marseille

Quando saímos pra tomar café na rua descobrimos que o tempo estava lindo. Um frio do cacete por causa do vento gelado, mas pelo menos o céu estava de brigadeiro. Comemos num Brioche Dorée numa rua melhorzinha e depois fomos a pé até a Notre Dame de la Garde, que pra variar fica no alto de uma ladeira miserável. A igreja é bonita por fora mas chocha por dentro, e como os meninos são preguiçosos pegamos um ônibus pra voltar pro porto. Caminhamos ao longo do porto, namorando as flores e os mexilhões, porque era dia de mercado, e paramos pra tomar um aperitivo num bar (na verdade era uma desculpa pra fazer xixi) e bater papo. Esperamos o famoso ônibus 83, que aparentemente faz um percurso panorâmico, mas visto que o dito não chegava, fomos andando a pé ao mesmo restaurante de ontem. Dessa vez pegamos mais leve, todo mundo com saladinhas gostosas, e fomos fazer compras porque os meninos não queriam andar novamente até a abadia. Malditos preguiçosos. Acabamos comprando sapatos vários – como tem loja de sapato nessa cidade, caramba, uma do lado da outra!

Depois de largar as compras no hotel resolvemos subir a rua, já que só conhecíamos a parte que desce pro porto. Queríamos ver a catedral gótica, mas antes paramos pra tomar chá numa casa de chá muito maltratada, mas ainda charmosa. Aproveitei pra comprar um pão integral cheirosíssimo e bater altos papos em uma língua ininteligível com a senhora que nos serviu. Quando saímos já estava escuro e as fotos da igreja ficaram uma bosta. O interior é aquilo mesmo de toda igreja gótica que perdeu os afrescos porque as imagens foram parar nos vitrais, mas eu gosto. Adoro igrejas góticas em geral, e depois que descobri como funciona a coisa, porque a Begônia me explicou, a coisa ganhou mais interesse. Tipo assim, o arco ogival alivia o peso das paredes, que não precisam mais ser cheias e podem receber grandes janelas. Os vitrais fazem o papel dos afrescos. Legal, né. Legal saber coisas. Não me canso nunca.

Na volta pro centro paramos numa livraria pra comprar Astérix, e ganhei uma agendinha com as citações em latim das histórias : ))))

Paramos numa doceria espetaculaaaaaaaaaar pra comprar biscoitos e pirulitos e provar as “azeitonas” de chocolate mais maravilhosas do mundo – amêndoas recobertas de chocolate classe A, tingidas pra parecer azeitonas. Uma coisa de louco. Comprei uma lata pra mim, pra botar os cartões-postais que compro quando viajo, e uma pra Newlands que ela vai amar porque é uma delícia de lata. E nós adoramos coisas inúteis, ocupadoras de espaço mas fofas.

O jantar foi comprado correndo no supermercado da Lafayette: falafel e esfiha pra mim, pão com presunto italiano e brie pros meninos, sushi pra Une. Comemos na copa do hotel, lavamos a louça (toda da IKEA hoho) como se estivéssemos em casa, vimos o início da eleição de Miss France e capotamos. Porque pobre não tem descanso: o vôo de volta sai às seis e vinte da manhã.

marseille

Chegamos cedo em Marseille e estava chovendo. Pegamos o ônibus do aeroporto até a Gare Saint-Charles e de lá fomos a pé até o hotel, pedindo informações a cada dois segundos porque ninguém conhecia a tal ruazinha. E vou te contar, a fama de antipáticos dos franceses não condiz: foram todos g-e-n-t-i-l-í-s-s-i-m-o-s comigo, teve hominho saindo da farmácia e me levando até a esquina pra me mostrar o ponto de referência, teve gente desenhando mapinha, teve gente chamando outra gente pra explicar melhor. Na maioria das vezes eu ataco em inglês, mas quando me respondem em francês eu consigo entender razoavelmente, e todo mundo teve o cuidado de falar bem devagar porque notaram a minha monguice galófona.

