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Ainda não terminei a Tradução Mais Chata do Mundo. Não consigo me concentrar, o troço é chato demais! Agora falta pouco, mas parece que por isso mesmo faltam também as forças. Só de olhar pro Word já tenho vontade de sair correndo.

A sorte é que vem outra tradução legal depois. Estranha, mas legal. E é segredo também, então tá de bom tamanho que vocês fiquem felizinhos por mim, tá bom?

uhuuu

Ganhei uma turma nova. É um delicioso grupo de três pessoas, de nível intermediário-avançado; nos encontramos quatro horas por semana, às quartas à tarde e aos sábados de manhã. Foram uma mais que grata surpresa, e não só porque recebo mais por turmas de mais de três alunos. Temos S., namorando há 13 anos, apaixonado pela Escócia e assinante da revista Celtica, que eu nem sabia que existia. Temos M., 34 anos, casado com a irmã de S., consultor de informática, parceiro de xadrez de S. Temos F., 28 anos, casada, um filho de dois anos e uma gravidez de dois meses, formada em Filosofia, terminando um Master em Filosofia da Ciência, seja lá o que isso significa. Todos gostam de viajar, de ver coisas diferentes, de ir ao cinema, de ler ficção científica, fantasia e romances históricos. Não é uma bênção?

Além deles, agora me encontro na seguinte situação pedagógica: tem a Quarentona Estressada, que tem aulas de Português duas vezes por semana e rende um outro post só pra ela; tem o Burbone e a Burbina, pai médico do trabalho e filha figuraça, que têm aulas de Inglês Elementar e são fãs dos meus cookies; tem o Aluno Endocrinologista, em Perugia, que também faz Inglês. Agora parece que vai rolar uma outra turma em Collazzone, que é meio longe daqui mas pagam minha gasolina, então não tem grilo. Nada confirmado ainda, mas outras coisas estão surgindo. Bom.

Bicha Pedagógica ligou pro S. semana passada, depois da aula, pra perguntar o que ele tinha achado. Todo mundo em silêncio na recepção, como se fosse uma conversa reservada, e Bicha Pedagógica repetindo tudo o que o menino falava do outro lado da linha: que tinha levado um choque porque imaginava que o curso seria mais fácil, que não imaginava que ia cair com alguém que falava Inglês tão bem, que ele e os outros se sentiram transportados pros EUA (e confesso que foi difícil conter a risada). O melhor de tudo foi que o Chefe Catanese estava na sala e ouviu tudo. Mais tarde veio comentar comigo que tinha falado pessoalmente com o Burbone, que declarou estar satisfeitíssimo com as aulas. Que eles (e eu também) se divertem, eu sei, porque passamos a aula inteira rindo. Volto pra casa exausta, porque Burbina só tem 9 anos e tem muita dificuldade em acompanhar o ritmo do pai, que bem ou mal se lembra de muita coisa, mas me divirto, e isso é absolutamente crucial.

E pra comemorar a esplêndida relação custo-benefício do meu salário de dezembro, me dei de presente um par de horas na minha livraria preferida. Comprei um livro de exercícios de Francês básico, os contos de Lampedusa, dois Camilleri da série do Commissario Montalbano, Lady Chatterley’s Lover, Billy Budd. Em casa me esperam ansiosamente The Importance of Being Earnest, Bartleby the Scrivener, L’Étranger (olha como eu sou otimista), entre outros. Quase comprei o guia Lonely Planet da Irlanda, mas era caro pra burro e resolvi não exagerar. Até porque daqui a uma semana tem Dusseldorf, e mais tarde tem Argentina.

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Os dias têm andado corridíssimos. Ontem foi a última aula de Português pra Bicha Chata, o que significa cinco horas e meia a menos de aula por semana, até me arrumarem outros alunos. Quando não estou dando aula, estou rodando por aí, entregando faturas a clientes e levando cheques a fornecedores, pegando peças de caminhão ou latas de tinta e solvente com o meu carro, o do Mirco ou o Fiat Uno caquético da oficina, encarando a fila no banco ou nos correios. E o resto do tempo fico aqui na oficina, que por enquanto anda bem tranqüila, apesar de não faltar trabalho. Estamos numa fase interessante, de preparação pré-organizativa, por assim dizer. Oficialmente desde primeiro de janeiro a oficina está no nome do Mirco, e começamos tudo do zero. Arrumei todo o escritório, exilei lá pra cima do armário os arquivos e fichários com documentos de 99, 2000 e 2001 e trouxe os outros, mais recentes, pra dentro do armário. Tirei muita poeira e teia de aranha, botei tudo em ordem cronológica, remendei etiquetas caidas; fizemos novas etiquetas e divisores internos pros novos fichários, tudo mais simples e mais organizado. Dei uma geral no computador, que é entupido de coisas estranhas em lugares bizarros – culpa da terrível falta de intimidade do italiano com eletrodomésticos em geral. A Elisabetta, secretária que saiu daqui no começo de dezembro, era um amor mas não particularmente brilhante. Assim como o Mirco, só sabia usar Excel, até pra escrever cartas, um hábito abominável que estou custando a remover do cérebro do lanterneiro. Além disso ela tinha mania de salvar documentos, muitas vezes enormes, no desktop – não sabia criar atalhos. Há varios files chamados “fatura” – de quê? De compra? De venda? De que ano? A quantidade de post-its colados pelo computador, ao redor do monitor, por cima das páginas do calendário de parede, é assustadora. Há uma quantidade impressionante de informação espalhada por todo o escritório, e aos poucos estou tentando botar ordem nas coisas, juntar anotações que falem do mesmo assunto, criar bancos de dados, atualizar os já existentes. Criei arquivos e tabelas pra tentar facilitar na hora de fazer as faturas, que devem fazer referência aos respectivos recibos fiscais e documentos de transporte; assim, em vez de ter que enlouquecer catando toda essa papelada na hora de faturar, basta copiar e colar a informação que já inseri na tabela.

