Florença

Todo mundo conhece Florença, então não vou ficar enchendo o saco de vocês com fatos históricos. Eu também conheço Florença, e adoro, mas o dia foi corrido e não deu tempo de rodar.

Basicamente Leo partiu cedo pra lá, pra comprar os ingressos pro Palazzo Ufizzi (onde fica a Vênus de Botticelli) senão os Salames teriam que pegar fila, e Salame milionário não pega fila, jamé. Michele veio me pegar de ônibus no pé da ladeira que leva a Racciano, onde fica a nossa casinha, e fomos pra villa. As crianças vieram reclamando de sono, que algum alarme disparou durante a noite e não deixou ninguém dormir. Liguei pro Massimo e ele garantiu que a casa não tinha NENHUM alarme. Falei pra ele ir lá do mesmo jeito dar uma olhada, aproveitar que o Salame ficou em casa com o Salaminho mais novo e perguntar de onde vinha o barulho. Mais tarde ficamos sabendo que não era, obviamente, alarme nenhum, mas um walkie-talkie da Salaminha mais velha que tinha ficado esquecido numa mochila, a bateria descarregou e por isso ficava apitando. Agora eu pergunto: onze pessoas numa casa, um apito que não deixa ninguém dormir e NINGUÉM teve a brilhante idéia de ir procurar e eliminar a fonte do barulho, em vez de sair reclamando de um alarme que ninguém viu, porque não existe?

Mas enfim. A viagem a Florença foi tranquila; pegamos um pouco de engarrafamento mas nada comparado à hora do rush em Roma ou Milão. Leo nos encontrou no checkpoint dos ônibus (em algumas cidades italianas agora é assim, os ônibus têm que pagar pra entrar, e custa caro pra cacete) e dali Michele nos deixou num ponto qualquer de um Lungarno, de onde fomos a pé até o centro. Já expliquei aqui mas reexplico: as avenidas que correm ao longo de um rio ganham o nome Lungo(nomedorio) + o nome da rua. Como em Roma, onde há várias avenidas chamadas Lungotevere Fulano de Tal, Lungotevere Cicrano da Silva. Em Florença são Lungarno, já que o rio que corta a cidade é o Arno, lindo.

Então. Botamos os Salames dentro do Uffizi e fomos procurar lugar pra estacionar. Como NCC é bom mas não é infalível, e Florença não é muito grande e por isso não tem muito lugar pra estacionar, Leo achou melhor ficar no carro enquanto eu ia almoçar. Comi num self-service horrível perto do Ponte Vecchio, uma porção minúscula de cappelletti industrializados com presunto e ervilhas, ao preço mata-turista de 7 euros! Um primo de qualidade, aqui na Umbria e mesmo na Toscana, fora dos grandes centros turísticos, não passa de 6,50, 7 euros, isso se tiver um tartufo ou cogumelo porcino no meio (são ingredientes caros). Fiquei passada, mas como não tava com fome e só comi pra não desmaiar na rua, não reclamei.

Terminado o passeio no museu, levamos os Salames pra almoçar na Buca dell’Orafo, restaurante tradicional sempre ali na zona de Ponte Vecchio. Eu fiquei esperando, sentada num murinho ali do lado, lendo Lullaby (que é ótimo, por sinal). Dali eles foram fazer compras na rua chique de Florença, onde ficam as lojas de griffes famosas. Eu e Leo ficamos rodando de carro, pra não perdê-los de vista, quando de repente toca o meu celular. Era a Giuseppina, a cozinheira, perguntando se os Salames realmente tinham cancelado o jantar de sexta-feira à noite (eles decidiram ir jantar fora pra não ter que arrumar nada na cozinha depois). Respondi que sim, e ela aproveitou pra perguntar se eu sabia o que ela tinha que fazer pra pegar a grana dela. Perguntei ao Leo, do meu lado, e ele disse que era pra ligar pro Massimo, que entraria em contato com a agência em Londres, já que nos não tínhamos nada a ver com a história. Dois minutos depois me ligam de Londres. Levei um susto, porque eles mal sabem que eu existo, o Leo não é bobo e jamais deu nenhum telefone ou email meu pra eles, e eu, eticamente, nunca entrei em contato também. O cara, muito simpático e falando italiano muito bem, perguntou o porquê do cancelamento, que tipo de gente era, se a Giuseppina podia falar desse assunto grana com eles e coisa e tal. Lógico que ele ligou pra mim e não pro Leo; se sou eu que falo Inglês e converso com eles, pra quem mais ele vai ligar? Leo desconfiou e perguntou quem era. Quando eu falei ele arrancou o telefone da minha mão, desconversou e desligou – e ai começou o escarcéu. Ficou puto porque:

1. Eu dei confiança pra Giuseppina, coisa que não deveria ter feito, segundo ele, porque ela não tem classe, tem cabelo no sovaco e um filho rastafari (mas pelo menos não come de boca aberta que nem você, nem tem tanta psoríase que o chão do carro fica coberto de pele morta, pensei). Dei tanta confiança (isso porque nos nos vimos só 2 vezes!) que ela teve o topete de dar meu número de celular pra terceiros! E daí, retruquei. O numero é meu, eu dou a quem quiser, ela não deu o meu número a um cafetão ou traficante de drogas ou chefe da máfia, simplesmente a uma agência que PEDIU o número porque precisava de informações que só eu sabia dar. Qual é o problema?

2. Eu reclamo quando ele enche o meu saco com aquelas famosas piadas idiotas. Mandei-o tomar no cu, com todas as letras, e comecei a berrar também. As pessoas na rua passaram a nos olhar, dois loucos se esgoelando dentro do carro.

3. Eu não fui profissional ao fazer amizade logo de cara com a Giuseppina. Respondi que realmente eu não sou profissional, já que esse é o primeiro trabalho desse tipo que eu faço, e ele sabia disso. E que eu faço amizade com quem eu quiser, não tenho culpa de ser simpática, extrovertida e maravilhosamente interessante.

4. Eu não tinha nada que me meter no assunto pagamento da cozinheira, porque não é da nossa alçada. Respondi que eu não me meti em assunto nenhum, e se ele era surdo e não me ouviu dizendo à Giuseppina pra ligar pro Massimo, coisa que ele mesmo mandou fazer, o problema era dele.

E foi aí que ele se traiu, soltando um “Mas agora a agência tem o seu telefone!” exasperado. Aaaaaaaaaaaaaahn, eu fiz, então é esse o problema, Catatau… Pois é, agora que eles têm meu telefone vou excrusive mandar meu currículo, que mal tem. Não tenho contrato de exclusividade nem com você nem com ninguém, tô cagando pro seu conceito de ética, encheu demais o meu saco, chega!

Felizmente avistamos os Salames, que tinham acabado as compras e queriam ir ao museu da Accademia ver o Davi. Lá pras sete eles saíram, entramos no ônibus e fomos embora. O meu estado de irritação era tão grande que eu não conseguia nem falar, só rosnava. Pra piorar, a mala do Leo tinha me ligado tantas mil vezes durante o dia, pra repetir as mesmas coisas e se certificar de que os dois boçais, eu e Michele, não tínhamos feito nenhuma cagada, que a bateria do celular acabou toda, mesmo tendo ficado toda a noite anterior carregando. O Mirco tava vindo jantar comigo em San Gimignano, mas, lemming como eu, já tinha dado mil voltas e não sabia como chegar – e não conseguia falar comigo porque o celular tava mortinho. Acabei botando o lanterneiro pra falar com o Michele no telefone dele, tadinho, e nos encontramos no restaurante Da Pode, no Hotel Sovestro (località Sovestro, 63 – San Gimignano. Tel. 0577.943089), onde os Salames já tinham jantado uma vez, e adorado o frango deles. Jantamos juntos, nós três (o Leo felizmente fugiu pra Todi outra vez), e botamos tudo na conta do Leo. Michele foi levar o povo embora e eu e Mirco fomos pra casa. Uma lebre e seu filhotinho atravessaram a estrada na nossa frente, na ladeira pra Racciano. Tirei foto, mas ficou escura. Sorry.

Volterra

Background histórico

A cidade de Volterra tem mais ou menos uns três mil anos de história. Há evidências de TODOS os periodos históricos desde os primeiros habitantes, o que confere à cidade um aspecto artistico único. A antiguidade dos muros, a imponente Porta dell’Arco Etrusco abaixo, a Necrópolis de Marmini e os inúmeros achados arqueológicos conservados no Museo Etrusco, como a famosa estatueta L’Ombra della Sera abaixo, as urnas funerárias e jóias finamente trabalhadas são testemunhas do período etrusco. O Teatro di Vallebona é do período de Augusto, o que sugere a importância de Volterra durante o domínio romano.

Hoje a cidade conserva sobretudo um aspecto medieval, não somente pelos muros do século XII mas também pela estrutura urbana, de ruas estreitas, palácios, casas-torre e igrejas. O Paolo, motorista do segundo ônibus (que vocês ainda não conhecem), é de Volterra e me contou um monte de coisas interessantes sobre a cidade. Basicamente morar numa casa-torre era demonstração de potência econômica e de status social. S. Gimignano chegou a ter 72 delas – hoje são 11, se não me engano. Volterra tinha bem menos torres, mas tinha. Hoje não sobrou nenhuma, porque quando foi conquistada por Pisa, que hoje é a província à qual pertence Volterra, suas torres foram literalmente capadas, prática comum na época. Quem ganha corta as torres de quem perde, que assim fica de mãos abanando em termos de status. Ele também falou que Volterra, originalmente Velathri (que nome lindo!!!), foi a mais importante cidade etrusca, dominando toda a área ao redor.

O Renascimento teve grande importância na cidade, mas não alterou seu caráter medieval. Desse período são a Fortezza Medicea (foto abaixo), que, acreditem, hoje é um presídio de segurança média, e o Convento di San Girolamo.

A cidade tem uma tradição longuíssima de artesanato em alabastro. As lojas e estúdios de alabastro são infinitos e alguns trabalhos são realmente lindíssimos. Os cacarecos pra turista ainda são relativamente poucos, ao contrário de Assis. Paolo falou que, ao contrário da terra de São Francisco, há uma lei contra quem pendura cacarecos fora das lojas, por isso a cidade parece muito mais organizada e limpinha, menos poluída visualmente. Eu comprei um potinho de alabastro branco com uma florzinha em bronze na tampa, pra Arianna, e um outro também com apliques em bronze pra minha tia Ilse, que adora esses trequinhos.

22 de junho

Em vez de me deixar em paz, lendo, Leo me fez ir com ele até o escritório do Massimo, em Larniano, ao lado da villa dos Salames, pra tentar achar o bendito microônibus. Eles estavam sem telefone, por isso Massimo nos levou a Poggibonsi, cidade maiorzinha, mais funcional e menos turística ali perto, onde fica o escritório central da empresa onde ele trabalha. O proprietário dessa villa di Larniano e de outras é um certo Senhor Niccolai, que de operário passou a dono de uma empresa de trailers – aqueles que neguinho usa pra viajar gastando pouco (pouco uma ova, porque um trailer custa MUITA grana). A empresa vende e aluga trailers – no caso do aluguel, os maiores clientes são prostitutas da área, que alugam por um dia (ou noite) pra ter um lugar pra levar os clientes. Homem esperto e de muita visão, seu Niccolai comprou, há séculos, antes do boom da Toscana, um monte de antigas ville a preços ridículos, reestruturou todas e hoje valem uma grana preta – e rendem mais ainda, visto que ele não é bobo e vender, não vende nada, só aluga pra turistas endinheirados. Então lá estamos nós no escritório em Poggibonsi ligando pra todos os transportadores, taxistas e alugadores de carro e ônibus da província. Levamos a manhã inteira nisso, e eu, entediada, abri meu diário e comecei a escrever. Lá vem a besta do Leo encher meu saco:

– O que que você tá escrevendo?
– Um diário.
– Você escreve um diário?
– Sim.
– Nossa, você é uma brasileira muito atípica.
– Por que, porque sei ler e escrever melhor que você? Leo, na boa, se você continuar enchendo o meu saco com essas idiotices eu vou me irritar seriamente. E você NÃO QUER ME VER IRRITADA SERIAMENTE. Nem eu quero me ver irritada seriamente. Pára de me torrar a paciência.