Finalmente achamos o raio do hotel. Uma birosca, mas todos os hotéis franceses onde já dormimos eram horríveis, então pelo menos que fosse barato. Era. E bem limpo, o que já era alguma coisa, mas o quarto era minúsculo, a falta de bidet é imperdoável e, pior, o microelevador parou de funcionar meia hora depois que chegamos (pelo menos deu pra levar a mala pro quarto…). O pessoal do hotel também foi muito simpático, e depois de pegar um mapinha e trocar os sapatos molhados resolvemos sair pra explorar.

Péssima idéia essa de vir a Marseille, porque a cidade é um imenso canteiro de obras nesse momento. Não há uma calçada intacta e o trânsito é uma loucura. Tenho certeza que vai ficar muito bonita depois das obras, mas por enquanto é absolutamente inviável. Não recomendo. Fora que é muito, muito suja, e cheia de tipos estranhos com cara de marinheiros velhos, desdentados e eternamente bêbados dormindo abraçados a adoráveis vira-latas debaixo das marquises. Muito décadence. Demos uma peruada nas Galleries Lafayette e acabamos indo almoçar na primeira brasserie que nos pareceu simpática. A garçonete também foi um amor e comemos bem: entrecôte com molho de champignon pra todos, acompanhado de batata frita, menos pra mim, que quando descobri que blé é trigo quase morri de felicidade – eu, a rainha dos cereais e leguminosas.

Depois do almoço continuamos dando umas voltas, mas estávamos exaustos. Voltamos pro hotel pra dar uma descansada, e quando saímos de novo, lá pras quatro da tarde, ainda estava chovendo. Chovia, mas nada de particular, só que o temporal desabou de verdade quando estávamos dando uma olhada no Vieux Port. Vocês não têm idéia do que foi essa chuva! Sabe aqueles temporais que inundam a Praça da Bandeira em dez minutos? Nunca tinha sido pega por um chuvaréu assim aqui na Europa. Acompanhado de um vendaval, claro, porque desgraça pouca é bobagem. Ensopadíssimos, os casacos superpesados por causa da água, os pés gelados, fomos catar um salão pro Mirco cortar o cabelo. Porque depois de cortar a juba na Sérvia ele pegou essa mania de cortar sempre quando viaja, e já o fez no Rio, em Rotterdam, em Rouen, e agora em Marseille. Ô lanterneiro internacional! O cabeleireiro era um ruivo gordo, imenso, sorridente, ligeiramente viado, com as unhas manchadas de tintura, todo vestido de preto. Tentei explicar como queríamos o corte, ele fez oui oui e acabou fazendo o que lhe deu na telha. Dançou o tempo todo, fez piada, piscou o olho, trocou insultos amigáveis com a manicure. Acabou que o cabelo saiu curtíssimo, mas agradou.

E dali deu-se início à epopéia dos sapatos da Une (não se escreve assim, mas não consigo decorar como é), que só tinha trazido um par e não podia ficar rodando com os pés nadando em água de chuva. Achamos um par de botas de couro falso bem legais, e depois que a chuva deu uma calmada voltamos pro hotel pra dar mais uma descansada. Fomos jantar no porto, num restaurante de frutos do mar, que obviamente foi uma decepção total. Não adianta, cara, depois que você aprende a comer muito bem pagando relativamente pouco na Itália, quando viaja pro exterior é melhor encarar um Mc. Porcaria por porcaria, pelo menos custa pouco e você não tem grandes expectativas, o que significa nada de desilusões. Muito putos da vida por ter gasto demais e comido malzinho, voltamos pro hotel e capotamos.

Roma, aquela

Acordamos às duas da manhã pra levar Moreno e Marta pro aeroporto. Vão a New York. Daniele foi com a gente porque a Une estava em Roma visitando o irmão, assim aproveitaríamos pra dar uma carona de volta pra ela. E ainda por cima Daniele queria ir ao mercado de rua, o Porta Portese, pra catar antigüidades pra loja.

