fofocas

. Ontem à noite, chegando do trabalho, Mirco encontrou a velhinha aqui de frente, a mãe da Foca Monaca, lembram? Nossa vizinha gorda, fofoqueira, que dorme com os velhinhos da vizinhança pra ganhar uns trocados porque o marido não lhe dá dinheiro nenhum. Pois a velhinha tava lá do outro lado da praça, e ela é velha pra cacete e não conseguia voltar sozinha. Mirco se ofereceu pra trazê-la pra casa e a velha começou a resmungar: aquela prostituta da minha nora me deixou ali no meio da rua, aquela vaca, ela quer me convencer de que vai buscar água [não me perguntem onde, não sei], mas eu sei bem onde ela foi e o que anda fazendo!

Caramba.

. Suely Maria mudou de carro. Deu tchau ao Escort conversível branco com a Arbre Magique tigrada pendurada no espelho, e agora tem uma Smart com um gato de pelúcia no painel. Smart é carro de cocota, vocês sabem. Em cidades onde estacionar é um problema eu até posso entender, embora o preço seja salgado demais pra pouco espaço, mas aqui na roça, na Umbria despopulada, não faz o menorrrrrrrrr sentido, e só tem mesmo quem gosta de se exibir e anda de óculos-vespa e todas aquelas coisas que a Simone descreveu brilhantemente aqui.

. O companheiro de Suely Maria sumiu, não vejo há uma semana, maravilha. Joguei tanto rato morto nele que é capaz dele ter caído num buraco qualquer em conexão direta com o mármore do inferno, ele, seu cigarro, seu Porsche ridículo, seus óculos escuros e todo o conjunto da obra. Já vai tarde.

. Suely Maria trabalha num bar. FeRnanda uma vez entrou num bar, que ela nem lembra qual era, pra comprar sei lá o quê, e a ouviu falando em português no celular, ou com uma amiga, não sei direito. FeRnanda, desprovida do instinto anti-suelymaria com o qual aparentemente nasci, tentou puxar conversa, perguntando, em italiano, usando até a forma de cortesia, vejam só: Lei è brasiliana? Como resposta ouviu um Sì grunhido, uma carranca e um olhar esnobe. Hohohoho.

. Um amigo da Roberta, irmã do Gianni, mora no prédio gêmeo do nosso. Uma vez, conversando, Roberta disse que tem uma amiga brasileira (eu) morando no prédio ao lado. O cara fez uma cara de nojo e ela se apressou em dizer “não é essa que você tá pensando, é outra!!!” e ele fez ah, bom. Vejam, meus amigos, que não sou eu que sou biased. Vulgaridade é reconhecível a quilômetros por qualquer pessoa normal.

. Mudando de assunto, a Bota deu mais uma vez um show de atraso mental e egocentrismo dos botenses no plebiscito do último fim de semana sobre as ridículas leis atuais de fecundação artificial (riproduzione medicamente assistita, diz-se aqui). Só um quarto do povo apareceu pra votar, e com isso tudo ficou na mesma, e a Itália continua com as leis mais atrasadas do mundo sobre o assunto. O Vaticano achou o máximo. Atualmente os embriões não implantados são jogados foraaaaaaaaaaa porque a lei proíbe pesquisas de células-tronco nesses embriões. Então vão todos pro lixo, e as poucas instituições de pesquisa do ramo têm que importar embriões de outros países. O Papa fala de proteger a vida e coisa e tal, que o embrião é vivo e humano desde o momento da fecundação e blah blah blah. Mas então eu é que devo ter entendido mal: entre o direito de ser jogado no ralo e o direito de ser usado pra estudos que podem salvar e melhorar a vida de zilhões de pessoas, a igreja prefere o direito de ser jogado no ralo? Então tá.

. Demos mole, não compramos logo as passagens em oferta com a Aerolineas e perdemos a promoção. Dançou a Argentina, e vai ser Escandinávia mesmo em agosto, então. Estou tristíssima, olhem só minhas rugas. :)))))))))))))))

. Hunka, se você não vier esse ano eu te encho de porrada.

Tuco e Carol, idem.

. Beijos e saudações flamenguistas à Carol do Werther e à sua tia Dita, que pelo que ouvir dizer é gente boa pacas :)

uia

O dia tava bem gostosinho hoje. Sol forte compensado por nuvens passageiras, empurradas por uma brisa fresca. Depois de uma boa arrumada na garagem, que tava o samba do crioulo doido, fomos cedo pra Arianna e ficamos horas brincando com a bicharada. As filhotas da Priscilla já tão saindo da casinha delas e tocando o maior rebu no jardim, subindo em árvores, provocando os gansos através da grade, brincando com penas de peru que acham caídas pelos cantos. Quando der vontade subo as fotos. Subi pra ajudar a botar a mesa enquanto o Mirco ficou lá embaixo vigiando a lasagna no forno a lenha.

Comecei a bater papo com a avó do Mirco, a Lucia (lutchía), em família carinhosamente chamada de Laspo’ (de La Sposa, A Esposa, como a chamava o falecido marido). Ela é uma bonequinha, miúda e calada, foférrima, e sempre preocupada em depilar o buço antes de fazer suas poucas aparições em público. Pois então: falávamos de amenidades, de como o tempo anda estranho, de como não se entende mais nada de coisa nenhuma, se vai chover, se não vai, se o calor vai durar, se a neve vai cair em junho no Abruzzo, enfim, essas coisas. Ela perguntou, meio ressabiada, se eu não achava que a lua tinha alguma coisa a ver com esse clima doido. Hmmmmmmm como assim? Ela perguntou se eu acreditava que o homem tinha mesmo pisado na lua, e se isso tinha alguma coisa a ver com o clima. Achei tão bonitinha a pergunta, parecia coisa de criança mesmo! Expliquei com o máximo da simplicidade o efeito estufa, e ela fez oooooh. Não é uma coisinha fofa? :)

***

Ontem à tarde aconteceu uma coisa bizarra. Finalmente terminei a tradução que estava sugando meu sangue há tempos (não porque não tenha sido legal, é que faltou tempo pra me dedicar comme il faut), tomei banho, fui lá fora ligar a máquina de lavar roupa, e quando voltei pra dentro estava espirrando sem parar. A narina esquerda coçava terrivelmente. Impossível ser alergia, pensei. Me recuso a virar alérgica. Não tenho paciência pra ser alérgica. Minha pele é sensível demais, se eu tiver que viver assoando o nariz em lenço de papel meu nariz vai cair de tanto atrito com o papel. Não posso virar alérgica porque alergia é uma das coisas mais chatas do mundo.

Mas mesmo depois do jantar de peixe com Mirco e Stefania a narina esquerda continuava coçando. E hoje acordou coçando de novo. No final da tarde me irritei; depois de ver Meet the Fokkers (que filme chato, benza deus!), tomei um Fenergan que tenho vergonha de dizer de onde veio, e nos mandamos pra festa da cereja em Capodacqua, uma frazione de Assis. O tempo foi passando e comecei a sentir os efeitos do Fenergan, que até hoje eu só tinha tomado pra dormir quando tinha insônia (sim, tenho meus momentos McGyver-improvisativos). Fui ficando boba, boba. Não entendia nada. As pessoas falavam comigo e eu levava horas pra entender. Não consegui nem curtir as lindas casas da zona, o belo galpão de madeira, a delícia dos ravioli com nozes e formaggio di fossa (don’t ask). A cabeça pesava e tudo parecia tãaaaao longe, tão sem importância, tão esquisito. Acabamos vindo embora mais cedo, porque eu já tava quase rindo sozinha de tão boba. Eu, hein.

ainda plantinhas – UPDATED

Já escrevi aqui mil vezes louvando as virtudes do cravo. Planta danada de resistente, dá flores bonitas, precisa de poucos cuidados e cresce terrivelmente na primavera. Olha que beleza.

E essa é minha mini-horta de temperos, que o Mirco carinhosamente apelidou de erbette del cazzo (não é um elogio e eu sou proibida de usá-las na comida). Em sentido horário, partindo do alto à esquerda: tomilho (timo), manjericão (basilico), hortelã (menta), rúcula (rucola). No centro, no vasinho pequeno, o famoso serpilho (serpillo), primo bastardo do tomilho. Na segunda foto, alecrim (rosmarino) e sálvia.

E as piante grasse, literalmente plantas gordas, que não sei como se traduz em português. As folhas são espessas e polidas, como um cáctus sem espinhos. A menorzinha não se abala com nenhuma condição climática estranha, e dá florezinhas amarelinhas que parecem de plástico. A outra foi a tal que a Arianna roubou uma mudinha da IKEA há três anos e plantou na varanda. Virou uma plantona linda. E sozinha na foto uma outra que a Arianna me deu, eu esqueci na varanda no inverno e murchou, e quando eu achei que tinha morrido definitivamente apareceram uns brotinhos lindos. Botei pra dentro de casa e ela continuou crescendo. Agora na primavera ela já tá firme e forte.

UPDATE: Ig acaba de me informar que as piante grasse em português chamam-se plantas suculentes. Nunca ouvi falar, mas eu sou botanico-ignorante mesmo. Mais detalhes aqui.

joão e o pé-de-feijão

E ainda no assunto plantas: há algo de muito estranho acontecendo no minúsculo círculo botânico que é a minha varanda da cozinha, que na primavera e no verão passa a ter algumas horas de sol de manhã cedo.

O lance é o seguinte: no meio do inverno plantei os bulbos de tulipa que a Stefania mandou da Holanda. Dois bulbos de tulipa negra (que todo mundo sabe que é roxa e não preta, mas é linda assim mesmo) eu plantei num vaso grande que está na varanda da cozinha. Na varanda do nosso quarto plantei dois bulbos de um outro tipo de tulipa que não me lembro qual é. As tulipas negras estão enormes e lindas, mas as outras levaram séculos pra dar as caras. De repente uma das plantas deu uma crescidona assim estilo adolescente que espicha, e virou uma coisa esquisita que não parece nada nada com tulipa. Mas tudo bem, eu gosto de plantas e não tive coragem nem de arrancar a coisinha estranha que nasceu no vaso onde ficava o defunto manjericão. A bichinha tá lá, amarradona, crescendo horrores, e com toda a cara de que vai dar florezinhas minúsculas. Mas então, essa pseudo-tulipa foi crescendo, e notei que na outra parte do vaso brotavam coisinhas verdes que não conseguiam crescer muito. Imaginei que fosse porque a outra plantona estivesse roubando espaço e nutrientes, e arrumei um outro vaso pra transplantar a plantona e deixar espaço pras coisinhas verdes. Semana passada comprei a terra, segunda-feira peguei uns cacos de cerâmica e um prato pro vaso na Arianna, e agora à tarde tomei vergonha na cara e sentei na varanda pra operação transplante.

Qual não foi minha surpresa quando, com terra até nas sobrancelhas e os dedos enfiados no vaso procurando a raiz da pseudo-tulipa pra tirá-la inteira, encontrei um caule imenso, larguíssimo e longuíssimo! Fui seguindo o tal caule e notei que ele dá voltas e mais voltas dentro do vaso. Fui tirando terra, curiosíssima, e achando mais centímetros de caule. Fui parar num murundu de raízes que ocupam praticamente TODO o vaso. Por isso que essa miserável levou tanto tempo pra aparecer do lado de fora! Eu achando que não tava rolando nada, que o bulbo tava hibernando, mas lá dentro da terra tava rolando a maior festa! Coitada da planta, imagina o tempo que ela perdeu dando voltas e voltas na terra, crescendo aquela infinidade de raízes malucas e sem sentido! Agora vou ter que comprar um vaso grande como uma banheira pra botar essa planta. Mirco vai adorar. Daqui a pouco não tem mais espaço pra gente na varanda, de tanto vaso…

O mais ridículo é que eu só acho o panfletinho da tulipa negra, que veio junto com os bulbos, explicando que espécie é, quando plantar, quanta água dar, essas coisas. Nada de panfletinho da outra planta. Então agora já não tenho mais certeza de que a plantona esquisita seja uma tulipa. Se for, não sei de que tipo é. E se não for, não tenho a menor idéia do que é. Mas se continuar crescendo nesse ritmo, daqui a pouco expulsa a gente de casa.

prantas

Não consigo me acostumar com a idéia de ter que podar plantas. Entendo o mecanismo e concordo que faz sentido, mas não acho legal, sei lá. Tenho pena das plantinhas. Pra arrancar um raminho de alecrim só falta eu pedir desculpas à planta, imagina a preparação psicológica que não teria que rolar se eu tivesse que podar uma árvore.

No final do inverno começa o frenesi da poda. Por todo o lado vêem-se pobres árvores nuas, os galhos cortados até o talo; cercas-vivas que não parecem tão vivas assim, meio carecas que ficam depois da poda; arbustos que passaram o inverno secos e pelados e agora estão secos, pelados e cotós.

Mas começa a primavera e os primeiros brotinhos verdes começam a surgir, saindo muitas vezes diretamente desses cotos de tronco que ficaram. É engraçado, porque há um tipo de árvore muito comum por aqui, cujo nome desconheço, que tem um tronco estranho: chegando a uma certa altura, vira uma espécie de nó gigante, e dali partem os galhos, curvando-se pra cima. Quando podadas, essas árvores ficam reduzidas a um tronco seco com essa bolota em cima, com todos os cotoquinhos em volta, onde antes ficavam os galhos. Na primavera os brotinhos saem diretamente desses cotoquinhos, e o resultado é uma bola verde estranhíssima, até que os ramos cresçam e dêem uma aparência mais digna à árvore.

Eu não consigo podar nada. No máximo dou uma aparada no tomilho da varanda, quando vejo que tá ficando descabelado demais. Em uma semana ele dobra de volume. Mas mesmo assim fico com pena.

porre…

O tempo virou, e feio. Um invernico, por assim dizer, no meio de uma estação que deveria ser mais temperada. Chove, venta horrores (bora de 135 km/h em Trieste), neve e mais neve no norte, mar agitadíssimo, frio. Aqui chove sem parar, e as sementes de manjericão, que plantei toda esperançosa semana passada quando achei que fosse esquentar de verdade, devem ter entrado em hibernação até segundo aviso. Os cravos, que já tinham começado a florescer, daqui a pouco apodrecem no chão da varanda. A única que tá achando legal é a tulipa, que curte o frio amarradona. Que bosta.

o weekend dos mortos-vivos

Acho que nunca dormi tanto na minha vida como nesse último fim de semana. Na sexta-feira dei aula pra uma turma nova, um funcionário aposentado dos correios que, honrando a fama da classe, é mais lento que jabuti de ressaca, e uma estudante do último ano de Psicologia que nas horas vagas dirige uma agência de detetives particulares. A aula vai das sete e meia às nove e meia da noite, e no meio da coisa comecei a sentir as malditas facadas atrás do olho esquerdo. Logo a situação se deteriorou, principalmente porque o escritório da escola já tava fechado (damos aula no escritório de um engenheiro que passa a maior parte do tempo fora e nos aluga a sala) e não tinha como arrumar água pra tomar o remédio anti-crise. Lágrimas desciam do olho esquerdo, não de dor, mas porque algum oba-oba neural devia estar rolando por ali; eu não sabia mais nem o que tava dizendo, e quando a aula terminou só faltei ajoelhar no chão e chorar. Só que o sofrimento não tinha acabado: eu ainda tinha que ir a Perugia pegar uma latinha de tinta que o fornecedor da oficina tinha deixado do lado de fora do portão pra eu pegar (adoro esses provincianismos!), já que o Mirco tinha saído pra jantar com o Moreno, em estado de ansiedade intensa porque tá indo pra Argentina outra vez agora à tarde, do outro lado da cidade. Não sei como consegui chegar lá, e muito menos como consegui voltar pra casa. Mas consegui, e quando cheguei em casa me joguei na cama e chapei.

Mirco não chegou muito tarde, e eu ainda estava em estado de decomposição cerebral. Acordamos no sábado no nosso horário natural, um pouco antes das sete, e nos preparamos pra sair de casa. Dei aula das dez ao meio-dia pra outra turma nova, duas meninas muito legais e espertas; ainda fofoquei meia horinha com a Rossella, até que senti as pontadas retro-orbitais de novo e piquei a mula. Fazer faxina tava completamente fora de cogitação porque eu mal me agüentava em pé; fiz um risoto de aspargos selvagens que nem a minha cara, Mirco chegou às duas, comemos e fomos direto dormir – os dois com dor de cabeça. Eu acordei às sete da noite, tomei um caldinho de feijão instantâneo Maggi, cobri o Mirco que tava todo torto no sofá, tentei sentar pra escrever ou traduzir mas não dava, voltei pra cama. Acabei dormindo outra vez lá pras dez da noite. Eram três e meia da manhã quando o Mirco me acordou perguntando se eu não queria fazer companhia pra ele enquanto ele JANTAVA. Comeu uma piadina com salame e voltamos pra cama. Acordamos domingo às dez da manhã, coisa absolutamente inédita na minha vida. A cabeça ainda estava dolorida, mas dava pra suportar. Almoçamos na Arianna, fomos ao cinema ver After the Sunset (bobiiiiiinho mas divertidinho) e depois jantamos no chinês da via Settevalli com a Roberta e o namorado. Adoramos chinês porque é sempre tudo igual em qualquer restaurante que você for, custa pouco e ainda dão brindes ridículos na saída. Dessa vez peguei um anel de acrílico colorido e uma coisa estranha pra pendurar não sei onde.

Pensamos em pegar um DVD, mas algo nos dizia que não conseguiríamos assistir ao filme todo sem dormir. Não deu outra. Botei o timer da TV em 15 minutos e dormi antes de ouvir o puf! dela desligando…

uia

Hoje vai ser, aparentemente, um sábado cheio. Tenho que lavar o cabelo, torcer pro hominho da máquina de lavar vir, sair pra comprar umas saladas, frutas, verduras, porque só tenho cenoura e funcho na geladeira, traduzir, limpar a casa e estudar francês.

Logo de cara, duas boas notícias e uma não-notícia: só ontem fui ver que o cartão do Itaú tinha vencido em fevereiro e entrei em pânico, porque tava afinzona de comprar uns pacotes de farinha de mandioca e coisas assim em Foz do Iguaçu; pois bem, como é o banco mais eficiente do mundo, o cartão novo já tá lá em casa, e minha mãe vai mandar o bichinho lá pro hotel. Também recebi um e-mail de uma agência de traduções de NY que ficou mesmerizada com o meu currículo “impressive” e mandou umas coisas interessantes, que não vou detalhar porque não tem nada certo ainda. A não-notícia é que o hotel ainda não respondeu, o que anda me deixando num estado de irritação intergaláctico. Mais tarde mando um fax enfurecido avisando que se eu chegar lá e meus pacotes não estiverem separados num canto direitinho pra mim, vou rodar a maior baianona (mentira, que eu não sou disso, mas não custa assustar).

E agora dá licença que tenho umas coisas maneiras pra traduzir antes de tomar coragem pra lavar a cabeça. Ando cada vez mais de saco cheio com o assunto cabelo, e ultimamente sonho com freqüência que estou raspando a cabeça, feliz da vida.

friday

O dia foi um mix balanceado de coisas boas e coisas chatas.

A manhã foi produtiva em termos de tradução, mas por outro lado o hominho que deveria ter vindo consertar a máquina de lavar roupa, que agora deu pra fazer escândalo durante a centrifugação, me deu o cano. Chovia sem parar, mas a temperatura subiu e não precisei deixar o aquecimento aceso.

Almocei massa curta saltata in padella com abobrinha e berinjela em cubinhos, deixei molho de tomate pronto pro Mirco e fui mais cedo à escola pra xerocar umas coisas pros meus alunos. A primeira aula era à uma da tarde, com os Três Mosqueteiros, mas a bendita fruta da turma não pôde vir, então me concentrei em corrigir o dever de casa dos meninos, tirar dúvidas e fazer uns exercícios do livro-texto que tratavam da Escócia – um dos meninos é fissurado com a Escócia. Notei que estavam meio macambúzios e perguntei qual era o problema. O problema era que ontem eles tinham feito umas contas (são cunhados e amigos de infância e se vêem com freqüência) e notaram que a minha parte do curso com eles estava terminando. É que a política da escola é usar um professor não-madrelingua na primeira metade do curso, pra poder explicar a gramática em italiano, e um madrelingua pra segunda parte. Só que, queridos, em todas as vezes em que estive nos EUA e nos dois anos e tanto em que vendi vinho e javali a americanos ricos na loja do Fabrizio o Louco, nenhum americano jamais me perguntou de onde eu vinha. Aliás, sim, em duas situações: pra perguntar se eu era californiana, sabe-se lá por quê, ou então depois que me ouviam discutindo em italiano à velocidade da luz com aquela mala do Fabrizio, o que os levava a concluir que 1) eu não era italiana, porque italiano não fala inglês direito nem a porrada, e 2) não era americana, porque americano não fala bem italiano nem a porrada. E dali vinha a curiosidade. Por isso posso, absolutamente sem modéstia porque vocês sabem que eu não tenho dessas coisas, entrar na categoria native speaker, e os meninos, quando lhes disse que não eram obrigados a mudar de professor, foram logo depois da aula tentar falar com a lourinha que cuida dessas coisas, que estava fora mas depois ligaria pra eles. Resultado: não vamos mudar coisa nenhuma, vou dar mais 30 horas de aula pra eles, o que eu acho ótimo, porque são espertos, estudiosos, interessantes e engraçados e me divirto horrores com eles, e, melhor, me esforço realmente pra dar uma aula interessante, e faço com prazer. Sempre levo algum material extra pra eles lerem ou fazerem exercícios, recomendo filmes, livros, gramáticas e dicionários, e até hoje não houve nenhuma pergunta deles que eu não tenha sido capaz de responder. Como além de tudo isso sou muito engraçada e temos vários interesses em comum, diga ao povo que fico. Claro que a lourinha me deu a notícia mais tarde, na presença do chefe e da chefa da sede de Gubbio. Adoro quando ela faz isso. Esse tipo de coisa me dá o poder, por exemplo, de pedir pra ser paga sexta-feira dia 11, quando normalmente o pagamento é feito dia 15, mas como dia 15 já vou estar em Foz…

Às quatro e meia chegaram Burbone e Burbina, com quem também me divirto, embora também pene um pouco porque o pai não é exatamente talentoso em termos de pronúncia e a filha demora um pouco a aprender em relação ao pai, o que às vezes a irrita e faz com que ela perca a concentração. A coisa boa é que Burbone é médico do trabalho, e ontem finalmente consegui entender o que diabos é o raio do gelone, essa maldita dor no pé que todo inverno me maltrata horrivelmente. Aqui se fala muito de gelone, mas obviamente os camponeses não sabem do que se trata, e já ouvi as explicações mais absurdas. Sempre achei que fosse algo articular, porque a pele estica com o inchaço e fica brilhante e vermelha; se fosse algum problema só de pele, teria descamação, ou feridas, ou sei lá. E ele me explicou que realmente é uma inflamação articular, ou seja, uma artrite, parecida com a artrite reumatóide – se vocês derem uma googlada vão entender o pé no saco que é. Coça, dói pra cacete, incha – aliás, rubor, calor, tumor, dor, tá tudo lá. A boa notícia é que a pomada de corticóide que uso pro quelóide também serve pra artrite, o que significa que não preciso gastar mais dinheiro comprando remédio pra esse gelone, que ainda por cima é doença de pobre, que nem frieira, unheiro, essas coisas cafonas.

Enquanto esperava a Quarentona Estressada, que teve problemas no trabalho e no celular e não veio à aula nem pôde nos avisar, bati um papo a jato com um novo professor, um metido a gostosão enfiado num paletó risca-de-giz que acho que acabou de entrar na escola mas já tem a maior intimidade com todo mundo. Basicamente fizemos um acordo: ele vai me dar aula de francês, e eu a ele de português. Assim ninguém desembolsa nada e todos ficam contentes.

Também aproveitei o tempo livre pra começar mais um Camilleri da série do Montalbano, “La Voce del Violino”. Voltei mais cedo pra casa depois de esperar a Quarentona por 40 minutos, achei na internet o dicionário que eu tava querendo, vi que a porra do hotel não tinha respondido nada mas não quero nem saber e vou mandar entregar tudo lá mesmo e foda-se, fiz uma sopinha de legumes bobinha pro jantar, Mirco chegou dizendo que não íamos mais à festa do Roberto, felizmente, porque eu não tava com saco, sentamos no sofá pra ver C.S.I. que agora passa duas vezes por semana, quando começamos a bater cabeça fomos correndo pro quarto, e dormi com o Camilleri na mão e Grissom na TV, com o timer programado pra desligar em dez minutos porque eu não sou sócia da Light. Aliás, da Enel.

de neve, livros e mais nada

Ontem nevou bastante no país inteiro. Toda a Itália parada por causa dos transtornos causados pela neve, inclusive as ilhas. Até aqui no interior do Gabão nevou direitinho, uns flocos imensos, que se acumulavam na estrada. Lá pra hora do almoço o sol saiu e derreteu tudo. Hoje tá um frio desgraçado, mas nada de neve; céu limpo e ar fresco típicos do inverno. Uma das tulipas roxas já está dando o ar da graça, devagarzinho. A embalagem diz que é uma espécie de “fioritura tardiva”, e provavelmente a flor só vai sair em abril ou maio. Não tenho pressa.

Pro Franco Romano comprei um livro do Ian McEwan que eu nunca li, mas gosto do autor e acho que ele vai gostar, até porque é professor de Inglês e tradutor. Pro Gianni comprei a tradução de White Teeth, de Zadie Smith, que é uma das coisas mais hilárias que eu já li. E pra Fernanda comprei a tradução em italiano de High Fidelity, que é outra das coisas mais hilárias que eu já vi.

Estou gostando de The Lady Chatterley’s Lover. O início é meio lento, mas agora a coisa começa a esquentar – e bota duplo sentido nisso.

E como eu sou uma pessoa problemática, lógico que não me contentei com os três livros pra presente, e pra mim mesma, porque eu mereço, comprei Fight Club, que eu ainda não tinha lido, do Chuck Palahniuk; BFG, do Roald Dahl (o que a Camila, um docinho, filha da Julie, ganhou de Natal); The Old Man and the Sea (porque eu falei que esse ano seria o ano dos clássicos); The Curious Incident of the Dog in the Night-Time, de Mark Haddon, porque mesmo se eu nunca tivesse ouvido falar desse livro, com esse título ele já teria me enchido de curiosidade; e Storia del Miracolo Italiano, de Guido Crainz, aquele que eu ouvi no rádio outro dia se perguntando comé que a Itália virou primeiro mundo (cof cof cof) sem nunca ter deixado de ser um país de camponeses ignorantões. Estou curiosíssima, íssima, íssima. Compartilharei, compartilharei.