Começamos a discutir ali mesmo – aliás, ele berrava e eu nem tchum, continuava no meu diário. Ele tem essa mania idiota de fazer piadas bestas sobre o Brasil, país que, conforme fiz questão de lembrar-lhe várias vezes, ele não conhece. ODEIOOOOOO gente que brinca com coisas que não conhece nem de longe. No final das contas a briga acabou porque ligaram de uma companhia confirmando um ônibus de 29 lugares pra meio-dia e meia, hora em que a gente deveria ir pegar os Salames na villa. Eles queriam um ônibus maior do que o que foi pegá-los no aeroporto, que segundo eles pulava demais (engraçado que mesmo pulando eles dormiram a viagem toda…), então esse de 29 era perfeito. Lá fomos eu e Massimo inspecionar o tal ônibus, cujo proprietário se chama Renzo. Achamos que servia, apesar de não ser muito bonitinho, ser pintado em cores cafonas e não ser exatamente novo. Mas só tinha ele mesmo, então fomos à villa pegar a galera.

O motorista se chamava Michele e era um amor, um docinho. Pequenininho, dentes completamente acavalados, tímido, era só uma das crianças dar buongiorrrrrno, Michael! pra ele que ele ficava todo vermelho. Foi dirigindo devagarzinho, já sabendo que ali todo mundo tinha mania de enjoar e vomitar, até porque comem sem parar dentro do ônibus, e que o Salame não gosta de ônibus que pula. Nesse ritmo caramujo levamos séculos pra chegar a Volterra, mas eu gostei logo de cara. Desembarcamos a família na entrada da cidade e fomos almoçar, eu e a mala do Leo (o Michele tinha que ficar no ônibus, no estacionamento um pouco fora da cidade), num restaurante muito fofo chamado Web & Wine (Via Porta all’Arco, 11/13. Tel. 0588.81531). Leo comeu pizza mas eu não almocei, tava doida pra dar umas voltas pela cidade. Deixei o pentelho lá imprimindo e-mails no restaurante e fui dar os meus rolés.

Volterra é LINDA. É turística, sim, mas manteve a qualidade de vida. As lojas são foférrimas, super bem cuidadas, as vitrines de um incrível bom gosto, as embalagens dos produtos são lindas, as ruas são limpas, as pessoas são simpáticas. Um amor, um bijoux de cidade, fiquei louca! A piazza del Comune lembra muito a de Arezzo, mas é vários séculos mais antiga, como fez questão de frisar o Paolo. Eu não queria encontrar com os Salames na rua, pra não parecer que eu estava me divertindo às custas deles, por isso evitei o Museo Etrusco. Mas pretendo voltar a Volterra com calma e passar horas no museu e várias outras rodando pelas ruelas.

Encontrei, num beco, uma livraria chamada Lorien. Jacaré entrou? Eu também. Achei vários livros em língua original, coisas atuais, muitos livros da minha wishlist, muitas coisas fofas, e acabei comprando Lullaby, do Palahniuk, e outras coisas bubus, algumas das quais estão em processo de envelopamento e expedição pra Newlands, mas não contem pra ela não. Tirei várias fotos, a maioria escura e feia, comprei mil cartões-postais, fui aos correios expedir todos, comprei os potinhos de alabastro, voltei pra entrada da cidade e mais tarde a família chegou e fomos embora.

Largamos o povo na villa, onde eles iam jantar a comida da Giuseppina, e fomos de Alfa até a pizzaria do Francesco, ver o fatídico jogo Itália x Bulgaria. Quando estávamos estacionando ouvi a seguinte frase: “em francês também se diz assim…” e logo identifiquei a fonte. Eram cinco brasileiros sentados a uma mesa do lado de fora. Cinco engenheiros, na Itália a trabalho, todos de Santa Catarina e muito simpáticos. Ficamos horas batendo papo, e foi nessa que descobri que o Francesco falava português. Quando subi pro segundo andar, onde o Leo tinha sentado porque tinha telão, ele já tava no fim da pizza. O papo com os meninos tinha sido tão legal (talvez pra eles não, porque eu falei pra caramba, até ficar com sede) que a fome até voltou e comi uma lasanha básica. Depois do jogo fomos dormir que ninguém é de ferro.

Volterra

Background histórico

A cidade de Volterra tem mais ou menos uns três mil anos de história. Há evidências de TODOS os periodos históricos desde os primeiros habitantes, o que confere à cidade um aspecto artistico único. A antiguidade dos muros, a imponente Porta dell’Arco Etrusco abaixo, a Necrópolis de Marmini e os inúmeros achados arqueológicos conservados no Museo Etrusco, como a famosa estatueta L’Ombra della Sera abaixo, as urnas funerárias e jóias finamente trabalhadas são testemunhas do período etrusco. O Teatro di Vallebona é do período de Augusto, o que sugere a importância de Volterra durante o domínio romano.

Hoje a cidade conserva sobretudo um aspecto medieval, não somente pelos muros do século XII mas também pela estrutura urbana, de ruas estreitas, palácios, casas-torre e igrejas. O Paolo, motorista do segundo ônibus (que vocês ainda não conhecem), é de Volterra e me contou um monte de coisas interessantes sobre a cidade. Basicamente morar numa casa-torre era demonstração de potência econômica e de status social. S. Gimignano chegou a ter 72 delas – hoje são 11, se não me engano. Volterra tinha bem menos torres, mas tinha. Hoje não sobrou nenhuma, porque quando foi conquistada por Pisa, que hoje é a província à qual pertence Volterra, suas torres foram literalmente capadas, prática comum na época. Quem ganha corta as torres de quem perde, que assim fica de mãos abanando em termos de status. Ele também falou que Volterra, originalmente Velathri (que nome lindo!!!), foi a mais importante cidade etrusca, dominando toda a área ao redor.

O Renascimento teve grande importância na cidade, mas não alterou seu caráter medieval. Desse período são a Fortezza Medicea (foto abaixo), que, acreditem, hoje é um presídio de segurança média, e o Convento di San Girolamo.

A cidade tem uma tradição longuíssima de artesanato em alabastro. As lojas e estúdios de alabastro são infinitos e alguns trabalhos são realmente lindíssimos. Os cacarecos pra turista ainda são relativamente poucos, ao contrário de Assis. Paolo falou que, ao contrário da terra de São Francisco, há uma lei contra quem pendura cacarecos fora das lojas, por isso a cidade parece muito mais organizada e limpinha, menos poluída visualmente. Eu comprei um potinho de alabastro branco com uma florzinha em bronze na tampa, pra Arianna, e um outro também com apliques em bronze pra minha tia Ilse, que adora esses trequinhos.

22 de junho

Em vez de me deixar em paz, lendo, Leo me fez ir com ele até o escritório do Massimo, em Larniano, ao lado da villa dos Salames, pra tentar achar o bendito microônibus. Eles estavam sem telefone, por isso Massimo nos levou a Poggibonsi, cidade maiorzinha, mais funcional e menos turística ali perto, onde fica o escritório central da empresa onde ele trabalha. O proprietário dessa villa di Larniano e de outras é um certo Senhor Niccolai, que de operário passou a dono de uma empresa de trailers – aqueles que neguinho usa pra viajar gastando pouco (pouco uma ova, porque um trailer custa MUITA grana). A empresa vende e aluga trailers – no caso do aluguel, os maiores clientes são prostitutas da área, que alugam por um dia (ou noite) pra ter um lugar pra levar os clientes. Homem esperto e de muita visão, seu Niccolai comprou, há séculos, antes do boom da Toscana, um monte de antigas ville a preços ridículos, reestruturou todas e hoje valem uma grana preta – e rendem mais ainda, visto que ele não é bobo e vender, não vende nada, só aluga pra turistas endinheirados. Então lá estamos nós no escritório em Poggibonsi ligando pra todos os transportadores, taxistas e alugadores de carro e ônibus da província. Levamos a manhã inteira nisso, e eu, entediada, abri meu diário e comecei a escrever. Lá vem a besta do Leo encher meu saco:

– O que que você tá escrevendo?
– Um diário.
– Você escreve um diário?
– Sim.
– Nossa, você é uma brasileira muito atípica.
– Por que, porque sei ler e escrever melhor que você? Leo, na boa, se você continuar enchendo o meu saco com essas idiotices eu vou me irritar seriamente. E você NÃO QUER ME VER IRRITADA SERIAMENTE. Nem eu quero me ver irritada seriamente. Pára de me torrar a paciência.

Começamos a discutir ali mesmo – aliás, ele berrava e eu nem tchum, continuava no meu diário. Ele tem essa mania idiota de fazer piadas bestas sobre o Brasil, país que, conforme fiz questão de lembrar-lhe várias vezes, ele não conhece. ODEIOOOOOO gente que brinca com coisas que não conhece nem de longe. No final das contas a briga acabou porque ligaram de uma companhia confirmando um ônibus de 29 lugares pra meio-dia e meia, hora em que a gente deveria ir pegar os Salames na villa. Eles queriam um ônibus maior do que o que foi pegá-los no aeroporto, que segundo eles pulava demais (engraçado que mesmo pulando eles dormiram a viagem toda…), então esse de 29 era perfeito. Lá fomos eu e Massimo inspecionar o tal ônibus, cujo proprietário se chama Renzo. Achamos que servia, apesar de não ser muito bonitinho, ser pintado em cores cafonas e não ser exatamente novo. Mas só tinha ele mesmo, então fomos à villa pegar a galera.

O motorista se chamava Michele e era um amor, um docinho. Pequenininho, dentes completamente acavalados, tímido, era só uma das crianças dar buongiorrrrrno, Michael! pra ele que ele ficava todo vermelho. Foi dirigindo devagarzinho, já sabendo que ali todo mundo tinha mania de enjoar e vomitar, até porque comem sem parar dentro do ônibus, e que o Salame não gosta de ônibus que pula. Nesse ritmo caramujo levamos séculos pra chegar a Volterra, mas eu gostei logo de cara. Desembarcamos a família na entrada da cidade e fomos almoçar, eu e a mala do Leo (o Michele tinha que ficar no ônibus, no estacionamento um pouco fora da cidade), num restaurante muito fofo chamado Web & Wine (Via Porta all’Arco, 11/13. Tel. 0588.81531). Leo comeu pizza mas eu não almocei, tava doida pra dar umas voltas pela cidade. Deixei o pentelho lá imprimindo e-mails no restaurante e fui dar os meus rolés.

Volterra é LINDA. É turística, sim, mas manteve a qualidade de vida. As lojas são foférrimas, super bem cuidadas, as vitrines de um incrível bom gosto, as embalagens dos produtos são lindas, as ruas são limpas, as pessoas são simpáticas. Um amor, um bijoux de cidade, fiquei louca! A piazza del Comune lembra muito a de Arezzo, mas é vários séculos mais antiga, como fez questão de frisar o Paolo. Eu não queria encontrar com os Salames na rua, pra não parecer que eu estava me divertindo às custas deles, por isso evitei o Museo Etrusco. Mas pretendo voltar a Volterra com calma e passar horas no museu e várias outras rodando pelas ruelas.

Encontrei, num beco, uma livraria chamada Lorien. Jacaré entrou? Eu também. Achei vários livros em língua original, coisas atuais, muitos livros da minha wishlist, muitas coisas fofas, e acabei comprando Lullaby, do Palahniuk, e outras coisas bubus, algumas das quais estão em processo de envelopamento e expedição pra Newlands, mas não contem pra ela não. Tirei várias fotos, a maioria escura e feia, comprei mil cartões-postais, fui aos correios expedir todos, comprei os potinhos de alabastro, voltei pra entrada da cidade e mais tarde a família chegou e fomos embora.