Chegamos em Roma às quatro da manhã, e miraculosamente conseguimos achar o Porta Portese sem grandes problemas. Paramos o carro em frente a um bar, tomamos café e fomos investigar o mercado. Já estava um movimento danado, o pessoal montando as barracas, gritando, sacaneando os outros, cantando, fumando, tomando café; já tinha mulherada se estapeando pra comprar roupa de tecido sintético a um euro; mas sobretudo estava um frio DO CACETE. De vez em quando Daniele parava em frente a uma barraca pra tentar ver no escuro um quadro horrível de palhaço, um pedaço de candelabro, um vaso cafona, um abajur hediondo anos 70, uma revista velha e desbeiçada. Replay do fim de semana passado, putz. Rodamos, rodamos, rodamos, e eu acabei comprando dois pares de luvas, porque estava MUITO precisada, e um chaveiro do Eric Cartman por um euro. Daniele negociou e comprou o abajur hediondo anos 70, um cinzeiro idem, e mais algo que não lembro o que era. Paramos pra re-tomar café e tocamos pras Scuderie del Quirinale pra ver a exposição sobre os soldados chineses de terracotta.

Pára tudo!!! A mostra está ó-te-ma, e quem tiver a oportunidade de dar um pulo em Roma, a cidade que é tudo na vida, aproveite a deixa e vá lá ver. Tem uma certa fila, a mostra é relativamente pequena e cara (10 paus), mas vale a pena. Termina no final de janeiro. Corram!

porto recanati

A região de Marche, a leste aqui do interior do Zaire, é mais interior do Zaire ainda do que aqui. Marche, Molise, Campobasso são regiões onde não acontece nada NUN-CA. Até porque o mar daqueles lados não é tão bonito quanto o da canela da Bota. Mas Daniele queria ir a uma feira de antiguidades e carros de época perto de Macerata, e lá fomos nós.

Eu nunca fui a um evento tão chato em toda a minha vida. Acho que até um congresso internacional de matemática teria sido mais interessante. Toda aquela velharia, aqueles poloneses com hálito de pinga vendendo telescópios e instrumentos odontológicos, velhos vendendo peças de máquinas que já são velhas há muitos anos, gente vendendo um pé só de sapato, um sinal de trânsito enferrujado, instrumentos que não tocam, revistas amareladas, bicicletas cobertas de ferrugem, pedaços de lustres de cristal… Cacetes estrelados, que porre! E o Daniele, que tem uma loja de móveis novos e usados, achando tudo bárbaro. Acabou levando pra casa uma minimotocicleta sem selim e dois helicópteros de plástico chineses, que ele viu numa feirinha em Perugia pelo dobro do preço. Saímos dali quase arrancando os cabelos de desespero e tocamos pra Porto Recanati, cidade litorânea mais perto de onde estávamos, já na província de Ancona, pra comer peixe. Mas o diabo da cidade não chegava nunca, nós morrendo de fome, duas da tarde, e nada. Uma idiota passeando com um cachorro idiota na rua nos deu a informação idiota de que a cidade estava a dois quilômetros de onde paramos pra pedir informações a ela, mas Porto Recanati foi aparecer só QUINZE quilômetros depois. Pior que uma idiota, só idiota que não sabe contar. Mas achamos um restaurantinho legal, comemos nosso peixinho (muito), pagamos (relativamente pouco) e fomos passear pela cidadezinha.

É engraçado como a arquitetura muda completamente em coisa de alguns quilômetros. Basta botar umas montanhas separando e parece que você está em outro planeta! O centro da cidade é todo novo, e as casinhas e prédios são totalmente diferentes daqui do interior do Laos. Como não estava frio, tinha muita gente na rua; imagino que fosse praticamente toda a população da cidade, já que cidade litorânea por aqui só existe no verão. Passeamos pelo “calçadão”, brincamos com vários cachorros, tirei algumas fotos apesar da quase neblina, e encaramos a estrada de volta. Só pra não perder a prática paramos em duas lojas de móveis no caminho, hohoho. E ainda passamos na Arianna, Mirco pra jantar e eu pra dar oi pro Leguinho, que pra variar estava dormindo com a gata. Safado.

Fotos do domingo aqui.

r.é.t.n.v.

