salames

De tanto eu falar que meus alunos são ótimos, simpáticos, engraçados, espertos, estudiosos, pronto, me deram de presente uma turma de salames.

São dois, macho e fêmea, cujo nível de relação interpessoal ainda não identificamos e está corroendo todo mundo de curiosidade na escola. Ele trabalha na TV, mas é todo misterioso e nunca diz exatamente o que faz. Ela é comerciante, self-made woman, tem uma espécie de estrabismo à esquerda que possivelmente é conseqüência de um acidente, e usa óculos de grau com lentes esverdeadas. Quarentona enxutona, lourona, mas nada perua, graças aos céus.

Ela é mais espertinha, interessante, gosta de viajar. Ele é um salame daqueles assim, sabe, embalados a vácuo. Do tipo que vive pro trabalho, e conseqüentemente passa o dia inteiro assistindo à TV, mas quando falo de um artista qualquer ele nunca ouviu falar. Não se interessa por mais nada além do trabalho. Fica difícil dar exemplos práticos pra uma pessoa que olha pra uma foto da Julia Roberts e depois olha pra mim, como se fosse uma 3 x 4 de uma maricota qualquer que ninguém conhece. Salame, salame.

Olha, eu sei que inglês é uma língua esquisita, cheia de mumunhas, de phrasal verbs, de pronúncias malucas que não fazem sentido, de regras que botam exceções pelo ladrão, de modos de dizer, de expressões idiomáticas. Sei que o italiano é cabeça-dura pacas quando se trata de língua estrangeira. Mas caraca, se o cara leva 8 horas pra ENTENDER o verbo to be – convenhamos, não tem o que entender, se conjuga assim e pronto, joga o verbo pra lá pra fazer a pergunta e vamos nessa, junta um not, come uma vogal, tasca um apóstrofo e vambora, não tem explicação, é assim porque é e pronto – tem alguma coisa errada. A Salama sopra todas as respostas pra ele, porque ele não é capaz de fazer um exercício que é todo igual – TODO igual, só substituindo they por mike and susan, you and I, the girls, my brothers, etc. Veja bem, um exercício com oito questões, TODAS elas com uma lacuna pra preencher com o MESMO verbo are, e o cara não acertou NENHUMA. Tudo bem que ele também é todo pessimistão, saca o tipo?, aquele que fica balançando a cabeça o tempo todo e fazendo tsc tsc e resmungando nunca vou aprender isso, caraca, como é difícil, que língua maluca, nunca vou conseguir entender, não compreendi o mecanismo. QUAL MECANISMOOOOOOOO, pergunto, arrancando os cabelos. Não tem mecanismo, não chegamos ainda na fase do mecanismo, você só tem que decorar a porra da conjugação de um verbo ridiculamente fácil, e decorar que é pra jogar o verbo antes do sujeito na pergunta, e decorar que is + not = isn’t, e are + not = aren’t! Caralho, exclamou a princesinha!

Além disso é lento. Ele não sabe uma resposta, eu e a Salama dizemos qual é, ele leva uns dez segundos pra começar a escrever. Quando achamos que ele já terminou de escrever e tocamos pra frente, de repente vejo o Salame olhando ainda pro exercício de antes, uma palavra escrita pela metade, a caneta da RAI na mão, parada no ar. Morte aos lentos. Odeio-os todos.

Volto da aula rouca, frustrada e com dor de cabeça. Pra não dizer completamente exausta.

de línguas

Hoje foi um dia pesado. Saí de casa cedo e toquei pra Perugia, onde fiz a prova do CELI – o certificado de língua italiana mais ou menos equivalente aos de Cambridge pro inglês, por exemplo. Não sei por que cargas d’água não fiz assim que terminei o curso na Stranieri em 2002, até porque os exames são organizados por eles, mas enfim.

