desabafim

Como foi bom ter ficado em casa ontem! Passei a manhã inteira subindo fotos pro Flickr e guardando os panfletos, bilhetes e ingressos da viagem na pastinha que criei pra não perder essas coisas, que tipicamente se espalham pela casa e caem no limbo infinito de onde nunca mais saem. Almocei com o Mirco, passei roupa à tarde e fui comprar fruta fresca na Rita. Tive uma leve enxaqueca, é verdade, mas fingi que não era comigo pra poupar um comprimido.

E agora estou me preparando psicologicamente pra voltar a trabalhar.

Não me levem a mal, acho ótimo finalmente ter um contrato de trabalho decente e todos aqueles direitos trabalhistas legais, mas é que trabalhar longe de casa (leia-se não almoçar em casa) é chato pacas. E ter chefe maluca é muuuuuito desagradável. O pessoal do “nosso” lado da força está todo debandando. Só sobramos eu, Simona (que está procurando outras paragens) e Stefano, que é mais ou menos imune à loucura da chefa. O resto já foi-se. É tão chato trabalhar assim! Podia ser uma coisa tão legal. Só gente jovem, motivada, um trabalho interessante (falo da agência de tradução), clientes do país inteiro e tradutores do mundo inteiro, uma casa linda com vista pro rio e cerejeira no quintal… Mas é um porre. Impressionante como uma maçã podre inutiliza um barril inteiro de maçãs legais. Uma maluca consegue infernizar a vida das pessoas ao redor de uma maneira realmente impressionante. Quero ver até quando EU vou resistir. Porque vocês sabem que eu não tenho nem papas na língua nem paciência com gente maluca, e ainda por cima vulgar. Aturo muita coisa, mas vulgaridade não.

A minha chefa deve ter algum problema na cabeça. Quer dizer, deve, não, tem, mas deve ter mais do que eu imaginava.

Os dias estão quentíssimos. Ela resolve transformar um dos banheiros em escritório. De que cor pinta? LARANJAAAAA! Daqueles fosforescentes que você sua só de olhar! A escola inteira é colorida. A única sala não-cor quente é a verde, em que dou aula todos os dias e que praticamente é o meu reino. Um calor do cacete e nós trabalhando em salas cor de abóbora, rosa-choque, vermelho…

:)

Terminei hoje na agência uma tradução imensa pra uma companhia de cruzeiros. É muito engraçado porque são os slides de treinamento pro pessoal das cozinhas, do serviço no restaurante, etc, então tem desde receita de dry martini até os penteados permitidos ou não. Como sempre, aprendi coisas interessantes, do tipo alimentos crus devem ficar na prateleira mais baixa da geladeira pra não pingar nos alimentos cozidos e prontos para o consumo, em caso de derramamento de substância não identificada NÃO toque pra ver o que é mas chame o responsável, e coisas desse tipo. Adoro traduzir coisas assim, me divirto horrores.

Depois engatei nuns documentos técnicos pra um fornecedor de próteses femorais. Eu gosto de traduzir coisas médicas. Dá sempre uma certa nostalgia, um sentimento de por que raios eu não gosto de medicina, cacete?, até porque hoje estaria dirigindo certamente algo melhor do que o meu Corsa velho, mas é sempre uma boa experiência. É inevitável aprender alguma coisa, e se o artigo é bem escrito a tradução fica sempre boa porque me empolgo. É engraçado lembrar de termos que eu nem sabia mais que ainda mantinha na memória, tipo fator de necrose tumoral, mastócitos, apoptose.

Saber é bom. Aprender é bom.

karma

Tenho comido muita salada de trigo. Aqui no verão a “insalata di farro” é muito comum, e eu, que sou chegada em cereais e leguminosas em geral, faço a festa. Só que a minha salada de trigo tem mais verdura que trigo, porque senão já viu. Quem vê o Tupperware cheio pensa putz, como come, quando na verdade só tem 60 gramas pesadinhos de trigo e duas abobrinhas, duas cenouras, um pouco de milho verde, ervilhas frescas, atum, o que me der vontade. Hoje aproveitei pra reciclar o espinafre que sobrou do jantar de ontem, e ficou uma combinação meio estranha mas deliciosa. Só que duas horas depois eu já tava com fome de novo, e uma ameixa preta, convenhamos, não enche nem o buraco do dente. Tive que apelar pra salvadora barrinha de cereal que eu até já tinha esquecido que tinha, escondida num canto da bolsa.