Mas a culpa do antigo caos não era só da Elisabetta, coitada. Aqui ela tinha que lutar contra uma quantidade imensa de monstruosos inimigos da calma, da paciência e da organização: a ignorância, a voz alta, o stress, o dialeto e o semi-autismo do Ettore; a ignorância, a voz alta, o stress, os dialetos e a total falta de educação dos motoristas de caminhão, que entravam aqui como se fosse a casa da mãe Joana, falando alto, pegando no telefone, fumando, apoiando coisas em cima da escrivaninha; o barulho enlouquecedor de tornos, esmeris, prensas, máquina de cortar folhas de metal, pistolas de pintura a jato de ar comprimido, marteladas, marretadas, furadeiras, máquinas de soldar; a eterna poeira que se deposita imediatamente após a mais vigorosa faxina; a sirene de alerta das duas empilhadeiras quando dão marcha a ré; o cheiro de tinta, o fedor dos marroquinos, a fumaça dos caminhões, a umidade e o frio ártico do escritório, as blasfêmias de todos aqui – outro hábito horrível que estou penando pra abolir da vida do Mirco. Difícil se concentrar e fazer alguma coisa direito com tudo isso acontecendo. Mas aparentemente agora a coisa se acalmou, porque o Ettore realmente parou de dar pitaco e só abre a boca quando lhe perguntam alguma coisa. Cliente que não paga não é mais atendido, fornecedor que erra muito nas faturas (sempre pra mais, obviamente) e/ou entrega o que lhe dá na telha, além do que foi pedido, deixa de ser fornecedor, e só isso já reduziu MOOOOITO o nível de stress. Também não se faz mais hora extra; chega-se meia hora mais cedo de manhã, tenta-se respeitar os orçamentos feitos aos clientes, vai-se embora na hora de ir embora. Mudamos de contador: deixamos pra lá o Furio, que é amigo da família mas um horror em termos de organização e pontualidade, e pegamos o Giuseppe, amigo do Moreno, um cara legal, jovem, formado em Economia e Comércio, que sabe o que está fazendo. Então começamos com o pé direito, com tudo novo, tudo organizado, todos os documentos em ordem e tirados no prazo certo, tudo devidamente carimbado, assinado, xerocado, arquivado, de modo que não vai mais ser preciso organizar uma caça ao tesouro pra achar uma xerox do documento do marroquino ou os documentos de smaltimento (como é isso em Português? Em Inglês seria algo como disposal) de tinta e outros materiais tóxicos que obviamente não podem ser simplesmente jogados no lixo. Agora sabe-se onde está tudo, criamos uma bela rotina de trabalho, o que reduz a probabilidade de erros e de esquecimentos; quem manda é só o Mirco, de verdade, nada mais de autoridade dividida; não tem mais briga com cliente chato que não paga, não tem mais aquelas loucuras de trabalhar sábado à tarde e domingo de manhã porque o cliente largou o caminhão aqui na sexta à noite e o quer pronto e pimpante na segunda de manhã cedo, não tem mais essas maluquices. Já consigo ficar aqui o dia inteiro sem querer chorar de irritação, como acontecia antes.