Sei que passei, mas o teste foi chato pra cacete. Cada texto chato, cada múltipla escolha safada. Pra variar, acabei rápido a primeira parte e fui catar alguma coisa pra comer, já prevendo que não voltaria pra casa antes das nove e meia da noite – minha última aula começa às sete e meia, em Perugia mesmo, e não valia a pena voltar pra casa, nem pelo tempo e nem pela gasolina. A prova foi num hotel de nome ridículo (Etruscan ChocoHotel. CHOCOHOTEL. Quequeísso, gente. E La Spo’ ainda me pergunta se a culpa do clima maluco é do homem na lua. O clima maluco é culpa de gente que funda um hotel e lhe dá o nome de ChocoHotel. Não há Eurochocolate no mundo que justifique. Estamos falando de um nome do nível de Suely Maria, vejam bem.), bem perto de onde mora o Aluno Endocrinologista. Bom, porque amanhã de manhã volto pra prova oral, e às onze vou dali direto dar aula.

A segunda parte da prova foi a mais fácil. Tudo gramática, aquelas coisinhas bobas de completar um texto com as palavras corretas, de achar erros bestas nas frases (tipo “al ponte di” em vez de “al punto di”), de completar com os verbos no tempo correto. Fiz em 7 minutos, contados no relógio. O tempo da prova era de uma hora e quarenta e cinco minutos. Na boa, não é pra esnobar, mas puta que pariu, estamos falando do último nível de italiano; se uma criatura leva mais que meia hora pra botar uma dúzia de verbos no passado, ela está no nível errado. Não lembro direito das provas do Proficiency, mas lembro perfeitamente que era gramática das mais cascudas, sentence transformation, uns negócios barra pesada. A gramática dessa prova me surpreendeu. Nem um condicional! Nem um subjuntivo esquisito! Nem um passato remoto, minha única dificuldade com o italiano! Nada. Tudo facílimo. Levei mais dois minutos pra preencher os quadradinhos da ficha de respostas e fui lá pra fora continuar lendo The Bookseller of Kabul – delicioso, by the way.

A última parte de hoje foi o listening, também chatérrimo. A compreensão do que diziam os fulanos não era difícil, muito pelo contrário, até fácil demais, já que eles claramente se esforçavam pra falar devagaaaaaaaaar e tão pausadamente que parecia que estavam falando com retardados. Só que as perguntas eram terríveis, mal-feitas. Gosto mais daqueles listenings cheios de números e horários que te confundem, e você tem que se concentrar de verdade pra ouvir o que a mulherzinha fala com o barulho da estação de trem no fundo, sabe, coisas assim.

A mulherada – porque é só mulher que estuda línguas, impressionante – estava toda nervosíssima, principalmente o pessoal que faz o mestrado da Stranieri sobre didática da língua italiana pra estrangeiros. Se não passam no teste, não ganham o certificado do mestrado. Pra facilitar as coisas, quem queria podia escolher fazer o teste no nível 3. Não sei pra vocês, mas pra mim parece a história do inglês não mais obrigatório pro Rio Branco. Se você vai dar aula de italiano e está inclusive freqüentando um mestrado sobre o assunto, acho mais que razoável que você fale a língua PELO MENOS muito bem. Quem não vai além do nível 3 não fala nem razoavelmente bem, fala assim assim. E eu não gostaria de ter aulas de uma língua com alguém que a fala assim assim. Mas o mundo é estranho e poucas coisas me surpreendem.

Depois da chatice dos testes fui pra Ponte San Giovanni matar um par de horas até as seis, hora marcada pra minha aula de francês com o Valerio. Estacionei na sombra, no estacionamento da Coop, àquela hora vazio, escancarei as portas do carro, respirei o cheiro resinoso de pinheiro que acho que vinha da cerca-viva da casa limitante com o estacionamento, e ataquei o Bookseller of Kabul. E depois fiz minha aulinha de francês, fui cumprimentada pela minha pronúncia, voltei a Perugia, dei minha aula capenga de inglês porque tinha esquecido o livro e as fitas, e agora estou aqui em casa escrevendo pra vocês em vez de tomar banho e ir dormir, porque eu é que não tenho mais saco de dirigir até a casa do Gianni e da Chiara pra discutir uma viagem à Argentina que eu não estou nem um pouco disposta a repetir.

