Brigada a todo mundo que mandou sugestões de música. Vou passar o fim de semana selecionando e baixando e queimando. Depois digo como ficou.

A entrevista hoje foi meio estranha. Não é exatamente numa editora, mas numa loja de uma grande editora. Tipo uma franquia. O trabalho é como se fosse de vendedora mesmo, só que o público é meio bizarro porque eles trabalham basicamente com livros de ensaio, teatro, filosofia e outras coisas estranhas. A loja fica numa rua movimentada de Perugia, mas é meio escondida. Eu mesma já tinha passado ali em frente várias vezes mas, não achando que tinha muita cara de livraria, nunca tinha entrado.

O proprietário me pareceu napolitano, pelo sotaque. Não é um bom começo. O salário, por um horário part-time, é de 300 euros por mês. Hahahahaha! Dá pra pagar só o aluguel e olhe lá. Mas, como eles gostam de dizer, “há possibilidades de crescimento, de fazer carreira”. Aham. Honestamente, preferiria trabalhar na Libreria Grande. Pelo menos é mais perto de casa, e tem uma boa variedade de livros. Mas fazer o quê, né, já estou atirando pra todos os lados há meses, quero só ver se um dia esse perrengue vai dar resultado…

Acho que qualquer imigrante entende bem o cansaço que o livro que a Mary tá lendo menciona. Eu estou exausta. De tantas coisas…

ajklsfnmviweoruosfam.

O tempo tá uma bosta de novo. Meu humor, idem. Tô tão chata que nem eu me aguento, só me tacando no mar. Só que aqui não tem mar.

Meu cabelo está crescendo em todas as direções, que nem o meu tomilho no vaso, na varanda. Essa umidade é mortal pra juba, não tem jeito.

Hoje, pela segunda vez essa semana, a festa da primavera aqui embaixo foi cancelada por causa da chuva. Tá chovendo MOOOITO. Minha sala tá entupida de vasos de flores que salvei do afogamento, e entre a mesa e a porta-janela da varanda pus o varal de chão, cheio das roupas de banho molhadas do Mirco (nadar faz parte da fisioterapia pós-joelhal dele, e a piscina coberta de Bastia é nova e, dizem, super modernosa. Não sei, nunca fui).

Amanhã é feriado, felizmente. Não sei quem foi que inventou o feriado, mas eu gosto desse cara.

Sexta-feira de manhã a mala do Pino não vai trabalhar (e eu também não, óbvio, que não sou boba. Também, não tem nada pra fazer mesmo…) e eu vou aproveitar pra 1. ir doar sangue em Perugia e 2. fazer uma entrevista de emprego aparentemente muito interessante em Perugia mesmo. É numa editora. Vou repetir: é numa editora. Das grandes. Quem sabe rezar, reze. Quem conversa com anjo, dê umas indiretas básicas assim no seu anjo de estimação, quem sabe. Quem acredita em duendes, deixe uns brownies no canto da sala pra ver se eles dão uma força. Tá valendo tudo, até sentar embaixo da pirâmide. Basta que as good vibrations funcionem.

Hoje comecei e terminei um livro que a minha mãe mandou pela Marcia ontem. É A Casa da Mãe Joana, de Reinaldo Pimenta. Dentro do livro veio uma resenha da minha mãe, com a qual não posso discordar, depois de ter lido o livro: o cara é super babaquinha, cheio das piadas ridículas, mas o livro até que é legal, embora a parte melhor seja a bibliografia. E tome wishlist…

Dentro do livro também veio um recorte da Veja falando do prêmio espetacular que a Lygia Bojunga ganhou. Aquele de 260.000 dólares. Aquele que ela ganhou porque escreve bem pra cacete. Vai ter mãe assim otimista lá na casa do chapéu.