Claro que o ideal seria estar dando mais aulas e vir pra cá só nas horas livres, até porque agora ficou muito mais fácil e muito menos time-consuming manter tudo organizado, e não há necessidade de ter alguém aqui plantado no escritório oito horas por dia. O telefone toca menos, porque praticamente só cliente chato é que ligava pra torrar a paciência do Ettore; como agora já sabem que com o Mirco o buraco é mais embaixo, os mais chatos simplesmente deixam de vir, pra não ter que ficar chorando preço, prazo, sei lá mais o quê, ou explicando por que raios não pagou a última fatura, ou por que o cheque bateu e voltou. Depois de um certo horário já não tenho mais nada de concreto pra fazer, enquanto que em casa as coisas pra limpar, as roupas pra passar, a comida pra cozinhar, a louça pra lavar (ah, isso não, porque eu sou paranóica com louça e lavo tudo antes mesmo de terminar de mastigar a última garfada), os livros pra ler, as coisas pra escrever, o nada pra fazer, se acumulam. Não posso reclamar; gosto de me sentir útil, e menos culpada por não poder pagar exatamente a metade de todas as nossas contas, e também estou aprendendo muita coisa e tentando perder a mania de deixar tudo pra cima da hora, mas por outro lado preciso de tempo pra fazer as minhas coisinhas. Estou de dedinhos cruzados pra ver se me aparecem novos alunos e novas traduções. Já falei com a Bicha Pedagógica lá da escola pra me arrumar logo uns alunos, de preferência por ali mesmo, na sede, e não em Perugia, que eu não tenho dinheiro pra pagar toda essa gasolina. Vamos ver no que vai dar. Já apareceu uma proposta pra dar aula pra um casal “muito exigente”, o que quer que isso signifique, lá nos cafundós do Judas, sexta-feira, das sete às nove da noite. Falei pra Bicha Pedagógica, tá brincando, né, nega? A escola considera toda Perugia como sendo “in zona”, e por isso não me paga adicional, mas pra mim não é não! São trinta quilômetros da porta de casa até essa última saída de Perugia, e é melhor nem falar dos engarrafamentos. Inda mais sexta-feira à noite! Tá bom que o cinema fica ali pertinho, mas peraí, né, tudo tem seu limite. Ele ficou de me arrumar coisa melhor, mas insistiu muito pra eu pensar, porque esse casal “muito exigente” não quer qualquer um dando aula pra eles não, e eu sou ex-médica, limpinha, domino perfeitamente todas as línguas que falo, não blasfemo nem falo (muito) palavrão, sou viajada, estudada, cheirosa, tenho dentes estupendos e fisicamente tenho nacionalidade não-definida, o que, acreditem, é uma coisa ma-ra-vi-lho-sa. Bicha Pedagógica deixou bem claro que eu TENHO que ir dar aula pro Casal Exigente, porque não há mais ninguém na escola que tenhas as minhas características – só ele, que morou 8 anos em Londres, coisa que ninguém diria já que ele não é exatamente muito esperto. Mas dar aula lá onde o vento faz a curva você não quer, né, bella? Bati o pezinho e disse pra ele jogar uma conversa em cima do Chefe Catanese (ah, esses sicilianos…) pra ver se ele me paga a gasolina. Senão não tem história. Ah, fafavoaêeee….

Pequena introdução pra galera se situar + capitolo primo

Leo é uma mala sem alça. Ele aluga carros pra turistas americanos e ingleses, e na maioria das vezes vai buscá-los no aeroporto e os leva pro hotel ou pra villa alugada. Na verdade esse “transfer” é a sua especialidade. Não poderia ser de outro modo, já que ele não fala quase nada de Inglês e é completamente desprovido de classe, e por isso fica limitado a dirigir o carro mesmo. Eu fui chamada pra trabalhar como intérprete, quebra-galhos ocasional e boa companhia.

Ele trabalha, na maioria das vezes, com clientes de uma conceituada agência de aluguel de ville (lembrem-se que o plural em italiano não tem s), com sede em Londres. Esse grupo que acompanhamos na Toscana nesses 12 dias é composto de 13 pessoas, que fizeram contato com a agência de Londres através da agência de turismo deles nos EUA. Não posso dizer nem o nome da família nem o da cidade onde moram, porque é gente MUITO rica e conhecida. Digamos que a família se chama Xis. Essas 13 pessoas são: o Salame, filho do poderoso patriarca Mr. Xis (quando um homem é um bundão, em italiano, se diz que è un salame. Bundão como esse eu nunca vi, por isso o apelido), a Mulher do Salame, os Quatro Filhos dos Salames (digamos Salaminhos 1, 2, 3 e 4, em ordem cronológica), a melhor amiga da Mulher do Salame, que chamaremos de Morena Simpática, sua única filha, que chamaremos de Sardenta Sorridente, dois dos três filhos do seu segundo marido (ela ficou viúva quando estava grávida de 8 meses da Sardenta Sorridente, e anos depois casou com um viúvo com 3 filhos), que chamaremos de Moreninho e de Blonde Teenager, o melhor amigo do Salame, doravante chamado Super Stronzo, e as duas baby-sitters, que chamaremos de Ruivona e Filipinona (o motivo do aumentativo é puramente estético – a Ruivona é ENORME e a Filipinona, de origem obviamente filipina, é bem, bem gordinha). A família Xis tem tanto, mas tanto, mas tanto dinheiro que eu não consigo nem explicar. Mas vou dar exemplos ao longo dos posts e vocês vão entender o nível dessa gente.

A família Xis alugou uma villa em Larniano, uma colina pertencente a San Gimignano, província de Siena. Na Toscana quase tudo que é colina tem um nome, como se cada uma fosse um bairro, todos pertencentes à cidade principal. A villa di Larniano é simplesmente uma torre construída no ano 1000. Isso mesmo que vocês leram, ano 1000.