Mas o pior nem foi a fome, foi a última aula do dia. Meu aluno é um médico superbonzinho, e faço aula com filho mais novo dele, que é uma figura. Ele trabalha com reabilitação neurológica de crianças, coisa interessantérrima, mas putz, como a aula com ele é cansativa!!! Primeiro que ele é completamente desprovido de senso de humor, coisa que ele mesmo admite, e segundo que ele pensa, pensa, peeeeeensa tanto antes de falar que freqüentemente leva três, quatro minutos pra concluir uma frase – o que significa que quando ele bota o ponto final eu já não sei mais do que ele estava falando, e faço só hum-hum e faço outra pergunta. Cacetes estrelados, sexta-feira, as duas últimas aulas do dia, e me cai logo isso! Eu mereço.

ufa

Rapaz, 11 horas e meia de trabalho hoje, entre traduções e aulas. Com meia hora de almoço só, pra comer meu franguinho com arroz integral – tudo frio, lógico, porque não tenho saco de esquentar nada na cozinha.

E ando com o sono atrasadíssimo. Por algum motivo desconhecido, não consigo dormir além das seis da manhã. Sempre acordei cedo e gosto disso, porque o dia rende mais e porque funciono muito melhor de manhã, mas não consigo ir dormir cedo porque chego tarde em casa e tem sempre alguma coisa pra fazer, ou conversas com o Mirco pra atualizar. Aí às seis eu acordo, plim!, tão cansada quanto estava na noite anterior. Nem os fins de semana escapam. Bosta.

novità

Esqueci de comentar: desde quinta-feira passada sou a nova Director of Studies da minha escola. O que não quer dizer nada por enquanto, porque só depois de fazer o curso/training, em setembro, vou ser DOS certificada pra poder aplicar e corrigir provas e participar dos “eventos”. Então agora chego às nove na escola, como todo mundo; passo a manhã na agência de tradução, no segundo andar, aprendendo muito com a Jayne, e na hora do almoço desço pra ensinar. Acho que vou conseguir organizar melhor a minha vida, porque não vou conseguir ficar doze horas enfurnada lá dentro trabalhando, então vou ter que sair mais cedo – o que significa jantar antes das dez da noite, uhuu.

O mais importante é que, pela primeira vez na minha vida, tenho um contrato de trabalho decente. De agora em diante tenho direito a ficar doente sem me desesperar (porque até então, se não trabalhasse, não ganhava), tenho férias, tenho décimo-terceiro e décimo-quarto, e não preciso mais pagar meu próprio INPS (embora vá ter que pagar imposto de renda). Quem sabe agora consigo comprar um carro sem ajuda de ninguém.

mêda

Saímos de casa às quatro da manhã. Deixei minha mãe no aeroporto em Roma e dali fui direto pra Spoleto. Pretendia dormir um pouco no carro, mas não deu porque me perdi e acabei gastando um tempo enorme pra achar a estrada certa. Encontrei com a Jayne, tradutora lá da escola, em frente à estação. Porque o desafio do dia, senhoras e senhores, foi fazer algo que eu sempre quis tentar mas nunca tinha tido a oportunidade de fazer: intérprete.

Era um evento sobre vinhos, e ia rolar uma espécie de debate pra discutir maneiras de aumentar as vendas dos vinhos italianos no exterior, já que a França ganha de lavada. O acordo era que seria uma tradução consecutiva e não simultânea, porque nem eu nem Jayne, que é inglesa, sabemos traduzir simultaneamente. LÓGICO que quando chegou na hora a coisa era simultânea, né. Precisamos nos dividir: Jayne ficou na platéia traduzindo pra quatro pessoas e eu NO PALCO, sentada atrás do suecão alto, importador de vinhos. Eu achei que tinha levado a melhor porque só precisaria traduzir pra uma pessoa, mas qual o quê!!! A RAI filmando, hominhos tirando fotos pro jornal local, todo mundo com microfone embutido e coisa e tal, e eu completamente estressada com tudo aquilo. Pra piorar o moderador era o bonitão charmosão que às vezes apresenta o TG5, Sposini, um pitéu. Também tinha o representante do spumante Ferrari (que fez questão de me deixar o cartão de visitas, embora eu tenha deixado bem claro que não tenho dinheiro nem pra Schweppes, quanto mais pra spumante Ferrari que é caro pra cacete), a presidenta das cantinas Lungarotti, um dos maiores produtores de vinho do país, e outras figuronas. E a monga aqui se escondendo atrás do suecão, que felizmente entende italiano, só não fala. Só que aí fazem uma pergunta pro suecão, ele responde em inglês perfeito de sueco, e eu tenho que pegar o microfone e traduzir em italiano, tentando 1) não correr demais e 2) evitar qualquer inflexão umbra. Caraca, crianças, que nervoso!

Apesar da enxaqueca de cansaço que me deu assim que cheguei em casa, bem depois do almoço, a experiência foi positiva: é mais uma coisa que eu sei fazer ;) Ainda não sei fazer BEM, mas é questão de tempo. Se outras oportunidades assim surgirem, aceitarei todas – até porque paga moooooooito bem.

il carciofo (a alcachofra), ou o salame-mor

Poucas vezes na minha vida me senti tão mentalmente cansada quanto hoje.

