o tronco

Quando eu acho que finalmente vou ter tempo pra estudar, aparece alguém enchendo os poucos buracos do meu horário. Semana passada foi o Engenheiro Legal, que fez só uma semana e a essa altura já deve estar no Texas explicando a montagem das vitrines de sorvete. E hoje outros dois apareceram: o diretor da escola técnica de Foligno, que quer dar uma “refrescada” no inglês pra se comunicar com outras “figuras importantes da cultura mística européia” (medo), e o Homem Mais Feio do Mundo, que precisa também refrescar o inglês por uma semana, porque depois vai pra Hong Kong por quatro dias pra um contrato sei lá do quê – ele é consultor de qualidade, que deve ser o trabalho mais chato do mundooooooooooo. Até aí tudo bem; o diretor da escola foi devidamente colocado no único buraco de hoje, deixado pelo filho do dentista que vai repôr a aula na quarta. Mas o Homem Mais Feio do Mundo só pode fazer aula tarde da noite. Como abril é cheio de feriados e no verão trabalho menos e eu quero porque quero pagar a cozinha nova sozinha, aceitei o ridículo horário das oito e meia às dez da noite. Hoje não agüentei e terminamos às nove e meia porque eu tava caindo pelas tabelas.

Hoje então foi dia de record mundial de horas seguidas de ensinamento de inglês: ONZE. Sem direito a pausa pra comer ou fazer xixi. Tinha ido trabalhar com a Panda da Arianna, porque a Uno tava na revisão, e quando cheguei na casa dela pra deixar o carro eu já nem sabia quem eu era, onde estava, que dia era hoje. Mirco chegou logo depois, falamos rapidinho com os cachorros e fomos pra casa jantar. Mirco tinha aproveitado que eu ia chegar tarde pra ficar na oficina resolvendo pepinos, e tava roxo de fome. Por sorte Arianna tinha mandado a lasagna do domingo, que esquentamos em banho-maria e jantamos às onze da noite. Tipo assim, totalmente errado, mas não tinha outro jeito porque estávamos quase desmaiando de fome. E de sono. Boa noite.

promoção?

Minha chefa hoje me convocou pra um papo na cozinha do segundo andar (os tradutores trabalham full-time e não voltam pra casa pra almoçar, cozinham lá mesmo). Me propôs o “cargo” de director of studies, posição que aquela louca da Cristina, com quem trabalhei na outra escola, ocupou por um ano, com competência duvidosa. Fiquei de pensar. A proposta é boa porque o contrato seria a tempo determinado, o que eliminaria os meus gastos com INPS (sou eu que pago, como doméstica do Ettore, pra poder ter uma aposentadoria um dia), e teria direito a férias, décimo-terceiro, e todas aquelas coisas legais que eu nunca tive na vida. Só que eu não sei se quero criar um vínculo oficial com a minha chefa desvairada. Porque eu não gosto nada dela, sabe. E não poder almoçar em casa é uma coisa muito chata; se eu conseguisse emprego mais perto de casa trocaria numa boa. Não discutimos salário porque não deu tempo, mas fiquei de pensar. Tenho que fazer algumas contas, pra entender o limite mínimo de euros por hora que eu posso aceitar. Semana que vem eu resolvo.

caramba

Ótima surpresa hoje: primeira “aula” de conversação com um engenheiro que mora aqui em Bastia e que precisa refrescar o inglês porque parte pros EUA a trabalho por uma semana. Meu melhor aluno até hoje: ótima pronúncia, erros poucos e bobos, bom vocabulário. Nada surpreendente, queridos, porque ele é um homem que lê. CONHECI UM ITALIANO QUE LÊ. Um engenheiro, of all things. Simpático, educado, inteligente, gosta de viajar, come coisas estranhas quando viaja, e lê, inclusive em inglês. Não é um espanto? Normalmente conversação é um porre, mas nossa hora hoje passou voando. Não falta assunto pra quem se interessa por tudo. Que coisa maravilhosa!

anta auditiva

Não tem coisa pior do que aula com aluno chato, putz grila.

Hoje substituí a Liese, que está no hospital, dando aula pra senhora Giuseppina, que fez a primeira aula comigo mas depois o horário ficou incompatível. Ela é professora e é muito, mas muito chata e metida – que nem a filha, que é aluna da escola há anos e vive sendo jogada de professor pra professor, porque ninguém a suporta.