É bem grande, tem um monte de quartos, um monte de banheiros, máquina de lavar louça e máquina de lavar roupa, piscina imensa, quadra de tênis, cozinha confortável, salões e mais salões, TV com DVD player. As babás ficaram hospedadas num hotel 4 estrelas na entrada da cidade.

Os carros de aluguel eram 3: duas monovolumes (uma Renault Espace modernérrima, com cartão em vez de chave, e uma Ford cujo modelo esqueci) e uma Opel Astra pras babás.

Os Salames não trabalham, seus filhos não vão à escola mas são homeschooled (e as babás, ambas de formação pedagógica, ajudam, juntamente com os infinitos professores particulares). O Super Stronzo é arquiteto e antipático. A Morena Simpática é ex-bailarina e coreógrafa, elegante, linda, super sorridente. O velho Mr. Xis é um dos maiores acionistas de uma das mais importantes publicações dos EUA, e tem tantas, mas tantas empresas que um dia resolveu dar uma de presente ao melhor amigo de cada filho. O Super Stronzo se encarregou de falir a que ele ganhou.

Os Salames têm casa na Suíça, em um outro lugar dos EUA onde passam o verão inteiro, e em outros lugares que eu já esqueci. São muito religiosos e seriamente envolvidos com a sua igreja, que não sei qual é porque esse assunto realmente não me interessa.

Background completo, vamos ao relato propriamente dito…

Sábado, 19 de junho

Acordei super cedo e saí de casa antes das seis e meia. Fui até Todi encontrar o Leo e o microônibus. Logo de cara já me irritei: quando perguntei onde deveria sair da estrada, ele falou “pega a saída de Todi”. Só que Todi tem duas saídas, uma chamada Todi-Orvieto, que é meio lateral à cidade, e outra chamada Todi-San Damiano, que fica bem de frente pra Todi, e foi onde eu saí. Liguei pra ele pra avisar onde eu estava, e seguiu-se o seguinte diálogo:

Leo: Por que você saiu em San Damiano?
Leticia: Porque você é super esperto e sabe dar indicações muito bem, e mesmo sabendo que eu não conheço NADA de Todi nem se preocupou em dizer qual saída pegar. Super legal, adorei. Adoro me perder.

Tudo bem, ele veio me buscar, demos a volta toda de novo. Deixei o carro estacionado em frente a um centro commerciale, subi no microônibus, cujo motorista se chamava Massimo, e fomos pro aeroporto de Roma. Leo foi pegar outros clientes no centro de Todi, que teriam que ir ao aeroporto também – dois coelhos com uma porrada só.

Chegamos cedo demais. Fiquei uma hora batendo papo com o Massimo no ônibus, sem entender quase nada – ele é de uma cidadezinha minúscula perto do Lago Trasimeno e tem um sotaque horrível, além de ser super bronco, o que invariavelmente atrapalha a dicção. A hora da chegada do vôo dos Salames foi se aproximando, e eu fui ao portão de chegada esperar, com aquele cartazinho ridículo na mão, escrito Family Xis. Nunca imaginei que um dia fosse passar por uma situação dessas. Ao meu redor, amontoados num canto do portão de desembarque, mil outros Leos, cada um com seu cartazinho escrito à mão e com grafia errada, enchiam o saco dos passageiros que saíam perguntando que vôo era aquele que tinha acabado de aterrissar. O monitor avisava que o vôo dos Salames estava desembarcando, e nada do Leo chegar. Chegou, todo suado, praticamente junto com eles. Um bando de crianças louras e sorridentes, e TRILHÕESSSSSSSSSS de malas enormes, do tipo que cabem dois cadáveres dentro, confortavelmente instalados. Cumprimentos, apertos de mão, carregamos o ônibus de malas, todo mundo sobiu, Leo montou na sua Alfa preta, e lá fomos nós pra Todi, onde íamos parar pra almoçar.

A viagem a Todi é tranquila; alguns minutos de bate-papo desconfortável e formal intercalados com meias-horas de sono. Em Todi almoçamos no La Mulinella (Località Pontenaia – Todi (PG) – 075.8944779), os Salames numa mesa linda no jardim, embaixo de uma árvore, e eu com o Massimo, no ar condicionado dentro do restaurante. Comi tagliatelle com molho de ganso, super bem feito. Eles fazem um pão com nozes que é de comer chorando. As crianças Salame comeram macarrão com manteiga – sacrilégio, italiano odeia manteiga. A Mulher do Salame conseguiu convencer o garçom a trazer um cappuccino pra ela em plena hora do almoço, coisa incrível, já que normalmente os italianos são extremamente puristas quando se fala de comida, e quase sempre se recusam a cometer heresias alimentares, não interessa quem está pedindo. Mas ela lançou um sorriso de Mulher de Salame Milionário e o garçom trouxe o cappuccino, não sem revirar os olhos, claro.

Acabado o almoço, era hora de tocar pra San Gimignano. Leo me veio com a novidade: eu tinha que levar o carro das babás até a Toscana, coisa que não estava prevista nos nossos acordos iniciais. Esse carro já deveria estar em Larniano, com os outros dois, e em momento nenhum se falou em Leticia dirigindo. Mas, como não tinha outro jeito, lá fui eu dirigindo a Opel Astra – carrão, aliás, motor tinindo, ar condicionado super power.