Não tive forças pra sair hoje à noite. Marco e Michela nos esperávamos no bar de sempre às 10:30, mas mandei o Mirco sozinho. Não sou boa companhia hoje. Quero ficar sozinha odiando tudo. Pior que nem Carabinieri tem mais, acabou a temporada. Justo agora que entre Andrea e Andrea (calma, um é menino hômi e a outra é menina muié) tava rolando um sentimento! Nao é justo. Por essas e outras que eu odeio tudo.

The mind é mesmo a powerful thing.

Ontem passei o dia inteiro torcendo pra hoje acordar com alguma febre estranha que me impedisse de ir trabalhar. Fiz melhor ainda: ontem à noite, depois que levantei do computador e fui fazer o derradeiro xixi antes de ir dormir, dei simplesmente com a cara na porta. Esqueci (Freud explica) que tinha deixado a janela do banheiro aberta pra secar uma toalha de banho, e, pra não criar corrente de ar que bate a porta de vidro do corredor, fechei a porta do banheiro. Dei realmente uma carada na porta, com vontade. Fiquei estatelada no chão de tanta dor uns dez minutos, sem saber o que fazer – era meia-noite e meia, eu sozinha em casa.

Hoje minha cabeça dói um pouco, compreensivelmente, mas fora isso estou bem, só não fui correr porque ontem a chuva molhou meus tênis que eu tinha deixado na varanda pegando um arzinho. Vou ligar pro escritório pra dizer que, além da dor de cabeça, estou tonta e não quero dirigir. Se melhorar, mais tarde eu vou, mas agora não tô podendo. Se eu perder meu tempo trabalhando, nunca vou encontrar um emprego melhor, concordam?

chico bento perde

Eu realmente adoro essa vida na roça. Hoje de manhã fui dar a minha corrida básica em meio aos campos de trigo aqui perto de casa, olhando com muita inveja as gigantescas moitas de sálvia e alecrim, as parreiras, os tratores, as mudinhas de alface enfiadas em buraquinhos de um negócio estranho acoplado ao trator. Voltei, bebi meio litro de água e fui levar o carro do Mirco a S. Maria pra lavar. Depois fui dar um pulo na Arianna, que estava reformando o pombal. Parece que os dois machos tinham caído na porrada no dia anterior e precisavam ser separados. Dali pra ir ajudar a pegar os ovos de pata foi um pulo. Uma das patas tinha botado três ovos num ninho lá nos cafundós do judas, dentro da oca improvisada que a Arianna fez pra proteger os bichos do frio. Dentro da outra oca, que fica numa parte separada do galinheiro, a outra pata tinha chocado quatro patinhos leeeeeeeeeeeeeeendos, microscópicos, foférrimos, que esperneiam quando a gente pega na mão. Segundo a Arianna, os outros 7 ovos que ficaram vão morrer, porque dificilmente a pata vai chocá-los. Não consegui entender o porquê, talvez porque não dava pra ouvir as explicações berradas pela sogra – experimente conversar tendo gansos por perto e você vai entender o que eu estou dizendo.

(Isso tudo rolando e os cachorros todos dentro do galinheiro, passeando calmamente entre perus albinos, os malditos gansos, galos que cantam fora do horário, galinhas que ciscavam restos de alface.)