O pior é que ela, sendo professora de italiano, acha que sabe tudo de gramática, e que o problema é “só” entender e ser entendida. Então eu deixo a gramática pra lá, porque ela não quer mesmo, e só faço os listenings de practical English do livro. Xeroco só as páginas que interessam, enfio a fita no som e vamos lá. O problema é que ela não entende LA-DA, nem o primeiro listening do primeiro livro. Tipo, o cara tá no avião e a aeromoça pergunta o que ele quer beber, e ele responde diet Coke, e nem isso ela entendeu – NEM COM A FOTO DO CARA COM UMA DIET COKE NA MÃO. Cacetes estrelados!!! Depois toca o telefone do cara, num restaurante, e ele, obviamente, responde Hello. Toquei a fita SETE vezes e ela não entendeu, e, o que é pior, nem deduziu, que ele estava dizendo Hello. “Pra mim não é Hello”, disse, e eu respondi, é que ele pronuncia certo, enquanto que os italianos pronunciam “ellô”. Putz, que aula comprida que não termina nunca!

haja saco

Mais uma tarde de aula em Cascia.

Perguntei pro Michael se os adolescentes dele também eram mal educados, e ele disse que sim. Menos mal, quer dizer que não sou só eu. Vocês tão carecas de saber que eu sou chata e autoritária, e aluno na minha turma dificilmente cria problema, mas essa turma, vou te contaaaaaaaaaar! Michael, quando tinha um filho pequeno, foi chamado pra ir à escola pra uma espécie de Show and Tell – imaginem, um pai inglês em uma cidadezinha pequena, era uma coisa totalmente alienígena. Ele disse que conseguiu ouvir e responder só às primeiras perguntas, porque depois começaram a fazer uma bagunça tão grande que ninguém entendia mais nada. Ele ficou tão traumatizado com a experiência que se mudou pra Bélgica com a família toda, pra evitar que os filhos fossem educados à moda italiana ;)

Mas enfim. Esses alunos de Cascia são um desastre. Primeiro porque não faz muita diferença a minha presença e a do Michael ali, já que eles estão se preparando pro PET e pro FCE, que são exames prevalentemente escritos e concentrados na gramática, ou seja, qualquer um que saiba gramática da língua inglesa resolveria o problema. Segundo que temos pouquíssimo tempo pra nos preparar, e todo mundo sabe a dificuldade que os italianos têm com a língua inglesa. Terceiro que são todos péssimos mesmo e ninguém vai passar na prova, nem os da minha turma e nem os do Michael. Mas tudo bem, pagam, então nós continuamos indo lá uma vez por semana pra aturar os monstrinhos que não calam a boca um minuto sequer. Ô povo mal educado!

nos cafundós

Tive uma nova experiência muito interessante hoje.

Eu e Michael, o inglês que deu o OK lingüístico pra eu trabalhar na escola, fomos mandados pra Cascia (leia-se Cásha, e é o tal lugar de onde veio a Santa Rita, vocês sabem, a que virou de Cássia em português), pra dar aula preparatória pros exames de Cambridge.

Só que Cascia é lá na puta que o pariu. A gente tem que telefonar antes pra perguntar se tem neve ou não, porque se tiver, a estrada fica intransitável. Mais de uma hora de viagem, eu dirigindo a Smart da escola e o Michael falando sem parar. A paisagem é um desbunde, e tenho que lembrar de levar uma máquina fotográfica semana que vem, porque tem muita coisa bonita pra ver.

A escola é um Liceo Scientifico, e a professora de inglês que nos recebeu é muito legal. Os alunos foram divididos em duas turmas: eu peguei a preparação pro PET, que é uma prova que eu nunca fiz e queria conhecer, e o Michael pegou os meninos do FCE. Meus alunos são 16, de idades variando de 14 a 18. Falam sem parar, mas com uma levantadinha de voz básica a coisa se resolveu. Eu me diverti, eles se divertiram e se maravilharam com o fato de que eu memorizei rapidinho todos os nomes (ooooh os poderes mnemônicos da paca… Como se fosse uma turma de 100 alunos… Adolescente se encanta com pouco, né). Foram duas horas bem interessantes.