Boa noite.

uia

O dia foi pesadíssimo.

Antes das sete e meia eu já estava na oficina, botando a papelada em ordem. Às dez toquei pra Santa Maria, pra pegar umas coisas que um amigo do Mirco deveria ter deixado na recepção do hotel da família – lógico que o tal amigo saiu pra viajar de manhã cedo e com o recepcionista deixou só o telefone sem fio que esquecemos no carro que o Mirco consertou, mas o pagamento que é bom, nada. Aproveitei pra passar no Comune em Bastia pra deixar uma cópia do novo permesso di soggiorno, fui na USL (Unità Sanitaria Locale) pra renovar minha carteirinha do sistema de saúde, passei na Rita pra comprar fruta e verdura, nos correios pra pagar o imposto do lixo e pegar uma carta registrada que chegou pro Ettore (era uma multa que um dos marroquinos levou em março), e no fornecedor de tintas pra pegar dois latões de diluente. Passei em casa pra botar as frutas na geladeira, comi correndo uma salada de macarrão que já estava pronta desde ontem, toquei pra oficina de novo, desovei os latões e fui correndo pra escola. Meio-dia e meia F. chegou pra corrigir um artigo de filosofia comigo, à uma chegaram os outros dois mosqueteiros, fizemos nossa última aula (chuif!), quando saíram M. já tava lá fora me esperando (é estudante de Medicina, tem uma voz potentíssima e é muito, muito inteligente), quando acabei com ele chegou a Quarentona Estressada, que terminou às seis e meia. Direto pra Coop pra aproveitar as ofertas (suco de fruta em caixinha, queijo robiola, macarrão Buitoni, atum em lata), e dali pra casa. Passei roupa até meia-noite e meia, sempre ouvindo essa música miserável. Mirco chegou do jantar-reunião de amigos de escola primária quando eu tava saindo do banho. Ainda tão tocando essa bosta? Sim, caro, e continuaram tocando até uma e meia da manhã, quando finalmente ligamos pros Carabinieri e imploramos pra mandar uma patrulha aqui pra desligar a musiquinha de carrossel, porque tem gente que trabalha amanhã, queridos. Minha cabeça já tava explodindo. Reguei as plantas nas varandas e dormi com Bruce Chatwin na mesinha de cabeceira, untouched.

aluninhos

Finalmente minha turma do hotel/restaurante tomou tento e resolveu se dedicar mais seriamente às aulas de inglês. Bom, mais ou menos, porque o W., aquele que não entende nada e esquece que tem aula, desistiu oficialmente. I., o filho da companheira de W., que morreu há alguns anos, levou um ai-ai-ai desta que vos escreve e desde então temos conseguido ter aula pelo menos uma vez por semana, às terças-feiras.

Como o tempo tá uma delícia e nossas aulas são das seis e meia às oito da noite, quando o sol não torra mais e um ventinho fresco arrepia os cabelinhos do braço, fazemos as aulas no jardim do hotel. Passarinhos cantando ao fundo, o jardineiro que apara a cerca-viva gigante com tesouronas igualmente gigantes, hóspedes idosos que tomam sol na porta do quarto, e nós estudando inglês para hotelaria e turismo, na mesinha de plástico verde no gramado, em meio às margaridinhas primaveris. Uma diliça.