Então acordamos cedão e fomos pra Roma de carro. A fila já estava gigantesca quando chegamos, às oito, pouco depois do museu abrir. O problema é que os Musei Vaticani normalmente não abrem aos domingos, o que é ridículo, mas no último domingo do mês abrem de grátis. Então imaginem a fila, entupida de muquiranas como nós. Eu e Chiara ficamos na fila enquanto os meninos foram estacionar no viale Giulio Cesare, onde eu e Valeria pegávamos o ônibus pro albergue da juventude. Em duas horas e meia de fila aconteceu de tudo: um grupo de estudantes fedorentos do leste europeu furou a fila na nossa frente, dois indianos discutiram atrás de nós, veio a polícia pra empurrar o pessoal de volta pra calçada, porque já tinha neguinho fazendo fila no meio da rua, e, cerejinha no chantilly, esse japonês solitário fez uma longa sessão de limpeza dos ouvidos. Com um palito.

O nosso objetivo era mesmo a Capela Sistina, que só eu tinha visto com as cores fortes depois da restauração. Mas cara, como é difícil ser turista num mundo cheio de turistas. Tem gente demais em tudo que é lugar, parece que a gente tá em Pequim. O que não é exatamente um elogio. E ainda por cima neguinho é mal educado pacas: se tá escrito que não pode tirar foto, NÃO TIRE FOTOS, oras. Mas não: um monte de gente se fingindo de boba e apontando as máquinas fotográficas pra cima. E o hominho do museu gritando No photo, No photo! E o outro hominho fazendo shhhhhhhh porque, afinal de contas, é uma capela, e em lugares religiosos o silêncio é sinal de respeito, até eu sei e obedeço. Mas toda aquela falta de educação foi nos cansando e acabamos indo embora sem ver as outras partes do museu. De qualquer maneira, uma das minhas partes preferidas sempre foi o corredor dos mapas, porque eu A-DO-RO mapas, não interessa de onde. Mapas de lugares estranhos me fascinam pelos nomes bizarros, e mapas de lugares conhecidos me deixam maluca porque é legal reconhecer lugares familiares. Perdemos uns 20 minutos dando risada com os antigos nomes das cidadezinhas aqui do interior da Suazilânda. Tinha até Bastia, meio apagadinha, perto de Ospedalicchio, aqui do lado, que se chamava Spedaletto. Olha Assis como é grande, com aquele crucifixão! C.nuovo é Castelnuovo, onde fomos jantar na sagra com mamãe e Margareth. T. d’Andrea é Tordandrea, terra da mãe do Mirco. Bettona a gente vê aqui de casa, e é onde vamos comer todo ano na festa do ganso. : ))))

Morrendo de fome, pegamos um táxi, que nos sugeriu uns nomes de restaurantes no Trastevere. É um bairro delicioso, perto do ghetto judeu, ao longo do rio, e é famoso pelos muitos bons restaurantes e trattorie. O primeiro nome que o taxista deu foi La Cisterna, que tava fechado. Então fomos comer no Ivo, que apesar da decoração cafona, falso-antiga, nos serviu muito bem. Comi tagliatelle com lingüiça, ervilhas e cogumelos. Mirco e Chiara comeram tonnarelli (que aqui no interior se chamam spaghetti alla chitarra, é uma espécie de spaghetto quadrado em vez de cilíndrico) cacio e pepe, ou seja, com queijo e pimenta-do-reino, um prato típico de Roma. Tudo delicioso e em porção muito mais generosa do que a média. Os meninos ainda encararam um secondo de peito de frango e verdura, e depois do almoço voltamos a pé pro centro. Viemos passando por ruazinhas pouco badaladas até chegar nos fundos do Pantheon, que eu não me canso de olhar (e babar). Mas só fomos lá mesmo porque atrás do Pantheon, na via Maddalena, tem aquela sorveteria, aquela, onde eu sempre tomo sorvete de maracujá. Hoje não foi diferente. O sorvete é caro, 2 euros contra os 1,30 aqui do interior, mas, cacete, como vale a pena! Aqui na Itália ninguém toma sorvete de um sabor só, não existe, então a casquinha menor é sempre “due gusti”. Eu tomei maracujá e doce de leite com Nutella. Estava uma coisa de louco, mas depois me arrependi de não ter provado o chocolate fondente (meio amargo). Fica pra próxima.