Largamos o povo na villa, onde eles iam jantar a comida da Giuseppina, e fomos de Alfa até a pizzaria do Francesco, ver o fatídico jogo Itália x Bulgaria. Quando estávamos estacionando ouvi a seguinte frase: “em francês também se diz assim…” e logo identifiquei a fonte. Eram cinco brasileiros sentados a uma mesa do lado de fora. Cinco engenheiros, na Itália a trabalho, todos de Santa Catarina e muito simpáticos. Ficamos horas batendo papo, e foi nessa que descobri que o Francesco falava português. Quando subi pro segundo andar, onde o Leo tinha sentado porque tinha telão, ele já tava no fim da pizza. O papo com os meninos tinha sido tão legal (talvez pra eles não, porque eu falei pra caramba, até ficar com sede) que a fome até voltou e comi uma lasanha básica. Depois do jogo fomos dormir que ninguém é de ferro.

Siena

Background histórico

Os símbolos de Siena são a balzana (um escudo preto e branco) e a loba amamentando os gêmeos Rômulo e Remo – o mesmo símbolo de Roma. De acordo com uma antiga lenda, Siena teria sido fundada por dois filhos de Remo, Senius e Aschius, que, ao deixar Roma, levaram com eles uma estátua da loba, roubada de um templo de Apolo. Eles teriam se estabelecido nas colinas toscanas. Senius tinha um cavalo branco e Aschius um cavalo preto, o que explicaria a escolha das cores da cidade.

A área onde fica Siena provavelmente já era habitada desde a época etrusca (séculos VII – V a.C.), mas os romanos fundaram Siena como uma colônia militar (Sena Julia) nos tempos do imperador Otaviano Augusto (27 a.C. – 14 a.C). Durante o período de dominação romana, a cidade se desenvolveu muito pouco economicamente, porque estava longe das rotas de comunicação mais importantes, que eram a Via Aurelia a oeste, seguindo a costa do mar Tirreno, e a Via Cassia a leste, que atravessa o vale do Chiana e o vale do rio Arno. Mais tarde, lá pelo século IV d.C., a cidade começou a crescer, juntamente com o Cristianismo, que ali se desenvolveu, dizem, com S. Ansano.

Os Longobardos invadiram a Itália em 568 d.C. e trouxeram muita prosperidade à cidade, que alargou suas fronteiras, roubando Rapolano, Sinalunga e Asciano da rival Arezzo. Essas cidades até hoje pertencem à província de Siena. Além disso, as áreas em torno da Aurelia e da Cassia estavam se deteriorando, e com isso Siena se viu em uma situação importante, em meio a uma nova linha de comunicação: a via Francigena. No século VII, Carlos Magno derrotou os Longobardos e Siena passou a ser domínio francês. Foi nesse período que nasceu a nobreza senese, bem do coração de famílias longobardas e francesas.

Depois de alguns séculos de calmaria econômica, política e cultural, a cidade voltou a crescer, a partir do ano 1100. Lentamente Siena voltou a expandir seus limites e foi ali que começaram as primeiras brigas com Florença, cidade guelfa (anti-imperial, ou seja, a favor da mistura Igreja-Estado, enquanto que Siena era ghibellina, pró-imperial, ou seja, os papas não têm que meter o bedelho na política). A partir do século XIII a cidade se tornou um centro urbano propriamente dito. Nessa época nasceram os primeiros bancos (o Monte dei Paschi di Siena é o mais famoso, fundado mais tarde, em 1492, se não me engano, e que é uma das potências bancárias da Itália. A agência aqui de S. Maria é bem bonitinha.) e um grande hospital, Santa Maria della Scala, que existe até hoje. Infelizmente Florença acabou levando a melhor e Siena se rendeu ao seu domínio, mas a partir daí a cidade conheceu um longo período de paz, durante o qual nasceu a escola senese de arte. No século XIV a cidade entrou em decadência outra vez, em parte por causa da peste que tinha abalado a Europa em 1348, e nesse mesmo período a religião ganhava cada vez mais força. São dessa época personagens famosos como Santa Catarina de Siena e São Bernardino de Siena.

Durante o Renascimento Siena voltou ao seu esplendor, especialmente na vida cultural: a escola senese passou a integrar os novos estilos florentinos de pintura e escultura, e houve muitas novidades também na área da arquitetura. Lógico que depois desse período veio uma nova onda de decadência, de opressão por parte dos franceses e dos Habsburgos, e as guerras contra Florença não paravam, até que a cidade caiu nas mãos dos espanhóis (Felipe II), que em 1557 vendeu a cidade a Cosmo I da família Medici, um nobre florentino. E assim Siena passou a fazer parte do Grão-Ducado da Toscana, perdendo sua independência política mas mantendo a independência administrativa.

No século XII foram fundadas a Universidade de Siena e as academias de artes e ciências. Também foi nessa época que a tradição do Palio di Siena foi consolidada. As contrade (os bairros, digamos) passaram a ganhar importância e a rivalidade entre elas também foi crescendo, coisas que se observam claramente ainda hoje, na época do Palio e fora dela também.

E quando a Itália deixou de ser um amontoado de reinos, cidades-estado e outras coisas estranhas e passou a ser um Estado, Siena, obviamente, foi simplesmente incorporada e virou a província que hoje é.

21 de junho

Acordei cedo, como sempre, mas dessa vez quem me acordou foi o Leo, aos berros no telefone. Felizmente ele saiu de casa às 8:30 pra levar a Renault pra Florença e pegar o outro carro pro Salame. Novamente esperei que ele saísse pra finalmente ir tomar meu banho, comer meus grissini e continuar minha leitura. O dia estava lindo, mas soprava um vento frio sem parar. Deveríamos chegar à villa às 11 já com o novo carro pra acompanhar a família a Siena, mas Leo chegou depois das onze pra me buscar. Eu fui dirigindo o novo monovolume, um Fiat Ulysse, e ele foi com a Alfa. Botamos todo mundo nos carros, eu fui com Leo e todos os outros machos no Ulysse e a Morena Simpática foi com o resto da mulherada dirigindo o Ford. Tivemos que parar no caminho porque a Blonde Teenager, coitadinha, não aguentou as mil curvas da estrada e vomitou feio. Mas chegamos vivos a Siena.

Largamos a família sozinha, como sempre, e fomos estacionar na Piazza dell’Indipendenza, bem ao lado da famosa Piazza del Campo. E aqui cabe uma explicação teórica. O Leo é como se fosse um taxista de luxo, que entra na categoria NCC (noleggio con conducente, ou carro alugado com motorista), o que lhe dá acesso às áreas ZTL (zona traffico limitado), onde normalmente carros não podem passar. Só que a licença NCC se refere ao carro, e não ao motorista. Ou seja, quem tem autorização pra entrar em ZTL é a Alfa, e não o Leo dirigindo outros carros. Só fui entender isso mais tarde, porque deixamos os carros na praça e fomos a um internet café pra eu traduzir uns emails pra ele, e quando voltamos um policial tava lá todo feliz multando os dois monovolumes. Leo ficou puto da vida, dizendo que era muito azar porque ele conhecia todos os policiais de Siena e justo nesse dia que tinha clientes importantes e ele tinha se afastado um minuto dos carros, lá vem um policial que ele não conhece fazer multas que ele não merecia (aham). Rolou uma confusão danada porque ele não queria abrir os carros pra pegar os documentos, já que a autorização NCC tava no nome dele e nos documentos da Avis no porta-luvas dos carros estavam, obviamente, os nomes de membros da família Salame, que eram quem deveria dirigir, em vez do Leo. O policial queria porque queria ver os documentos, o Leo argumentando ridiculamente que não podia invadir a propriedade de outras pessoas, porque os carros estavam no nome dos clientes e não no seu, o policial perguntando então comé que ele tava com as chaves dos carros se não eram dele, acabaram chamando outros dois policiais da central, e no final o Leo ganhou duas multas, e escapou por pouco de levar uma terceira por desacato à autoridade. Achei Ó-TE-MO.

Ficamos o dia inteiro pastando na praça. Eu conheço Siena e não tava a fim de passear, preferi ficar por ali mesmo, lendo e me esquivando do Leo. Mais tarde o Salame ligou dizendo que eles queriam jantar em Siena mesmo, mas tinha que ser cedo, por causa das crianças. Pra achar um restaurante que abrisse às seis e meia da tarde pra fazer macarrão com manteiga e frango grelhado pra um bando de americanos foi um parto, do qual fiz questão de não participar, já antecipando que eu não receberia nem um obrigado, quanto mais uma graninha extra, por fazer gentilezas que não estavam no programa. Fiquei quietinha sentada no carro, protegida do vento frio, lendo meu livrinho e comendo uma focaccia de alecrim, que foi meu almoço às 4 da tarde (lembrem-se que a raiva é a única coisa que me tira a fome, e o Leo me irritou MUITO desde o primeiro minuto desse trabalho). Encontrado o bendito restaurante e encaminhados os Salames, Leo entrou no carro comigo e cismou de bater papo, contando, com seu hálito de esgoto, coisas sobre a sua vida pelas quais eu não tinha o mínimo interesse e não fiz nenhuma pergunta. Ele diz que trabalhou 18 anos em rádio e por isso fala berrando. Que delícia.

A parte mais deliciosa veio depois: a Morena Simpática tava cansada e não queria dirigir. Quem foi dar uma de motorista? Euzinha. Não me levem a mal, eu ADORO dirigir, mas se devo dirigir profissionalmente, ainda mais com a GIGANTESCA responsabilidade de ter gente desse calibre dentro do carro, quero ganhar mais por isso, e quero, principalmente, saber que haverá a possibilidade de ter que fazê-lo, antes do trabalho começar, em vez de ser pega de surpresa. Mas tudo bem, fora um caminhão-jamanta que quase nos matou na estrada porque não nos deu a preferência, que era nossa, não aconteceu nada de grave. Largamos o pessoal na villa e fomos jantar.

Comemos no único restaurante que achamos aberto em S. Gimignano: Il Trovatore (Via dei Fossi, 17. Tel. 0577.942240), muito bonitinho e simpático, com Tosca rolando no telão. Comemos pici (pronúncia pitchi. São iguais aos strangozzi umbros, que são spaghetti super grossos e de farinha de grão duro, ficam super al dente) alle briciole, ou seja, com tomates-cereja e farinha de rosca por cima (briciole quer dizer migalhas de pão). Durante o jantar ligamos (liguei) pros EUA pra falar com a assistente pessoal do Salame, porque o dinheiro que deveria ter chegado ao banco do Leo não dava sinais de vida, e ele precisava pagar a Avis. Também tinha o lance do microônibus, que às onze da noite, quando deixamos os Salames na villa, a Mulher do Salame cismou que queria pro dia seguinte, pra eles viajarem todos juntos. Precisávamos de autorização pra pagar por esse ônibus, que não estava no contrato inicial com o Leo. Os Salames não lidam com dinheiro, quem administra essas coisas é essa assistente pessoal do Salame, que nos implorou pra nem tocar no assunto grana com eles – é uma preocupação que eles não querem ter. No final ela deu carta branca pra usar o número de cartão de crédito deles pra comprar, alugar e obter qualquer coisa, absolutamente qualquer coisa, que eles desejassem. Então tá.

Exaustos, fomos pra casa dormir.

Siena

Background histórico

Os símbolos de Siena são a balzana (um escudo preto e branco) e a loba amamentando os gêmeos Rômulo e Remo – o mesmo símbolo de Roma. De acordo com uma antiga lenda, Siena teria sido fundada por dois filhos de Remo, Senius e Aschius, que, ao deixar Roma, levaram com eles uma estátua da loba, roubada de um templo de Apolo. Eles teriam se estabelecido nas colinas toscanas. Senius tinha um cavalo branco e Aschius um cavalo preto, o que explicaria a escolha das cores da cidade.

