domenica

As bruxas andam soltas aqui na Itália. Bombas explodem em Milão, perto de um presídio. Manifestantes no-global saqueiam um supermercado e a livraria Feltrinelli em Roma. Em Nápolis, na última semana TODO DIA algum jovem morreu em brigas ou vinganças entre clãs/gangues. Alagamentos no sul da Itália. Em Viterbo, perto de Roma, um romeno foi queimado vivo por uma gangue de albaneses.

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O frio finalmente chegou. Acabou a mamata do calor fora de hora. O outono mais quente dos últimos 150 anos chegou ao fim abruptamente. Semana passada, apesar do tempo nublado, desfilei pelas ruas de blusa decotada e manga 3/4. Sábado teve céu coberto de nuvens brancas, esquisitas, e uma primeira ameaça de frio. Passei a manhã e boa parte da tarde numa tradução bizarra, e jantamos porchetta na casa dos tios do Mirco.

Ontem acordamos num dia de céu limpo e vento forte e absolutamente gelado. Aproveitei o sol pra transferir as plantas mais frágeis da varanda da sala, mais exposta ao vento e menos ao sol, pra do nosso quarto, onde o sol bate do final da manhã até a hora de se pôr. O sol entrando no quarto, com o nosso ridículo edredom vermelho em cima da cama, deixava o quarto transbordando de luz avermelhada. Deitei na cama enrolada num cobertor da KLM, as pernas estendidas no calorzinho gostoso do sol invernal, lendo David Eddings. Felicidade é isso. Lá fora, o manjericão, o cactus, os vasos com os bulbos de tulipas plantados de manhã cedo, os cravos, o peperoncino, o manjericão genovês, a pianta grassa que a Arianna me deu, se divertiam pegando sol, mais ou menos protegidos do vento, debaixo da marquise.

Passamos o dia em casa ajeitando umas coisas pra oficina, botando documentos em ordem, montando tabelas e dando risada. Nem fomos almoçar na Arianna; fizemos pappardelle com molho de lebre mesmo. No final da tarde fomos encontrar o Moreno em Assis, já que ele estava trabalhando. Estacionamos o carro de qualquer jeito numa vaga pra taxi na Piazza Matteotti, a praça mais alta da cidade, e pegamos o microônibus que o Moreno estava dirigindo. Eu nunca tinha pego o pulmino (microônibus) antes; há duas linhas, A e B, que se fundiram numa só, de modo que agora o pulmino faz as rotas alternadas, primeiro a A e depois a B. Eu sempre pegava a linha C, com o ônibus grande que vai de Santa Maria a Assis, quando trabalhava com o Fabrizio o Louco. As linhas A e B passam por zonas de Assis que eu não conheço, mas já tava escuro e pouco deu pra ver.

No ônibus, dois velhinhos e uma velhinha. Um dos velhinhos saltou logo, despedindo-se do Moreno com muita intimidade. A senhora desceu logo depois, encasacada. O outro ficou sentado lá atrás, a gola do pesado casaco de lã levantada, boina cinza na cabeça, bengala na mão. Moreno nos apresenta o senhor: se chama Bruno, é viúvo e sempre pega o ônibus pra dar umas voltas e passar o tempo. Damos voltas e mais voltas, Moreno voando com o ônibus como se estivesse dirigindo o seu Audi A3 superesportivo, passando direto pelos pontos vazios, naquele frio e àquela hora. Acabaram os turistas; o feriado de 1 de Novembro (aqui comemora-se o dia primeiro e não o dia 2 como no Brasil) é o último grande boom turístico de Assis. Depois é calmaria direto até 26 de dezembro, que aqui é feriado, dia de Santo Stefano. Depois calmaria de novo até março do outro ano, quando recomeça a estação turística.