I. é simplesmente a pessoa mais gentil que eu já conheci na minha vida. Um doce de menino. O nosso consultor (leia-se vendedor), que fez a entrevista inicial com ele e lhe vendeu o curso, outro dia veio comentar isso comigo. Caramba, que gente gentil, aqueles dois! É tão raro ver essas coisas hoje em dia que a gente até se espanta. Hoje levei um alfajor pra ele de presente, porque foi o único aluno que não ganhou (simplesmente porque levamos séculos pra conseguir nos encontrar desde que cheguei de viagem; eles são enroladíssimos e toda hora têm algum problema ou então esquecem que tem aula e somem). Ficou todo bobo, tadinho. A aula foi tranqüilex e cheguei até a ficar triste de não ter ido de lambreta, porque o tempo tava lindo. Adoro a primavera.

**

Terça também é dia de Aluno Endocrinologista, em Perugia, bem na hora do almoço. Ele é um cara muito divertido, com uma expressão facial difícil de se encontrar entre os umbros. Ele tá lá lendo um texto do livro, ou respondendo a um exercício, e de repente, do nada, começa a rir sozinho.

– Quê que foi, Stefano.
– Tô lembrando da velhinha.
– Que velhinha?
– Aquela que…

E aqui ele entra com uma piada, normalmente em dialeto perugino, o que significa que ele tem que me explicar porque a graça toda está justamente em certas palavras e expressões típicas de Perugia, enquanto que aqui no vale onde moramos fala-se uma variante do italiano bastante diferente em termos de pronúncia e léxico. Ou então conta um causo que aconteceu no ambulatório – todo médico ou ex-médico tem dúzias de histórias bizarras de pacientes pra contar. Até eu tenho várias, e olha que minha experiência no ramo foi muito limitada. Ele tem um estoque aparentemente infinito. Ficamos horas dando risada. Ou então é alguma coisa maluca que aconteceu com ele, como quando, tentando expulsar um sapo da varanda de casa, o sapo espirrou alguma coisa no olho dele. No dia seguinte ele acordou cego de um olho, e todos os colegas com quem ele falava estavam mais interessados na história do sapo do que nos sintomas do olho, porque achavam curiosíssimo esse negócio de sapo que esguicha. No final o olho voltou sozinho ao normal, depois de algumas semanas, mas agora toda vez que eu olho pra ele penso no sapo e dou risada.

Isso quando a mãe dele, que mora no mesmo prédio e me adora, não vem me perguntar como vai o filho, como se estivesse no conselho de classe da escola primária.

Como é bom conhecer gente engraçada! Como é VITAL conviver com gente engraçada! :)

várias

Ontem fui dar aula, pela primeira vez, na nova sede da escola, em Perugia. Levei horas pra encontrar o prédio, porque a numeração tem um quê de esquizofrênico, mas acabei achando. Tudo novinho, limpinho, cheirosinho, uma beleza. Os chefes são um Antonio, que já trabalhou na sede de Ponte San Giovanni, e uma rechonchuda sorridente que já cansei de ver na escola mas a quem nunca fui apresentada oficialmente. Aqui é meio assim, quando você vai trabalhar num lugar novo ninguém te apresenta nem explica o grau de parentela entre as pessoas (porque SEMPRE tem algum grau de parentela), você vai descobrindo com o tempo, e não sem algumas gafes inevitáveis. Não tenho a menor idéia de quem sejam essas pessoas, nem de que tipo de relacionamento tenham com a escola, nem entre eles, que aparentemente não são de Perugia mas não têm sotaque forte de nenhum outro lugar que eu reconheça; não sei nada. Sei que cheguei lá e só havia eles dois, que me acolheram como se me conhecessem há anos, e já me botaram logo pra avaliar um teste em CD que tinham criado pra nivelar os alunos.