Dali fomos pra horta. As favas já estão prontas pra colher, ela me avisa. Pego uma cesta de vime e lá vou eu me embrenhar na floresta de favas. Ainda estão novinhas e tenras, por enquanto são boas pra comer cruas. Mais tarde, quando estiverem mais secas e durinhas, ficam mais gostosas cozidas. Então tá. Confesso que não sou grande fã de fava crua, mas aqui é uma iguaria, pra ser degustada com um bom pecorino. O Mirco adora, então enchi o cesto. Colhi umas ervilhas também, mas ainda falta um pouco pra elas ficarem no ponto. Alface ainda tenho, ela me deu dois pés bem folhudos terça-feira. As mudas de tomate que ajudei a plantar domingo passado já estão bem grandinhas. São 54 plantas de tomate pra salada e 54 de tomate pra fazer molho e deixar em conserva pro ano inteiro. Os pés de alho estão enormes, as batatas e cenouras ainda não estão prontas pra colher, as cebolas estão lindas, entremeadas de ervas daninhas que dão lindas florezinhas brancas e lilás. Ficamos batendo papo à toa enquanto ela rega os pés de insalata (já falei aqui mas repito: insalata não é só o nome do prato, mas o nome genérico de qualquer planta que se use pra fazer salada), Legolas sentado num canto prestando atenção, os gansos de vez em quando fazendo um barulho desgraçado quando escutam alguém passando na estrada ao lado. Eu, ignorantérrima nesses assuntos vegetais, vou fazendo perguntas idiotas: e aquilo ali, é funcho? Não, é cenoura. E aquela parte lá, é tomate também? Não, são as batatas. E lá no fundo, o que é? Alcachofra. Putz, não acerto uma! A única planta que eu aprendi a reconhecer é a fava, que tem uma aparência particular, com folhas arredondadas e da mesma cor meio cinza, meio azul das oliveiras. Por enquanto, o resto pra mim parece todo igual…

Voltamos pra velha horta, que agora é um espaço pros cachorros, cheio de vasos de flores espalhados sem ordem nenhuma pra lá e pra cá. Arianna me mostra um arbustão de alecrim que ela achou jogado no campo, coitado, e trouxe pra casa. Vai arrancando mudas e distribuindo pelos cantos, pelos vasos, pelos canteiros. É só dar um pouquinho de água que ele pega, ela diz. Aponta pra uma fileira de vasinhos iguais, cada um com uma mudinha verdinha dentro. Sei que são plantinhas de feijão, mas fico impressionada com a velocidade de crescimento: terça-feira eram só brotinhos ridículos! Eu plantei grão-de-bico numa jardineira que estava sobrando na varanda e em uma semana já estão devidamente brotados. Impressionante.

Encho uma sacola de plástico com as favas, a meia dúzia de vagens de ervilha, meia dúzia de ovos de galinha que ficam num cesto de plástico na cozinha de baixo, dois ovos de pata e quatro mudas de peperoncino – duas plantinhas de pimenta redonda e duas de pimenta compridinha. Já estão dando flor, espero que dêem logo o peperoncino. Fresco, assim, no molho de tomate, é uma coisa de louco.

E agora dá licença que eu já plantei o peperoncino e é hora de preparar o almoço: fettina (filezinho de vitela, pálido e sem gosto de nada, que eles adoram e eu quase nunca como) com salada da horta da Arianna, arroz branco que ainda tenho no congelador, e fava fresca, pro lanterneiro. E tenho que preparar as abobrinhas recheadas pro jantar, senão depois fico com preguiça… Consegui achar aquelas abobrinhas redondas bonitinhas, que são deliciosas. Aquelas normais também são ótimas, mas como são bem finas e não precisa nem jogar fora o miolo, não dá pra rechear.

Mais tarde vamos a Ripa. Longa história, depois eu conto.

Há flores em tudo que eu vejo

Pois é, a primavera parece que chegou, mas não conta pra ninguém não, que eu tenho medo do frio voltar.

De qualquer maneira, desde o início da semana que o sol tá lá, firme e forte – forte de verdade, a gente sente a pele queimando, mas não morre de calor porque ainda rola um vento frio. Aqui nos jardins atrás de casa estão preparando tudo pra festa da primavera, que começa semana que vem. Ano passado eu nem reparei – but then, how could I?

Há flores pipocando em tudo que é lugar. Jardineiras nas janelas, mil vasos nas varandas, petúnias, violetas, tulipas, flores cujo nome não sei. Os italianos gostam de jardinagem, mas estão longe da organização dos ingleses, então os jardins são a imagem da ordem no caos: percebe-se a mão de alguém na distribuição das plantas, mas não é possível detectar nenhum padrão de nada. Os jardins das casas italianas são muito visivelmente italianos, e eu acho isso super divertido. Eu adoro essa floração em tudo que é lugar, apesar de ter que admitir que tenho pena das plantas (eu não falei que eu tava brigittebardoziando cada vez mais? Daqui a pouco vou ter pena até de bactéria, espera só pra ver), enfurnadas em pequenos vasos, as raízes doidas pra dar uma expandida e dando de cara com aquela barreira sólida. Pobres florezinhas que não sobreviverão ao próximo inverno! Sinto pena, de verdade. Toda vez que rego minhas flores na varanda fico me martirizando por mantê-las dentro de vasos apertados em vez de livres e serelepes num jardim. Mas não tenho jardim, então tem que ser em vaso mesmo. Tadinhas!

A única coisa que eu não gosto da primavera é essa abundância de rosas em tudo que é lugar. Eu detesto rosa, acho a flor mais cafona do planeta, repolhuda, vulgar, exibida. E ainda por cima tem espinho! Gosto de florzinhas pequenas, espontâneas, alegres e bobinhas – flores do campo, margaridinhas danadas que crescem sem ser convidadas, papoulas vermelho-berrante (sábado colhi várias do chão – novamente a pena de arrancá-las – enquanto passeava com o Legolas e enfiei por dentro da coleira dele. Ficou um cachorro primaveril, papoulento, maravilhoso.) igualmente caras-de-pau que nascem em qualquer lugar; amo as tulipas, elegantes, clean, simples. As miniflores do meu tomilho e da minha sálvia são lindas, apesar de microscópicas – ou então exatamente por serem microscópicas. Minhas petúnias estão divinas. Os cravos foram transplantados ontem a dois vasos maiores, porque achei que as mudinhas não estavam gostando muito da apertação do vasinho onde estavam antes e estavam empacadas na mesma altura há duas semanas. Vamos ver se agora crescem direito. As dálias-anãs estão firmes e fortes; eu dividi um pacotinho de sementes em dois vasos, então eu acho que o espaço é suficiente. Arianna anteontem me deu um vasinho bonitinho com três flores vermelhas estranhas cujo nome nem ela sabia. Perguntei logo se podia passar pra um vaso maior, mas ela falou que não. Tadinhas.

E aqui o ditado diz que uma andorinha não faz primavera. E é verdade. Há andorinhas em tudo que é lugar. De manhã é uma bagunça danada, elas voam feito flechas pra lá e pra cá, indo e vindo dos ninhos construídos embaixo das bordas dos telhados, fazendo o maior escândalo com aquele piu-piu estranho delas. Há outros passarinhos também, mas no meio desse bando de andorinhas a gente nem consegue ver direito.

Acho que seria uma boa idéia arrumar uma andorinha doméstica pra comer as moscas, que já começam a encher o saco. Cada moscona tão grande que parece um helicóptero. Bicho nojento. Insetos malditos, abusados! Ontem à tardinha eu e Mirco fomos correr aqui nas redondezas, em meio aos campos de trigo, e a quantidade de inseto que deu topada na gente foi impressionante. Primavera na roça é assim mesmo, tenho que me conformar…

tudo na vida

Ontem fui a Roma rapidinho fazer o tal provino, ou prova em frente à telecâmera, pro tal lance de Donnavventura. Me senti ridícula, mas menos do que eu esperava. Nunca tive problemas pra falar em público, e mais público do que ali era impossível – armaram uma tenda na Piazza del Popolo, esquina com a Via del Corso, os japoneses passavam e tiravam fotos, passavam charretes levando os convidados de algum casamento chique, e aquele bando de mulher sentada nas escadarias da igreja esperando a sua vez pra olhar pra câmera e dizer, me chamo fulana, tenho tantos anos, moro no lugar tal, e gostaria de participar de Donnavventura porque blah blah blah. O roteiro desse ano será os EUA e um pedaço do Canadá, chegando até o Alaska. Confesso que talvez tivesse ficado mais empolgada se fosse a Nova Zelândia. Ou a África. Minhas chances: 0. Lembrete pro ano que vem: ir de jaqueta de couro e sapato pesado. Ninguém convidaria uma pobre subdesenvolvida de sapato boneca e suéter Burberry pra dirigir um 4×4 no deserto do Nebraska.

ripa na chulipa

Mudando de pato pra ganso: a Serena, como esperado, ganhou de lavada a quarta edição do Grande Fratello. É meio biruta mas parece ser boazinha, por isso acho que mereceu. Claro que o Fratellão é só desculpa pra gente fazer um balacobaco às quintas-feiras, só um idiota pode levar aquilo a sério, mas de qualquer maneira nos divertimos muito ontem. A nova casa Chulipense da FeRnanda é um amor, com vista pra praça central (e única, suspeito) de Ripa, os quartos são amplos, as janelas são muitas, os móveis ainda não chegaram mas o sofá-cama da IKEA é super confortável, as piadinas que o Fabio fez estavam ótimas, a minha torta de limão idem, e a companhia, claro, sempre impecável. Estamos felicíssimos por eles; a casa é uma delícia e com o alto-astral da FeRnanda não tem como não virar um lugar muito feliz.

Hoje à noite vem gente jantar em casa, um primo do Moreno que trabalha na polícia federal (bons contatos não fazem mal, claro, mas esse cara tem fama de simpático. Adoro unir o útil ao agradável). Pão de queijo, feijão com arroz, carne assada que já tá no fogo, farofa, torta de limão.

E acabei de terminar uma tradução do Italiano pro Inglês de um assunto que eu a-do-ro: mitologia grega. E há coisas turísticas de alto escalão pintando por aí.

boh…

Meu tomilho cresce totalmente descontrol, descabeladíssimo. Está dando florzinhas minúsculas de um pálido lilás. A sálvia também deu flor. O único que se recusa terminantemente é o alecrim, que continua com a mesma cara, sem crescer nem morrer (non cresce né crepa), sem flor, sem mudar de cor, totalmente estátua. As petúnias estão lindas. Aliás, estavam, porque não pára de chover desde o início da semana e o vento forte levou embora as flores vermelhas. As brancas, que aliás são muito mais bonitas, aparentemente são mais fortes e estão OK. Os cravos estão crescendo que é uma maravilha. As dálias já ultrapassaram a borda da jardineira, estou doida pra ver se vão dar flor ou vão ficar só empatando. Do manjericão já desisti, já vi que não brota mesmo. E o que eu comprei bello e fatto e plantei na jardineira está todo manchado. Diz a Arianna que é o excesso de chuva. Ainda bem que não é culpa minha. O ficus está lá, estável.

**

Hoje tem super final do Fratellão em Ripa na Chulipa! Inauguração da nova casa de F&F! Não sei o que vai rolar porque Fabião vai pilotar o fogão, mas eu vou levar a minha Torta Ridícula de Limão (rimou toda essa frase, credo!). E que vença Serena!

p.s.: Tão pintando outros lances de turismo por aí. De repente eu até consigo largar essa BOSTAAAAA de vida entre seguros e investimentos…

momento albanesa

Hoje perdi a manhã inteira no Commissariato de Assis pra renovar a bosta do permesso di soggiorno. Eu, albaneses, marroquinos, E A SUELY MARIA, que obviamente fiz questão de fingir que não vi/não entendi quem era. Cheguei pouco depois das nove, quando abre, e a fila já era grande. Pelo menos agora na primavera a fila fica do lado de fora, no meio de um jardim lindo e com vista pras velhíssimas casas de pedra rosa de Assis, em vez de todo mundo enfiado no corredor estreito, aquele cheiro de gente fedorenta no ar, como acontece no inverno.

