pra onde tínhamos marcado com o Paolo de nos esperar. Leo se mandou pra Porto Ercole, pra procurar uma praia decente pra eles, que queriam um lugar de areia e não rochas, e sem topless. Como ainda estava cedo, entrei numa loja pra comprar um vinho e fiquei batendo papo com o proprietário, um grisalho bonitão e simpático que reclamou da falta de vocação pra self-marketing da Maremma, ao contrário do resto da Toscana. Logo depois que saí da loja os Salames voltaram do passeio e tocamos de volta a Porto Ercole.

A viagem não foi fácil. Paramos 3 vezes pra várias das crianças fazerem várias necessidades fisiológicas: duas vezes no mato, e uma num bar. Deixamos o pessoal em casa, Leo se mandou pra Todi e eu fui dormir.

Pitigliano

A região onde estamos se chama Maremma. Um dia já foi uma área pantanosa, praticamente inabitável, insalubre, cheia de mosquitos e com grande incidência de malária (lembram que eu escrevi antes que Caravaggio morreu em Porto Ercole, e provavelmente de malária?). A coisa só foi melhorar lá pra 1700 e bolinha, com a família Lorena da Áustria, que depois da morte de Gian Gastone Medici, em 1734, começou a ajeitar essa vasta região. A terra se revelou fértil e generosa, como certamente tinha sido um dia, na época dos etruscos (sempre eles).

Pitigliano fica em cima de um bloco de pedra chamada tuffo, um tipo de magma vulcânico. Vêem-se cavernas e túneis escavados no tuffo, pelos etruscos. Provavelmente eram usados como tumbas ou com outras finalidades funerárias, já que as únicas estruturas sólidas e duradouras deixadas por eles eram tumbas, urnas funerárias e coisas do gênero. Eles se preocupavam muito mais com a vida após a morte do que com a vida antes da morte, e por isso não há sequer uma casinha etrusca pro pessoal estudar. Provavelmente as casas eram construídas com materiais perecíveis como madeira, palha, etc. Hoje esses túneis e cavernas são usados como cantinas e despensas.

Um dos aspectos mais interessantes de Pitigliano é a sua mistura com a história dos judeus na Itália. Por um longo período, a comunidade judaica de Pitigliano foi bem importante. Em épocas de perseguição de judeus, a cidade serviu de refúgio pros perseguidos. A comunidade judaica chegou a representar 20% da população da cidade, em 1850 – um caso único na Itália. Depois da unificação italiana, em 1871, os judeus foram emancipados e, livres pra ir aonde quisessem, foram deixando a cidade, mudando-se pra outras áreas mais prósperas. Nos anos 30, na época da propaganda anti-semita, os judeus de Pitigliano sobreviveram muito bem, obrigada.

Hoje não há mais uma comunidade judaica em Pitigliano (vou falar disso mais adiante), mas a herança cultural permaneceu. A sinagoga foi restaurada, e a padaria kosher já pode ser visitada novamente. Também há um grande cemitério judeu.

A cidade de Pitigliano é famosa pelo vinho branco, o Bianco di Pitigliano, do qual comprei duas garrafas. Já abrimos uma e o vinho é realmente delicioso. Também fazem vinho kosher, que dizem que é uma porcaria mas o pessoal compra por curiosidade mesmo.

28 de junho

A partida da família estava prevista pras onze da manhã. Acordei cedo e fiquei enrolando, lendo, vendo TV, falando com o Mirco no telefone. Paolo ligou me chamando pra tomar café no bar; fui. Passamos nos correios pra enviar uns cartões-postais, demos umas voltas pra matar o tempo e finalmente fomos à villa pegar os Salames.

A estrada pra Pitigliano é cheia de curvas, e na última delas o Paolo parou pra gente tirar foto – e pra retomar o fôlego, porque a cidade é LINDA. Vista assim, de uma colina oposta, é de arregalar os olhos mesmo. Linda, e super diferente. Ficamos lá babando e fotografando e depois entramos na cidade. Já era hora do almoço e enfiamos os Salames numa pizzaria.

Os Salames queriam ir ao museu judaico, mas naquele dia estava fechado, sabe-se lá por quê. Leo conseguiu falar com a diretora e convencê-la a abri-lo por algumas horas, só pra nós. Enquanto ele ia lá buscar a velhinha, eu e os Salames fomos dar umas voltas.

Achei a cidade bem parecida com Perugia, cheia de becos, arcos, ladeiras. O mais estranho é olhar por cima das muralhas e perceber que você está plantado numa plataforma de pedra. Muito verde ao redor, uma cascata ao longe, linda paisagem, e um calor de matar. Voltamos à praça principal e as crianças foram tomar sorvete. Logo chega a mala do Leo com a velhinha curadora do museu, uma senhora judia de 350 anos e óculos fundo de garrafa. Entramos no bairro judaico e, passando por um arco, descemos até o tal museu, que nada mais é do que a parte funcional do bairro judaico – onde ficavam a padaria, a cantina, etc. Mas vamos com calma.

Ela foi explicando tudo com muita tranquilidade, falando sem parar, mal dando tempo pra eu traduzir pros Salames. Vimos a sala dos banhos rituais, praticados principalmente pelas mulheres menstruadas, antes do casamento, ou nos 45 dias depois de um parto. Segundo ela, tudo isso está escrito na Bíblia (abstenho-me de comentar). A água que sobrava dos banhos descia através de um buraco no chão e ia parar lá nos tanques onde se curtia couro. Também vimos o forno da padaria, fotos daquele pão furadinho judeu cujo nome eu esqueci e que tem cara de ser bom pra caramba, os tanques de tingimento de couro e tecidos, a cantina onde até hoje se armazenam barris de vinho kosher.

A velhinha falou que hoje só vivem mais 3 judeus em Pitigliano, além dela, mas como a sinagoga deles é uma das únicas 5 da Toscana, muitas festas religiosas são celebradas nela – aliás, no dia seguinte iria rolar um casamento básico.

A sinagoga já sofreu muito, coitada. É pequena mas charmosinha, e chega-se até ela através de um terraço onde, um dia, ficava uma biblioteca. Hoje não há mais teto e o terraço é a céu aberto mesmo. Um grande pedaço do teto da sinagoga caiu nos anos 60. Aparentemente o tuffo não é o tipo de terreno mais estável do mundo, e quando resolve se acomodar balança tudo o que está em cima, e foi numa dessas que o teto desabou. Hoje as pinturas no teto são claramente modernas demais, o azul das escritas é cafona, o dourado é excessivamente artificial. Ainda há uma parte do templo reservada pras mulheres, que em teoria não podem assistir aos rituais junto com os homens (não vou comentar, é melhor). Uma cortina numa das paredes cobre a mini-sala que guarda o livro sagrado deles. Bem no meio do templo, uma estrutura de madeira avermelhada, de onde são conduzidas as cerimônias. Tudo muito bem cuidado, limpo e sobretudo interessante. Pena que a velhinha tinha uma reunião na prefeitura e tinha que ir embora.

Poderíamos ter saído pelo portão da sinagoga, que dá pra rua, mas não queríamos que nenhum outro turista nos visse, já que em teoria não deveríamos estar ali. Por isso descemos tudo de novo e saímos por onde entramos. Os Salames nos despacharam, como sempre, e eu voltei pra onde tínhamos marcado com o Paolo de nos esperar. Leo se mandou pra Porto Ercole, pra procurar uma praia decente pra eles, que queriam um lugar de areia e não rochas, e sem topless. Como ainda estava cedo, entrei numa loja pra comprar um vinho e fiquei batendo papo com o proprietário, um grisalho bonitão e simpático que reclamou da falta de vocação pra self-marketing da Maremma, ao contrário do resto da Toscana. Logo depois que saí da loja os Salames voltaram do passeio e tocamos de volta a Porto Ercole.

A viagem não foi fácil. Paramos 3 vezes pra várias das crianças fazerem várias necessidades fisiológicas: duas vezes no mato, e uma num bar. Deixamos o pessoal em casa, Leo se mandou pra Todi e eu fui dormir.

Monte Argentario

O Monte Argentario (algo como Monte de Prata) provavelmente um dia já foi uma ilha, que acabou se ligando à costa tirrênica através das estranhas restingas de Feniglia e Giannella, formadas pelo acúmulo de detritos transportados pelos rios e pelas correntes marinhas. Hoje a região controlada pelo Comune di Monte Argentario inclui as cidadezinhas de Porto Santo Stefano, onde fica a sede principal, e Porto Ercole, que seria uma fração do Comune (assim com Cipresso, onde eu moro, é uma fraçao do Comune di Bastia Umbra).

Sobre Porto Ercole, a única coisa interessante que eu achei no site do Comune é que foi lá que morreu Caravaggio, provavelmente de malaria.

27 de junho

Acordamos cedo e tomamos café da manhã no quarto. Na noite anterior tínhamos visto um treco pendurado na maçaneta; era um pré-pedido de café da manhã, pra gente preencher. Bem cedo um funcionário passa pra recolher, anota os pedidos e no horário selecionado os rapazes te levam a comida. Lindo. Pedimos morangos, pão fresco, torradas, geléias, manteiga, chocolate quente, cereais. Não sobrou quase nada ;)

Fomos diretamente à villa e de lá levamos a mulher do Salame, Morena Simpática e sua filha e mais Salaminha 1 e Blonde Teenager pra passear. As babás ficaram com o resto das crianças e os machos da casa. Leo foi dirigindo a Ulysse e eu a Citroen C3 que ele alugou pra substituir sua Alfa batida. Aliás, que carro ruinzinho de dirigir! O pára-brisas é estranho, tem uma curvatura bizarra que distorce um pouco a visão; o motor dá pena, o carro não anda, o ar condicionado não condiciona nada. Mas tudo bem. Fomos até Porto Santo Stefano, pras meninas fazerem compras nas barraquinhas da feirinha do calçadão. Enquanto esperávamos por elas fui analisando a paisagem.

Eu achei uma bosta. Sabe Rio das Ostras entupida de farofeiros? Carros estacionados em tudo que é lugar, casas velhas e feias, casas velhas e feias que viraram pousadas improvisadas, lojas cafonas, a inevitável molambice que acompanha a vida na praia, trânsito absolutamente impossível, restaurantes com mesas na varanda, onde o pessoal que passa na rua vê você comendo (eu DETESTO esse tipo de restaurante). Gostei não. Um calor desgraçado, um sol que queimava a moleira, e as malucas passeando no calçadão comprando camisetinhas tye-die e colares de plástico.

Voltamos pra villa, e de lá o Leo foi encontrar o Massimo, administrador da villa de S. Gimignano, numa cidadezinha ali perto. Morena Simpática tinha esquecido um saquinho de jóias na outra villa, que a faxineira achou e deu pro Massimo. Eu aproveitei pra encontrar o Paolo, o novo motorista do novo microônibus, que tava esperando em frente à villa porque às 14:30 teríamos que passar lá pra levar o povo pra visitar uma das fortalezas espanholas da cidade e depois Cala Galera, uma marina famosa (eu adorei foi o nome, Cala Galera… Lindo!). Larguei a C3 na garagem da villa, botei minhas malas no ônibus e fomos até o centro da cidade, à casa onde iríamos dormir.

O lance era o seguinte: a senhora Teresa, viúva, mora num grande apartamento no centro de Porto Ercole com uma mãe solteira e seu filho adolescente, que pagam aluguel, e aluga os outros dois quartos do apartamento a turistas, no verão. O prédio cheira a mofo e o elevador é dos anos 50, daqueles que tem portas duplas que você tem que abrir e fechar manualmente. Então é assim, ó: eu e Paolo ficamos hospedados na casa de uma velha que não conhecíamos, num apartamento cheio de coisas velhas, santinhos e flores secas na parede, e dividindo um banheiro. Pelo menos o Paolo é super educado, a senhora Teresa é simpática e me deixou usar a geladeira dela. Nos quartos tem televisão e a cama é de casal, os travesseiros são confortáveis, não bate sol da tarde e por isso dormi fresquinha.

Descansamos até a hora de sair, e às 14:30 lá estávamos nós na villa. Só que ninguém queria sair da piscina, e mandaram a gente voltar às 17:30, pra dar uma volta em Porto Ercole (dispensaram as fortalezas e Cala Galera porque tava quente demais). Voltamos pra casa da senhora Teresa. Vi Charmed, dormi um pouquinho, comi um sanduíche e voltamos pra villa. Dessa vez todo mundo tava prontinho pra sair, e fomos pro centro. Paolo estacionou lá nos cafundós do Judas e Leo veio nos encontrar. Quis dar umas voltas antes de ir pegar o pessoal, e fomos a Cala Galera, que não tem nada de mais, é só uma marina chique. Depois paramos no centro. Ele foi comer pizza num lugar chamado El Merendero (Viale Caravaggio, 61 – 329.5656786 – é um número de celular). Deixei-o lá comendo de boca aberta e subi a pé até a parte antiga da cidade.

Não tem nada de particular, só meia dúzia de casas em vielas apertadas e uma praça bobinha, mas uma vista estupenda.

Vi uma escadaria e fui subindo, até dar de cara com umas velhinhas sentadas em cadeiras, do lado de fora de uma casa. Perguntei onde terminava a escadaria, e elas disseram que ia até uma das fortalezas, e que era uma bela subida mas a vista compensava. Respirei fundo e continuei subindo, ora degraus, ora ladeira, ora trilha no meio do mato. De vez em quando via um pedaço de mar azul entre as plantas espinhudas, que arranharam meus braços várias vezes durante o percurso. E no fim da trilha eu vi…

…eu vi uma menina que estava sentada na pedra, tirando as sobrancelhas. Com ela, uma dálmata e um vira-lata chato, Aldo, que pentelhava a dálmata sem parar. A vista era de tirar o pouco fôlego que tinha sobrado depois da subida pesada. A outra fortaleza na colina oposta, os barcos lá embaixo no cais, a avenida à beira-mar, os Salames tomando sorvete sentados em bancos na avenida, o microônibus azul do Paolo manobrando lá longe… E ao meu lado a menina que tirava a sobrancelha. Achei surreal demais e resolvi ir embora. No caminho parei pra conversar com as velhinhas sentadas fora de casa, que contaram que na cidade velha, no inverno, só ficam 30 habitantes. O resto da população é formado por romanos que têm casa de veraneio lá e só aparecem 3 meses por ano.

Desci novamente à cidade nova e Leo me deixou em casa. Tomei banho, vi um pouco de televisão e às nove fui a pé até o calçadão, pra encontrar os Salames que saíam do restaurante onde o Leo os tinha levado pra jantar. Dizem que comeram muito bem, mas como os donos são antipáticos não vou dar o endereço. Eles ainda foram tomar sorvete, depois levamos todo mundo pra casa de ônibus enquanto o Leo se mandou de novo, e fui fazer companhia ao Paolo, que tava com fome e queria uma pizza. Fomos parar no Merendero de novo. O Massimo, dono do lugar, é bonitão e super simpático. Diz o Paolo que a pizza é ótima. Não sei, não comi nada.

Quando voltamos e fomos estacionar o ônibus num terreno baldio no fim da rua, damos de cara com um bando de javalis que passeavam entre os carros estacionados ao pé da colina! Levei um susto danado, era a última coisa que eu esperava encontrar ali, a dois metros do centro nervoso de Porto Ercole. Depois descobrimos que o padeiro todo dia passava ali à mesma hora pra dar restos de pão e cascas de frutas pros javalis, que, não sendo bobos nem nada, todo santo dia descem pontualmente do bosque na colina pra jantar.

Esse dia surreal me cansou. Voltei pra casa e chapei.

Monte Argentario

O Monte Argentario (algo como Monte de Prata) provavelmente um dia já foi uma ilha, que acabou se ligando à costa tirrênica através das estranhas restingas de Feniglia e Giannella, formadas pelo acúmulo de detritos transportados pelos rios e pelas correntes marinhas. Hoje a região controlada pelo Comune di Monte Argentario inclui as cidadezinhas de Porto Santo Stefano, onde fica a sede principal, e Porto Ercole, que seria uma fração do Comune (assim com Cipresso, onde eu moro, é uma fraçao do Comune di Bastia Umbra).

Sobre Porto Ercole, a única coisa interessante que eu achei no site do Comune é que foi lá que morreu Caravaggio, provavelmente de malaria.

27 de junho

Acordamos cedo e tomamos café da manhã no quarto. Na noite anterior tínhamos visto um treco pendurado na maçaneta; era um pré-pedido de café da manhã, pra gente preencher. Bem cedo um funcionário passa pra recolher, anota os pedidos e no horário selecionado os rapazes te levam a comida. Lindo. Pedimos morangos, pão fresco, torradas, geléias, manteiga, chocolate quente, cereais. Não sobrou quase nada ;)

Fomos diretamente à villa e de lá levamos a mulher do Salame, Morena Simpática e sua filha e mais Salaminha 1 e Blonde Teenager pra passear. As babás ficaram com o resto das crianças e os machos da casa. Leo foi dirigindo a Ulysse e eu a Citroen C3 que ele alugou pra substituir sua Alfa batida. Aliás, que carro ruinzinho de dirigir! O pára-brisas é estranho, tem uma curvatura bizarra que distorce um pouco a visão; o motor dá pena, o carro não anda, o ar condicionado não condiciona nada. Mas tudo bem. Fomos até Porto Santo Stefano, pras meninas fazerem compras nas barraquinhas da feirinha do calçadão. Enquanto esperávamos por elas fui analisando a paisagem.

Eu achei uma bosta. Sabe Rio das Ostras entupida de farofeiros? Carros estacionados em tudo que é lugar, casas velhas e feias, casas velhas e feias que viraram pousadas improvisadas, lojas cafonas, a inevitável molambice que acompanha a vida na praia, trânsito absolutamente impossível, restaurantes com mesas na varanda, onde o pessoal que passa na rua vê você comendo (eu DETESTO esse tipo de restaurante). Gostei não. Um calor desgraçado, um sol que queimava a moleira, e as malucas passeando no calçadão comprando camisetinhas tye-die e colares de plástico.

Voltamos pra villa, e de lá o Leo foi encontrar o Massimo, administrador da villa de S. Gimignano, numa cidadezinha ali perto. Morena Simpática tinha esquecido um saquinho de jóias na outra villa, que a faxineira achou e deu pro Massimo. Eu aproveitei pra encontrar o Paolo, o novo motorista do novo microônibus, que tava esperando em frente à villa porque às 14:30 teríamos que passar lá pra levar o povo pra visitar uma das fortalezas espanholas da cidade e depois Cala Galera, uma marina famosa (eu adorei foi o nome, Cala Galera… Lindo!). Larguei a C3 na garagem da villa, botei minhas malas no ônibus e fomos até o centro da cidade, à casa onde iríamos dormir.

O lance era o seguinte: a senhora Teresa, viúva, mora num grande apartamento no centro de Porto Ercole com uma mãe solteira e seu filho adolescente, que pagam aluguel, e aluga os outros dois quartos do apartamento a turistas, no verão. O prédio cheira a mofo e o elevador é dos anos 50, daqueles que tem portas duplas que você tem que abrir e fechar manualmente. Então é assim, ó: eu e Paolo ficamos hospedados na casa de uma velha que não conhecíamos, num apartamento cheio de coisas velhas, santinhos e flores secas na parede, e dividindo um banheiro. Pelo menos o Paolo é super educado, a senhora Teresa é simpática e me deixou usar a geladeira dela. Nos quartos tem televisão e a cama é de casal, os travesseiros são confortáveis, não bate sol da tarde e por isso dormi fresquinha.

Descansamos até a hora de sair, e às 14:30 lá estávamos nós na villa. Só que ninguém queria sair da piscina, e mandaram a gente voltar às 17:30, pra dar uma volta em Porto Ercole (dispensaram as fortalezas e Cala Galera porque tava quente demais). Voltamos pra casa da senhora Teresa. Vi Charmed, dormi um pouquinho, comi um sanduíche e voltamos pra villa. Dessa vez todo mundo tava prontinho pra sair, e fomos pro centro. Paolo estacionou lá nos cafundós do Judas e Leo veio nos encontrar. Quis dar umas voltas antes de ir pegar o pessoal, e fomos a Cala Galera, que não tem nada de mais, é só uma marina chique. Depois paramos no centro. Ele foi comer pizza num lugar chamado El Merendero (Viale Caravaggio, 61 – 329.5656786 – é um número de celular). Deixei-o lá comendo de boca aberta e subi a pé até a parte antiga da cidade.

Não tem nada de particular, só meia dúzia de casas em vielas apertadas e uma praça bobinha, mas uma vista estupenda.

Vi uma escadaria e fui subindo, até dar de cara com umas velhinhas sentadas em cadeiras, do lado de fora de uma casa. Perguntei onde terminava a escadaria, e elas disseram que ia até uma das fortalezas, e que era uma bela subida mas a vista compensava. Respirei fundo e continuei subindo, ora degraus, ora ladeira, ora trilha no meio do mato. De vez em quando via um pedaço de mar azul entre as plantas espinhudas, que arranharam meus braços várias vezes durante o percurso. E no fim da trilha eu vi…

…eu vi uma menina que estava sentada na pedra, tirando as sobrancelhas. Com ela, uma dálmata e um vira-lata chato, Aldo, que pentelhava a dálmata sem parar. A vista era de tirar o pouco fôlego que tinha sobrado depois da subida pesada. A outra fortaleza na colina oposta, os barcos lá embaixo no cais, a avenida à beira-mar, os Salames tomando sorvete sentados em bancos na avenida, o microônibus azul do Paolo manobrando lá longe… E ao meu lado a menina que tirava a sobrancelha. Achei surreal demais e resolvi ir embora. No caminho parei pra conversar com as velhinhas sentadas fora de casa, que contaram que na cidade velha, no inverno, só ficam 30 habitantes. O resto da população é formado por romanos que têm casa de veraneio lá e só aparecem 3 meses por ano.