A coisa boa é que falou-se em muita coisa nova. Parece que finalmente alguém tá dando uma sacudida na mesmice didática da escola. Falamos de viagens com os alunos, de dublagem de vídeos (segundo eles, tenho ótima voz), entre outras coisas. Gostei, apesar da aula ter terminado às nove e meia da noite, quando a chuva já começava a cair outra vez. E apesar da enxaqueca, que estava dando os últimos sinais de vida, depois do golpe de amotriptan que tomou no dia anterior. Quando cheguei em casa Mirco tava de pijama, no telefone com o Moreno, tentando convencê-lo a deixar as lesmas pra outro dia porque ainda tava chuviscando. Acabou que foi o Moreno quem o convenceu, e lá foi o Mirco caçar lesmas no mato com Moreno e Stefano. Nem vou botar as fotos aqui porque dá um certo nojinho. Na próxima vez, se não estiver enxaquecada, eu vou. Deve ser emocionante, essa coisa de safári de lesmas.

Outra coisa boa: Valerio, o outro professor que vai me dar aulas de francês em troca de aulas de português, não vai mais deixar a escola, como tinha decidido. Agora no verão muitos alunos saem de férias e vamos ter tempo de nos dedicar às nossas aulinhas, uêba!

Outra coisa boa: amanhã à tarde e sábado o dia inteiro vou participar de um curso de escrita criativa em Perugia. Dica do S., um dos meus aluninhos queridos, que também vai participar. Depois digo o que achei, e o que acharam. Ah, acendam velinhas pra mãe dele, que tá no hospital, por favor. Não a conheço, mas ele é muito legal e a irmã, que veio no meu aniversário porque é mulher do outro aluno da turma, também é, clara indicação de que a mãe tem grandes probabilidades de ser legal também.

Outra coisa boa: descobri qual era o problema com a internet, e já foi devidamente resolvido. Coisinha à toa.

Outra coisa boa: finalmente consegui botar nos eixos a turma de Petrignano, aqueles do restaurante-hotel, aqueles que esquecem que tem aula e vão pra Parma, Milão, Pádua, sem me avisar nada, bloqueando minhas terças e quintas à tardinha. O mais velho, companheiro viúvo da mãe do rapaz e dono do hotel, já desistiu, mas o rapaz, que é simplesmente a pessoa mais gentil que eu já conheci na minha vida, prometeu que vai tomar tento e voltar a estudar direito. Hoje já cancelou a aula, mas tudo bem.

Outra coisa boa: domingo vamos a Bologna, pra uma feira de equipamentos e produtos pra meios de transporte – coisa de trabalho do Mirco; ano passado foi em Verona e foi legal, apesar de não termos visto nada da cidade. Dessa vez pretendemos dar umas voltas em Bologna, cidade que ele não conhece e que eu conheço pouco, mas adoro assim mesmo. Todo mundo adora Bologna. Come-se bem, a cidade é uma delícia, alto-astral, cheia de bicicletas e estudantes, os bolonheses são muito simpáticos (o único que foge à regra é aquele retardado do Leo, aquele traste com quem trabalhei na Toscana, com os Salames, no verão passado) e têm um sotaque bem gostosinho.

A coisa chata da semana é que eu queria ir à Dinamarca visitar minha prima Paola, e dar uma mão com as 3 creonças antes que ela fique louca, mas se a bosta do permesso di soggiorno, que em teoria sai amanhã, não ficar pronto logo, não posso sair da Itália. Não podendo confiar na data em que disseram que ia ficar pronto, não pude comprar a passagem pra Copenhagen. A coitada da Paola, que tem não sei quantos laudos de joelhos e crânios e colunas pra dar, deve estar enlouquecida. Burocracia é uma bosta mesmo.

ui

Hoje preciso:

– dar outra limpada na casa pra pelo menos garantir um estado de semi-limpeza quando voltarmos, já que o Mirco não tem tempo nem de se coçar, quando mais de passar o aspirador de pó.
– lavar o cabelo e rezar pra ele se comportar direito.
– levar a mala velha cheia de roupa de verão pra garagem.
– preparar o almoço.
– passar um Everest de roupas que se acumularam aqui nas últimas semanas. Ainda não fechei a mala porque dois pares de calça Capri e duas blusinhas amarrotadas estão na fila de espera do tratamento anti-rugas.
– decidir qual livro levar pra ler no avião.
– separar o calmantinho meia-boca pro Mirco, se ele não conseguir dormir no avião – coisa pouco provável, já que ele dorme até em pé, se deixar.
– resistir e não dormir depois do almoço, porque quero chegar exausta ao aeroporto e ver se assim consigo dormir no avião.

Quem vai nos levar a Roma é a Roberta, irmã do Gianni. Quero só ver se as malas vão caber no Golf. De qualquer maneira, saímos daqui às três e meia da tarde. Precisamos chegar cedo e ser os primeiros a fazer o check-in, pra ver se conseguimos botar Gianni e Chiara nas poltronas da frente, que têm mais espaço pras pernas. Nessas horas ser alto é realmente um porre.

enxaq

Imaginem que ontem, depois de antecipar a aula da Quarentona Estressada porque o Burbone e a Burbina não puderam vir, resolvi dar um pulo na minha médica, pra pegar mais umas amostras do remédio pra enxaqueca. Os horários dela são muito estranhos e por isso depois daquela vez em que ela me deu uma amostrinha pra experimentar, não tive mais tempo de ir lá – minhas aulas concidem com todos os horários possíveis da doutora. Dessa vez tive sorte, e quando cheguei só tinham 6 pessoas na minha frente. E eu, retardada, sem um livrinho pra ler, porque esqueci no carro. O tempo passa, e sinto estranhas pontadas atrás do olho esquerdo. Ironia do destino, quando finalmente entrei pra falar com a doutora, já não estava enxergando nada. Peguei minhas duas caixinhas de amostra grátis, a receita pra pegar outra caixa de grátis na farmácia, tomei logo um comprimido, entrei no carro e não tenho a menor idéia de como consegui chegar em casa, porque não só não via nada, como não entendia nada do que estava acontecendo ao meu redor. Me joguei na cama e chapei até as nove e meia, quando acordei sozinha, e arrisquei ligar a TV. Apesar de ter tomado o remédio tarde demais, mais ou menos uma hora depois do início dos sintomas, deu uma ajudada boa e consegui assistir à televisão. Grissom me fez companhia enquanto o Mirco foi ao cinema com o Moreno, que tinha entrado em crise novamente depois de rever a ex, o grande amor da vida dele, numa discoteca. Só que depois não consegui mais dormir. Mirco voltou e eu ainda no sofá da sala, a TV ligada baixinho e a dor latejante atrás do olho já bem mais sutil. Às quatro da manhã desisti e fui pro computador terminar a revisão da tradução maneira. Terminei às dez e meia, fui fazer compras e aos correios, voltei pra casa, fiz faxina, engatilhei o almoço (peito de frango grelhado, brócolis no vapor saltati all’aglio e olio, pirê de batata), lavei a cabeça, desci à garagem pra pegar as malas, comecei a fazer as malas, me irritei porque não achei um suéter que o Mirco me deu há dois anos e eu amo e não sei onde enfiei, experimentei roupas pra saber o que cabe e o que não cabe e conseqüentemente o que posso levar e o que não posso, e às quatro da tarde o Mirco chegou da oficina, rugindo de fome. Almoçamos, minhas olheiras assustaram a nós dois, fui tirar um ronquinho enquanto ele foi comprar luvas de borracha pra oficina, mais tarde pensamos em ir ao cinema mas desistimos e ficamos vendo TV. Pra variar, chapamos no sofá.

blé

Ando meio assim sem sono, e quando acordo cedíssimo pego um livro, obviamente, e detono o bichinho. Domingo de manhã detonei La Stagione della Caccia, mais um Camilleri bem legal. Hoje foi a vez de The Importance of Being Earnest, de Oscar Wilde, que apesar de ser uma peça de teatro (eu ODEIOOOOOOOOOOOOOOO teatro) é bem legalzinho, mordaz, malvado, divertido – um ótimo passatempo. De hoje até a hora de viajar, na segunda, provavelmente só vou ter tempo de ler mais um mísero livrinho, porque tenho mil coisas pra fazer. A agitação pré-viagem ainda não tomou conta de mim, provavelmente porque eu detesto argentinos, detesto espanhol, detesto frio, vou pisar no Brasil só por dois dias e meio em Foz e não vai dar pra ir ao Rio, porque não tenho todo o dinheiro de que precisaria pra comprar tudo o que eu quero, porque meu cabelo tá uma merda, porque a situação econômica aqui (e com “aqui” me refiro à Itália no bojo) tá mais preta que o bico do peito da nega do leite.