A área onde fica Siena provavelmente já era habitada desde a época etrusca (séculos VII – V a.C.), mas os romanos fundaram Siena como uma colônia militar (Sena Julia) nos tempos do imperador Otaviano Augusto (27 a.C. – 14 a.C). Durante o período de dominação romana, a cidade se desenvolveu muito pouco economicamente, porque estava longe das rotas de comunicação mais importantes, que eram a Via Aurelia a oeste, seguindo a costa do mar Tirreno, e a Via Cassia a leste, que atravessa o vale do Chiana e o vale do rio Arno. Mais tarde, lá pelo século IV d.C., a cidade começou a crescer, juntamente com o Cristianismo, que ali se desenvolveu, dizem, com S. Ansano.

Os Longobardos invadiram a Itália em 568 d.C. e trouxeram muita prosperidade à cidade, que alargou suas fronteiras, roubando Rapolano, Sinalunga e Asciano da rival Arezzo. Essas cidades até hoje pertencem à província de Siena. Além disso, as áreas em torno da Aurelia e da Cassia estavam se deteriorando, e com isso Siena se viu em uma situação importante, em meio a uma nova linha de comunicação: a via Francigena. No século VII, Carlos Magno derrotou os Longobardos e Siena passou a ser domínio francês. Foi nesse período que nasceu a nobreza senese, bem do coração de famílias longobardas e francesas.

Depois de alguns séculos de calmaria econômica, política e cultural, a cidade voltou a crescer, a partir do ano 1100. Lentamente Siena voltou a expandir seus limites e foi ali que começaram as primeiras brigas com Florença, cidade guelfa (anti-imperial, ou seja, a favor da mistura Igreja-Estado, enquanto que Siena era ghibellina, pró-imperial, ou seja, os papas não têm que meter o bedelho na política). A partir do século XIII a cidade se tornou um centro urbano propriamente dito. Nessa época nasceram os primeiros bancos (o Monte dei Paschi di Siena é o mais famoso, fundado mais tarde, em 1492, se não me engano, e que é uma das potências bancárias da Itália. A agência aqui de S. Maria é bem bonitinha.) e um grande hospital, Santa Maria della Scala, que existe até hoje. Infelizmente Florença acabou levando a melhor e Siena se rendeu ao seu domínio, mas a partir daí a cidade conheceu um longo período de paz, durante o qual nasceu a escola senese de arte. No século XIV a cidade entrou em decadência outra vez, em parte por causa da peste que tinha abalado a Europa em 1348, e nesse mesmo período a religião ganhava cada vez mais força. São dessa época personagens famosos como Santa Catarina de Siena e São Bernardino de Siena.

Durante o Renascimento Siena voltou ao seu esplendor, especialmente na vida cultural: a escola senese passou a integrar os novos estilos florentinos de pintura e escultura, e houve muitas novidades também na área da arquitetura. Lógico que depois desse período veio uma nova onda de decadência, de opressão por parte dos franceses e dos Habsburgos, e as guerras contra Florença não paravam, até que a cidade caiu nas mãos dos espanhóis (Felipe II), que em 1557 vendeu a cidade a Cosmo I da família Medici, um nobre florentino. E assim Siena passou a fazer parte do Grão-Ducado da Toscana, perdendo sua independência política mas mantendo a independência administrativa.

No século XII foram fundadas a Universidade de Siena e as academias de artes e ciências. Também foi nessa época que a tradição do Palio di Siena foi consolidada. As contrade (os bairros, digamos) passaram a ganhar importância e a rivalidade entre elas também foi crescendo, coisas que se observam claramente ainda hoje, na época do Palio e fora dela também.

E quando a Itália deixou de ser um amontoado de reinos, cidades-estado e outras coisas estranhas e passou a ser um Estado, Siena, obviamente, foi simplesmente incorporada e virou a província que hoje é.

21 de junho

Acordei cedo, como sempre, mas dessa vez quem me acordou foi o Leo, aos berros no telefone. Felizmente ele saiu de casa às 8:30 pra levar a Renault pra Florença e pegar o outro carro pro Salame. Novamente esperei que ele saísse pra finalmente ir tomar meu banho, comer meus grissini e continuar minha leitura. O dia estava lindo, mas soprava um vento frio sem parar. Deveríamos chegar à villa às 11 já com o novo carro pra acompanhar a família a Siena, mas Leo chegou depois das onze pra me buscar. Eu fui dirigindo o novo monovolume, um Fiat Ulysse, e ele foi com a Alfa. Botamos todo mundo nos carros, eu fui com Leo e todos os outros machos no Ulysse e a Morena Simpática foi com o resto da mulherada dirigindo o Ford. Tivemos que parar no caminho porque a Blonde Teenager, coitadinha, não aguentou as mil curvas da estrada e vomitou feio. Mas chegamos vivos a Siena.

Largamos a família sozinha, como sempre, e fomos estacionar na Piazza dell’Indipendenza, bem ao lado da famosa Piazza del Campo. E aqui cabe uma explicação teórica. O Leo é como se fosse um taxista de luxo, que entra na categoria NCC (noleggio con conducente, ou carro alugado com motorista), o que lhe dá acesso às áreas ZTL (zona traffico limitado), onde normalmente carros não podem passar. Só que a licença NCC se refere ao carro, e não ao motorista. Ou seja, quem tem autorização pra entrar em ZTL é a Alfa, e não o Leo dirigindo outros carros. Só fui entender isso mais tarde, porque deixamos os carros na praça e fomos a um internet café pra eu traduzir uns emails pra ele, e quando voltamos um policial tava lá todo feliz multando os dois monovolumes. Leo ficou puto da vida, dizendo que era muito azar porque ele conhecia todos os policiais de Siena e justo nesse dia que tinha clientes importantes e ele tinha se afastado um minuto dos carros, lá vem um policial que ele não conhece fazer multas que ele não merecia (aham). Rolou uma confusão danada porque ele não queria abrir os carros pra pegar os documentos, já que a autorização NCC tava no nome dele e nos documentos da Avis no porta-luvas dos carros estavam, obviamente, os nomes de membros da família Salame, que eram quem deveria dirigir, em vez do Leo. O policial queria porque queria ver os documentos, o Leo argumentando ridiculamente que não podia invadir a propriedade de outras pessoas, porque os carros estavam no nome dos clientes e não no seu, o policial perguntando então comé que ele tava com as chaves dos carros se não eram dele, acabaram chamando outros dois policiais da central, e no final o Leo ganhou duas multas, e escapou por pouco de levar uma terceira por desacato à autoridade. Achei Ó-TE-MO.

Ficamos o dia inteiro pastando na praça. Eu conheço Siena e não tava a fim de passear, preferi ficar por ali mesmo, lendo e me esquivando do Leo. Mais tarde o Salame ligou dizendo que eles queriam jantar em Siena mesmo, mas tinha que ser cedo, por causa das crianças. Pra achar um restaurante que abrisse às seis e meia da tarde pra fazer macarrão com manteiga e frango grelhado pra um bando de americanos foi um parto, do qual fiz questão de não participar, já antecipando que eu não receberia nem um obrigado, quanto mais uma graninha extra, por fazer gentilezas que não estavam no programa. Fiquei quietinha sentada no carro, protegida do vento frio, lendo meu livrinho e comendo uma focaccia de alecrim, que foi meu almoço às 4 da tarde (lembrem-se que a raiva é a única coisa que me tira a fome, e o Leo me irritou MUITO desde o primeiro minuto desse trabalho). Encontrado o bendito restaurante e encaminhados os Salames, Leo entrou no carro comigo e cismou de bater papo, contando, com seu hálito de esgoto, coisas sobre a sua vida pelas quais eu não tinha o mínimo interesse e não fiz nenhuma pergunta. Ele diz que trabalhou 18 anos em rádio e por isso fala berrando. Que delícia.

A parte mais deliciosa veio depois: a Morena Simpática tava cansada e não queria dirigir. Quem foi dar uma de motorista? Euzinha. Não me levem a mal, eu ADORO dirigir, mas se devo dirigir profissionalmente, ainda mais com a GIGANTESCA responsabilidade de ter gente desse calibre dentro do carro, quero ganhar mais por isso, e quero, principalmente, saber que haverá a possibilidade de ter que fazê-lo, antes do trabalho começar, em vez de ser pega de surpresa. Mas tudo bem, fora um caminhão-jamanta que quase nos matou na estrada porque não nos deu a preferência, que era nossa, não aconteceu nada de grave. Largamos o pessoal na villa e fomos jantar.

Comemos no único restaurante que achamos aberto em S. Gimignano: Il Trovatore (Via dei Fossi, 17. Tel. 0577.942240), muito bonitinho e simpático, com Tosca rolando no telão. Comemos pici (pronúncia pitchi. São iguais aos strangozzi umbros, que são spaghetti super grossos e de farinha de grão duro, ficam super al dente) alle briciole, ou seja, com tomates-cereja e farinha de rosca por cima (briciole quer dizer migalhas de pão). Durante o jantar ligamos (liguei) pros EUA pra falar com a assistente pessoal do Salame, porque o dinheiro que deveria ter chegado ao banco do Leo não dava sinais de vida, e ele precisava pagar a Avis. Também tinha o lance do microônibus, que às onze da noite, quando deixamos os Salames na villa, a Mulher do Salame cismou que queria pro dia seguinte, pra eles viajarem todos juntos. Precisávamos de autorização pra pagar por esse ônibus, que não estava no contrato inicial com o Leo. Os Salames não lidam com dinheiro, quem administra essas coisas é essa assistente pessoal do Salame, que nos implorou pra nem tocar no assunto grana com eles – é uma preocupação que eles não querem ter. No final ela deu carta branca pra usar o número de cartão de crédito deles pra comprar, alugar e obter qualquer coisa, absolutamente qualquer coisa, que eles desejassem. Então tá.

Exaustos, fomos pra casa dormir.

San Gimignano

(Vou falar mais da cidade e botar fotos mais à frente, nesse dia a gente não viu quase nada porque não deu tempo. E não reparem na qualidade péssima das fotos. Eu sou péssima fotógrafa, por isso prefiro comprar cartões-postais.)

Acordei cedo, como sempre, mas não ousei botar o nariz pra fora até o Leo sair de casa. Fiquei lá, deitadinha lendo meu livrinho, ouvindo todos os rumores corporais dele no banheiro, a torneira aberta por horas a fio, os passos pesados arrastando os chinelos, o pigarro, o assoar do nariz, os resmungos, o telefone que tocou e ele respondeu aos berros, os arrotos ocasionais, uma fineza só. Quando ouvi o estrondo da porta da frente batendo e o barulho do carro indo embora, levantei, fiz a cama e fui tomar banho, fingindo não notar o estado lamentável do banheiro – coisa de quem não tem nem bom senso, nem uma companheira em casa pra dizer Leo, VAI SECAR O CHÃO DO BANHEIRO, PORRA, nem respeito pela pessoa com a qual ele é forçado a dividir o banheiro nesse momento. Comi uns grissini di alecrim de café da manhã sentada na cama, olhando pela janela. O tempo estava esquisito, um vento super forte, nuvens que passavam correndo, escondendo e mostrando o sol. Tomei coragem e saí.

Eu tinha marcado com as babás de encontrá-las no hotel delas às onze. A família tinha nos dispensado; queriam ver a cidade sozinhos, sem babás, guias ou intérpretes. Fui a pé ao hotel, porque adoro caminhar, a paisagem é linda, é só uma colina de distância, e porque não tinha outro jeito mesmo, já que Leo saiu com o carro. Calculei mal o tempo e acabei chegando cedo demais. A recepcionista simpática me disse que elas tinham saído pra jantar na noite anterior e chegado muito tarde. Pronto, pensei, vou ficar esperando aqui até meio-dia e meia. Mas tadinhas, às onze e meia desceram, sorridentes, e fomos a pé até a cidade, que é linda.