Ainda demos mais uma volta por ali mesmo e depois fomos visitar a tia solteirona do Gianni, que mora perto do Vaticano, num apartamento de porão, estilo Nova York, sabe, com janelas que só deixam ver os pés das pessoas. Se eu disser quanto vale esse apartamento no porão, entre o apartamento do zelador e o estúdio de gravação daquela mala sem alça do Pino Daniele, vocês vão chorar de nervoso, então não digo. Mas essa tia é muito engraçada, não é a clássica solteirona infeliz. Sempre trabalhou, sempre curtiu muito a vida, badala pra burro, viaja, vai ao teatro, ao cinema, aos museus, e tem muita história pra contar. Só que ela fala sem parar e eu via o Gianni desesperado querendo achar um espacinho pra interromper o monólogo e dizer que tínhamos que ir embora porque tava ficando tarde, e nada. Finalmente ela parou pra respirar e nos despedimos.

A viagem de volta foi tranqüila. Mirco comeu um sanduíche qualquer quando chegamos em casa, vimos metade de um episódio de Dr. House e capotamos.

p.s.: Tem outras fotos aqui.

outro programa de índio

Como se não bastasse o programa de índio gastronômico de ontem, hoje acordamos às cinco da manhã pra passar em Ponte San Giovanni, onde mora a nova namorada do Moreno, encontrar com os pombinhos e nos dirigir a Castiglione della Pescaia, na Toscana, na costa do mar Tirreno. Não é longe do lugar onde estive com os Salames há dois anos, lembram? O Moreno faz mergulho e queria mergulhar no fim de semana. Nós, em vez de aproveitar o domingo pra dormir, acompanhamos os dois, que têm empregos SUUUUUUUUUPERlight e nunca estão cansados nem preocupados com dinheiro, acordamos de madrugada e enfrentamos três horas de carro numa estrada bonita mas cheia de curvas.

Castiglione é bonitinha, mas nada de especial. Moreno tinha achado na internet uma companhia que faz passeios de barco de um dia, com almoço a bordo e tudo. Escolhemos um que ia até a Isola del Giglio e depois até a Isola di Giannutri, ambas parte do Arcipelago Toscano, um parque marinho protegido por lei. Moreno todo babando com o mar, aaaah, uuuuuh, e eu pensando, vê-se que você nunca foi a Angra, né, filho. O Tirreno é muito mais bonito e limpo do que o badalado Adriático, dizem (nunca vi a costa Adriática e não posso dizer), mas definitivamente não é o Caribe. Caribe mesmo é a Sardenha, parece. Não sei, vocês sabem que o assunto mar não me interessa, absolutamente.

Enfim. A viagem até o Giglio dura duas horas e aproveitamos pra dormir, todos tortos, apoiados nos braços sobre a mesa como crianças de castigo na escola. Chegamos ao Giglio às onze e pouco, e foi o tempo de subir com o ônibus até a parte antiga da ilha, onde há um castelo fortificado, dar uma olhada rápida e voltar. O que eu sei sobre a ilha é só o que o capitão do barco, muito simpático, explicou: que antigamente havia alguma atividade de agricultura, mas como a ilha é toda rochosa, não era muito prático, e quando começou essa coisa do turismo de massa toda a atividade da ilha se voltou pra isso. Hoje não se planta bissolutamente nada na ilha. O nome não significa lírio (que é o que significa giglio), até porque ali não há flores mas só cactus e arbustos de aspecto africano, ressequidos e retorcidos, mas parece que tem origens gregas: os navegadores antigos largavam cabras nas ilhas por onde passavam, de modo que, se precisassem aportar, tinham uma reserva de comida. Parece que a palavra que deu origem a “giglio” significava cabra. Muito romântico.