Paramos na Piazza del Comune, bem em frente à loja do Fabrizio, pra comprar castanhas no Massimo. Ele monta a sua barraquinha de castanhas em frente à Pinacoteca Comunale, mas agora que o frio chegou de verdade vai passar a trabalhar só aos domingos, quando ainda há alguns visitantes, a maioria aqui da Itália central mesmo, que vêm fazer one-day-trips por aqui. Massimo é uma figura. Imundo, barba sempre por fazer, sorriso bonito e sempre aberto, dá castanhas de presente a todo mundo que conhece. Quando eu trabalhava na loja ele achava, sabe-se lá por quê, que eu era louca por castanhas e sempre me deixava um saquinho antes de ir embora. Uma vez me deu uma carona até em casa. Seu carro é inacreditávellllllllllllllll, eu não sei nem de que marca é de tão velho, de um azul-turquesa absurdo, e incrivelmente lotado de lixo e coisas inúteis. De copos de vidro a caixinhas de McLanche Feliz, passando por lápis sem ponta, embalagens de bala, velas, cestos. Treme e sacoleja a cada mudança de marcha, mas cumpre sua função de transportar o dono, então tá bom. Na verdade eu não sou louca por castanhas, ao contrário da Syrléa. Quando são boas e estão quentinhas eu até como, mas não acho lá essas coisas. São tão calóricas que eu honestamente prefiro engordar com coisa melhor (leia-se cacau, em qualquer forma). Mas pegamos o saquinho de castanhas de presente do Massimo, subimos no ônibus de novo e partimos outra vez, pra terceira volta. Bruno, quer descer? Não, mais uma voltinha.

Passamos por trás de hotéis, pela zona Viole di Assisi, que é muito bonita e tranquila mas completamente fora de mão. Subimos e descemos ladeiras, passamos pelo cemitério, por trás da Rocca Minore, por baixo da torre de uma inglesa maluca que mora ali sozinha com mil cães e gatos e investe seu dinheiro em vinhos caros que ficam armazenados na garagem do Fabrizio e que ele se encarrega de vender em leilão quando ela precisa de dinheiro líquido. O vento uiva lá fora e Moreno faz a clássica pergunta a Bruno, que lhe dá a clássica resposta:

– Freddo, Bru?
– E’, More’, non è caldo.

Moreno liga o aquecimento, até então desligado porque ele é agitado demais pra precisar dessas coisas. O radio grita uma chatíssima música pop italiana que o Moreno canta junto, com castanhas na boca. Mirco está sentado perto dele, dentro do cercadinho do motorista, encostado na janela do lado direito. Os dois se conhecem desde pequenos e são quase que igualmente agitados. Quando estão juntos riem tanto que às vezes têm que sentar no chão pra gargalhar, como duas crianças. Eu acabo me divertindo também, por tabela.

No ponto de Porta Nuova, onde passa também a linha C e onde eu descia sempre pra ir ao centro trabalhar, três garotas bonitas, obviamente turistas, fazem sinal. Nós três falamos ao mesmo tempo: va alla stazione?, a pergunta clássica de turista clueless que não é capaz de entender que quando NÃO há “Stazione” escrito na frente do ônibus, ele NÃO está indo até a estação. Moreno aperta o botão pra abrir a porta, mas mesmo na leve ladeira a porta não abre e o Mirco estende o braço pra abri-la na mão. Uma das meninas enfia a cabeça pela porta aberta: “Stazione?”. Começamos a rir, Moreno responde, no inglês mais macarrônico do planeta: Fra ten minutes più o meno. Depois se arrepende, deveria ter mentido, a garota era bonita, hahaha.

Vão chegando as oito da noite, fim do turno do Moreno. FeRnanda mandou um SMS cancelando o Fratellão que foi transmitido excepcionalmente ontem em vez de quinta, e resolvemos pegar uma pizza e ver filme aqui em casa. Moreno deixa Bruno perto de casa e vai até o nosso carro. Ele ainda teria uma volta pra fazer, mas encurta sempre essa última, porque sabe que não há passageiros. Nós pegamos o carro e nos dirigimos a Santa Maria pra passar na pizzaria dos Feios; Moreno ia só descer com o ônibus até a sede da empresa, pegar a bici pra voltar pra casa e trocar de roupa, e nos encontrar aqui em casa. Saiu cantando pneu. Com o microônibus. Numa subida.

A pizza estava ótima, o filme (Out of Time, com Denzel Washington) idem, a companhia também. All in all, foi um domingo muito gostoso.