Só que eu já estou até me vendo daqui a alguns meses, com vários pólipos nas cordas vocais. Porque estou dando uma média de 10 horas de aula por dia. Enfim.

tronco

Hoje é feriado em Foligno, dia de San Feliciano, padroeiro da cidade. Meus planos eram estudar, passar roupa e dar aula de português pra Begonia de manhã, almoçar com o Mirco, estudar um pouco depois do almoço e ir pra casa da Chiara, que hoje não trabalha, pra ajudar na paella que vamos jantar hoje à noite. Mas a escola vai funcionar normalmente, então lá vou eu pro tronco, das três às oito e meia, non-stop. E que não venham me dizer que ah, são só cinco horas e meia de trabalho. Ensinar é uma das coisas mais cansativas que existem no mundo. Minhas cordas vocais estão ao ponto de explodir, e quando o dia termina eu já não sei o que estou dizendo, muito menos em que língua.

Mas eu me divirto :)

‘sti bimbi…

Eu estou com uns alunos muito engraçados. Uma das turmas de crianças (porque tá todo mundo correndo pra recuperar notas baixas em inglês na escola) tem uma filha de polonesa com italiano supereducada e muito inteligente, um geninho que pulou um ano na escola e é um ano mais novo que ela, e um outro garoto INSUPORTÁVEL um ano mais novo, que ainda desenha as letras, leva três anos pra entender o que tem que fazer, se distrai com facilidade, e ainda por cima é incrivelmente mal educado, bestemmia, ri alto, grita, pula, enche o saco dos outros, peida. Na última aula eu me irritei MUITO e ameacei de jogar um pilot no meio dos olhos e de deixá-lo sentado lá com a Simona na recepção até o pai dele chegar, e deixei muito claro que na casa dele ele pode ser o garoto mais mal educado do planeta, mas na minha sala de aula ABSOLUTAMENTE NÃO.

Aí hoje ele aparece todo bonzinho, elogiando a bolsa em formato de Rodolfo a Rena do Nariz Vermelho da polonesa, pedindo permissão pra sentar na cadeira dela, mais próxima ao quadro, enquanto ela desenhava a forca, mostrou o dever de casa (escrito num amarelo ilegível, mas tudo bem). E me sai com essa:

– Professora, dá licença que eu vou arrotar.

Abriu a porta do banheiro, enfiou a cabeça lá dentro, arrotou, fechou a porta.

– Não deu pra ouvir não, né?

Não sei se rio ou se choro.

pestes

Comecei uma turma nova hoje. Mais crianças, dessa vez um pouco menores. São quatro: A e F., meninos de 6 anos, insuportáveis. L, menina, 6 anos, imensos olhos castanhos, vestindo Burberry da cabeça aos pés, como a mãe. E C., 5 anos, que já morreu mas esqueceu de deitar, lenta, burra, parada, chatérrima. Os dois meninos trazem carrinhos e um avião dos Carabinieri pra “aula” e se recusam a fazer qualquer coisa que não seja brincar com os ditos. Gritam O TEMPO TODO, correm pela sala, se sujam com os pilots coloridos, e só desenham coisas que tenham rodas. Pedi a F. pra desenhar uma casa, ele disse: mas aí eu tenho que desenhar a garagem com os carros… Não, F., eles moram ao lado da estação de trem, não têm carro, vão trabalhar de trem. Mas deve passar algum ônibus perto, né? Deixa quieto, F., desenha um Papai Noel então. Posso botar rodas no trenó? NÃO, F., TRENÓ ANDA NA NEVE, AS RODAS SÓ ATRAPALHAM. Se você não quer que eu desenhe carros, eu posso desenhar um tanque de guerra…. AAAAAAAAAAAAAAAH!!!

As mães são, obviamente, exatamente iguais aos filhos.

Michael, o professor inglês que é chamado sempre que alguma mãe preocupada suspeita que eu não tenha nascido nos EUA e testemunha ao meu favor dizendo que meu inglês é tão limpo que eu poderia ler o telejornal, odeia crianças em geral, mas essas 4, ah, ele as mataria todas. Me l’ha detto chiaro e tondo: le impiccherei tutte! E le madri anche!