Passei a manhã no concessionário Volvo em Perugia, estudando sociologia enquanto faziam o tagliando (tipo uma revisão) dos 60.000 quilômetros no carro do Mirco. Saí de lá às onze e vinte e voei pra chegar em Foligno pra aula do meio-dia com a Boquinha, a malona que lê Paulo Coelho. Mas o grande choque do dia foi a aula de duas horas logo depois da Boquinha.

O primeiro impacto não foi dos melhores. Tanto eu quanto Simona achamos o cara meio nojentão, com aquela cara de indiano, os lábios pretos, a barriga proeminente, os cabelos ensebados penteados pra trás, a voz baixa e profunda. Maior pinta de picareta. Ao telefone tinham dito à Simona que ele conhecia um pouco de inglês, e ele confirmou, dizendo que nunca tinha tido problemas quando viajava. Então lá fomos nós.

Crianças, em DUAS HORAS SEGUIDAS DE AULA nós só conseguimos fazer um terço de página do livro. E nessas duas horas ele NÃO:

. conseguiu memorizar as fórmulas de saudação “Nice to meet you” ou “How do you do”
. conseguiu entender que “Hi” e “Hello” são praticamente a mesma coisa – nunca tinha ouvido a palavra Hi, que ele pronuncia rigorosamente “í”
. conseguiu entender a diferença entre “How are you?” e “Nice to meet you”
. conseguiu entender que o pronome “it” não se usa só em substituição ao “è” italiano mas também se refere a objetos sem gênero
. conseguiu entender que “be” corresponde tanto a “ser” como a “estar”

entre outras coisas. Saí das duas horas exausta, como se tivesse acabado de fazer o vestibular pra Medicina da Unicamp. Cacetes estrelados! O melhor do episódio foi a pérola de sapiência e conhecimento dos processos de aprendizado lingüístico: ele tem uma reunião na quinta com o chefe que o mandará pra trabalhar em Bangladesh, e quer mostrar que melhorou o inexistente inglês. Então disse que é crucial fazer mais duas horas de aula na quarta, sabe, pra fazer bella figura no dia seguinte.

Já disse à Simona que o dê pra outro professor. Estou velha demais e sou foda demais pra agüentar essas coisas, sinceramente.

bom!

Pra compensar a malona, hoje aconteceu uma coisa legal: falei no telefone com a mãe da Chiara, uma das minhas alunas preferidas. Tem uns 15 anos e é uma espoleta; fala pra caramba e conhece a cidade inteira. Tem as suas teorias malucas em relação às incongruências do inglês (que eu sempre rebato com as maluquices do italiano) e nossas aulas são muito divertidas. Ela começou a fazer aulas particulares de inglês porque estava com um débito formativo na escola – não me perguntem como isso funciona, mas você pode passar de ano mesmo ficando pendurada em algumas matérias. Sua média era 4,5 e no primeiro dia de aula a mãe veio falar comigo, dizendo que era uma missão impossível porque a filha não era boa aluna e coisa e tal. Veremos, respondi. Fizemos duas aulas de uma hora por semana por duas semanas antes da primeira prova na escola. Tirou 5,5 e ficou toda contente; eu achei uma merda de nota. Continuamos normalmente com nossas aulas, fazendo os deveres de casa juntas, tirando dúvidas, eu dando exercícios extras. Mais uma prova, e um 6. Na última prova tirou 7, e por isso a mãe quis falar comigo no telefone. Agradeceu um milhão de vezes, disse que a professora da Chiara na escola anda sorrindo de orelha a orelha, que nunca viu uma recuperação tão rápida (e eu achando tudo lento e insuficiente…), e que eu fiz um milagre. Aí eu me irritei porque a Chiara é uma garota inteligente e que faz aquela lenga-lenga toda mas na verdade gosta de inglês, me faz as perguntas certas, suas dúvidas nunca são idiotas, tem boa memória pra vocabulário. A mãe insistiu dizendo que o mérito era meu porque só um bom professor consegue botar algo na cabeça de aluninho ralé. Achei um modo terrível de falar da filha, mas fiquei quieta. De qualquer maneira, é muito bom ouvir essas coisas :)

ufa

Graças aos céus hoje só tinham 5 alunos em Cascia. Nada de gente jogando bolinhas de papel no cabelo dos outros, gritando, sussurrando, enchendo a paciência.

A má notícia é que a prova deles foi adiada de junho pra setembro. Se eu tiver que ir praquele fim de mundo no calor do verão dar aula praquelas malas eu me mato.