Comendo clementine (tangerinas pequenas, sem caroço e deliciosas) enquanto verso coisas chatas de Português de Portugal ao Inglês. Lá fora a neblina é pesadíssima; não se vê nada, só uma nuvem branca gigante blanketing everything. Ótima escolha, os cravos; ao contrário das pobres dálias-anãs, que não conseguem dar flor de jeito nenhum com toda essa água que cai há meses, os cravos são plantas resistentes e que não se abalam nem com o excesso de chuva, nem com a neblina fria, nem com o vento forte. Suas flores estão todas lá, abertas ou abrindo, brancas, rosa-escuro, vermelhas. Ainda é cedo pra plantar os bulbos de tulipa que a cunhada mandou pelo correio; o frio ainda não chegou e a terra dos vasos ainda está encharcada. Minhas plantas de peperoncino continuam dando grandes pimentas, curvas como sabres, que ainda estão verdes demais pra ser colhidas. Ontem Arianna me deu de presente um buquê de peperoncino, lindo – depois tiro uma foto.

A casa inteira cheira a tangerina.

cachuerros

Ontem o dia amanheceu esquisito, uma neblina densa cobrindo tudo, mas não excessivamente frio. Acordamos cedo, botamos umas coisas em ordem aqui em casa, fomos à oficina trocar o óleo do meu carro e do carro da oficina, almoçamos na Arianna e aproveitamos o tempo lindo e o sol gostosinho pra subir o Subasio com Leguinho e Demo. Lá de cima o vale estava meio afundado na neblina, mas o tempo só começou a mudar lá pras seis, quando um vento frio resolveu soprar e fomos embora. Tinha muita gente no monte, alguns trailers, muitas crianças, gente saltando de paraglider, cavalos e uma vaca pastando bem do nosso lado.

Aquela mancha branca no fundo é a vaca.

passei!

Miraculosamente, passei na prova teórica pra motorista. Digo miraculosamente porque obviamente não tive tempo nenhum pra estudar; dei uma olhada rápida ontem tarde da noite e fiz alguns testes pra praticar, mas considerando a quantidade de informação que tem no livrinho eu até que me saí muito bem: de 30 questões, só errei três (mais dois erros e eu não passava), e bem idiotas – clássicas questões de definições e nomenclatura que não provam nada além da capacidade de memorização do candidato. A minha é ótima; dificilmente eu esqueço de algo que li ou ouvi, e minha memória visual é excelente, o que ajuda na hora de lembrar da legenda embaixo da figura de uma placa de trânsito. Mas definições idiotas não são comigo, fico achando pêlo em ovo, fico com má vontade e acabo sempre errando. E foi exatamente o que aconteceu.

Nós éramos 12. Dez adolescentes, eu, com 8 anos de direção nas costas, e um molambento de seus trinta e cinco anos que eu apostei comigo mesma, só de vê-lo entrar na sala, que não iria passar. O jeito de caminhar, de se vestir, o olhar de pamonha, o fato dele não ter trazido caneta, tudo isso só confirmou a minha certeza. E não deu outra: o cara errou milhões de questões. Além de mim, só mais duas pessoas passaram: um garoto que fez 4 erros e deu um suspiro de alívio que fez todo mundo gargalhar, e uma garota que não errou nada. Uma outra mulinha foi reprovada pela segunda vez. Cara, na boa, fora essas definições idiotas, que são decoreba mesmo, dirigir, e conseqüentemente a prova pra poder dirigir, é como qualquer outra coisa na vida: basta ter bom senso. E feito o teste uma vez você já passa a entender o mecanismo, né. Fora que o livrinho teórico vem com um livrão de testes com TODAS as questões possíveis – são muitas, verdade, mas o teste só tem trinta, divididas em dez enunciados, cada um com três afirmativas que podem ser verdadeiras ou falsas. Os assuntos até que são bastantes: noções de primeiros socorros, que felizmente não caíram pra mim porque não lembro de mais nada, de poluição, de manutenção do carro, de direitos e deveres em caso de acidente, do funcionamento da apólice de seguro do carro, etc. Bem interessante.