A viagem foi um saco. As estradas depois da saída pra Siena estão em obras há anos e o tráfego corre em uma única fila em cada direção. Levamos séculos pra chegar a S. Gimignano, mas pelo menos a paisagem é bonita. E vi uma coisa insólita, num lugar insólito: um velho pastor de ovelhas, de cajado e tudo, sentado à sombra de uma árvore, enquanto os carneiros pastavam num pedaço de campo às margens da autostrada Roma-Firenze, uma das mais movimentadas do país. Eu tinha decorado o número do quilômetro, mas não anotei e agora esqueci. Mas a imagem incongruente ficou gravada na minha cabeça, e vai ser uma das últimas a sumir se um dia eu tiver Alzheimer.

Chegando à villa, as crianças foram direto trocar de roupa e pular na piscina. Na cozinha encontrei a Giuseppina, toscana de sovaco cabeludo que prepara refeições a domicílio pra turistas endinheirados, com a ajuda do filho rastafari Simone. O jantar daquele dia estava na grande mesa do terraço: como antipasto, bruschette de berinjela e de tomate e lindos barquinhos de massa recheados com creme de abobrinha e flor de abobrinha. De primo, spaghetti com molho de tomate fresco, e de secondo, asas e coxas de frango assadas. Vinho branco e água mineral. Claro que ninguém comeu nada, porque tinham se entupido de besteira no ônibus. Giuseppina ficou puta da vida, mas disfarçou bem. Nós ficamos resolvendo os últimos pepinos com o Massimo, administrador da villa – providenciando mais toalhas, aprendendo a mexer na máquina de lavar roupa, etc. Fomos até o hotel das babás (Relais Santa Chiara – Via Matteotti, 15 – S. Gimignano (SI) 0577.940701), que nos seguiram no Astra, e depois finalmente nos dirigimos a Racciano, uma outra colina ali perto onde eu e Leo ficamos hospedados numa outra casa do mesmo dono da Villa di Larniano. A casa era minúscula, dois quartos, um banheiro, uma sala/cozinha e um rustico embaixo, com lareira e uma mini-cozinha. A minusculidade da casa foi um IMENSO motivo de irritação: não tenho a MENORRRRRRRRR intimidade com o Leo e dividir aquela casa microscópica, e, pior, dividir banheiro com ele, foi uma das piores experiências da minha vida. Mas enfim.

O bom da casa é a vista: Racciano fica numa posição exatamente oposta à colina onde fica S. Gimignano, por isso da janela da cozinha dava pra ver as torres da cidade:


Leo saiu pra comer pizza. Eu fiquei em casa lendo A Brief History of Time e acabei adormecendo, mas acordei com ele chegando em casa. Ele mora sozinho há anos e, sem ter ninguém que dê uns toques de vez em quando, foi ficando incrivelmente barulhento, fala e resmunga sozinho, fala alto, deixa a torneira aberta enquanto vai beber água na cozinha, um PORREEEEEEEEEE. Também não toma banho todo dia e não vi nem sombra de escova de dentes.

uhuuu

Amanhã cedinho parto pra Todi, onde vou encontrar aquela mala do Leo, deixar o meu carro estacionado sei lá onde, e juntos vamos ao aeroporto de Roma pegar aqueles americanos milionários pra quem eu vou trabalhar como intérprete. Talvez eu volte amanhã mesmo e só comece a trabalhar de verdade do domingo até o começo de julho, mas de qualquer maneira não se assustem quando eu sumir: estarei rodando pela Toscana, vendo lugares maravilhosos que eu ainda não conheço, e podem deixar que estou levando meu diário convencional e quando voltar faço o relato completo.

E falando em gente cheia da grana, nem contei a história do canadense e seu Car from Overseas.

Estou eu entrando na agência outro dia, com a sólita má-vontade, quando vejo uma ruivinha sentada à frente da Roberta, uma das secretárias. O sotaque era inconfundível: ou era americana ou canadense. E era canadense. Ativei meus Super Ouvidos de Tuberculoso pacamanca Inc. e pesquei a seguinte história: ela era a assistente pessoal (será que um dia eu vou ser tão rica que vou precisar de assistentes pessoais em outros países?) de um canadense que comprou uma casa no monte, atrás de Assis (avaliada em 400.000 euros), e que, apesar de ter cidadania italiana, não tem residência oficial aqui, e por isso não pode comprar carro. Como aqui não rola nada sem carro, ainda mais pra quem mora no morro, ele quer trazer o carro dele do Canadá pra cá. Vou repetir, se alguém não entendeu direito: ELE QUER TRAZER UM CARRO DO CANADÁ PRA CÁ. E a discussão toda era em torno da possibilidade ou não de fazer uma coisa do gênero, em termos assicurativos. Parece que depois de sei lá quantos meses aqui, um carro estrangeiro tem que obrigatoriamente ser registrado na Itália e pegar placa italiana. Fiquei curiosíssima, needless to say, e outro dia, quando ela voltou com o tal canadense, que aliás é muito simpático e não tem a menor cara de milionário, até porque é bem jovem, eu bem dei um jeito de me intrometer e bater papo em Inglês. Não deu tempo de descobrir como é que essa criatura ganha toda essa grana porque o maldito cliente com quem eu tinha horário marcado chegou, mas eu já falei pra Roberta perguntar, assim como quem não quer nada, a próxima vez que ele aparecer lá (ele tem que ir levar e assinar uns documentos).

a coisa tá ficando boa (era hora!)