Pois então. As duas policiais que trabalham ali são muito diferentes em termos de personalidade. A de cabelo comprido é um amor, tranquila, simpática, fala devagar quando percebe que o estrangeiro não está entendendo a língua. Foi ela quem tirou minhas digitais meses atrás, batemos o maior papo, é uma simpatia. A de cabelo curto tem seus momentos megera, de gritar, chamar neguinho de burrinho, mandar você voltar pra casa se ficar faltando um documento que às vezes nem é importante e você poderia perfeitamente trazer mais tarde, quando fosse pegar o documento definitivo. Hoje peguei a de cabelo curto, que felizmente estava bem humorada e não criou problemas. Os documentos que faltavam eram realmente importantes, e lá fui eu fazer a estrada de volta a Bastia pra ir ao Comune pegar um papel e passar em casa pra pegar outro papel.*

Meno male que passear de carro nessa época do ano é uma maravilha: o sol que bate esquenta e deixa aquele cheiro de sol na pele, e o vento fresco refresca. As árvores de fruta estão todas em flor, há pessegueiros cor-de-rosa por todos os lados, margaridinhas selvagens amarelas e papoulas vermelhonas crescem em qualquer pedacinho de terra, o capim é verde claro, os campos são de um verde quase radioativo, há turistas na rua, crianças em excursão da escola, velhos passeiam com cachorros, as lojas estão cheias de fregueses, todo mundo tomando sorvete na rua. Nem mesmo os mil ônibus de turistas e os carros que vêm de fora e atravancam a estrada por não saber direito aonde ir estragam o passeio cheio de curvas, com vista privilegiada pro vale.

O único grandíssimo perrengue do momento é a mattonata, estrada de tijolinhos que vai do centro de Assis até a estação de S. Maria. As pessoas mandam dinheiro pra igreja, que bota seus nomes nos tijolos (mattoni) vermelhos que pavimentam essa calçada. Só que, como tudo que vem da igreja, essa coisa já sugou mais dinheiro que… que, bom, que obra de igreja. Já houve vários processos por fraude e desaparecimento do dinheiro desses otários, a obra ficou interrompida por anos, e agora recomeçou, interrompendo o trânsito. Tudo isso só pra você passar por uma calçada vermelha, com os nomes dos otários marcados nos tijolos: Famiglia Rossi, Roma. Famiglia Proietti, Milano.

Meu nojo pelas instituições religiosas é tão gigante que não tem nem como medir.

*O detalhe é que o prazo pro permesso definitivo ficar pronto é de 3 meses. Ou seja, se o meu tutor-ator não conseguir ativar o amigo dele que trabalha na Questura em Perugia, nada de Brasil esse ano, já que com o provisório eu não posso sair da Itália, senão perco o direito ao permesso. Bom, né.

de titio, raios & cia

Sábado recebi um telefonema deliciosamente inesperado do meu tio Égas, irmão mais velho do meu pai. Acabei falando também com meu avô, que fez 93 anos dois dias depois do meu aniversário, com a minha tia Ilse, e com a mulher do meu tio, a tia Iara. Acho que bateu a nostalgia geral porque a filha do tio Égas, a Paola, tá morando na Dinamarca e ficou todo mundo meio bobo com essa debandada das netas mais velhas. De qualquer maneira fiquei muito feliz dele ter ligado.

Na noite de sábado rolou uma forte tempestade aqui na zona, e hoje o telefone da agência não parou de tocar por conta de clientes que queriam denunciar danos causados por raios. Um raio caiu na torre da praça central de Assis, bem do lado da loja do Fabrizio o Louco, e derrubou um pedaço de pedra da torre da igreja que caiu dentro de um escritório – não sei os detalhes, não vi o telejornal regional ainda. Ainda bem que aqui em casa deixamos tudo desligado antes de sair pra jantar com o Fabio e a FeRnanda, por isso não queimou nada.