venerdì

Meu último aluno do dia, um médico fofinho, teve que ir a Milão e cancelou a aula. Aproveitei que saí às seis em vez das oito e fui dar um pulo na academia.

Nunca mais malho àquela hora. É a hora do lobo mesmo, todo mundo lá se expondo na vitrine, malhando maquiada, malhando dando gritinhos, mostrando os modelitos Puma e os tênis Nike de última geração, que custaram mais do que o carro que eu dirijo (e estou falando sério). Fiz meia hora de esteira, 15 minutos de Transport e saí correndo. Esnobei a fila pro chuveiro e o engarrafamento de mulheres peladas no banheiro, joguei o casaco por cima da roupa de ginástica mesmo (nada de nojo, eu não suo) e corri pro carro.

E aproveitamos a oportunidade única da minha chegada precoce em casa pra ir jantar fora. Resolvemos comer um peixinho no Massimo, aquele lá na casa do chapéu. Tava tudo muito gostoso, a não ser os nhoquinhos com creme de lagostins, que estavam meio grudentos. Nem conseguimos terminar a garrafa de vinho branco, e estávamos tão cansados que voltamos voando pra casa, desabando de sono.

brumas

A neblina já dura uma semana. Nos primeiros dias, lá pra hora do almoço o céu já estava limpo, a temperatura agradável e eu feliz. Mas a cada dia a névoa dura mais um pouquinho, e ontem pela primeira vez não deu trégua o dia inteiro.

Vocês estão carecas de saber que o único fenômeno meteorológico que eu abomino é o vento. A neblina é chatinha, mas não é o que há de pior no mundo. O problema é que as roupas não secam – ainda não está frio o suficiente pra ligar o aquecimento – e tudo fica com aquele estranho cheiro de neblina. E dirigir também não é nenhuma Brastemp, principalmente à noite, e principalmente pra mim.

Ontem voltei do trabalho em velocidade velhinho, dando risada de nervoso porque não via nada. Mas eu acho neblina uma coisa muito maneira. Acho muito interessante a sua consistência quase sólida, o modo de vir em blocos, em tufos, em punhados, o jeito com que cede à passagem do carro, com que distorce as luzes, com que esconde as coisas. Os postes desaparecem e vêem-se só os globos flutuantes de luz. Os carros à minha frente se reduzem a dois pontinhos vermelhos simétricos e mais um pontinho vermelho mais brilhante, o farol de neblina. Basta a estrada subir um metro e meio pra danada sumir, e basta uma afundadinha de nada pra bichinha adensar. Perde-se toda e qualquer noção de orientação espacial – eu que já não tenho nenhuma me dou mal pacas – e o silêncio é opressor. Tudo ganha ares surreais, nebulosos, o tempo não passa, a falta de rádio no carro se faz sentir mais do que nunca. Morro de medo de atropelar algum bicho na estrada, e vou muuuuuuito devagar, a cabeça esticada pra frente, concentrada no asfalto, tentando lembrar de quando há curvas, os olhos fixos no mato às beiras da estrada pra não acabar passando por cima de um pobre bicho desavisado que resolva arriscar a sair de casa com esse tempo maldito. Mas correu tudo bem e cheguei em casa sã e salva.

esaurita sfinita in fin di vita

Agora que fico em casa de manhã, porque os meninos no escritório da oficina já estão adestrados direitinho, o cansaço está batendo de verdade. Tipo assim, só agora estou com tempo pra entender meu cansaço, sacam? Não tenho forças pra fazer nada além de passar o aspirador e tirar o pó. Tenho milhões de coisas pra lavar a mão, e não tenho forças. Tenho coisas pra estudar, mas não consigo me concentrar. Acabo passando a manhã inteira girando feito um zumbi pela casa, sem fazer nada de útil. Nem pra ler tenho forças, vejam só. E durmo mal, o Mirco dorme mal. Acho que só vamos conseguir descansar mesmo no Rio.

tudo novim

A vantagem de conviver com gente intempestiva é tipo assim: cheguei em casa hoje e tinha um computador novinho em cima da escrivaninha. O Mirco é a favor de renovar aparelhos eletrônicos uma vez por ano, antes que dê pau e dor de cabeça. Começo a achar que ele tem razão. O outro já tava lento e irritante, mas depois da loucura do monitor a vaca foi pro brejo mesmo e acabamos ficando uma semana inteira sem computador, o que é incompatível com a vida. Não é tão complicado comprar uma máquina nova, é só faturar no nome da empresa, então não precisamos fazer grandes sacrifícios. É tão gostosinho ajeitar computador novo, baixar os programinhas, catar ícones bubus, refazer registros! Melhor que isso, só arrumar a estante toda e ficar olhando de longe a beleza dos livros coloridos, apoiados uns nos outros.