Claro que fomos direto almoçar, que já era hora. Entramos no primeiro restaurante que vimos, Taverna Paradiso (de Raffaela Scialò; Via S. Giovanni, 6. Tel 0577.940302), bem no início da ladeira que leva à Piazza della Cisterna.

O restaurante era microscópico, e a proprietária estava usando um lindo vestido do Renascimento, cor de vinho, e penteado de época também. Pedimos bruschette e depois cavatelli (uma massa curta que parece um nhoque pequeno com um corte longitudinal) alla Medici, ou seja, com bacon, molho de tomate e nozes – uma delícia. As meninas comeram tiramisù de sobremesa, batemos papo com a proprietária e saímos. Fomos dar uma volta na praça: tavam passando os Cavalieri di Santa Fina, a outra santa padroeira da cidade. Os cavaleiros são esses coloridos e armados de lança, à esquerda na foto, mas mal dá pra ver, eu sei.

Tomamos sorvete de maracujá e chocolate na Piazza della Cisterna, demos uma voltinha rápida por alguns becos e voltamos pra pegar o carro na garagem do hotel, porque elas tinham que estar na villa às três da tarde, pra dar uma geral na casa e ver se a família precisava de alguma coisa.

Chegamos à villa, botamos roupas pra lavar, arrumamos umas telhas pra fazer peso no varal de chão, que senão o vento levava embora, e ficamos batendo papo sentadas nas espreguiçadeiras da piscina. Dali a pouco o Leo liga dizendo que o Salame tinha ligado pra ele reclamando de alguma coisa do carro, mas ele, obviamente, não tinha entendido o que era. Liguei pro Salame (ele, a mulher e cada uma das babás ganhou um celular novo especialmente pra essa viagem) e ele explicou que tinha uma luz esquisita acesa no painel e ele não sabia o que era, e que volta e meia alguma coisa apitava, mas ele também não sabia o que era, porque as mensagens no painel eram, obviamente, em italiano. Como o carro andava sem problemas, concordamos que eu ficaria na villa esperando por ele (como se eu pudesse sair dali, sem carro…) pra tentar descobrir o que era. Uma hora depois eles chegam: o problema era na Renault. Peguei o carro e fui até a cidade mas não piscou nem apitou nada. Voltei e encontrei Ruivona já pronta dentro da Astra, de saída pra um mercadinho pra comprar umas coisinhas pras crianças. Lá fomos nós de novo pra cidade, ao único alimentari aberto, comprar as tais coisinhas: iogurte, manteiga de amendoim (que, obviamente, não tinha), coca-cola, água mineral, brioches, Nutella, manteiga, papel laminado, pregadores, um papel higiênico mais macio do que o que tinha na villa, essas coisas. Levamos horas porque toda hora o Salame ligava pra Ruivona pra adicionar alguma coisa à lista. Finalmente voltamos à villa, e às 8 da noite Ilaria, simpática co-administradora da villa, fez a cortesia de levá-los pra jantar na cidade, já que o Leo tinha ido resolver a vida dele sei lá onde e eu, além de estar a pé, não sabia onde ficava o restaurante. Eu fui jantar com as meninas num outro hotel-restaurante perto do hotel delas. Fiz elas provarem a ribollita, aquela sopa de verduras e leguminosas com pão dentro, típica da Toscana e absolutamente deliciosa, comeram pão com provolone derretido, eu fui de spaghetti com crustáceos, a Ruivona encarou um filé mignon com berinjela, abobrinha, batata e pimentão na grelha, e a Filipinona foi de frango com aspargos. Voltamos todas à villa, onde o Leo tinha acabado de chegar, e dali eu fui dirigindo a Renault atrás dele com a Alfa, porque no final das contas o Salame queria porque queria mudar de carro e a companhia de aluguel fica em Florença, por isso a substituição teria que rolar na manhã seguinte, bem cedo. Leo queria comer; fomos a uma pizzaria, La Taverna del Granducato (Viale Roma, 6. Tel 0577.907049. Falar com o Francesco, que é casado com uma brasileira e fala Português muito bem), onde tive que suportar a companhia do Leo por mais de uma hora enquanto ele atacava umas carnes na brasa com salada. Chegando em casa, tomei um super banho e fui mimir.

Pequena introdução pra galera se situar + capitolo primo

Leo é uma mala sem alça. Ele aluga carros pra turistas americanos e ingleses, e na maioria das vezes vai buscá-los no aeroporto e os leva pro hotel ou pra villa alugada. Na verdade esse “transfer” é a sua especialidade. Não poderia ser de outro modo, já que ele não fala quase nada de Inglês e é completamente desprovido de classe, e por isso fica limitado a dirigir o carro mesmo. Eu fui chamada pra trabalhar como intérprete, quebra-galhos ocasional e boa companhia.

Ele trabalha, na maioria das vezes, com clientes de uma conceituada agência de aluguel de ville (lembrem-se que o plural em italiano não tem s), com sede em Londres. Esse grupo que acompanhamos na Toscana nesses 12 dias é composto de 13 pessoas, que fizeram contato com a agência de Londres através da agência de turismo deles nos EUA. Não posso dizer nem o nome da família nem o da cidade onde moram, porque é gente MUITO rica e conhecida. Digamos que a família se chama Xis. Essas 13 pessoas são: o Salame, filho do poderoso patriarca Mr. Xis (quando um homem é um bundão, em italiano, se diz que è un salame. Bundão como esse eu nunca vi, por isso o apelido), a Mulher do Salame, os Quatro Filhos dos Salames (digamos Salaminhos 1, 2, 3 e 4, em ordem cronológica), a melhor amiga da Mulher do Salame, que chamaremos de Morena Simpática, sua única filha, que chamaremos de Sardenta Sorridente, dois dos três filhos do seu segundo marido (ela ficou viúva quando estava grávida de 8 meses da Sardenta Sorridente, e anos depois casou com um viúvo com 3 filhos), que chamaremos de Moreninho e de Blonde Teenager, o melhor amigo do Salame, doravante chamado Super Stronzo, e as duas baby-sitters, que chamaremos de Ruivona e Filipinona (o motivo do aumentativo é puramente estético – a Ruivona é ENORME e a Filipinona, de origem obviamente filipina, é bem, bem gordinha). A família Xis tem tanto, mas tanto, mas tanto dinheiro que eu não consigo nem explicar. Mas vou dar exemplos ao longo dos posts e vocês vão entender o nível dessa gente.

A família Xis alugou uma villa em Larniano, uma colina pertencente a San Gimignano, província de Siena. Na Toscana quase tudo que é colina tem um nome, como se cada uma fosse um bairro, todos pertencentes à cidade principal. A villa di Larniano é simplesmente uma torre construída no ano 1000. Isso mesmo que vocês leram, ano 1000.


É bem grande, tem um monte de quartos, um monte de banheiros, máquina de lavar louça e máquina de lavar roupa, piscina imensa, quadra de tênis, cozinha confortável, salões e mais salões, TV com DVD player. As babás ficaram hospedadas num hotel 4 estrelas na entrada da cidade.

Os carros de aluguel eram 3: duas monovolumes (uma Renault Espace modernérrima, com cartão em vez de chave, e uma Ford cujo modelo esqueci) e uma Opel Astra pras babás.

Os Salames não trabalham, seus filhos não vão à escola mas são homeschooled (e as babás, ambas de formação pedagógica, ajudam, juntamente com os infinitos professores particulares). O Super Stronzo é arquiteto e antipático. A Morena Simpática é ex-bailarina e coreógrafa, elegante, linda, super sorridente. O velho Mr. Xis é um dos maiores acionistas de uma das mais importantes publicações dos EUA, e tem tantas, mas tantas empresas que um dia resolveu dar uma de presente ao melhor amigo de cada filho. O Super Stronzo se encarregou de falir a que ele ganhou.

Os Salames têm casa na Suíça, em um outro lugar dos EUA onde passam o verão inteiro, e em outros lugares que eu já esqueci. São muito religiosos e seriamente envolvidos com a sua igreja, que não sei qual é porque esse assunto realmente não me interessa.

Background completo, vamos ao relato propriamente dito…

Sábado, 19 de junho

Acordei super cedo e saí de casa antes das seis e meia. Fui até Todi encontrar o Leo e o microônibus. Logo de cara já me irritei: quando perguntei onde deveria sair da estrada, ele falou “pega a saída de Todi”. Só que Todi tem duas saídas, uma chamada Todi-Orvieto, que é meio lateral à cidade, e outra chamada Todi-San Damiano, que fica bem de frente pra Todi, e foi onde eu saí. Liguei pra ele pra avisar onde eu estava, e seguiu-se o seguinte diálogo:

Leo: Por que você saiu em San Damiano?
Leticia: Porque você é super esperto e sabe dar indicações muito bem, e mesmo sabendo que eu não conheço NADA de Todi nem se preocupou em dizer qual saída pegar. Super legal, adorei. Adoro me perder.

Tudo bem, ele veio me buscar, demos a volta toda de novo. Deixei o carro estacionado em frente a um centro commerciale, subi no microônibus, cujo motorista se chamava Massimo, e fomos pro aeroporto de Roma. Leo foi pegar outros clientes no centro de Todi, que teriam que ir ao aeroporto também – dois coelhos com uma porrada só.

Chegamos cedo demais. Fiquei uma hora batendo papo com o Massimo no ônibus, sem entender quase nada – ele é de uma cidadezinha minúscula perto do Lago Trasimeno e tem um sotaque horrível, além de ser super bronco, o que invariavelmente atrapalha a dicção. A hora da chegada do vôo dos Salames foi se aproximando, e eu fui ao portão de chegada esperar, com aquele cartazinho ridículo na mão, escrito Family Xis. Nunca imaginei que um dia fosse passar por uma situação dessas. Ao meu redor, amontoados num canto do portão de desembarque, mil outros Leos, cada um com seu cartazinho escrito à mão e com grafia errada, enchiam o saco dos passageiros que saíam perguntando que vôo era aquele que tinha acabado de aterrissar. O monitor avisava que o vôo dos Salames estava desembarcando, e nada do Leo chegar. Chegou, todo suado, praticamente junto com eles. Um bando de crianças louras e sorridentes, e TRILHÕESSSSSSSSSS de malas enormes, do tipo que cabem dois cadáveres dentro, confortavelmente instalados. Cumprimentos, apertos de mão, carregamos o ônibus de malas, todo mundo sobiu, Leo montou na sua Alfa preta, e lá fomos nós pra Todi, onde íamos parar pra almoçar.

A viagem a Todi é tranquila; alguns minutos de bate-papo desconfortável e formal intercalados com meias-horas de sono. Em Todi almoçamos no La Mulinella (Località Pontenaia – Todi (PG) – 075.8944779), os Salames numa mesa linda no jardim, embaixo de uma árvore, e eu com o Massimo, no ar condicionado dentro do restaurante. Comi tagliatelle com molho de ganso, super bem feito. Eles fazem um pão com nozes que é de comer chorando. As crianças Salame comeram macarrão com manteiga – sacrilégio, italiano odeia manteiga. A Mulher do Salame conseguiu convencer o garçom a trazer um cappuccino pra ela em plena hora do almoço, coisa incrível, já que normalmente os italianos são extremamente puristas quando se fala de comida, e quase sempre se recusam a cometer heresias alimentares, não interessa quem está pedindo. Mas ela lançou um sorriso de Mulher de Salame Milionário e o garçom trouxe o cappuccino, não sem revirar os olhos, claro.

Acabado o almoço, era hora de tocar pra San Gimignano. Leo me veio com a novidade: eu tinha que levar o carro das babás até a Toscana, coisa que não estava prevista nos nossos acordos iniciais. Esse carro já deveria estar em Larniano, com os outros dois, e em momento nenhum se falou em Leticia dirigindo. Mas, como não tinha outro jeito, lá fui eu dirigindo a Opel Astra – carrão, aliás, motor tinindo, ar condicionado super power.