Então o lance é o seguinte: aquele cara de Todi, que aluga carro pra turista americano endinheirado, pra quem eu traduzo os e-mails de negociação com os gringos, me convidou pra ser intérprete de um grupo cheíssimo da grana que vem pra Toscana no final de junho. Se eles aceitarem os meus selviços, que obviamente não se limitam a traduzir do Inglês pro Italiano e vice-versa mas incluem explicações gastronômicas e enológicas (claro), históricas e linguísticas, curiosidades locais, além da minha infinita simpatia e capacidade de entretenimento, vou faturar uma graninha boazinha que vai dar pra quase pagar minha passagem pro Rio em julho – se eles deixarem gorjeta, melhor ainda, claro. E ainda por cima daria pra conhecer vários lugares interessantes da Toscana que eu nunca vi, com hospedagem e refeições pagas – essa parte das refeições é muito importante, vocês sabem. Pra isso vou ter que dar uma chorada na agência pra poder me ausentar durante esses dias. Como a coisa com a gringaiada não tá confirmada ainda, por enquanto boca de siri. Quando eu souber direitinho como vai a coisa e decidir quando vou dar a chorada, aviso, pra vocês acenderem velinhas.

E aí hoje outra coisa legal pintou, embora seja uma parada muuuuito mais remota. No final do ano passado vi na TV um programa chamado Donnavventura (o nome é cafonérrimo, mas o programa é legal). É uma equipe de mulheres que vão dirigindo por aí em lugares bizarros – tipo um Camel Trophy, lembram? O que eu vi foi na América do Sul, que não me interessa, muito pelo contrário. Não sei se eles foram ao Brasil, só vi os lugares mais podreira que eu não tenho a menorrrrrrrrr vontade de visitar – Peru, Bolívia, Colômbia, essas merdas. Fui lá no site ver onde seria o próximo e quando seria televisionado, e acabei me inscrevendo pra participar. Hoje recebi um e-mail dizendo que as entrevistas tête-a-tête serão em Roma no próximo sábado (o que infelizmente destrói meu esquema da feira de livros em Torino), na Piazza del Popolo. Eles fazem o mesmo esquema de recrutamento dos reality shows: vão com um furgão equipado de cidade em cidade, e a galera vai fazendo os testes, tudo filmado, claro. Já pensou, viajar dirigindo jipões em lugares surreais que eu nunca vou ter dinheiro pra visitar? Um dos requisitos é ter boa redação, já que o diário de bordo é obrigatório. Dos requisitos que eu acho mais importantes (pra eles) o único que eu reeeeealmente não tenho é ser fotogênica. O resto a gente dá um jeitinho… Velinhas, por favor.

Falta pique também pra continuar nesse trabalho chato. Meu tutor já sacou que eu não tenho nem saco nem vocação pra coisa, porque vive me perguntando o que é que eu gosto e o que eu não gosto, e quando me apresenta aos clientes diz que eu estou em período de teste, pra saber se quero ou não trabalhar nessa área. Hoje fomos visitar um cliente odontotécnico com um consultório lindo e simpático, e me deu a maior vontade de arrumar um emprego part-time assim bem idiota, tipo secretária de médico ou dentista. Pouco empenhativo pro céLebro e pouco time-consuming, ou seja, perfeito. Já voltei a comprar jornal pra procurar emprego. Vamos ver o que rola. Acendam velinhas.

Momento rádio-relógio

Coisas que eu aprendi visitando clientes estranhos nessa semana e girando pela zona de Assis e Bastia:

. É possível quebrar uma costela tossindo.
. Couro de cervo normalmente é muito fino, leve e granulado como textura, mas a moda européia outono-inverno 2004 é esse couro tratado a vácuo, que então fica liso, brilhante, pesado e rígido. Vai entender.
. Italiano no volante, perigo constante.

Desde segunda-feira eu e as meninas (Carmen e Claudia) passamos as manhãs na loja do Fabrizio o Louco, limpando e arrumando a loja pra reabertura no dia 26 de fevereiro. Só que, além do maluco do Fabrizio, a furiosa mulher dele, Rossella, também vem trabalhar. Eles são duas das pessoas mais grezze – toscas – que eu já conheci na minha vida. Gritam o tempo todo, brigam sem parar, xingam, maledizem, bestemmiano. Rossella é a cara da irmã malvada de um dos personagens de South Park que agora não lembro quem é – aquela garota feia de aparelho fixo, toda atarracada. Ela fuma feito uma chaminé, tem um sotaque perugino hor-ro-ro-so, e passa metade do seu tempo falando mal do Fabrizio e da sogra, e a outra metada enaltecendo o monstruoso filho Saverio, que aliás é um capítulo à parte em termos de falta de educação.