piante

O tempo já está estranho, neblina de manhã, noites frias, mas um sol que ainda racha a cabeça se você der mole. O manjericão, plantinha mais sensível, não está entendendo nada e já anda amarelando. As outras são guerreiras e não estão nem aí. Os cravos dão flores feito doidos, as plantas suculentas já viraram praticamente moitas há muito tempo, e as plantas aromáticas estão cada vez mais lindas, depois que eu tomei coragem de podar a galera. Estou secando várias delas pra fazer um mix de temperos que depois vou mandar por aí, pra muita gente a quem eu quero muito bem e está espalhada pelo mundo. Por enquanto a produção ainda é em baixa escala por pura falta de tempo, mas eu chego lá.

batendo perna

O dia ontem foi longuíssimo. Saí cedo de casa pra não pegar trânsito pra Perugia, e fui direto ao Centro de Triagem dos correios. O que aconteceu foi o seguinte: minha mãe tinha mandado uma caixa do Rio com os livros de português pro curso que começou ontem, e a caixa chegou ontem mesmo, só que eu não estava na oficina quando o courier passou. Nem o Mirco. E a mente brilhante do Ettore não conseguiu chegar sozinha à conclusão de que uma caixa do Brasil com um remetente com o mesmo sobrenome que eu MUITO PROVAVELMENTE era pra mim. Mandou embora o pacote. E nessa eu me fodi. Comecei o curso de português sem livro mesmo, mas antes liguei pros correios de Perugia e quase chorei no telefone pedindo pra alguém quebrar o meu galho. Por sorte moro em um país onde regras foram feitas pra ser quebradas, e com um pouco de sorte e de choro a gente sempre encontra alguém disposto a dar uma mãozinha. Quem me atendeu foi um cara muito simpático que me levou lá pras entranhas do depósito e me ajudou a catar o pacote, que de outro modo só chegaria à agência dos correios de Torgiano na semana seguinte.

Resolvido esse pepino, fui relaxar e cortar os cabelos. Os cachos voltaram e estou achando ótimo. Enchi desse negócio de escova. Não tenho cara de lisa mesmo, então foda-se. Quem ficou contente foi a Giuliana, que não me via desde abril, e que cortou fora um mar de cabelos.

E dali a começou a epopéia do Centro de Cefaléia. Porque eu não sei dirigir em Perugia, vivo me perdendo, não entendo o trânsito, não acho os estacionamentos que eu quero, e levei séculos pra chegar ao Policlinico Monteluce. A doutora estava vindo do outro hospital, o Silvestrini, que fica lá na casa do chapéu, e estava empacada no trânsito. A consulta, que era pra meio-dia, só foi rolar à uma e meia. Muito simpática e gentil, coisa rara quando falamos de médicos italianos, a doutora me fez milhões de perguntas, mas uma das mais importantes, que trabalho eu faço, foi completamente esquecida. Minha pressão estava alta, coisa totalmente anormal, já que normalmente só me deixam doar sangue depois de me entupir de líquidos por causa da pressão baixa. Mas dado o nível de stress na minha vida ultimamente, é bem compreensível. Pediu um monte de exames, entre eles dos hormônios tireoideanos e uma ressonância do cabeção, que não sei quando vou ter tempo de fazer.

Comprei uma carteira na Furla, em um resto de promoção, e na rua ali do Arco Etrusco, que vai dar na Stranieri, pela primeira vez entrei em uma padaria que sempre me chamou a atenção. É uma porta minúscula, e lá dentro tem sempre um monte de gente, por isso nunca tinha entrado. Dessa vez eu tinha um pouco de tempo e resolvi arriscar. Acabei descobrindo um tal do Pane Panda, que nada mais é do que um pão feito em nome da WWF. Uma parte da renda da venda do tal pão vai diretamente pra eles, ou pelo menos espero. O bicho (o pão, não o panda) é uma delícia, com grãos de aveia, trigo e semente de girassol, conserva-se muito bem, sem perder nada de consistência ou umidade de um dia pro outro (mais que isso não pude avaliar, porque matei o pouco que restava no dia seguinte) e na parte de cima tem uma espécie de hóstia comestível bonitinha, com o panda símbolo da WWF. Acabei comendo quase tudo puro mesmo, no carro, fazendo hora enquanto a próxima aula não começava. O dia terminou às dez e meia da noite, com os Salames. É muita pedra na cruz mesmo… ;)