A viagem foi um saco. As estradas depois da saída pra Siena estão em obras há anos e o tráfego corre em uma única fila em cada direção. Levamos séculos pra chegar a S. Gimignano, mas pelo menos a paisagem é bonita. E vi uma coisa insólita, num lugar insólito: um velho pastor de ovelhas, de cajado e tudo, sentado à sombra de uma árvore, enquanto os carneiros pastavam num pedaço de campo às margens da autostrada Roma-Firenze, uma das mais movimentadas do país. Eu tinha decorado o número do quilômetro, mas não anotei e agora esqueci. Mas a imagem incongruente ficou gravada na minha cabeça, e vai ser uma das últimas a sumir se um dia eu tiver Alzheimer.

Chegando à villa, as crianças foram direto trocar de roupa e pular na piscina. Na cozinha encontrei a Giuseppina, toscana de sovaco cabeludo que prepara refeições a domicílio pra turistas endinheirados, com a ajuda do filho rastafari Simone. O jantar daquele dia estava na grande mesa do terraço: como antipasto, bruschette de berinjela e de tomate e lindos barquinhos de massa recheados com creme de abobrinha e flor de abobrinha. De primo, spaghetti com molho de tomate fresco, e de secondo, asas e coxas de frango assadas. Vinho branco e água mineral. Claro que ninguém comeu nada, porque tinham se entupido de besteira no ônibus. Giuseppina ficou puta da vida, mas disfarçou bem. Nós ficamos resolvendo os últimos pepinos com o Massimo, administrador da villa – providenciando mais toalhas, aprendendo a mexer na máquina de lavar roupa, etc. Fomos até o hotel das babás (Relais Santa Chiara – Via Matteotti, 15 – S. Gimignano (SI) 0577.940701), que nos seguiram no Astra, e depois finalmente nos dirigimos a Racciano, uma outra colina ali perto onde eu e Leo ficamos hospedados numa outra casa do mesmo dono da Villa di Larniano. A casa era minúscula, dois quartos, um banheiro, uma sala/cozinha e um rustico embaixo, com lareira e uma mini-cozinha. A minusculidade da casa foi um IMENSO motivo de irritação: não tenho a MENORRRRRRRRR intimidade com o Leo e dividir aquela casa microscópica, e, pior, dividir banheiro com ele, foi uma das piores experiências da minha vida. Mas enfim.

O bom da casa é a vista: Racciano fica numa posição exatamente oposta à colina onde fica S. Gimignano, por isso da janela da cozinha dava pra ver as torres da cidade:


Leo saiu pra comer pizza. Eu fiquei em casa lendo A Brief History of Time e acabei adormecendo, mas acordei com ele chegando em casa. Ele mora sozinho há anos e, sem ter ninguém que dê uns toques de vez em quando, foi ficando incrivelmente barulhento, fala e resmunga sozinho, fala alto, deixa a torneira aberta enquanto vai beber água na cozinha, um PORREEEEEEEEEE. Também não toma banho todo dia e não vi nem sombra de escova de dentes.

Holanda

sexta-feira, 5 março

Saímos de casa às quinze pras dez da manhã. O vôo saía às 13:45 do aeroporto de Pisa, mas é bem longinho daqui, por isso tanta antecipação. Mesmo assim chegamos na lata, mal deu tempo de comer alguma coisa antes de embarcar. Na nossa frente, na fila do embarque, uma bicha velha beijava seu companheiro, que ficou em Pisa. Tava tão ocupado se agarrando que simplesmente tinha se esquecido de fazer o check-in, e queria embarcar só com o numero da reserva eletrônica! Levou um esporro da mulherzinha que fica dando instruções ao pessoal tapado da fila.

Viajamos com a BasiqAir, companhia low-fare holandesa. A bicha velha sentou no corredor, na fila à minha esquerda. Na fila à frente dele, duas holandesas e um bebê que chorou muito no início do vôo. As duas conversaram o vôo todo e davam tanta risada que todo mundo já tava rindo junto com elas. De repente, um cheiro de cocô no avião – a mãe do bebê resolveu trocar a fralda do garoto ali no banco, um fedor pavoroso, e a amiga só rindo, rindo, gargalhando. Dei muita risada também :) Na fila à frente delas, um casal de velhos holandeses e uma mulher-macho holandesa. Essa foi uma das últimas a embarcar, e, não achando mais lugar nos bagageiros próximos a onde ela estava sentada, acabou botando sua bagagem de mão no bagageiro bem em cima de mim. Ela veio pegar uma sacola de sanduíche e quando voltou pro seu lugar acho que pisou no pé do velho, que deu um grito de dor tão alto que todo mundo no avião parou pra ver o que ela. Começou então uma discussão estranhíssima em holandês, a coitada da mulher pedindo mil desculpas e tudo mais. Durou uns 2 minutos. Depois começaram a conversar amigavelmente e logo logo já estavam rindo do incidente. A senhora holandesa sentada do lado do Mirco, na janela, tinha comprado uma máquina de café espresso tão grande que não conseguia botar em lugar nenhum. Ajudamos a coitada a espremer o caixote no bagageiro cinco fileiras atrás, e ela ficou só sorrisos a viagem toda. Gosto desses holandeses; são simpáticos.

Rob, o namorado da Stefania, estava nos esperando no aeroporto de Schiphol. Stefania estava vindo de trem de Rotterdam e estava ligeiramente atrasada, como sempre. Demos umas voltinhas, cumprimentamos três afghan hounds que estavam com os donos esperando o filho deles que chegava de viagem, e fomos pegar o carro. Eram quatro da tarde, e decidimos aproveitar o resto da tardinha pra visitar Amsterdam correndo, já que estávamos lá mesmo.

Olha… AMEI. AMEEEEEEEEEEEI. A cidade é DIVINA. A arquitetura é uma coisa de louco: as casas são longas e estreitas e com amplas janelas tanto na frente quanto atrás, o tijolinho é o material mais usado, de todas as cores, formatos e combinações possíveis. Praticamente não existem persianas e são raras as cortinas: o máximo de privacidade é uma faixa de vidro opaco no meio da janela, ou tipo um quadro de vitrais coloridos apoiado na vidraça ou suspenso do teto através de correntinhas. De qualquer forma, dá sempre pra ver a janela do fundo da casa, que invariavelmente dá pra um jardinzinho fofo. Todo mundo bota alguma coisa bonita na janela: na maioria dos casos belíssimos vasos de flores, mas também vi gatos (de verdade e não), réplicas de veleiros, esculturas. A impressão que dá é que o pessoal bota essas coisas bonitas pra adoçar os olhos de quem passa na rua. O engraçado é que, apesar as janelas dando diretamente pra rua, e assim tão expostas, tão amplas, tão nuas, em momento nenhum tive uma impressão de invasão. As pessoas passam e olham porque é bonito, mas não ficam tentando ver lá dentro, fuxicando. Por outro lado, quem está do lado de dentro não tá nem aí: trabalham em seus computadores, tomam chá, brincam com os gatos, sem dar a menor bola pra quem está passando e olhando.

As casas ao longo dos canais são ligeiramente inclinadas pra frente, e têm um negócio perpendicular à parede, lá no alto, onde são instaladas roldanas quando há necessidade de levar móveis pra dentro ou pra fora de casa. Toda essa maluquice tem uma explicação, não menos maluca: como as escadas internas das casas são incrivelmente apertadas, perpendiculares e com degraus estreitos, não há mesinha de cabeceira no mundo que consiga passar por elas, quanto mais um sofá! Por isso as mudanças são feitas pelo lado de fora.

As ruas são limpíssimas e as bicicletas passam pra lá e pra cá sem incomodar ninguém. A quantidade de imigrantes é impressionante: segundo o Rob, são quase 40% da população da cidade. Há restaurantes e lojas especializadas de tudo que é nacionalidade: dos onipresentes turcos aos do Suriname. O cheiro de comida no ar muda a cada dez metros, dependendo do tipo de restaurante em frente ao qual você está passando.

Essa é o buraco pra correspondência na porta de uma casa em Rotterdam: o dono da casa colou um adesivo que explica o tipo de publicidade que ele quer ou não receber. Ja (sim) pra vendedores porta-a-porta, e nee (não) pra panfletos em geral. Muitas casas têm adesivos nee pras duas coisas. É sempre o mesmo adesivo; deve ser comprado em papelaria. Achei bem legal. Aqui na Itália muita gente cola um bilhetinho na caixa de correspondência de casa, dizendo que panfletos não são bem-vindos. Não é necessário dizer que tais bilhetinhos são solenemente ignorados pelos distribuidores de panfletos.

Passamos pelo bairro da luz vermelha. Casas de show pornô mostram muito, digamos, graficamente, em grandes fotografias, o tipo de espetáculo que oferecem. As prostitutas nas vitrines em neon vermelho falam no celular pra se distrair enquanto se exibem de sutiã e calcinha. A maior parte delas, previsivelmente, é imigrante, feia e gorda.

A noite vai caindo e os interiores das casas vão se iluminando. A cidade fica transparente: pelas grandes janelas vê-se perfeitamente tudo que está lá dentro. Muito estranho, muito bonito, muito tranqüilo.

Infelizmente não deu pra ver nada direito. O Rob é altíssimo e pernilongo e anda muito rápido (e olha que eu também ando quase correndo, mas não dá pra competir com aquelas pernas enormes). Além disso já estava escuro e chovendo, e as lojas fecham cedo, no final das contas não entramos em lugar nenhum, só demos umas (mil) voltas a pé mesmo. Mas valeu cada bolha no pé. Quero voltar com mais calma, na primavera ou no verão.

Pegamos a estrada e fomos pra Rotterdam, onde o Rob mora. Deixamos as malas em casa e fomos jantar no restaurante de um amigo dele. Veio outro casal de amigos, a Petra, filha de mãe tailandesa e pai também oriental, e René, muito simpático. A comida não era lá essas coisas, mas fazer o quê… Acho que estou ficando chata que nem os italianos. Tudo o que eu experimento de novidade eu acho uma porcaria e não trocaria por um bom prato de massa nem por todo o dinheiro do mundo. Mirco pediu risoto de legumes e uma carne, mas o cozinheiro achou estranho pedir as duas coisas (aqui na Itália seriam dois pratos separados, um primo e um secondo), achou que era comida demais e resolveu, por contra própria, juntar tudo no mesmo prato, em porções reduzidas. Engraçado foi que eu também fiquei indignada ;) A gente se acostuma a tudo nessa vida.

Estávamos cansados e morrendo de sono, então voltamos logo pra casa. O Rob é meio alternativo, e a casa dele é cheia de coisas esquisitas, o telefone fica no chão, o colchão idem, há quadros estranhos nas paredes. Mas ao mesmo tempo é muito legal. Stefania espalhou suas ervinhas aromáticas pela casa toda. E obviamente não faltam os vasos nas janelas.

bado, 6 de março

Eu e Mirco acordamos cedo e com fome. Lá fora nevava sem parar, mas mesmo assim volta e meia passava um maluco de bicicleta embaixo da janela.

Ficamos batendo papo esperando alguém se levantar, mas tanto o Rob quanto a Stefania são meio lentos pra acordar, então descemos e fomos tomar café. Quando estávamos terminando a Stefania desceu, juntou-se a nós, trocou de roupa e fomos dar um passeio a pé, pra aproveitar que a neve tinha parado de cair (o tempo é muito louco por aquelas bandas, cruzes). Fomos ao supermercado, onde compramos várias coisas que nem sei o que são mas tinham embalagens lindas, e à farmácia. Quando voltamos o Rob já estava de pé e pronto pra sair. Pegamos o carro e fomos até a área portuária de Rotterdam. Vimos as casas-cubo, horripilantes – mas até nelas neguinho bota flor na janela, não tem jeito.