A tradução legal que preciso entregar antes de viajar já foi devidamente terminada, agora falta dar uma superhipermegarevisada, trabalho muito dificultado pelo fato de que eu não tenho dicionário de português aqui. Se as mulas do hotel em Foz não derem pra trás, pelo menos esse problema vai ter sido resolvido nos próximos trabalhos, porque o Houaiss em CD já foi expedido pro Paraná. Também pretendo comprar um teclado brasileiro, pra parar com essa palhaçada de ter que acentuar na mão.

E juntamente com a revisão da tradução, com as aulas que me restam a dar, com as manhãs na oficina e com o dia-a-dia da casa, ainda tenho que pegar a mala na garagem, selecionar as roupas de verão que vou levar, achar lugar pra botar o resto (e essa vai ser a parte mais difícil, porque os armários estão cheios de volumosas roupas de inverno e não tem lugar nem pra mais uma calcinha, quanto mais pra blusinhas e afins), deixar uns molhinhos prontos pro Mirco poder almoçar sem estresse enquanto eu não estiver, tomar cuidado pra não deixar nada de estragável na geladeira senão o Mirco esquece e quando voltarmos vai ter um fungo gigante e mutante dentro, passar as roupas de verão que estão desde setembro enfiadas em malas na garagem, preparar o beauty case, o kit quelóide e o kit protetor solar fator um milhão, fazer uma lista do que eu pretendo/preciso comprar, essas coisas. Caraca, agora lembrei que também tenho que levar os cachorros pra vacinar.

E aí quando voltar vai ser ralation total: em abril vence meu IPVA, meu INPS, meu permesso di soggiorno, e o relaxamento do meu cabelo. Maravilha.

Mas abril também é o mês do meu aniversário. Dia 17. Cês já pensaram no que vão me mandar de presente? Hein?

ristorante

Hoje, depois de uma manhã insana na oficina, preparando as faturas de janeiro, finalmente consegui dar a primeira aula decente aos dois alunos de Petrignano. As aulas são no restaurante do hotel do Walter, que é o ex-companheiro da mãe do Ivan, o outro aluno. O Walter é um caso perdido, não presta atenção, não entende nada, não aprende mais nada, mas o Ivan é esperto. O problema é que eles nunca conseguem ter aula: esquecem, viajam, não podem, ficam doentes. Em teoria eu comecei com eles em fevereiro, mas só fui conhecer o Walter semana passada, e mesmo assim a aula durou meia hora porque ele chegou atrasado e saiu mais cedo.

A coisa engraçada é que a aula termina às oito, quando já tem alguns clientes chegando ao restaurante pra jantar. Nós ali, sentados num canto perto da porta da cozinha, discutindo o uso de there is e there are, e os clientes observando de longe enquanto pedem o filé com pimenta verde e verdura no alho. Outra coisa engraçada é que o toca-fitas que usamos pra ouvir as fitas do livro normalmente fica na cozinha, ao lado da máquina que faz a massa, ou seja, é todo coberto de respingos de massa de macarrão. Coisa de louco. Mas ontem até que me diverti, não posso reclamar. E também recebi uma sondagem telefônica de uma escola de línguas em Perugia onde nem lembrava mais de ter deixado o currículo. Parece que tem mais alguma louca querendo aprender Português, e se a garota concordar com o preço pode ser que role. Bom, muito bom.