caldo

O calor está de matar, literalmente. Velhinhos já começam a sucumbir. Vento fresco é só uma memória longínqua. O sol frita, sinto meus melanócitos se agitando, doidos pra exocitar melanina, mas o escudo solar fator 60 não deixa. Todo mundo desfilando bronzeados de pescador, artificiais ou não, Mirco com os braços, a cara e o pescoço pretos mas o torso branco onde a camiseta cobre, e eu amarelinha como mamãe me fez. Adoro.

Mas como eu dizia, o calor. O calor!!! Tudo bem que dura só um par de meses, em vez de quase o ano todo como no Rio, mas exatamente por isso aqui ninguém está preparado pra essas temperaturas. Ar concidionado praticamente só no cinema e no supermercado, de preferência nas vizinhanças de queijos e iogurtes. O resto, meus queridos, é senegalês mesmo. Aquele bafo quente dos diabos quando você bota a cara na rua. Aquela sensação de estar copiando o destino do frango prestes a ser assado, quando você entra no carro fervente. Uma coisa enlouquecedora. De manhã cedo já estamos nos 30 graus, à noite não se dorme, outro dia acordei de madrugada sozinha e fui encontrar Mirco dormindo no chão da sala, que é piso frio. Não vemos ninguém na rua antes do pôr-do-sol, porque não dá pra sair de casa. Me sinto na Sicília. Ou no sul da Espanha. Uma modorra diária, que consome as forças. Não quero fazer nada além de dormir. Nem isso, porque acordo com as costas úmidas de suor.

Temos que comprar mais água mineral.

cousas

Apesar do cansaço, de ter chegado tarde ontem da última aula, de ter ficado acordada até meia-noite pra ver o finalzinho de Contact na TV, não consigo dormir até tarde e às oito da manhã já tinha voltado da corrida matinal. Limpei a casa toda meio correndo porque tinha aula mais tarde, preparei o molho de tomate pro almoço do Mirco, botei roupa pra lavar, estendi roupa no varal, tomei banho e lavei o cabelo, comi minha salada de trigo e tava botando a chave na fechadura pra sair quando me liga o Paulo Cintura, o aluno de sábado, dizendo que tava em Arezzo e muito provavelmente não conseguiria chegar em tempo pra aula. Até quarta-feira, se despediu.

E então, tudo já arrumado, limpo, preparado, organizado, só um pouco de roupa pra passar mas foda-se, resolvi fazer uma coisa que até hoje nunca tinha tido tempo de experimentar: botei uma cadeira na varanda e fiquei lendo, aproveitando o vento fresco e a claridade sem o sol escaldante, que estava a caminho da varanda do quarto. No inverno a varanda é infreqüentável por motivos óbvios. De qualquer maneira, normalmente não tenho tempo nem pra me coçar, e quando boto os pés lá fora ou é pra estender roupa ou pra cuidar rapidinho das plantas. Aaaaaaaah que maravilha, eu sentadinha na minha cadeira hedionda de plástico, rodeada de cravos rosa-choque, ervinhas cheirosas, plantas bizarras, os pés estendidos sobre uma outra cadeira, o celular e o telefone sem fio à mão, cabelinhos lavados, só curtindo o ventinho e vendo as árvores balançarem lá nos jardins públicos.

Pena que o Godfather não engrena nunca. Fosse um outro livro melhorzim a coisa toda teria sido melhor ainda.

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Hoje à tarde Gianni, Chiara e Roberta vêm aqui pra fazer as reservas da viagem de agosto, que vai ser Paris e Normandia. Eu preferiria ir a outro lugar, porque estou obcecada com essa idéia de voltar à França só quando estiver falando francês e com dinheiro no bolso pra gastar, mas como sempre sou voto vencido. Gianni achou um vôo barato que sai aqui do Aeroporto Internacionalmente Tabajara de Perugia, ou seja, maior mão na roda. Então vai ser França mesmo, again. Não tem problema; Valerio ontem me deu mais uma aula de francês e disse que vou aprender rapidinho. Xeroquei um monte de exercícios e vou tentar estudar entre um aluno atrasado e outro, ou quando estiver de bobeira na oficina.

E mais tarde vamos jantar na festa do tartufo em Ripa, com FeRnanda e Fabião. Uhu!