Paramos num barzinho pro Mirco comer alguma coisa, que já era tarde, e depois fomos até a central do Spido, um barcão que faz um tour do porto. Achei muito pouco turístico porque porto é porto, pombas, é um saco de ver, mas até que deram algumas informações importantes: vimos um galpão-frigorífero IMENSO onde armazenam suco de laranja, quase todo vindo do Brasil; fiquei sabendo que o porto de Rotterdam é o maior do mundo em volume de carga e descarga de petróleo; e fiquei boba com o nível de automatização da coisa. Fiquei com a impressão de que nós no Brasil estamos anos-luz atrás.

Voltamos pro centro e fomos pra um barzinho enorme, de pé direito altíssimo, super descolado e cool, chamado Dudok. Comemos uns belisquetes, alguns super picantes mas deliciosos, uns croquetes de carne típicos da Holanda, e pedaços de um queijo típico holandês que gruda no céu da boca. Àquela altura do campeonato já eram seis e meia, e não nos restava nada além de voltar pra casa e nos preparar pro jantar duas horas depois, num restaurante de comida da Indonésia que o Rob tinha reservado.

O tal restaurante é o seguinte… Achei a comida uma merda, mas já falei que estou virando xenófoba alimentar feito os italianos, então não levem muito em conta a minha opinião. Nós pedimos uma coisa chamada rijsttafel, palavra holandesa (não me perguntem a pronúncia, que língua miserável esse holandês! É bonito de ler, cheio de duplas vogais esquisitas, mas falada é pior que alemão, vou te dizer) que significa mesa de arroz. Em teoria seria uma combinação de vários tipos de arroz, mas é uma combinação de vários pratos da culinária da Indonésia. Claro que ninguém come assim na Indonésia, mas a coisa foi pegando e acabou virando um clássico em todos os restaurantes desse tipo na Holanda. A rijsttafel é mais um exemplo de bobeira adaptativa, como o biscoito chinês da sorte que não é chinês coisa nenhuma mas uma invenção americana que acabou colando.

A comida é TODA picante. Não havia NADA de não-picante em toda a mesa – e olha que eram 22 pratos. Muitas coisas agridoces, combinações bizarras (que tal côco frito com vagem?), um molho de amendoim que é uma das coisas mais horríveis que eu já experimentei na vida. Acabou que comemos pouquíssimo; eu e Mirco porque não gostamos de nada e Stefania porque é vegetariana. Rob mandou ver. A conta veio tão picante quanto os pratos. Fomos dormir sonhando com um prato de pasta al pomodoro e basilico, tão simples e tão maravilhoso.

domingo, 7 de março

Chovia muito, MUITO, quando acordamos. Eu acordei cedo com as crianças do vizinho de cima, que marcham pra lá e pra cá pela casa o dia todo. Tomamos banho e descemos pra tomar café. Começamos a ver Como Água para Chocolate em DVD enquanto o Rob não descia (que filme bobo!) e acabamos saindo sem ver o final. Fomos procurar moinhos e acabamos indo parar em Kinderkijk, não muito longe de Rotterdam. A paisagem é de tirar o fôlego, e ainda demos sorte que o sol deu uma saidinha e cheguei até a tirar as luvas e o cachecol em alguns momentos. Claro que sem vento os moinhos não giram, mas considerando o clima, foi melhor assim. Se estivesse ventando eu não teria saído do carro nem por um milhão de moinhos cravejados de diamantes.

Pois é, então, os moinhos. São lindos, lindos, lindos. Há moinhos velhos e novos, todos limpos, pintadinhos, habitados, com jardinzinhos atrás, com patinhos nos canais. Originalmente eram usados pra bombear a água, eterna inimiga dos Países Baixos, de volta pros rios, tornando assim habitáveis, cultiváveis ou pastáveis terras que de outro modo estariam sempre submersas. Alguns moinhos são abertos ao público na primavera. Mais uma razão pra voltar…

Passamos na casa do Fred, irmão do Rob. Ele é decorador e tem um jardim japonês muito maneiro. Digo maneiro e não bonito porque eu detesto a estética oriental. Mas o cara caprichou nos bonsais e nas carpas, e o efeito ficou bárbaro. Dentro de casa, a coleção de peças de arte em vidro do cara, toda exposta com lampadinhas embaixo! A casa parece um museu! E cada peça de vidro que dava até medo, de tão feia. Alguns belos vasos de Murano, mas a maioria uma droga contemporânea que eu não botaria na minha casa nem se me pagassem. Nenhum grão de poeira em lugar nenhum da casa. A mulher, SUPER simpática apesar da pesadíssima maquiagem, veio nos receber com uma calça de couro justa (veja bem, esse casal tem uns 45 anos), botas de salto alto e uma malha preta com bordados brancos na frente. Eles estavam esperando uns amigos pra irem juntos a uma mostra de peças em vidro. Quando chegam os tais amigos, surprise! A mulher com a mesma malha da dona da casa, calça de couro e bota de salto! Demos muita risada, porque a coisa não foi combinada, nem elas sabiam que a outra tinha uma malha igual! Ficamos lá ainda enrolando um pouco, morrendo de medo de respirar mais forte e fazer cair alguma preciosa e horripilante escultura de vidro, e fomos embora.

Fomos procurar um lugar pra comer antes de ir pra Bruxelas, de onde saía o nosso vôo pela Ryan Air. Acabamos indo parar em Dordrecht, clássica cidadezinha holandesa com as clássicas casinhas de tijolinho e os clássicos vasos de flores nas janelas. O único lugar aberto era tipo um diner. A dona falou que nos tínhamos que comer correndo e ir embora, porque o lugar estava reservado pra um aniversário a partir das duas e meia. Tudo bem, só que a comida não chegava nunca! Os donos da festa todos emperequitados, correndo pra lá e pra cá botando as mesas, ajeitando enfeites, espalhando bandejas com salgadinhos, e nos bem no meio do salão, esperando nossos croquetes com batata frita. Depois de horas a comida chegou, e saímos correndo assim que terminamos.

Dormi no carro no caminho pra Bruxelas, mas do pouco que vi da estrada o estilo arquitetônico muda muito pouco entre um país e outro. O aeroporto de Charleroi é microscópico e estava cheio de gente esquisita. Muitos mochileiros americanos, que hoje podem perfeitamente rodar a Europa com as companhias aéreas low-fare, em vez de usar o trem.

O avião era novinho, a tripulação simpática, e o único lugar vazio era a poltrona do meu lado. Consegui me esticar e tirar uma sonequinha que depois veio a ser providencial, porque levamos séculos pra chegar em casa. Toda vez que voltamos da Toscana erramos a saída de Firenze que temos que pegar, e dessa vez não foi diferente. Demos uma volta danada. Ainda por cima teve um acidente muito grave bem antes da nossa saída pro anel rodoviário de Bettolle-Perugia, e ficamos parados 40 minutos ouvindo música e sem saber o que estava acontecendo. Chegamos em casa quase meia-noite, fizemos um risoto Knorr e fomos dormir.

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Engraçado como o conceito de casa é relativo, subjetivo, mutável, diáfano, instável, momentâneo, provisório. Só sossego quando começo a ver as placas de lugares conhecidos: Foligno, Gubbio, Assisi, Terni. Quando saio da Toscana e entro na Umbria já me sinto em casa; vou observando a já familiar paisagem do Lago Trasimeno, as saídas pras belas cidades em torno ao lago, primeiro Tuoro, depois Magione, Passignano, e logo depois já estamos em Corciano. À esquerda vejo a gigantesca concessionária Fratelli Montagna, que enriqueceram vendendo Ford, Mazda e Jaguar; depois a concessionária Ferrari e Maserati, ao lado da Casa del Lampadario e da fábrica de brinquedos; à direita o Warner Village, os cinemas do centro commerciale Gherlinda. Começam as saídas pra Perugia: Ferro di Cavallo, Madonna Alta, San Faustino, Prepo, Piscille, todas conhecidas, amigas, familiares. Entre uma saída e outra, entre um túnel e outro, vemos as torres e as luzes de Perugia nas colinas. Depois vem a saída pra feia Ponte San Giovanni, que também leva a Torgiano, formando um trevo perigoso perto da concessionária Mercedes-Smart e da loja de eletrodomésticos. Continuamos na direção de Assis, e passamos à direita do centro commerciale Collestrada, onde fica o Ipercoop, hipermercado onde adoramos fazer compras. Continuamos na pista da direita, ignoramos a saída pra Ospedalicchio e pro mini-aeroporto de Santo Egidio (perto de Ripa, onde a FeRnanda vai morar), oba, tamos chegando, à esquerda a Scai, revendedora de tratores, à direita mais à frente a Scarpe & Scarpe (Sapatos & Sapatos), a loja com o letreiro mais horrendo do mundo, depois a Divani & Divani (Sofás & Sofás), a Conbipel, loja de roupas onde trabalha a dona do nosso apartamento, a Metro, um supermercado tipo Makro. Pegamos a saída Bastia Umbra Nord, giramos à esquerda pra pegar a Via Cipresso, cujas transversais todas têm nomes de capitais européias: Vienna, Londra, Mosca (Moscou), e a nossa, que fica em frente à via Lisbona, onde aliás mora o Fabrizio o Louco. Chegamos em casa.

Home is where the heart is. Mesmo.

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Quanto mais eu giro por aqui, quanto mais coisas bonitas e civilizadas eu vejo, mais eu me convenço de que o Brasil é uma merda. É uma merda enorme, fedorenta, petrificada no tempo e no espaço. É uma merda porque poderia ser, de verdade, o melhor país do mundo pra se viver, uma potência mundial que os outros países não teriam nem vontade de invejar porque somos legais, alegres, criativos, comemos bem, falamos uma língua linda. Mas não é, e esse desperdício é incrivelmente irritante.. O Brasil é um país de merda, que suga e inutiliza todos os esforços dos pouquíssimos felizardos que tiveram a imensa sorte de ter recebido, além de uma boa educação formal, uma boa educação em casa, e querem mudar as coisas. A gente nada, nada, nada e morre na praia, exausto, sfinito. O resto, a massa, acha tudo ótimo. Todo mundo fala que uma coisa legal no Brasil é que o brasileiro ri sempre, mesmo estando na merda. Não acho isso nada legal, muito pelo contrário. Um pouco de revolta nos faria muito bem. Mas somos preguiçosos, acomodados, pacíficos demais, índios demais. Basta uma bunda rebolativa pra esquecer os sapos que engolimos todo dia, toda hora, o tempo todo. O Brasil é uma sanguessuga. Uma sanguessuga muito da desgraçada, porque a gente sente saudade dela quando está longe.

Mas eu acho que o Brasil não tem jeito. O prognóstico de um país cujo povo acha super normal jogar lixo na rua é sombrio, muito sombrio.

Srbija

Há muito tempo eu vejo rituais com olhos distantes, antropológicos. Vejo velhas tradições com um interesse curioso, e não sem uma certa compaixão. Entendo a necessidade de marcar a importância de certas coisas com rituais, festinhas, símbolos, palavras especiais. Mas não consigo fazer parte disso, não consigo me imaginar participando ativamente de uma coisa dessas. Consigo entender a importância de uma coisa, de um ato, de uma data, sem necessidade desses “bookmarks” culturais. Não preciso de um padre fingindo que bebe o sangue de Cristo pra me lembrar que a gente tem que tentar ser legal com os vizinhos. Nem de usar calcinha vermelha no Ano-Novo, como se faz aqui na Itália, pra atrair boa sorte. Vejam que não tô falando só dos rituais religiosos. E olha que pra mim religião é uma das coisas mais idiotas que existem no mundo, embora eu entenda seu valor como educador, no passado (hoje virou manipulador de massas, mas deixemos pra lá). Não sei, talvez eu esteja ficando mentalmente velha, mas cada vez mais acho esse tipo de coisa típico de gente ignorante e portadora daquele célebre problema já citado aqui no paca: olhar e não ver.