Desci novamente à cidade nova e Leo me deixou em casa. Tomei banho, vi um pouco de televisão e às nove fui a pé até o calçadão, pra encontrar os Salames que saíam do restaurante onde o Leo os tinha levado pra jantar. Dizem que comeram muito bem, mas como os donos são antipáticos não vou dar o endereço. Eles ainda foram tomar sorvete, depois levamos todo mundo pra casa de ônibus enquanto o Leo se mandou de novo, e fui fazer companhia ao Paolo, que tava com fome e queria uma pizza. Fomos parar no Merendero de novo. O Massimo, dono do lugar, é bonitão e super simpático. Diz o Paolo que a pizza é ótima. Não sei, não comi nada.

Quando voltamos e fomos estacionar o ônibus num terreno baldio no fim da rua, damos de cara com um bando de javalis que passeavam entre os carros estacionados ao pé da colina! Levei um susto danado, era a última coisa que eu esperava encontrar ali, a dois metros do centro nervoso de Porto Ercole. Depois descobrimos que o padeiro todo dia passava ali à mesma hora pra dar restos de pão e cascas de frutas pros javalis, que, não sendo bobos nem nada, todo santo dia descem pontualmente do bosque na colina pra jantar.

Esse dia surreal me cansou. Voltei pra casa e chapei.

San Gimignano – Porto Ercole

Acordei cedo, fiz as malas, tirei os lençóis da cama, e tava quietinha lendo quando toca o celular do Leo. Era a Ruivona, mas como ele, além de não entender nada de Inglês, ainda tava dormindo, não entendeu o que ela queria e achou que era urgente. Veio me chamar e saímos completamente esbaforidos. Quando eu reclamei que não tinha dado tempo nem de escovar os dentes (na verdade foi um verdão que eu joguei, porque ele não escovou os dentes NENHUMA vez durante a viagem inteira), ele começou a discutir dizendo que eu era chata, que tinha complexo de… Não terminou a frase, porque batemos num carro que vinha vindo da direção de S. Gimignano. Ele tinha olhado pra direita e não vinha ninguém, mas esqueceu de olhar pra esquerda e saiu meio desembestado. Sorte que a mulher, que entrou em pânico e começou a chorar e tremer, vinha devagar, até porque a estrada é cheia de curvas e não dá pra ir a mais de 50 km/h. Eu bati o joelho no painel, mas ficou só meio vermelho. As topadas que eu dou por aí doem muito mais. Atrás da mulher vinha um furgão da polícia penitenciária (tem um presídio enorme em S. Gimignano); o policial parou pra ajudar e acabou que era um amigo da mulher, ligou pro marido pra contar o acontecido e coisa e tal.

E aqui vou ser muito honesta: ao contrário do Leo, eu vi a mulher vindo da esquerda. Eu vi que íamos bater, vi que não seria nada sério porque ela vinha muuuuito devagar. Teria dado tempo de avisar ao Leo pra pisar no freio. Mas eu não avisei, voluntariamente. Achei que ele merecia essa. E não me arrependo.

Um carro que veio depois e tinha que subir pra Racciano parou ali, porque o carro do Leo tava bloqueando a estrada. Pedi uma carona e fui com ele até a villa ver o que a Ruivona queria. No final das contas nem tinha sido a Ruivona, mas a Filipinona, que tinha mandado uma calça branca da Banana Republic pra lavar a seco no hotel e a calça veio encardida. Peguei a Ulysse e fui até o hotel ver o que tinha acontecido. A menina da recepção, com quem eu já tinha batido papo outras vezes quando fui encontrar as meninas lá, explicou que o tecido era misto, com três tipos de fibras, entre sintéticas e naturais, e tecidos assim devem ser lavados à mão, e não a seco, como estava escrito na etiqueta, senão absorvem os produtos químicos e acabam manchando. Ela já tinha trabalhado em lavanderia e disse que já tinha visto acontecer a mesma coisa antes. No final das contas não teve jeito: não quiseram dar o dinheiro da garota de volta nem a pau. Também nem me esforcei muito porque não dava tempo; tinha que voltar logo pra villa pra ajudar a botar as malas no ônibus e nos carros, pra ir a Porto Ercole. Ainda passei em Racciano pra pegar as minhas malas. Leo já tava indo pra villa com Michele, que tinha ficado de passar lá pra me pegar.

Todo mundo e todas as malas no ônibus, lá fomos nós pra costa da Maremma, o pedaço da Toscana onde fica Porto Ercole. Fui dirigindo a Ulysse, Leo dirigindo a minivan Ford, e as babás dirigindo o Astra delas. Paramos pra almoçar numa trattoria de beira de estrada. As meninas me convidaram pra almoçar na mesa delas no terraço; aceitei, enquanto o Leo e o Michele almoçaram dentro do restaurante. Comi spaghetti com mariscos mas não tava lá essas coisas. As crianças comeram, pra variar, macarrão com manteiga, pra tristeza do garçom e do proprietário. Lá pelas 4 da tarde chegamos a Porto Ercole. Largamos as coisas na casa, que é maravilhosa e tem vista pro famoso Isolotto (abaixo), mas tem uma decoração moderna que eu detesto, e fomos inspecionar a praia.

Aqui, uma nova mentira: tinham dito que havia uma praia particular pros Salames, mas a praia mais próxima ficava a dez minutos de caminhada obrigatória, e de particular não tinha nada. Além disso era minúscula, de pedras e não de areia, e cheia de mulher fazendo topless. Os Salames não gostaram e ficamos de achar outra praia pra eles mais tarde. Leo voltou pra casa dele pra levar o carro pro mecânico e me deixou com as babás, sem lugar pra dormir. As babás ficaram num resort ma-ra-vi-lho-so, Il Pellicano, e cismaram que eu tinha que jantar no restaurante do hotel com elas e depois me levariam ao centro da cidade, onde o Leo finalmente arrumou um quarto pra mim, na casa de uma senhora que aluga quartos pra turistas. Eu tava irritada e não tava com a menor fome, mas o maître encheu tanto o saco que acabei jantando com elas. O lugar é chiquérrimo, janta-se de frente pro mar azul, os mosquitos jantam você, a comida é carérrima, e nós três todas molambas e suadas destoando completamente do resto dos comensais, mas foda-se. O menu:

Não pedimos antipasto, mas eles trouxeram um mini-antipasto assim mesmo. Tratava-se de um creme de cenoura delicioso no fundo de um prato lindo, com uma bolinha minúscula de ricota com pistache por cima. Delicadíssimo e gostosíssimo. Pãezinhos quentes, recém-assados, com azeite siciliano que vinha num mini-bule de porcelana branca.

De primo eu e a Filipinona pedimos tagliolini (tipo talharim) feitos à mão com molho de lagosta. A massa veio enroladinha em forma de ninho, pousado sobre um creme de ervilhas deeeeeeeeelicioooooooooooso. Pousado no prato, um enfeite de nero di seppia (a tinta preta das lulas), uma delícia. Ruivona foi de tagliolini com molho de lentilhas e tomilho, que tavam com uma cara ótima também.

De secondo fui de sogliola (solha, um peixe), um pedaço infelizmente minúsculo, grelhada com ervas numa caminha de batatas assadas cortadas em cubinhos minúsculos. As babás foram, claro, de frango. Que obsessão essa dos americanos com frango, putz! Mas o golpe mais doloroso pro maître, que era viado afetado, foi a Coca-cola que elas pediram. Lagosta com Coca-cola!!! O homem quase chorou de tristeza. Eu fui mais educada e pedi um copo de vinho branco do Friuli, divino.

Resolvemos pedir a sobremesa. Eu e Filipinona pedimos uma chamada Cioccolato, cuja foto vocês podem ver abaixo (aquela é obviamente a Ruivona, comendo sua sobremesa de abacaxi caramelado). O Cioccolato era um cilindro de chocolate amargo com sementes de gergelim, e dentro um creme quente de chocolate. No outro canto do prato, uma colherada de mousse de chocolate. E uma espiral de chocolate meio-amargo no meio do prato, pra enfeitar (e pra comer também, que eu não desperdiço nada quando se trata de cacau).

Mas antes da sobremesa veio a pré-sobremesa: uma bolinha de mousse de côco num canto, uma colherada de sorvete de maracujá com abacaxi no outro, sobre uma caminha de côco caramelado. Um fio de caramelo ligando as duas coisas.

E depois teve a pós-sobremesa: mini-pães de especiarias, minimicrotortas de limão com uma amora em cima, mini-enroladinhos de canela. Nem sei quanto custou essa brincadeira toda; quem pagou foi a Filipinona, com o cartão de crédito do Salame.

A essa altura elas não queriam que eu fosse embora. Fomos à recepção pedir pra botar outra cama no quarto delas, mas o cara falou que já tava tarde e não dava mais. Resolvemos que eu ia dormir lá assim mesmo, nem que fosse escondida, mas antes queriam ir nadar na piscina. Eu não tinha trazido roupa de banho, até porque não tenho, mas a Filipinona me emprestou shorts e uma camisetinha de lycra e lá fomos nós nadar na piscina térmica de água do mar. Ficamos nadando sob as estrelas e batendo papo até meia-noite. Foi uma das coisas mais legais que já me aconteceram na vida, de verdade. Fazia mais ou menos três anos que eu não nadava. Eu adoro piscina, mas não gosto da idéia de ter que ir a uma piscina pública pra nadar, que é o único jeito aqui onde eu moro. Essa piscina do hotel era linda, a água tava morninha apesar do ar frio fora, tava tudo escuro em volta mas escutávamos a música do pianista do restaurante, e as meninas são muito legais e divertidas (além de terem me contado várias fofocas úteis, que guardei pra mim). Só fomos embora porque começou a esfriar. Subimos, enroladas em roupões, tomamos banho, improvisei uma cama com as almofadas das poltronas, ligamos o ar condicionado e fomos dormir.

Castellina in Chianti

Não sei nada sobre Castellina in Chianti. Foi uma escolha de última hora e não tive tempo de pesquisar. Também não estou com vontade de traduzir o texto do site do Comune, porque é super mal escrito. Quem tiver curiosidade, que vá lá dar uma zoiada.

25 de junho

Acordei cedo e fiquei enrolando na cama, lendo. A mala do Leo bateu na minha porta pra me acordar, apesar deu já ter dito a ele mil vezes que acordo cedo todo dia e não preciso dele como despertador. Troquei de roupa e quando fui à cozinha tomar café dei de cara com ele na janela, de toalha enrolada na cintura, aquela psoríase toda nas costas, nos braços, nas pernas, socorroooooooooooooooooooooo! Sabe AAAAA visão do inferno? Então. Saí correndo pra tomar banho e quando voltei pra finalmente tomar café ele felizmente já estava vestido. Decidi não dar nenhum ataque de pelanca pra não piorar as coisas, mas só pelo susto (e pela falta de respeito total e absoluta) da toalha e da psoríase ele merecia uma panelada na cabeça. Mas tudo bem, tudo bem. O que não se faz por um punhado de euros…

Fomos pro internet point catar uma cantina pros Salames visitarem, depois sentamos nos banquinhos no piazzale logo em frente, enquanto o Leo telefonava tentando marcar uma visita à maldita cantina. Encontramos duas velhas birutérrimas, uma italiana que mora na Inglaterra e uma alemã que já morou lá também mas voltou a viver em Berlim (que ela odeia, diga-se de passagem, hohoho). Falavam sem parar, contando velhas histórias de viagem, mostrando fotos antigas, dando conselhos (“você tem muita cara de árabe, minha filha, assim fica difícil não ser discriminada aqui na Europa”), tirando fotos. Deram uma canseira danada na gente, mas conseguimos escapar depois que o Leo conseguiu convencer uma cantina que ele dizia que era chiquérrima a receber os Salames assim, em cima da hora.

Fomos pra villa meio-dia e de lá pra Volpaia, cidadezinha no Chianti onde fica a tal cantina supostamente famosa, Castello di Volpaia. No final das contas não era nem famosa nem chiquérrima, mas enfim. A menina que explicou o tour era da Calabria e falava um Inglês tão sofrível que eu tinha que retraduzir tudo o que ela dizia. Explicou que toda a cidadezinha de Volpaia pertence à família dona da cantina, que a comprou há algumas gerações. Vimos os pequenos armazéns de vinho e de azeite, ouvimos as explicações sobre a colheita, os tipos de vinho e de azeitona, etcétera e tal, e finalmente começamos a degustação. Até as crianças provaram o vinho, que era realmente muito bom. A calabresa era muito simpática e tinha preparado uma mesa linda, com pão tostado, molhinho de tomate com orégano, pecorino em pedacinhos, pra acompanhar os vinhos. Saí meio zonza porque pra variar estava de estômago vazio, mas contente por ter provado vinhos ótimos que eu nunca teria dinheiro pra comprar.

E dali fomos a Castellina in Chianti. Há várias outras cidades lindas por ali; passamos pelo delicioso centro de Radda in Chianti e vimos placas pra Panzano, onde trabalha a irmã do Mirco no verão. Mas eles cismaram com Castellina, fazer o quê. A cidade é uma gracinha mas fizemos um tour a jato porque as crianças já tavam de saco cheio de ver fortalezas, castelos e coisas velhas. Paramos numa loja de artesanato em papel e madeira e comprei um novo diário, lindo, de capa de couro e folhas cor creme, feito à mão. Não havia nem uma sorveteria decente na cidade, e resolvemos voltar. Um cervo atravessou a estrada na nossa frente, as crianças ficaram doidas!

Os Salames estavam com fome e paramos no Sovestro de novo pra jantar. Sentei à mesa com Michele e Leo, que dividiram um prato de tripa. Eu fiquei só olhando; além de estar sem fome a visão daquela tripa me dava engulhos. Acabei me irritando de novo com o Leo, simplesmente porque eu não gosto de pegar sol e ele acha que não pegar sol, como eu faço (palavras dele), faz mal. Ainda teve a cara-de-pau de dizer que eu sou pálida como um cadáver. Sua mula, eu respondi, aqui na Itália todo mundo acha que eu sou crioula e pergunta de onde veio o meu bronzeado, e você vem dizer que eu sou pálida só pra justificar uma maluquice da tua cabeça? Se liga! Eu não gosto de sol e não fico bem bronzeada, dá licença deu não gostar de sol e achar que não fico bem bronzeada? Fora que é impossível ter uma vida normal e conseguir, ao mesmo tempo, se esconder tanto do sol a ponto de ficar doente, como ele diz. Só de ficar esperando na fila da Rita verdureira na praça eu já metabolizo toda a vitamina D da qual preciso, tá um calor do cacete, o sol brilha inclemente. Putz, que cara chato! Ainda me chamou de cafone, que seria algo como tosca, mal educada, brega, grossa. Nesse ponto não resisti e dei uma risada ENORME. Ele saiu pra fumar, irritadíssimo, e eu comentei com o Michele que pra mim cafone é quem tem psoríase, caspa, mau hálito, junta saliva no canto da boca quando fala, come de boca aberta, fala berrando, mente pros clientes, usa a mesma camisa horrorosa três dias seguidos no verão, passeia de toalha na cintura na frente de uma mulher comprometida com a qual ele não tem a menor intimidade, atrasa pagamentos, faz piadas idiotas, fuma sem pedir licença. Tudo ao mesmo tempo. Michele engasgou de tanto rir.

E assim acabou meu dia.

Castellina in Chianti

Não sei nada sobre Castellina in Chianti. Foi uma escolha de última hora e não tive tempo de pesquisar. Também não estou com vontade de traduzir o texto do site do Comune, porque é super mal escrito. Quem tiver curiosidade, que vá lá dar uma zoiada.

25 de junho

Acordei cedo e fiquei enrolando na cama, lendo. A mala do Leo bateu na minha porta pra me acordar, apesar deu já ter dito a ele mil vezes que acordo cedo todo dia e não preciso dele como despertador. Troquei de roupa e quando fui à cozinha tomar café dei de cara com ele na janela, de toalha enrolada na cintura, aquela psoríase toda nas costas, nos braços, nas pernas, socorroooooooooooooooooooooo! Sabe AAAAA visão do inferno? Então. Saí correndo pra tomar banho e quando voltei pra finalmente tomar café ele felizmente já estava vestido. Decidi não dar nenhum ataque de pelanca pra não piorar as coisas, mas só pelo susto (e pela falta de respeito total e absoluta) da toalha e da psoríase ele merecia uma panelada na cabeça. Mas tudo bem, tudo bem. O que não se faz por um punhado de euros…

Fomos pro internet point catar uma cantina pros Salames visitarem, depois sentamos nos banquinhos no piazzale logo em frente, enquanto o Leo telefonava tentando marcar uma visita à maldita cantina. Encontramos duas velhas birutérrimas, uma italiana que mora na Inglaterra e uma alemã que já morou lá também mas voltou a viver em Berlim (que ela odeia, diga-se de passagem, hohoho). Falavam sem parar, contando velhas histórias de viagem, mostrando fotos antigas, dando conselhos (“você tem muita cara de árabe, minha filha, assim fica difícil não ser discriminada aqui na Europa”), tirando fotos. Deram uma canseira danada na gente, mas conseguimos escapar depois que o Leo conseguiu convencer uma cantina que ele dizia que era chiquérrima a receber os Salames assim, em cima da hora.

Fomos pra villa meio-dia e de lá pra Volpaia, cidadezinha no Chianti onde fica a tal cantina supostamente famosa, Castello di Volpaia. No final das contas não era nem famosa nem chiquérrima, mas enfim. A menina que explicou o tour era da Calabria e falava um Inglês tão sofrível que eu tinha que retraduzir tudo o que ela dizia. Explicou que toda a cidadezinha de Volpaia pertence à família dona da cantina, que a comprou há algumas gerações. Vimos os pequenos armazéns de vinho e de azeite, ouvimos as explicações sobre a colheita, os tipos de vinho e de azeitona, etcétera e tal, e finalmente começamos a degustação. Até as crianças provaram o vinho, que era realmente muito bom. A calabresa era muito simpática e tinha preparado uma mesa linda, com pão tostado, molhinho de tomate com orégano, pecorino em pedacinhos, pra acompanhar os vinhos. Saí meio zonza porque pra variar estava de estômago vazio, mas contente por ter provado vinhos ótimos que eu nunca teria dinheiro pra comprar.

E dali fomos a Castellina in Chianti. Há várias outras cidades lindas por ali; passamos pelo delicioso centro de Radda in Chianti e vimos placas pra Panzano, onde trabalha a irmã do Mirco no verão. Mas eles cismaram com Castellina, fazer o quê. A cidade é uma gracinha mas fizemos um tour a jato porque as crianças já tavam de saco cheio de ver fortalezas, castelos e coisas velhas. Paramos numa loja de artesanato em papel e madeira e comprei um novo diário, lindo, de capa de couro e folhas cor creme, feito à mão. Não havia nem uma sorveteria decente na cidade, e resolvemos voltar. Um cervo atravessou a estrada na nossa frente, as crianças ficaram doidas!

Os Salames estavam com fome e paramos no Sovestro de novo pra jantar. Sentei à mesa com Michele e Leo, que dividiram um prato de tripa. Eu fiquei só olhando; além de estar sem fome a visão daquela tripa me dava engulhos. Acabei me irritando de novo com o Leo, simplesmente porque eu não gosto de pegar sol e ele acha que não pegar sol, como eu faço (palavras dele), faz mal. Ainda teve a cara-de-pau de dizer que eu sou pálida como um cadáver. Sua mula, eu respondi, aqui na Itália todo mundo acha que eu sou crioula e pergunta de onde veio o meu bronzeado, e você vem dizer que eu sou pálida só pra justificar uma maluquice da tua cabeça? Se liga! Eu não gosto de sol e não fico bem bronzeada, dá licença deu não gostar de sol e achar que não fico bem bronzeada? Fora que é impossível ter uma vida normal e conseguir, ao mesmo tempo, se esconder tanto do sol a ponto de ficar doente, como ele diz. Só de ficar esperando na fila da Rita verdureira na praça eu já metabolizo toda a vitamina D da qual preciso, tá um calor do cacete, o sol brilha inclemente. Putz, que cara chato! Ainda me chamou de cafone, que seria algo como tosca, mal educada, brega, grossa. Nesse ponto não resisti e dei uma risada ENORME. Ele saiu pra fumar, irritadíssimo, e eu comentei com o Michele que pra mim cafone é quem tem psoríase, caspa, mau hálito, junta saliva no canto da boca quando fala, come de boca aberta, fala berrando, mente pros clientes, usa a mesma camisa horrorosa três dias seguidos no verão, passeia de toalha na cintura na frente de uma mulher comprometida com a qual ele não tem a menor intimidade, atrasa pagamentos, faz piadas idiotas, fuma sem pedir licença. Tudo ao mesmo tempo. Michele engasgou de tanto rir.

E assim acabou meu dia.

San Gimignano

Background histórico

San Gimignano fica no alto de uma colina (334 metros), a 56 km ao sul de Florença e a uma hora de Siena, dominando o vale do rio Elsa com suas torres. O nome da cidade vem do Bispo de Modena, San Gimignano, que, dizem, salvou a vila das hordas bárbaras. Já foi uma pequena vila etrusca (200 – 300 a.C.), mas sua vida como cidade propriamente dita começou mesmo no século XX, quando o Bispo de Volterra deu autorização para abrir um mercado semanal. A cidade enriqueceu e se desenvolveu bastante durante a Idade Média graças à via Francigena, uma rota de peregrinação e comércio que passava exatamente ali e ligava a principal estrada entre Roma e os Alpes e a estrada que ligava o coração da Toscana à república marítima de Pisa e à costa oeste do que hoje é a Itália. Sinais dessa prosperidade são as igrejas e monastérios ricamente adornados. No ano de 998 os habitantes começaram a construir os primeiros muros. A proteção oferecida pelos muros começou a atrair tanto camponeses quanto a nobreza feudal, e a cidade foi ficando mais importante, apesar das lutas de poder entre o Bispo de Volterra, que representava o poder da Igreja, contra a nobreza feudal e mais tarde contra o Conselho Municipal, que obviamente eram contra o bedelho da Igreja na política e na economia e apoiavam o Sacro Imperador Romano. Devido a lutas internas pelo poder, a cidade acabou dividindo-se em duas facções, uma liderada pela família Ardinghelli (Guelfos) e outra pela família Salvucci (Ghibellinos). No final das contas o Bispo levou a melhor. Em 1199 San Gimignano tornou-se um município livre, mas teve que jurar lealdade ao tal bispo, tendo que lugar contra os Bispos de Volterra e das cidades em torno. Dois anos depois, foi construído o segundo anel de muros. O tal bispo era um ótimo administrador, oferecendo incentivos a quem construia suas casas e lojas na parte de dentro da cidade murada. Claro que, quanto mais segura (leia-se murada) uma cidade, mais as pessoas se interessavam em ir viver e trabalhar lá, e os mercadores logo logo aproveitaram, também porque San Gimignano era o maior produtor italiano de açafrão, planta que cresce às margens do rio Elsa. Exportavam até para a Holanda.

Mas o século XIII não foi nada pacífico e San Gimignano mudou de mão algumas vezes (em 1250 os Florentinos destruíram as muralhas para que a cidade atraísse menos os Pisanos. Os Seneses as reconstruíram em 1261), mas isso não impediu a construção das torres das famílias patrícias, que controlavam a cidade. A construção das torres já havia começado desde o século XI. Um decreto dizia que ninguém tinha autorização para construir uma torre mais alta do que a torre do Comune, e por isso as famílias mais ricas decidiram partir pra quantidade, contruindo torres gêmeas. Já foram 72 as casas-torres, de até 50 metros de altura. Hoje são só 14. A arquitetura da cidade monstra influências misturadas dos estilos de Pisa, Siena e Florença, até porque uma lei determinava a altura e a largura máximas de casas e lojas, e pra se diferenciar dos vizinhos, já que as medidas eram as mesmas, o pessoal começou a botar a mão na massa em termos de criatividade.

Em maio de 1300 Dante Alighieri visitou San Gimignano como Embaixador da Liga Guelfa na Toscana (Dante era danado, adoro ele). Em 1348 rolou aquela peste negra braba na Europa e a população de S. Gimignano também foi reduzida drasticamente, em cerca 75% – sobraram umas 7000 pessoas, o mesmo número de habitantes de hoje. A cidade entrou em crise e em 1353 teve que se submeter à poderosa Florença.

Quando começou o salto econômico que transformou a Itália em uma das maiores potências econômicas mundiais, as estradas da Via Francigena que passavam por ali perderam importância para outras estradas que passavam por outros vales, e San Gimignano ficou, felizmente, isolada dos grandes centros industriais que pululavam ao longo das ferrovias, láaaaa embaixo. Hoje há gente tentando reviver os grandes tempos do açafrão, mas o produto mais famoso de S. Gimignano é a vernaccia, um vinho branco (que eu infelizmente não consegui provar) que dizem que é maravilhoso, e lendas contam que suas uvas foram introduzidas pelos etruscos. Pela sua importância histórica, foi o primeiro vinho italiano a ganhar o selo DOC (denominazione di origine controllata, um selo de qualidade).

24 de junho

Mirco saiu cedo, às 6:30. Eu fiquei meio lendo, meio dormindo, reacordando, até umas nove da manhã. Fui a pé até a cidade, que a gente mal tinha visto no primeiro dia, eu e as babás. Entrei pelo piazzale dei Martiri di Montemaggio, que está em obras. Ali fica a porta principal, a Porta San Giovanni, construída pelos seneses em 1261.

Segui pela Via San Giovanni, onde almoçamos no primeiro dia, passei pelo Arco dei Becci e fui cair na Piazza della Cisterna (a foto tá lá no segundo dia da viagem). Fiquei lá bundeando, depois fui dar uma olhada na fortaleza, que no verão vira teatro a céu aberto. A vista lá de cima é estupenda; as torres mais altas ficam ali pertinho, mas paga-se pra entrar.

Eu queria subir na Torre Grossa (grosso em italiano quer dizer grande, em todas as dimensões, e não só grosso em termos de espessura ou diâmetro) mas tive um ataque de pão-durismo e resolvi deixar pra outra vez. Pelo mesmo motivo não entrei no Duomo. Tem cabimento igreja cobrar pra entrar? Pode ter as obras de arte mais lindas do mundo, mas um templo é um templo, pombas! Fiquei tão irritada quando vi que tinha que pagar o ingresso que fui bater perna, entrar em lojas, visitar oficinas de artesanato, comprar cartão-postal.

Dali a pouco a mala do Leo ligou, dizendo que já tinha chegado. Fui encontrá-lo na porta principal, depois voltamos à Piazza della Cisterna, onde tava rolando o mercado semanal. Leo comprou galinha-d’angola (faraona) assada e pimentões grelhados pra levar pra casa, e fomos procurar um internet café. Fizemos o que tinha que fazer e ele foi embora. A essa altura já eram umas 3 da tarde e eu fui almoçar sorvete de maracujá na piazza del Duomo, embaixo de uns arcos, na sombra. Fiquei batendo papo com uns padovanos que estavam ali tomando sorvete, depois ataquei High Fidelity (Nick Hornby, uma das coisas mais legais que eu já li na minha vida) e de repente começou um burburinho ali na praça. Era dia de casamento e um noivo muito nervoso, DE GRAVATA IMPERDOAVELMENTE COR-DE-ROSA, passeava pra lá e pra cá, tirava fotos, era cumprimentado pelos amigos. Um casal recém-casado saiu da igreja; a noiva era uma morena bonita com um vestido super simples, o noivo também era bonitão. Até que chegou a noiva do cara da gravata rosa. Chegou num carro antigo, como vocês podem ver, e o vestido dela dava até medo de tão feio: meio saia, meio calça transparente, blusa transparente cheia de botões e com um colarinho imenso, uma coisa horrorosa. Como o cara também não era lá essas coisas, ficou tudo ótimo.

Uma menina pequenininha mas com cara de esperta, no colo do pai, ao meu lado, repetia “eu quero ver a noiva!”, enquanto a mãe explicava que aquela ali de branco era a noiva – claro que a garota não entendia, só repetia o que os outros diziam em torno dela. Achei tão engraçado que puxei papo. Quantos anos você tem? Ela estendeu três dedinhos e me disse, toda séria: mas a Ilaria tem 8. A mãe explicou que Ilaria era uma prima dela. A família era de Genova, muito simpática, e depois de tirar umas fotos dos noivos, foram embora continuar o tour.

Mais tarde o Leo ligou de novo, estava na cidade. A Mulher do Salame tinha pedido pra ele vir buscar as mil sacolas de compras, e eu fui com ele deixá-las na villa. Depois fomos levar os adultos a um restaurante no centro e ficamos esperando na pizzaria do Francesco. Levamos os Salames pra casa e fomos dormir.

San Gimignano

Background histórico

San Gimignano fica no alto de uma colina (334 metros), a 56 km ao sul de Florença e a uma hora de Siena, dominando o vale do rio Elsa com suas torres. O nome da cidade vem do Bispo de Modena, San Gimignano, que, dizem, salvou a vila das hordas bárbaras. Já foi uma pequena vila etrusca (200 – 300 a.C.), mas sua vida como cidade propriamente dita começou mesmo no século XX, quando o Bispo de Volterra deu autorização para abrir um mercado semanal. A cidade enriqueceu e se desenvolveu bastante durante a Idade Média graças à via Francigena, uma rota de peregrinação e comércio que passava exatamente ali e ligava a principal estrada entre Roma e os Alpes e a estrada que ligava o coração da Toscana à república marítima de Pisa e à costa oeste do que hoje é a Itália. Sinais dessa prosperidade são as igrejas e monastérios ricamente adornados. No ano de 998 os habitantes começaram a construir os primeiros muros. A proteção oferecida pelos muros começou a atrair tanto camponeses quanto a nobreza feudal, e a cidade foi ficando mais importante, apesar das lutas de poder entre o Bispo de Volterra, que representava o poder da Igreja, contra a nobreza feudal e mais tarde contra o Conselho Municipal, que obviamente eram contra o bedelho da Igreja na política e na economia e apoiavam o Sacro Imperador Romano. Devido a lutas internas pelo poder, a cidade acabou dividindo-se em duas facções, uma liderada pela família Ardinghelli (Guelfos) e outra pela família Salvucci (Ghibellinos). No final das contas o Bispo levou a melhor. Em 1199 San Gimignano tornou-se um município livre, mas teve que jurar lealdade ao tal bispo, tendo que lugar contra os Bispos de Volterra e das cidades em torno. Dois anos depois, foi construído o segundo anel de muros. O tal bispo era um ótimo administrador, oferecendo incentivos a quem construia suas casas e lojas na parte de dentro da cidade murada. Claro que, quanto mais segura (leia-se murada) uma cidade, mais as pessoas se interessavam em ir viver e trabalhar lá, e os mercadores logo logo aproveitaram, também porque San Gimignano era o maior produtor italiano de açafrão, planta que cresce às margens do rio Elsa. Exportavam até para a Holanda.

Mas o século XIII não foi nada pacífico e San Gimignano mudou de mão algumas vezes (em 1250 os Florentinos destruíram as muralhas para que a cidade atraísse menos os Pisanos. Os Seneses as reconstruíram em 1261), mas isso não impediu a construção das torres das famílias patrícias, que controlavam a cidade. A construção das torres já havia começado desde o século XI. Um decreto dizia que ninguém tinha autorização para construir uma torre mais alta do que a torre do Comune, e por isso as famílias mais ricas decidiram partir pra quantidade, contruindo torres gêmeas. Já foram 72 as casas-torres, de até 50 metros de altura. Hoje são só 14. A arquitetura da cidade monstra influências misturadas dos estilos de Pisa, Siena e Florença, até porque uma lei determinava a altura e a largura máximas de casas e lojas, e pra se diferenciar dos vizinhos, já que as medidas eram as mesmas, o pessoal começou a botar a mão na massa em termos de criatividade.

Em maio de 1300 Dante Alighieri visitou San Gimignano como Embaixador da Liga Guelfa na Toscana (Dante era danado, adoro ele). Em 1348 rolou aquela peste negra braba na Europa e a população de S. Gimignano também foi reduzida drasticamente, em cerca 75% – sobraram umas 7000 pessoas, o mesmo número de habitantes de hoje. A cidade entrou em crise e em 1353 teve que se submeter à poderosa Florença.

Quando começou o salto econômico que transformou a Itália em uma das maiores potências econômicas mundiais, as estradas da Via Francigena que passavam por ali perderam importância para outras estradas que passavam por outros vales, e San Gimignano ficou, felizmente, isolada dos grandes centros industriais que pululavam ao longo das ferrovias, láaaaa embaixo. Hoje há gente tentando reviver os grandes tempos do açafrão, mas o produto mais famoso de S. Gimignano é a vernaccia, um vinho branco (que eu infelizmente não consegui provar) que dizem que é maravilhoso, e lendas contam que suas uvas foram introduzidas pelos etruscos. Pela sua importância histórica, foi o primeiro vinho italiano a ganhar o selo DOC (denominazione di origine controllata, um selo de qualidade).

24 de junho

Mirco saiu cedo, às 6:30. Eu fiquei meio lendo, meio dormindo, reacordando, até umas nove da manhã. Fui a pé até a cidade, que a gente mal tinha visto no primeiro dia, eu e as babás. Entrei pelo piazzale dei Martiri di Montemaggio, que está em obras. Ali fica a porta principal, a Porta San Giovanni, construída pelos seneses em 1261.

Segui pela Via San Giovanni, onde almoçamos no primeiro dia, passei pelo Arco dei Becci e fui cair na Piazza della Cisterna (a foto tá lá no segundo dia da viagem). Fiquei lá bundeando, depois fui dar uma olhada na fortaleza, que no verão vira teatro a céu aberto. A vista lá de cima é estupenda; as torres mais altas ficam ali pertinho, mas paga-se pra entrar.

Eu queria subir na Torre Grossa (grosso em italiano quer dizer grande, em todas as dimensões, e não só grosso em termos de espessura ou diâmetro) mas tive um ataque de pão-durismo e resolvi deixar pra outra vez. Pelo mesmo motivo não entrei no Duomo. Tem cabimento igreja cobrar pra entrar? Pode ter as obras de arte mais lindas do mundo, mas um templo é um templo, pombas! Fiquei tão irritada quando vi que tinha que pagar o ingresso que fui bater perna, entrar em lojas, visitar oficinas de artesanato, comprar cartão-postal.

Dali a pouco a mala do Leo ligou, dizendo que já tinha chegado. Fui encontrá-lo na porta principal, depois voltamos à Piazza della Cisterna, onde tava rolando o mercado semanal. Leo comprou galinha-d’angola (faraona) assada e pimentões grelhados pra levar pra casa, e fomos procurar um internet café. Fizemos o que tinha que fazer e ele foi embora. A essa altura já eram umas 3 da tarde e eu fui almoçar sorvete de maracujá na piazza del Duomo, embaixo de uns arcos, na sombra. Fiquei batendo papo com uns padovanos que estavam ali tomando sorvete, depois ataquei High Fidelity (Nick Hornby, uma das coisas mais legais que eu já li na minha vida) e de repente começou um burburinho ali na praça. Era dia de casamento e um noivo muito nervoso, DE GRAVATA IMPERDOAVELMENTE COR-DE-ROSA, passeava pra lá e pra cá, tirava fotos, era cumprimentado pelos amigos. Um casal recém-casado saiu da igreja; a noiva era uma morena bonita com um vestido super simples, o noivo também era bonitão. Até que chegou a noiva do cara da gravata rosa. Chegou num carro antigo, como vocês podem ver, e o vestido dela dava até medo de tão feio: meio saia, meio calça transparente, blusa transparente cheia de botões e com um colarinho imenso, uma coisa horrorosa. Como o cara também não era lá essas coisas, ficou tudo ótimo.

Uma menina pequenininha mas com cara de esperta, no colo do pai, ao meu lado, repetia “eu quero ver a noiva!”, enquanto a mãe explicava que aquela ali de branco era a noiva – claro que a garota não entendia, só repetia o que os outros diziam em torno dela. Achei tão engraçado que puxei papo. Quantos anos você tem? Ela estendeu três dedinhos e me disse, toda séria: mas a Ilaria tem 8. A mãe explicou que Ilaria era uma prima dela. A família era de Genova, muito simpática, e depois de tirar umas fotos dos noivos, foram embora continuar o tour.

Mais tarde o Leo ligou de novo, estava na cidade. A Mulher do Salame tinha pedido pra ele vir buscar as mil sacolas de compras, e eu fui com ele deixá-las na villa. Depois fomos levar os adultos a um restaurante no centro e ficamos esperando na pizzaria do Francesco. Levamos os Salames pra casa e fomos dormir.