Bom, em todo caso, passei. Um alívio, mais pela burocracia que eu teria que enfrentar novamente se fosse reprovada do que pelo medo de não passar de novo, coisa que certamente não aconteceria na segunda tentativa, please. Agora tenho que voltar à auto-escola pra marcar (e pagar, né) a prova prática, e pronto.

E aqui entro com um adendo: eu fui, logicamente, a primeira a terminar, como sempre aconteceu durante toda a minha vida acadêmica, desde que me entendo por gente. Fiz a prova em 5 minutos, contados no relógio. Quando fui entregar a folha, a fiscal, que também é dublê de mulherzinha burocrática às segundas, quartas e sextas (foi ela que me atendeu quando fui entregar o requerimento), pediu, em voz alta, que eu entregasse também a minha pastinha branca, que eles mesmos nos dão, e que contém todos os seus documentos necessários pro andamento do processo. Adivinhem quantas das outras 11 pessoas ouviram o que ela disse, ou se inspiraram nas novas pastinhas brancas que se acumulavam sobre a escrivaninha à medida em que o resto do povo ia terminando? ZERO. A coitada da mulher repetiu ONZE vezes “a pastinha branca também, por favor”. Ou eu sou chata demais ou a imensa média da população é desatenta e desinteressada demais. Eu sei que sou chata, mas tenho a impressão de que nesse caso a segunda hipótese é infinitamente mais provável.

domesticidades

. Eu adoro salmão. Acho uma delícia, lindo, maravilhoso. MAS Ô PEIXE PRA DEIXAR VOCÊ E A SUA COZINHA FEDENDO DIAS A FIO, PUTZ GRILA!!!

. Se eu não tinha nenhuma opinião formada sobre organismos geneticamente modificados, nossas últimas incursões ao cinema me fizeram pensar melhor sobre o assunto. O primeiro a desenvolver um milho de pipoca geneticamente modificado de modo a não ter mais aquelas malditas casquinhas que vão parar direto entre o dente e a gengiva vai ter meu voto pro Nobel.

. A melhor escovinha de rímel que eu já tive na minha vida é uma do Boticário. É uma verdadeira maravilha: não precisa dar aquela limpadinha básica dos excessos na borda do frasco, não forma gruminhos, separa os cílios que é uma beleza. Só tem um pequeno problema: basta uma gota de chuva ou de lágrima pra borrar tudo, mas estranhamente, na hora de remover, à noite, antes de dormir, não há santo que consiga tirar tudo. Eu lavo o rosto com sabonete Basis, uso demaquilante pros olhos, e mesmo assim acordo com cara de drogada em heroína que passou a noite se picando na estação de metrô abandonada, com olheiras de dois metros causadas pelo rímel borrado. Assim não dá.

. Eu AMO escova progressiva.

. Amanhã faço a prova teórica pra carteira de motorista. Algo me diz que não vai dar certo.

. A gatinha do Ettore roubou o lugar do friorento do Leo no cesto de trapos onde ele sempre dorme sozinho, como um paxá. Bem feito. Ele é o maior ladrão de lugar quentinho, mas anteontem o pegamos dormindo todo torto numa cadeira num canto da garagem, enquanto a gatinha dormia em meio aos trapos no cesto quentinho, como o diabo gosta…

coisitchas

Vou custar a escrever sobre a viagem. Preciso de tempo pra editar e uploadear fotos e pra lembrar de um monte de coisas. Enquanto isso vamos às frugalidades, que eu adoro:

O tempo aqui está uma merda, como era de se esperar. Chove o tempo todo, minhas plantas sobreviveram bravamente ao excesso de água e continuam lindas, tenho pilhas quilométricas de roupas pra lavar (e depois passar), mas com esse tempo nada seca, tudo fica com cheiro de cachorro molhado. Já fiz o maldito cambio stagione, ou seja, já levei as roupas de verão, devidamente guardadinhas em malas, acompanhadas de sabonetes da Natura, lá pra garagem. Já subi as roupas de inverno, as botas, os casacos. Hoje já fui ao banco, aos correios, ao banco de novo, ao fruttivendolo comprar verduras e legumes e frutas, à peixaria comprar peixe pro almoço de amanhã. Já limpei a sala, que ontem não consegui terminar. Já estendi roupa, na esperança que seque. Já carreguei a máquina de lavar roupa outra vez, a milésima vez. Já troquei os lençóis. Já lavei os cabelos. Já organizei documentos e faturas. Já dormi uma horinha de nada no final da tarde. Já terminei Dois Irmãos, de Milton Haum (adorei), e já vou começar O Vendedor de Passados. Já descongelei e limpei o congelador e a geladeira, finalmente! Agora estamos indo ao Ipercoop fazer compras e repôr os estoques. Amanhã vou trabalhar na oficina, porque a Elisabetta ainda não voltou da licença pra tirar um nódulo sinistro da garganta, causado por uma pronúncia errada da vogal e.

A praga do momento são os percevejos. Aqueles mesmos, famosos pelo fedor vingativo após um cruel esmagamento. A diferença é que os daqui quase não fedem, ou não fedem at all. Mas são UM PORRE. Bichinhos burrésimos, que entram em casa não se sabe por qual motivo, voam que nem a cara deles e, uma vez caídos de barriga pra cima, são incapazes de se levantar outra vez. Morrem todos assim, pateticamente, esperneando. Minha varanda está coberta de pequenos cadáveres verde-radioativo, que depois a chuva se encarrega de levar embora. Vários deles já foram parar no saco do meu aspirador de pó, porque alguns infelizes morrem dentro de casa e, quando não são esmagados por um pé desatento, eu termino por aspirar mesmo.

Legolas ganhou biscoitinhos de couro pra cachorro e uma roupa que ficou meio justa, mas, sendo de lã, vai acabar cedendo. Tava meio sonolento quando chegamos pra visitá-lo, mas abanou a bunda como sempre, antes de pegar o biscoito da minha mão e ir se aboletar na sua caminha outra vez.

socorro

Crianças, vocês não têm idéia da tempestade que se abalou sobre a região aqui ontem.

Tenho pra mim que a coisa começou na segunda, porque foi um dia MUITO sinistro, de ventos estranhos, céu nublado cedo de manhã, sol que saiu, nuvens que voltaram, e um pôr-do-sol que espalhou um amarelo insalubre pelo ar. Amarelo mesmo, aquele amarelo ictérico, doente. Horrível, me assustou, nunca tinha visto uma coisa assim.

Ontem ventou o dia inteiro. Não só eu tava agitada com toda essa história das passagens, compradas ontem depois do almoço, na internet; os pinheiros lá fora também balançavam bêbados, crianças jogavam bola aos berros no jardim público, o vento soprava, soprava, batia portas, arrastava o varal na varanda. Fomos jantar na casa da FeRnanda pra ver o DVD do casamento deles, e quanto voltamos ainda ventava sem parar, mas nada de chuva.

De madrugada… Os raios e relâmpagos iluminavam nosso quarto mesmo com as persianas todas fechadas. Os trovões sacudiam a terra. Imaginem uma trovoada de 15 segundos (eu contei) que parece que tá rolando debaixo da sua cama, de tão alta. O Mirco chegou até a acordar, clara indicação da magnitude da coisa, porque ele tem um sono de pedra e só acorda quando o céu está caindo sobre as nossas cabeças, como foi essa noite. A noite inteira aquilo, relâmpago e luz no quarto, logo depois o trovão com muito, mas muito barulho, os cachorros das casas vizinhas latindo e uivando. Dormi incrivelmente mal, tive sonhos bizarríssimos dos quais felizmente não lembro, e hoje acordei com uma dor de cabeça incrível.

Ainda bem que as minhas missões de hoje são light: levar o carro do Mirco pra lavar, ir aos 3 bancos resolver umas coisas pra oficina, e mais tarde vamos ao Ipercoop comprar um secador de cabelo pro Ettore (don’t ask), uma calculadora nova pra oficina porque a velha subiu no telhado, e aproveitar pra fazer as compras de comidas pra levar pro Rio. Também tenho que passar roupa e começar a fazer as malas… Amanhã FeRnanda e Fabião vêm jantar strogonoff de despedida e na sexta ainda tenho que passar no hospital de manhã cedo, antes de partir, pra pegar as cópias das radiografias do Ettore.

Já tô cansada só de pensar.

menina, quanto tempo!

Dessa vez fiquei tanto tempo sem escrever por falta de tempo mesmo, e não por falta de assunto. A semana passada foi bem agitada. Vejamos:

. Quarta-feira passei CINCO horas durante a tarde passando roupa. Meno male que a FeRnanda tava aqui pra me distrair. Acabou que ela e o Fabião jantaram aqui, carne assada com pirê de batata.
. Quinta-feira fomos jantar em Ripa, na casa da FeRnanda, mas tivemos que voltar cedo porque o Ettore tinha caído de bunda no chão na oficina e eu fui levá-lo ao PS.
. Sexta-feira lá fui eu de novo com o Ettore ao hospital pra pegar os laudos das radiografias. Foi uma semana bem hospitalar; na segunda fui de novo, como na sexta passada, levar a Zorica ao hospital Monteluce, onde eu costumo doar sangue. Zorica é a mãe do Dejan, o rapaz sérvio que trabalha na oficina. Ela tinha que fazer uns exames na Hemato, e como não dirige, fui levá-la.
. As crostas do meu pé caíram, e voltei a correr. A crosta do maléolo caiu com uma pequena ajuda do meu pé esquerdo. Não me perguntem como foi, porque anatomicamente é uma coisa pouco provável, dar um chute com o pé esquerdo no maléolo lateral do pé direito, mas foi isso que aconteceu. A crosta do peito do pé caiu hoje de manhã. Agora sou uma mulher oficialmente desencrostada.
. Sexta-feira fomos jantar ganso na Piera, a sogra da FeRnanda. Eles volta e meia fazem megajantares no pátio do prédio. Todo mundo mora ali há séculos e se conhece há muitos carnavais, então a mulherada se prontifica a cozinhar, os homens vão fazer as compras, faz-se a vaquinha clássica e pronto, jantar pra 25 pessoas numa mesa que o Bruno, pai do Fabio, que é OOOO McGyver, fez com as PERSIANASSSSSSSSSSS que sobraram de uma obra. O Bruno é um personagem fenomenal, merece um post só pra ele.
. Sábado trabalhei até as duas da tarde na oficina, desengordurando peças que o Dejan depois pintou. É bem legal, uma pistola de sabão superpower que remove até a última molécula de graxa, depois com a pistolona de água que tem até rebote de tão forte que sai o jato. À noite eu tava morrendo de vontade de comer alguma coisa com alecrim. Tentamos a sorte na Arianna, e fomos premiados! Ela tava fazendo pizza, as clássicas cebola & sálvia, tomate & mozzarella, alecrim & sal grosso.
. Ontem conseguimos comer na festa da cebola em Cannara! Tudo bem que chegamos às sete da noite senão não dava nem pra achar mesa, quanto mais comer. Fomos de antipasto completo (bruschetta de cebola, bruschetta de tomate com bacon, cebola recheada, ovo mexido com cebola), tagliatelle com cebola, cogumelos e pasta de linguiça (don’t ask), Mirco ainda encarou um secondo de carne de vitela com molho de cogumelos porcini, acompanhada de cebolas assadas, e rocciati, biscoitos em forma de rosca com semente de anis na massa (até que estavam gostosinhos, se consideramos que anis é uma coisa realmente odiosa).
. E hoje passei a manhã entregando faturas a clientes e cheques a fornecedores, perdi quarenta e cinco minutos no banco, fui comprar ração pros cachorros, passei na oficina pra pegar uns negócios que eu tenho que escanear aqui em casa, e ainda nem pensei no que fazer pro almoço…

Ah, a gatinha tigrada, que a Stefania batizou de Priscilla (pronuncia-se Prishilla), está ótima. Ainda não recuperou totalmente o peso, mas já esta boa.

voltou (a vontade de escrever)

O scooter.

Sábado Mirco interrompeu minha conversa com a Hunka no MSN mandando eu descer que iríamos juntos até a oficina, eu pegaria o scooter e voltaria pra casa já devidamente motorizada. Fui, né.