Isso tudo como preâmbulo pro Natal na Sérvia. Eles são ortodoxos, religião da qual eu nunca soube nada (e continuo sabendo muito pouco, e honestamente querendo saber menos ainda).

O Natal deles é comemorado no dia 7 de janeiro. Na véspera os homens vão ao bosque cortar galhos de carvalho. Diz-se que quem acha o galho mais “folhudo” terá mais riqueza, abundância e filhos em casa. Curioso, interessante, né? Mas não dá pra deixar de ter pena desses homens que vão pro bosque coberto de neve, num frio do cacete, armados (porque eles derrubam os galhos com tiros de espingarda), bêbados, e voltam pra casa exaustos, comem carne de porco até morrer e vão dormir. No final das contas acaba sendo somente uma tradição besta, patética e sem sentido.

Esses da foto ai em cima são o Mika, irmão do garoto que trabalha na oficina do Mirco, e o Ivan, cunhado dele.

Estão vendo s lápide preta à esquerda do Mika? Há um cemitério muito antigo no meio do bosque. Segundo o Mika, é completamente abandonado, e volta e meia um cachorro de caça ou um javali esfomeado desenterra a mão ou o pé de um cadáver. Não há cercas nem muros, nem ninguém tomando conta, assim como o pequeno cemitério de Majilovac. As lápides negras são bonitas, mas dão um ar incrivelmente lúgubre ao lugar, ainda mais assim, brotando do meio da neve. Na manhã de Natal fomos levar velinhas ao cemitério.

Mika e Jelena, antes de acendê-las, beijam as fotos dos antepassados enterrados ali. As fotos são todas iguais: as mulheres de lenço na cabeça e os homens de bigodão. Todos sérios, austeros. Jelena beija inclusive as fotos dos antepassados do Mika, gente que ela não chegou a conhecer (aliás, nem ele), mas que através do matrimônio passou a ser sua família também.

Outra tradição deles é fazer a ceia de Natal sobre uma camada de palha no chão, pra relembrar a origem humilde de Jesus. À parte o fato de que eu não acredito em Jesus, qual é o sentido disso? Você relembra a Sua origem humilde, e depois? Se no resto do ano você não come em cima da palha, isso significa que nos outros 364 dias do ano você nem pensa nele e não se comporta como cristão? O fato de você comer sobre a palha no Natal te transforma numa pessoa melhor? Eu acho que não. Acho que comer sobre a palha dá só coceira na bunda, e basta.

Na casa onde nos hospedamos eles não comem sobre a palha, mas o homem da família sai pra buscar sacos de palha que depois serão depositados sob a mesa de jantar. Antes de entrar em casa com a palha ele bate na porta três vezes. A esposa abre, ele entra, recita umas coisas às quais a mulher responde:
– Jesus nasceu.
– Sim, Jesus nasceu.
– Todo o mundo está sereno, e chove. [não esquecer o simbolismo camponês dessa frase: se não chove, não há colheita.]

Pronto: palha debaixo da mesa, a mulher-escrava bota a mesa e começa o jantar.

Durante o dia as mulheres-escravas, nesse caso a famosa avó que não descobrimos onde dormia, assam vários tipos de pão. Na verdade é uma massa única, mas os pães têm formatos diversos: de bichos, de plantas, de coração, etc. Antes de começar a comer beija-se e acende-se uma vela, que fica num castiçal cafona no meio da mesa. O patriarca da família, nesse caso o pai do Momo, diz uma prece, corta um pedaço de cada pão e o molha no vinho. Cada um da mesa come um pedaço de pão com vinho (horrível). O patriarca acente uma velha lanterna com umas pedrinhas de incenso, reza de novo, benediz a família, estende o braço, sua mulher-escrava vem correndo recolher o queimador de incenso, e antes mesmo que ela volte à mesa ele dá ordem de começar a comer.

Assim como na tradição clássica cristã (eu acho), não se come carne no Natal, mas peixe. O jantar começa com uma deliciosa sopa de frutos do mar muito bem temperada. Depois vem o arroz com aipo (unidos venceremos mas gostoso), salada de feijão branco com cebola e salsinha, peixe frito (horrívellllllllll… peixe de lago, todo escamoso e ossudo parecendo um fóssil) e os famosos e odiosos pepinos/pimentões/cenouras em conserva.

Depois do jantar, os pratos devem ficar na mesa até o dia seguinte, esperando o nascimento de Cristo. Resisti à tentaçao de perguntar como assim, Bial?.

Dorme-se cedo porque no dia seguinte o almoço tem que ser antes do meio-dia, sabe-se lá por quê. Antes do almoço rola o mesmo ritual da ceia, com o incenso, as preces, etc.

Tem um detalhe a mais: assa-se (leia-se a mulher-escrava assa) uma polenta redonda, já marcada em pedaços pra cortar, como uma pizza. Os pedaços são distribuidos a partir do mais jovem sentado à mesa, e cada pedaço tem uma coisa dentro, simbolizando coisas diferentes: o Mirco e o Mika acharam moedas, simbolizando dinheiro, é claro; eu, um pedacinho de madeira, simbolizando casa; Jelena um raminho de planta, simbolizando uma boa colheita; Zorika uma semente de abóbora, que segundo ela não significa nada.

Vem a sopa de legumes, sempre deliciosa. Depois o patriarca pega um pãozão com formato de panetone, com um raminho de flores secas espetado no alto.

Ele corta o pão pela metade, mas sem separar as partes. Rega o pão com vinho.

Depois ele e o outro homem da casa, o Momo, separam as metades; diz-se que comandará a família durante o ano aquele cuja metade ficar com as folhas secas. Unem-se as metades de novo e gira-se o pão três vezes; a cada giro faz-se o sinal da cruz e cada um dos homems beija as duas metades.

Continua a comilança: trouxinhas de repolho com carne moída defumada e arroz (de-li-ci-o-sas, comi até morrer), carne de porco e carneiro (claro), peru defumado com molho de cogumelos (delícia!), pickles, beterraba (eca eca eca eca), a salada de feijão da noite anterior. Milhões de brindes, um a cada cinco minutos e meio, em média. E o tempo todo aquela maldita música de festa junina tocando no rádio.

Mas então: eu acho tudo isso incrivelmente primitivo. Não tive vontade de rir, e mesmo que tivesse não teria rido porque seria falta de respeito, e apesar de achar tudo muito ridículo, respeito a seriedade com a qual eles participam de tudo isso. Mas acho primitivo mesmo, coisa de homem das cavernas que pinta o boi na parede achando que isso vai ajudá-lo a caçar o boi na pradaria. Sei lá, acho muito mais válido ficar quieto, não ficar girando e beijando pão, e tentar se comportar bem durante o ano inteiro do que fazer toda essa papagaiada só nas ocasiões especiais e ser desonesto ou chato de galochas, como foi nosso anfitrião-empurrador-de-comidas nessa viagem.

Claro que o fato de alguém participar de rituais ou ser religioso não significa automaticamente que ele não é boa pessoa no resto do ano. Mas sabe aquela história do cão que ladra e não morde? Sempre achei que quem anuncia demais, prega demais, catequisa demais, no final das contas fica cego pras próprias chatices. Fora o tempo que se perde com esses simbolismos, tempo esse que poderia ser melhor empregado em coisas mais úteis. Repito que não há um só livro nessa casa, e nem no apartamento deles aqui na Itália. A meu ver, isso é MUITO assustador.

Mais um “veranico”. Depois de uma semana gelada, o último weekend foi super light em termos de temperatura, e por enquanto o clima ainda é de inverno carioca, super tabajara. Anteontem de manhã fui aos correios, só de pullover de lã sobre a malha, e senti calor. De tarde fui correr (na verdade correr um pouco e caminhar muito, porque estou super fora de forma), de camiseta de manga curta. Como é bom poder ir à varanda pendurar as roupas no varal e voltar com as mãos inteiras, em vez de duras, congeladas e insensíveis!

Mas acho que a coisa não dura. Olhando pela janela agora cedinho só vejo um paredão branco de neblina. Merda.

Essas são as fotos do tombo do Mirco domingo, no quintal da Arianna. Foi querer brincar de cabo-de-guerra com meu cachorro e se estabacou de costas no chão. Não consegui tirar nenhuma foto dele já no chão. Estava ocupada me sbudellando (algo como “eviscerando”) de rir.

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Anteontem fomos ao Ipercoop, o supermercadão aqui da área, pra nos distrair, e acabei comprando uma maquininha de fazer pasta, igual à da Franzoca. Comprei também o famoso rolo de macarrão, e uma tábua de madeira pra preparar a massa, já que a minha mesa hedionda é porosa demais pra fazer qualquer coisa com farinha, vai ficar tudo imundo. Ainda essa semana pretendo fazer um macarrão qualquer. Depois digo como ficou e dou a receita.

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Aquela planta comprida que no Brasil se chama Espada de São Jorge aqui na Itália se chama Lingua di Suocera (língua de sogra). Vivendo e aprendendo.

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E a penúltima parte da epopéia sérvia: o mercado de Majilovac. Sabe feiras medievais, ao aberto, com lama no chão e as coisas mais estapafúrdias expostas ao público? É assim. Vendem porcos, sapatos, chapéus, colheres de pau, trenós, galinhas, peças de carro, gasolina, chocolate, binóculos, cigarro, roupas de couro, roupas de couro falso, bandejas em inox, meias (comprei várias), facões, relíquias de guerra, brinquedos tabajara, vestidos de gala, cestos de vime, móveis, carneiros, ferramentas, temperos, água mineral de origem duvidosa, bebidas alcoólicas de tudo que é tipo, pneus, maquiagem, canetas coloridas, perfumes falsos, malas e bolsas, enfeites de Natal. Entre outras coisas. Só não vendem livros.

Que depressão esse mercado! Aquela lama no chão, os carros estacionados de qualquer jeito, gente feia e encasacada caminhando carrancuda pra lá e pra cá, gesticulando com os vendedores; as roupas incrivelmente cafonas penduradas nas araras; todo mundo fumando sem parar; os vendedores botando a mercadoria em amassadíssimos sacos plásticos de supermercado antes de dar aos clientes; gente vindo fazer compras de TRATOR; gente com casaco de pele falsa; gente experimentando sapato ali mesmo, em pé na lama; senhoras comprando brocas pra furadeira e correia pro motor do carro; crianças querendo brincar com os porcos e galinhas… Caramba, é outro planeta mesmo. Chegamos em casa cansados de tanto ver coisa estranha e feia. E as únicas coisas que eu comprei em todo esse tempo na Sérvia foram nesse mercado: alguns pares de meias coloridas (listradas de vermelho e branco, listradas de amarelo, branco, preto e verde, preta com bolinhas azuis, listrada de lilás, verde, amarelo, azul e laranja, e uma listrada em tons de cinza e azul com o desenho do Tigrão), um batom fedorento mas bonitinho, e uma bolsa horrível em couro fake pra Carmen, que é de uma cafonice ímpar. Só.

Sei que em Belgrado com certeza teríamos visto coisas bonitas, e não falo só de coisas pra comprar. Dizem que a cidade é bonita, e vimos algumas pontes interessantes no caminho até lá na volta pra casa, mas infelizmente o tempo e o clima não permitiram. Não posso nem dizer que ficará pra próxima, porque espero veementemente que não haja uma próxima. Programa de índio assim de novo, nunca mais.

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No começo de março vamos a Rotterdam visitar a irmã do Mirco que tá morando lá. Ela quem vai pagar as passagens, porque eu não tenho dinheiro pra ir nem na esquina…

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E pra não perder o hábito, fotos cachorrais. Esse é um vizinho da Arianna que tem vários microcães. No domingo passou lá pra visitar, e levou toda a trupe.

Mister Legolas fazendo pose blasé:

E todo feliz com seu galho no meio do mato: