Pra não dizer que eu não falei de vizinhos

Eu disse que o resto do meu andar é tranqüilo e muito normal e conseqüentemente não rende post. É verdade. Mas tenho duas vizinhas “de bairro”, por assim dizer, que merecem algumas linhas.

Começamos pela vizinha da frente. Exatamente ao meu prédio há uma casa muito grande, rodeada por um pequeno gramado, com muitas roseiras. A casa não é particularmente feia, mas tem uns detalhes em vermelho, como as esquadrias das janelas e as varandas, que me dão arrepios. Nessa casa moram quatro pessoas: a Foca Monja, o Cornudo, o Filho da Foca, e a Mãe da Foca.

Foca Monja é como os italianos carinhosamente chamam as mulheres gordas. Imagino que cada país deve ter o seu animal de referência; os brasileiros usam baleia, orca e outros cetáceos, e os italianos (e quando digo italianos digo os italianos aqui da Itália central, não sei como é nos outros lugares) usam a foca monja, que é simplesmente uma espécie de foca. A Foca Monja em questão é uma senhora já de uma certa idade, muito gorda, sem dentes, que goza, na cidade, de uma reputação assim, digamos… repreensível. Porque sabe-se que o marido, doravante chamado Cornudo, não lhe dá nem um tostão. E ela resolve o problema divertindo velhinhos. Custa menos que uma prostituta de Perugia, e o velho não fica morrendo de vergonha por ser velho e feio, porque ela também é velha e feia. Um dos clientes mais famosos da Foca Monja é o irmão caquético do tio do Mirco, um senhor de 80 anos carinhosamente chamado de Pecorello (algo como “Carneirinho”), porque não tem mais um dente sequer na boca, e neguinho acha que aquela boca retraída lhe dá um aspecto de carneiro. O engraçado é que todo mundo sabe desse “trabalho informal” da Foca Monja, e ninguém se escandaliza – ou então ninguém se escandaliza mais, porque a coisa já rola há muitos anos. Dizem que ela foi muito bonita quando jovem, mas eu não acredito, porque não tem os traços bonitos nem a pele interessante, e principalmente porque tem um olhar de retardada. Pena que esse blog não tem áudio, porque eu poderia imitar pra vocês a voz da Foca Monja quando chama o cachorro, um Yorkshire chatíiiiiiiiiiiiiissimo chamado Jimmy. Pelo menos nós achamos que se chama Jimmy, porque a falta de dentes prejudica a dicção e não dá pra saber se é esse mesmo o nome do cachorro, ou se é Timmy, ou Dimmy, sei lá.

O Cornudo bate na Mãe da Foca, e isso todo mundo também sabe. Parece que ele já teve uma empresa de transportes, mas hoje é aposentado e passa o tempo todo podando as malditas roseiras, que dão flores de todas as cores. O cachorro late pra todo e qualquer ser vivo que passe em frente à casa, causando indiferença no Cornudo e gritos de Jimmeeeeeeeeeeeeeeee na Foca Monja. A Mãe da Foca, que já morreu mas esqueceu de deitar, dá uns mini-passeios ali em torno da casa, sempre de lenço na cabeça e bengala na mão. Sempre séria, sempre calada.

O Filho da Foca dirige um Mercedão esportivo totalmente inadequado à sua idade cronológica, coisa muito comum por essas bandas. Não tenho idéia do que faz da vida e só o vejo muito raramente.

A Família da Foca mora só no andar de cima da casa, que é de tijolinhos amarelos e tem muitas flores espalhadas pelas varandas. A parte de baixo é um grande salão envidraçado, e ficou muito tempo exibindo uma plaquinha de aluga-se, até que começaram a rolar boatos de que ali estavam pra abrir uma pizzaria da asporto (to go), do tipo que não tem mesas nem balcão nem nada, você vai ali comprar a pizza pra levar pra casa e pronto. Maravilha! Nada de bagunça nem gente bêbada nem gente fumando, e a imensa comodidade de uma pizzaria logo embaixo de casa; não dá tempo nem da bichinha esfriar! Infelizmente há duas semanas vimos que o boato não passava de um boato; no salão envidraçado abriram uma loja de acessórios pra kart. Não consigo imaginar nada de mais inútil. Fosse pelo menos um açougue, uma agência dos correios, uma agência funerária que fosse, porque sei que uma livraria seria pedir demais, mas uma loja de acessórios pra kart? Socorro.

Mas o mais interessante sobre a Foca Monja é que ela sabe tudo da vida de todo mundo. Já foi avistada fofocando nas áreas mais remotas de Bastia e das cidades vizinhas. Passa boa parte do tempo pendurada na grade vermelha da varanda, tomando conta da vida dos outros. Quando, há alguns meses, eu e Mirco saímos do prédio com dois armários de madeira que o Mirco tinha envernizado pro banheiro da FeRnanda, ela gritou da varanda estratégica, sua gávea particular: Tão se mudando, é? Quando voltamos do Rio, cheios de malas, ela gritou: Siete stati laggiù? (Laggiù, literamente “lá embaixo”, se refere a qualquer lugar desconhecido e longe, leia-se depois de Perugia, em qualquer direção. Nesse caso obviamente ela estava falando do país tropical do qual eu venho, e que ela não sabe direito qual é porque não sabe nem em que galáxia vive.). Eu respondi que sim. No dia seguinte ela perguntou a mesma coisa pro Mirco outra vez, e ele respondeu que não. Minha resposta a muitas das coisas que ela me pergunta é um simples não e um sorriso que desencoraja outras perguntas. Imagino a pele da Foca começando a coçar, a ficar vermelha, placas alérgicas de curiosidade se formando. Hohoho.

Particularmente não acho que ser fofoqueira é o maior defeito do mundo. Há coisas piores, muito piores. Na verdade há MUITAS coisas piores. Mas que tem horas que irrita, ah, tem.

fds tsé-tsé

O fim de semana foi praticamente uma clausura. Na sexta Gianni, Chiara e Moreno vieram comer pizza aqui em casa. O assunto foi, claro, Argentina – meu preferido. Not.

Sábado fui pra oficina cedo com o Mirco, e antes do meio-dia saí pra levar uns documentos pro contador. Voltei pra casa, deixei o almoço engatilhado, dei uma mini-geral na casa, Mirco chegou, almoçamos, eu fui lavar na mão uns suéteres de lã enquanto o Mirco capotava, e lá pras quatro eu também acabei dormindo no sofá. Acordamos às sete da noite, Mirco com o nariz entupido e sinusite e dor no corpo, jantamos, vimos um pouco de TV e fomos dormir de novo.

Domingo acordamos às nove e meia da manhã, coisa rara, especialmente pra mim, totalmente early bird. Como todo mundo na casa dos pais do Mirco tá doente, resolvemos dar um pulo lá mais cedo pra dar uma mão com as galinhas, os cachorros, a casa, o almoço. Acabou que a Arianna já tava melhor e quando chegamos tava se preparando pra servir o café da manhã pros cachorros e pras gatas (no início ela comprava ração pras gatas, mas os cachorros comiam tudo. Como as gatas adoram a ração dos cachorros, agora todo mundo, inclusive elas, come comida de cachorro e pronto. Comem todos juntos, os seis, trocando toda hora de tigela, uma suruba só.). Mirco foi dar uma volta de ônibus com o Moreno, que tava no volante desde as cinco e meia da manhã. Eu fiquei lá curtindo o galinheiro e o Leguinho, enchendo o “bondinho” de lenha. O bondinho é uma caixa com rodinhas que é enganchada num cabo de aço e levantada até a varanda da cozinha através de um motorzinho instalado ali mesmo na varanda; o depósito de lenha fica lá embaixo, antes do galinheiro, então quando a caixa esvazia é só descê-la com o motorzinho até o quintal, descer as escadas, desenganchar a caixa, levá-la até o depósito de lenha, enchê-la de lenha, voltar pro quintal, enganchá-la no cabo de aço, subir as escadas, ligar o motorzinho, aterrissar cuidadosamente a caixa na varanda, e transferir a lenha do bondinho pra caixa de lenha da varanda. Depois de colhermos uns ovos frescos no galinheiro, subimos pra fazer a massa pro almoço. O molho já tava pronto, simples, de tomate e manjericão. A carne já tava pronta pra cozinhar, foi só descongelar e botar na brasa com azeite e sementes de funcho – carneiro, que eu não gosto muito porque é gordurosa demais, e com sementes de funcho não há santo que me faça comer. O contorno também já tava engatilhado – corações de alcachofra com azeite, salsinha e o maldito limão. O almoço foi tranqüilo, mas enquanto fazia a massa comecei a sentir a danada da enxaqueca e assim que acabamos de comer voltamos pra casa. Dormimos até as cinco da tarde, e como eu estava um pouco melhor resolvemos ir ao cinema. Vimos Neverland, uma delícia de filme! Voltamos, vimos um pouco de TV e dormimos de novo, eu já devidamente enxaquecada outra vez. Emocionante, né.

uff!

O dia foi corrido ontem, como tem sido sempre nos últimos meses. Manhã na oficina corrigindo as faturas, aula com o Aluno Endocrinologista em Perugia e um giro rápido no centro pra comprar feijão preto e procurar farinha de mandioca (que não tinha mais na única loja que vende), almoço voado, oficina, mais faturas corrigidas, tentativa de enviar as Ri.Ba. pro banco, irritação, tempo que voava, o feijão que me esperava, compras a fazer, Ipercoop lotado, compras feitas em DEZ MINUTOS, casa, feijão no fogo, faxina meteórica feita igual à minha cara, banho, Moreno chegando e eu em casa sozinha fazendo cuca de banana, papos sobre a Argentina, eu fingindo muito interesse, a irmã do Gianni chegando com o namorado que se chama Marco mas nós chamamos de Bruno, depois Gianni e Chiara chegando com o Mauro e o Mauro não-Mauro (ele se chama Pietro mas todo mundo o chama de Mauro), o último a chegar foi o Mirco, as cadeiras não bastam, tem que pegar as extras da IKEA na garagem, acabou a água mineral, tem que pegar mais na garagem, não deu tempo nem de trocar os lençóis da cama, nem de pendurar a roupa na corda, usei a couve italiana e ficou bem razoável, o feijão ficou qualquer coisa, a farofa não deu nem pro buraco do dente, sobrou só uma colherada de arroz pro meu almoço de hoje, a cuca de banana sumiu todinha, a caipirinha ninguém quis, a louça tá toda lavada e a casa tá toda arrumada, fomos dormir às três da manhã, ainda não consegui terminar Great Expectations, a turma nova que iam me dar não era compatível com meus horários e fiquei na beiça, que merda, ainda não fiz as contas das horas de aula de janeiro por falta de tempo, hoje tem oficina de manhã + aulas non-stop até as sete e meia da noite, não tenho tempo de tocar no meu livro de Francês, que passeia comigo de carro todo dia, na esperança de conseguir uma meia horinha básica que nunca vem. Meu cabelo tá horrível. Estou cansada.

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Foi só eu falar que por aqui neva pouco que pronto, acordamos hoje de manhã com toda a paisagem branca lá fora. Neve mesmo, de verdade, que acumula nas ruas, não derrete logo de cara, cobre os campos e telhados. Levamos quase 20 minutos pra varrer a neve da ladeira da garagem, que fica no subsolo. E mesmo assim o carro escorregou, patinou, girou as rodas em falso, e quase não subiu. Viemos pra oficina a 40 km/h, com o carro no cruise e o pé direito encolhido pra não pisar acidentalmente no freio, que nessas condições é melhor nem tocar pra não sair piruetando pela rua. Outros carros passavam por nós com imensas (e pesadas) camadas de gelo acumuladas no teto. Meu carro, que normalmente dorme fora, essa noite ficou na oficina, porque ontem voltamos pra casa juntos no carro do Mirco. Agora o Punto tá lá fora, debaixo do pinheiro, e mesmo assim já está todo branquinho. Tem um pouco de vento também, que joga os grandes flocos brancos no chão em um ângulo inclinado. O termômetro do carro marcava 1° C às oito e meia da manhã.

Estou começando a achar que essa viagem a Dusseldorf vai ser a maior furada. Isso se o avião sair do chão. Nossa esperança é que vamos partir de Roma, que tem um clima superlight e só muito raramente tem esses problemas climáticos extremos.

No sul do país as estradas estão bloqueadas. O telejornal das oito hoje mostrava quilômetros e quilômetros de carros e caminhões parados nas estradas nevadas, os motores ligados, funcionários da Defesa Civil distribuindo bebidas quentes e sanduíches pros coitados dos motoristas. Os limpa-neve e os spargisale (os tratores que espalham sal grosso na estrada) não são suficientes, e muitos trechos da rede viária do país estão totalmente intransitáveis.

Eu definitivamente ODEIO inverno.

p.s.: Estou tentando terminar dois posts pra distrair vocês até eu voltar da Germânia. O problema é a falta de tempo mesmo; ontem chegamos em casa às nove e meia da noite e só jantamos porque eu tinha deixado a sopa pronta, senão quem é que teria tido saco de cozinhar? Ou de sair de casa naquele frio pra comer fora?

p.s.2: Mil obrigados ao Rodrigo de Portugal que aparentemente solucionou o problema do e-mail preguiçoso. Agora só falta eu ter tempo de ligar pra Telecom reclamando.

p.s.3: Anti-histamínico é melhor que Lexotan pra ajudar a dormir. Mas não façam isso em casa, crianças.

domenica

Hoje Mirco acordou tarde. Eu nem tomei café pra não acordá-lo (ele anda muito estressado e acorda às cinco da manhã e vai ver TV na sala, e acaba re-dormindo no sofá) e fiquei na cama terminando o livro sobre os celtas. Fomos almoçar na Arianna, que fez lasanha, coisa que eu não comia há séculos. Nem deu pra brincar direito com Leguinho nem nada, porque tava um frio do cacete e porque tínhamos combinado de passar na casa do Gianni e da Chiara pra resolver que viagem fazer esse ano. Gianni encasquetou com a Argentina. Mirco adora a Argentina e o Moreno foi pra lá semana passada; a passagem tinha sido comprada no ano passado e há meses que toda vez que nos encontrávamos o papo era SEMPRE Argentina. Imaginem a intensidade da minha encheção de saco. Mas dessa vez parece que a coisa é séria, porque o Gianni achou voos relativamente baratos também de Buenos Aires pra Uchuaia e El Calafate, pra ver a geleira de Perito Moreno e coisa e tal. Aparentemente vai rolar mesmo, no final de março. Vamos ver.

uff!

E eu pensando que o fim de semana seria light.

Só conseguimos sair da oficina às quatro da tarde, porque veio um cliente calabrês que de vez em quando aparece, e como paga sempre em dia e sem criar caso, foi atendido. O cara é louro de olhos azuis e tem cara de tudo menos de calabres; muito simpatico e educado. Ajudou a soldar uma plaquinha pra reforçar uma lateral do caminhão e só não veio almoçar com a gente porque ainda tinha que encarar umas dez horas de viagem até a Calábria.

Depois do almoço tardio Mirco foi cortar o cabelo, missão demoradíssima, porque o barbeiro dele não marca horário e a fila é sempre longa. Eu fiquei dando uma guaribada em casa e preparando o jantar pro Fabio e pra FeRnanda, que chegaram às oito e meia. Mirco chegou depois, exatamente do jeito que tinha saído – a fila no barbeiro estava tão grande que ele resolveu deixar pra lá, continuar com o arbusto na cabeça e dane-se. Aproveitou o tempo livre pra ir fazer compras numa grande loja DIY (que aqui se chama fai-da-te) em Perugia, e voltou carregado de ferramentas, furadeiras, aparafusadores elétricos e outras coisas igualmente excitantes.

Pro jantar inventei um antipasto quente, e acabou que deu certo: forrei as minhas forminhas pra muffin de silicone com batata ralada, depois coloquei um pouco do recheio de salmão que tinha sobrado daquele jantar pros meninos que iam pra NY, cobri com mais batata ralada, polvilhei com sal e alecrim e pus no forno. Ficou bem gostoso. Depois fiz penne com salmão defumado (tínhamos que desencalhar o último salmão defumado que compramos na Metro, antes que acabasse a validade) e creme de leite. Simplinho e gostosinho, ainda mais com uma polvilhada de pimenta branca por cima. Fomos dormir cedo, porque estávamos exaustos e porque não tinha nada de interessante pra ver na TV.

pregui…

E hoje é feriado na Itália: Epifania. É o dia no qual a Befana, uma bruxa, traz doces e brinquedos pras crianças boas e carvão pras crianças que se comportaram mal.

Nós aproveitaremos o dia pra descansar, trabalhar e ir ao cinema, necessariamente nessa ordem. Descansar porque ontem foi um dia longo e depois ainda fomos comer pizza com Gianni e Chiara e ficamos programando viagens e olhando atlas até duas da manhã. Estamos saindo agora pra almoçar na Arianna, depois temos que dar um pulo na oficina pra resolver umas coisas, e dali vamos diretamente ao cinema ver The Grudge. Alguém já viu? Não sei nada sobre esse filme, se é bom, se é horrível, se dá medinho, se dá pena.

oi!

O primeiro dia do ano significa sempre almoçar na Arianna. O dia estava lindo, e depois do almoço (cappelletti feitos em casa, com molho de tomate; carne brasileira na brasa; chuchu refogado) fomos dar uma volta ali em torno da casa com os cachorros. Esquecemos de descer com a máquina fotográfica, mas eu também não tava no clima – ando meio jururu esses dias. Descobrimos uma cachorra nova numa casa velha que hoje abriga uns cavalos de corrida e 24 gatos: é uma filhotona toda desengonçada, com patas gigantescas e orelhas muito longas. Linda, deliciosa! Infelizmente é arredia que só e não deixa ninguém chegar perto dela. Amanhã vou levar um pedaço de salame pra ver se ela cede.