Se o Fabrizio já é chato, estressado e estressante nas CNTP, imaginem com uma mulher dominadora feito a Rossella. Tudo o que ele faz a irrita, e vice-versa. As paranóias dele deixam qualquer um maluco, mas ela já o atura há tantos anos que o saco já encheu, e ao primeiro sinal de maluquice ela liga o berrador e não pára mais. Hoje, depois que o Fabrizio pediu a nós pra varrer a loja pela enésima vez – coisa inútil, já que ainda estávamos tirando a poeira das prateleiras e jogando papel absorvente empoeirado no chão – a Rossella simplesmente começou a bestemmiare feito um marinheiro:
Mavvafanculo tu e quella troia della tu’ mamma che ti ha parturito! Porca puttana della maiala, sacro imperatore Giustiniano, ma che pugnetta che sei! (vão tomar no cu você e aquela piranha da tua mãe que te pariu! – o resto são xingamentos sem sentido, inventados na hora, uma coisa que sempre me faz rir muito aqui na Itália. E quanto a pugnetta, que aliás nem sei se tem dois tês, só preciso dizer que gn se pronuncia como nh, como em gnocchi, e que “sei” é a segunda pessoa do singular do verbo ser.).

Além dessas chaturas, ainda há dois agravantes: UM – tanto o Fabrizio como a mulher são ignorantões e grosseiros clássicos, e adoram discutir sua vida sexual e ginecológica com quem quiser ouvir (e com quem não quer também), o que, considerando o charme e a elegância do casal, é de dar náuseas no pobre ouvinte. DOIS – como todo bom italiano, são dois hipocondríacos. Quem me conhece, e quem lê esse blog há algum tempo, sabe que eu sou completamente fria e calculista em relação a doenças. Tenho plena consciência de que se você acreditar muito firmemente que alguma parte do seu corpo está doendo, ela vai doer de verdade. Achei que tivesse me livrado dessa maluquice curtidora de doenças quando parei de trabalhar com a Martinha, que é um amor mas todo dia tinha uma dor nova (incluindo dor no olho.), mas hoje ouvi um festival de queixas doloríficas, tanto da parte da Rossella quanto da Carmen. Uma tem dor nas costas, a outra rebate dizendo que tem vertigem. Uma diz que se não segura na prateleira cai da escada (porra, então por que não me deixou subir quando me ofereci pra ficar lá em cima passando garrafas de Barolo pra quem ficou embaixo?), a outra contra-ataca dizendo que tem “predisposição à dor óssea”. Uma reclama que não dorme bem, a outra dá um direto de esquerda afirmando que tem “ataques de af㔠quando deita na cama. Caralho, exclamou a princesinha! Acabei perguntando por que as duas donzelas não tinham ido ao médico ainda, se essas coisas incomodavam tanto. Ficaram quietas e mudaram de assunto, as duas.

Têm sido manhãs cansativas. Subir e descer da escada carregando caríssimas garrafas de vinho cobertas de poeira definitivamente não é legal. Fazer isso ouvindo a Rossella dizer o quanto o filho dela é mais inteligente até do que os professores da escola é menos legal ainda – ainda mais quando eu conheço o monstrinho e sei que não só ele é ignorante como os pais, mas também é incrivelmente, mas INCRIVELMENTE mimado e mal-educado. Hoje terminamos de tirar o pó de TODAS as prateleiras, TODOS os potes de molho e garrafas de vinho e pacotes de cogumelos secos e ervas pra risoto. Amanhã só precisamos colocar no lugar os queijos e salames, e limpar o chão. Mas vou estar sozinha com o Fabrizio, que já sei que vai começar a pregação catequista pra cima de mim. Pelo menos não vai ter ninguém fumando do meu lado.

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Ontem fui a Perugia com a Carmen buscar o laudo da ressonância magnética do joelho do Mirco. Houve ruptura de um pedacinho posterior do menisco lateral esquerdo, o que significa que terá de ser feita uma artroscopia pra remover o pedacinho, que o incomoda muito. Sexta-feira vou falar com o ortopedista dele pra marcar essa cirurgia e tentar convencê-lo a me deixar assistir.

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Estou lendo “Sob o Sol da Toscana”, de Frances Mayes, que a FeRnanda me emprestou sexta-feira passada. Tive que começá-lo logo, antes de Huxley, porque a FeRnanda é que nem eu, ciumenta dos livros, e quer que eu o devolva logo. Aliás, tem um da Sark que eu deixei com ela pra ela treinar Inglês, e esqueci de pegar…

O livro é delicioso. A autora é americana e mora em Cortona, última cidade toscana na zona de fronteira com a Umbria, não muito longe daqui. Conta suas desventuras na casa que ela e o marido compraram ali em Cortona: as reformas, as maluquices italianas, a dificuldade de ter horários cumpridos aqui, descrições de jardins, dicas de botânica, receitas gostosas. Realmente uma delícia de livro. Pena que é traduzido, porque o Inglês da FeRnanda não é lá essas coisas. Não tem jeito: livro traduzido é uma merda até quando foi traduzido bem.