A ilha mesmo não tem nada de particular: só tem três praias, duas das quais não utilizáveis porque absolutamente rochosas. A única praia de areia, chamada Campese, é realmente bonita vista do alto, com o mar turquesa e tal, mas é relativamente pequena, entupida de gente, e, como tudo na Europa, caríssima. Mas o castelo é interessante e foi uma pena não termos tido mais tempo pra passear pelos becos.

À uma da tarde embarcamos de novo e almoçamos a bordo: risoto de frutos do mar, fritto di mare (anéis de lula, polvinhos e camarões fritos) e torta de damasco. O tempo, que pela manhã cedo estava estranho e oferecia o risco de não permitir a ida até Giannutri, finalmente melhorou, e lá fomos nós.

Se o Giglio já é ridiculamente pequeno, Giannutri é um ovinho de codorna. Só tem uma família que vive ali em modo regular – são 11 pessoas. Há algumas dezenas de casas de praia, de gente milionária que conseguiu construir ali antes que tudo virasse parque de proteção ambiental e fosse proibido fazer casa. A minúscula ilha só tem dois lugares onde é possível atracar, mas tem também uma vila romana, em estado lastimável, que nem nos demos ao trabalho de ir ver de longe porque está fechada pra restauração. Ficamos na praia mesmo, de cascalho. Eu, que odeio mar, fiquei na sombra de um barco lendo Dawkins, enquanto o Mirco e Moreno dormiam ao sol e Marta, que é professora de natação, dava seus mergulhos. A água é bonita, mas tem muito ouriço, o chão não é de areia mas de cascalho, ou seja, escuro, e a praia é realmente minúscula. Passado o nosso tempo de recreação, começou a trovoar e chuviscar. Todo mundo correndo pro barco, voltamos pra Castiglione della Pescaia. Dormimos os quatro durante as duas horas de viagem. Tomamos banho no quarto de hotel onde o Moreno dormiu e fomos jantar na casa de um amigo dele.

Queridos… Acho que vou entrar no negócio de venda de peixe. O cara vende peixe, mas vocês têm que ver a casa dele. Piscinona, dois andares, toda equipada, gramadão, tudo novinho, tinindo. E um cachorro lindo, Coby, um labrador banana que não saiu de perto da gente o tempo todo, rezando pra que caísse algum mexilhão pros lados dele. Comemos pra cacete, tudo fresquíssimo, lógico – entrada fria de batata e lulinhas, mexilhões, depois spaghetti com mexilhões e vongoli, depois fritto di mare, e, finalmente, sorvete que tínhamos comprado na cidade. Diliça!

Saímos de lá tardão e, como as placas de trânsito na Itália têm a desagradável mania de desaparecer depois de um certo ponto, fomos parar em Grosseto em vez de pegar a direção geral de Siena. Perdemos uma meia hora. E ainda encontramos um monte de lerdos na estrada, voltando do fim de semana como nós. A estrada é estreita e não dá pra ultrapassar, e levamos um tempão pra chegar em casa.

Foi legal? Foi. Mas eu teria preferido ficar em casa. Pelo menos o Mirco deu uma dormidinha…

Madri – Roma

Acordamos cedo. Faborit fechado nesse fim de semana, então todo mundo saiu sem tomar café, menos eu, que tinha comprado pão, presunto e queijo ontem no supermercado, ha ha. Chegamos no aeroporto na hora e sem problemas, porque o metrô de Madri é ótimo, mas o vôo da bosta da Air Madrid atrasou de novo. Duas horas. E ainda teve turbulência e um pouso de merda. Gianni, que tem medo de avião, quase teve um treco e jurou que tão cedo não voa pra lugar nenhum.

Chegando em Roma, o que fomos fazer, imediatamente? Comer macarrão, lógico. No Autogrill, que é caro e não é lá essas coisas. Mas não tínhamos almoçado e já eram quase três da tarde; estamos perdoados. Quando botamos o pé fora do aeroporto, fomos recebidos por um bafo quente dos infernos. Ligamos pro hominho do estacionamento, que veio nos buscar de van e foi parando recolhendo a galera até sair gente pelo ladrão. Pegamos o carro e tocamos pra casa. Ainda passamos na Arianna pra cumprimentar os cachorros mas Ettore tinha saído com o Leguinho. Então voltamos pra casa pra desfazer malas, guardar coisas e fazer piadina e ovo mexido pro jantar. Nem acredito que amanhã tirei férias e posso ficar em casa o dia inteiro arrumando casa e passando roupa! Que diliça!

Madri

Último dia de viagem, todo mundo doido pra voltar pra casa pra rever as fotos e arrumar as malas e comer a comidinha de sempre. Bundeamos muito pela cidade, seguindo as ruas que a Maria tinha marcado no mapa pra nós, ao redor da Calle Toledo. Almoçamos no Burger King, sanduíche e saladinha, e enquanto todos foram pro hotel dormir eu passei na livraria do El Corte Inglés pra catar La Loca de la Casa, da Rosa Montero, que eu tenho em português e AMO, e mais dois que o José me indicou, um do Carlos Ruiz Zafón e um do Arturo Pérez-Reverté. Quando começar a ler digo o que achei.

À tarde mais bundeadas, em ritmo mais lento porque não nos agüentávamos em pé, e acabamos jantando cedíssimo no 100 Montaditos de novo. Fomos dormir cedo e eu não agüento mais olhar pra cara de Madri.

Segovia

Depois do café no Faborit fomos direto pra estação de Príncipe Pio pegar o ônibus pra Segovia. A estação dessa companhia de ônibus, a Sepulvedana, fica logo fora da estação de metrô, e perto dela a rodoviária do Rio é um luxo só. Cara, que lugar horrível! Tudo imundo, o chão aquele preto de borracha com bolinhas típico de elevador imundo do Centro, guichês confusos com cartazes manuscritos colados no vidro com durex seco e amarelado, uma coisa horrenda. O ônibus é igualmente nojento e passei a viagem inteira sentada durinha, sem encostar a cabeça. E a rodoviária de Segovia… É hedionda. Com direito a teto desmontando e malucos passeando enchendo o saco dos passageiros.

Vimos Segovia rapidinho porque não agüentávamos mais bater perna. A cidade é bonita mas, novamente, não é indispensável para a sua salvação eterna (ao contrário de Roma, que, não custa lembrar, é tudo na vida). A coisa que eu mais gostei é uma característica particular da arquitetura local cujo nome em espanhol não acho em lugar nenhum (tinha no guia da Chiara mas não decorei). Basicamente as paredes são “estampadas” com grandes “carimbos” enquanto o cimento ainda está fresco, de forma que fica uma espécie de alto-relevo com lindos formatos geométricos distribuídos uniformemente. Como se fosse um papel de parede em relevo. Lindo! Tirei dois milhões de fotos porque os motivos são maravilhosos. Almoçamos por lá mesmo, empadas e quiches, e continuamos o passeio.

O ponto forte da cidade é o famoso aqueduto romano, gigantesco e em perfeitas condições depois da última reforma, apesar dos mais de 2000 anos de idade. Bonito de se ver. E depois tem a catedral, muito bonita, e o famoso Alcázar, cuja parte dos fundos lembra o castelo da Cinderela na Disney. Tudo bonito e tal, mas enchemos logo o saco e voltamos pra Madri.

Direto ao El Corte Inglés pra comprar coisitas no supermercado, e um vinho tinto pra levar pra Maria no jantar. Porque jantamos na Maria. Ela fez ótimas bruschette com tomate, brie e manjericão, e depois, crianças, ba-ca-lhau. Eu sempre odiei bacalhau. Eu, meu irmão e meu pai sempre fomos considerados os párias da família porque não comíamos o bacalhau legitimamente português que minha avó sempre fez, em receitas variadas. Mas dessa vez não tive como escapar, e como há alguns anos a minha política tem sido de provar novamente de tudo pra ver se acabo gostando (e normalmente acabo mesmo, com a exceção de azeitonas, tomate cru e pimentão, que continuo achando abominações alimentares), comi. E gostei. Tinha batata, tinha brócolis e tinha molho branco, todos ótimos camufladores, mas estava gostoso mesmo. E fechamos a noite com um bom bate-papo regado a vinho tinto e mousse de chocolate. Olé.

El Escorial

O friozinho até que tava bom. Mas a chuva forte realmente é um porre, e como era a última coisa que esperávamos que fosse acontecer, ninguém tinha levado guarda-chuva (eu sempre levo um quando viajo). Resultado: depois do café tarde no Faborit fomos direto pra H&M comprar guarda-chuvas de bolinhas. Acabamos ficando lá fazendo compras, aproveitando as segundas rebajas, coisa que na Itália não rola. Comprei várias coisinhas básicas baratinhas, com descontos de 70%. Dali fomos pra Zara, e mais compras em rebajas. O Gianni acha que nós compramos muita roupa, mas a verdade é que só compramos quando viajamos. E sempre em liqüidação, então não nos sentimos culpados.

Passeando no centro, descobrimos a Cervezaria 100 Montaditos. Levamos um certo tempo pra descobrir como funcionava a coisa, mas basicamente cada mesa tem um bloquinho com 100 “modelos” de minissanduíches. Você escreve do lado quantos quer e eles montam os sandubinhas pra você. Cada sanduba é um euro. Tem desde coisas clássicas, tipo tortilla española, salmão com Philadelphia, queijo Brie, até outras combinações tipo atum defumado com cebola (o melhor de todos) e coisas desconhecidas que eu não anotei e agora não tenho como ir catar no dicionário. Bem legal o lugar. O pão é uma baguetinha quentinha e crocante e os recheios são todos muito gostosos. Ótima idéia.

Depois de voltar ao hotel pra largar as sacolas de compras, pegamos o metrô até a estação de Moncloa pra pegar o ônibus das 15:45 pra El Escorial. A viagem dura pouco menos de uma hora e é engraçado como as partes populadas ao longo da estrada parecem tudo menos a Espanha. As novas casas nos novos condomínios têm telhados pontudos e escuros, parecendo um subúrbio americano. Os galpões das grandes lojas e fábricas parecem os que vimos ao longo das estradas holandesas perto de Rotterdam. Tudo muito não-espanhol, engraçado.

El Escorial, outro patrimônio histórico da humanidade, tem uma história particular que não estou com saco de escrever. É bonito mas não é assim imperdível, apesar de algumas obras de arte interessantes de Tiziano e outros, e da igreja muito bonita.

Aí aconteceu o seguinte: estávamos cansados e com frio, mas Gianni descobriu um restaurante italiano (Rompicapo, Plaza Juan de Herrera, 1) em frente à estação de ônibus. Falamos com um dos garçons, um siciliano, e ele avisou que antes das nove o lugar não abria. Eram tipo seis e meia da tarde. Inacreditavelmente, todos acharam normalíssimo esperar mofando na estação até as nove da noite, pra comer um prato de massa, porque quatro dias sem massa os botenses não agüentam. Eu, incrédula, doida só pra tomar banho e dormir, depois de um sorvete, de uma vitamina, de um McChicken, de um pedaço de pizza tabajara, não importa, tive que aturar mais de duas horas de espera só pra comer macarrão. Eu AMO macarrão e como todos os dias feliz da vida, mas não entro em pane se tiver que me virar com outras coisas por um certo período. E certamente não deixo que comida ruim estrague as minhas férias. Mas esses italianos, vou te contar, ô gente chata e cri-cri!!! Detalhe: depois dessa palhaçada toda Gianni ainda achou o macarrão cozido demais e que o molho de tomate era de lata. Mas faça-me o favor!!! O meu macarrão estava ótimo: ravioli em forma de flor com recheio de camarão e peixe e molho de atum. Depois ainda comi verduras grelhadas – graças aos céus obedeceram ao meu pedido e eliminaram o maldito pimentão. Papo vai, papo vem, acabamos perdendo o ônibus no último minuto. E o próximo saía mais de meia hora depois. A estação já estava fechada e estava FRIO e estávamos cansados. Chegamos em Madri tardão e na estação de metrô só havia gangues de latino-americanos. Aliás, ô gente feia, valha-me…