Meu Zip é realmente uma gracinha, como vocês podem ver na foto abaixo. O problema é que eu não tenho a menor intimidade com ele ainda e morro de vergonha de parecer uma retardada montada numa máquina que tem vontade própria. Claro que ninguém nem olha pra mim na rua; há zilhões de outros scooters pela cidade, das mais variadas idades e dos mais diversos estados de conservação. Muitos são pilotados por velhinhas de saia comprida, meia-calça cor da pele e salto. Muitos outros por extra-comunitários. Mais outros ainda por adolescentes de blusinha de alça e mini-saia, ou de óculos escuros estilo vespão, camiseta mamãe-sou-forte e calça jeans D&G. Ninguém olha pra mim no meu Zip, mas eu me sinto breguérrima.

O capacete é de ótima qualidade e protege o queixo também, coisa pouco comum pra quem anda de scooter. Só que 1) amarfanha a minha juba, 2) espreme as orelhas, de modo que não posso usar brinco quando piloto, 3) quando dá coceira no nariz tenho que encostar, abrir o visor e coçar, 4) faz um calor desgraçado lá dentro, e 5) eu fico A CARA do Ultraman. Só falta o uniforme colante com o zíper aparecendo nas costas.

Desnecessário dizer que quem pedir foto minha de Ultraman montada no Ultrascooter vai levar porrada, já vou logo avisando.

Ainda não aprendi direito a regular o acelerador. Dou cada arrancada monstruosa e às vezes tenho que tocar o pé no chão pra me equilibrar. Não consigo desacelerar devagarinho. Tenho que lembrar de usar o freio da mão esquerda, que é o freio de trás, pra não sair voando à frente do scooter se usar o da direita, da roda anterior. Se relaxar a mão direita do acelerador, o scooter perde velocidade, obviamente.

O mecânico que deu uma ajeitada no scooter botou um barulho piiiii piiiiiiii piiiiiiii quando eu ligo a seta, senão correria o risco de deixá-la acesa eternamente, já que não fica à mão, como num carro, nem desliga automaticamente depois da curva. Só que o barulho é muito alto, e igual ao que fazem os ônibus quando a marcha a ré está engatada, e quando paro no sinal com a seta ligada o pessoal dos carros em torno fica procurando a fonte do barulho. Nessas horas eu acho ótimo estar de Ultraman, irreconhecível.

A coisa mais estranha é que você fica se achando aaaaaa poderosa, como qualquer ciclista que pode passar com a magrela entre os carros e se enfiar em qualquer buraco e fazer qualquer manobra bizarra, bastando apoiar os pés no chão se vir que a coisa ficou preta. Só que não é bem assim: por menor que seja o scooter, ele é pesado, e não basta a pontinha do pé no chão quando se pára no sinal (ou pra esperar o trem passar). Não dá pra ir me enfiando entre os carros (ainda), porque ainda não entendi direito as medidas do Zip, não aprendi direito a calcular as consequências do deslocamento do seu peso pra um lado e pro outro. Sei que isso vai vir com o tempo, oras, se meninos e meninas de 14 anos pilotam esses trecos, não sou eu que não vou ser capaz. Mas essa mistura de sensação de liberdade, que é DELICIOSA, e o medo de estar tão exposta ao chão em caso de queda e tão perto dos outros veículos na rua é muito bizarra.

No sábado eu fui até o centro de Torgiano botar gasolina (4 € o tanque cheio, e faz 130 km. MA-RA-VI-LHA) e depois fui dar uma volta por lá mesmo (na verdade errei a direção no cruzamento mas vamos fingir que foi uma coisa voluntária). Voltei pra casa felizona, e no retão de Cipresso meu pobre scooterzinho tabajara fez 70 km/h numa boa, e contra o vento! Domingo não levei o coitado pra passear, mas agora à tarde fui a S. Maria fazer cópias da chave e pagar o seguro, e apesar da atolação foi muito agradável. Por enquanto ainda dá medinho, mas quando ele estiver devidamente domesticado, ninguém me segura. Vou virar centaura.