Desde segunda-feira eu e as meninas (Carmen e Claudia) passamos as manhãs na loja do Fabrizio o Louco, limpando e arrumando a loja pra reabertura no dia 26 de fevereiro. Só que, além do maluco do Fabrizio, a furiosa mulher dele, Rossella, também vem trabalhar. Eles são duas das pessoas mais grezze – toscas – que eu já conheci na minha vida. Gritam o tempo todo, brigam sem parar, xingam, maledizem, bestemmiano. Rossella é a cara da irmã malvada de um dos personagens de South Park que agora não lembro quem é – aquela garota feia de aparelho fixo, toda atarracada. Ela fuma feito uma chaminé, tem um sotaque perugino hor-ro-ro-so, e passa metade do seu tempo falando mal do Fabrizio e da sogra, e a outra metada enaltecendo o monstruoso filho Saverio, que aliás é um capítulo à parte em termos de falta de educação.

Se o Fabrizio já é chato, estressado e estressante nas CNTP, imaginem com uma mulher dominadora feito a Rossella. Tudo o que ele faz a irrita, e vice-versa. As paranóias dele deixam qualquer um maluco, mas ela já o atura há tantos anos que o saco já encheu, e ao primeiro sinal de maluquice ela liga o berrador e não pára mais. Hoje, depois que o Fabrizio pediu a nós pra varrer a loja pela enésima vez – coisa inútil, já que ainda estávamos tirando a poeira das prateleiras e jogando papel absorvente empoeirado no chão – a Rossella simplesmente começou a bestemmiare feito um marinheiro:
Mavvafanculo tu e quella troia della tu’ mamma che ti ha parturito! Porca puttana della maiala, sacro imperatore Giustiniano, ma che pugnetta che sei! (vão tomar no cu você e aquela piranha da tua mãe que te pariu! – o resto são xingamentos sem sentido, inventados na hora, uma coisa que sempre me faz rir muito aqui na Itália. E quanto a pugnetta, que aliás nem sei se tem dois tês, só preciso dizer que gn se pronuncia como nh, como em gnocchi, e que “sei” é a segunda pessoa do singular do verbo ser.).

Além dessas chaturas, ainda há dois agravantes: UM – tanto o Fabrizio como a mulher são ignorantões e grosseiros clássicos, e adoram discutir sua vida sexual e ginecológica com quem quiser ouvir (e com quem não quer também), o que, considerando o charme e a elegância do casal, é de dar náuseas no pobre ouvinte. DOIS – como todo bom italiano, são dois hipocondríacos. Quem me conhece, e quem lê esse blog há algum tempo, sabe que eu sou completamente fria e calculista em relação a doenças. Tenho plena consciência de que se você acreditar muito firmemente que alguma parte do seu corpo está doendo, ela vai doer de verdade. Achei que tivesse me livrado dessa maluquice curtidora de doenças quando parei de trabalhar com a Martinha, que é um amor mas todo dia tinha uma dor nova (incluindo dor no olho.), mas hoje ouvi um festival de queixas doloríficas, tanto da parte da Rossella quanto da Carmen. Uma tem dor nas costas, a outra rebate dizendo que tem vertigem. Uma diz que se não segura na prateleira cai da escada (porra, então por que não me deixou subir quando me ofereci pra ficar lá em cima passando garrafas de Barolo pra quem ficou embaixo?), a outra contra-ataca dizendo que tem “predisposição à dor óssea”. Uma reclama que não dorme bem, a outra dá um direto de esquerda afirmando que tem “ataques de af㔠quando deita na cama. Caralho, exclamou a princesinha! Acabei perguntando por que as duas donzelas não tinham ido ao médico ainda, se essas coisas incomodavam tanto. Ficaram quietas e mudaram de assunto, as duas.

Têm sido manhãs cansativas. Subir e descer da escada carregando caríssimas garrafas de vinho cobertas de poeira definitivamente não é legal. Fazer isso ouvindo a Rossella dizer o quanto o filho dela é mais inteligente até do que os professores da escola é menos legal ainda – ainda mais quando eu conheço o monstrinho e sei que não só ele é ignorante como os pais, mas também é incrivelmente, mas INCRIVELMENTE mimado e mal-educado. Hoje terminamos de tirar o pó de TODAS as prateleiras, TODOS os potes de molho e garrafas de vinho e pacotes de cogumelos secos e ervas pra risoto. Amanhã só precisamos colocar no lugar os queijos e salames, e limpar o chão. Mas vou estar sozinha com o Fabrizio, que já sei que vai começar a pregação catequista pra cima de mim. Pelo menos não vai ter ninguém fumando do meu lado.

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Ontem fui a Perugia com a Carmen buscar o laudo da ressonância magnética do joelho do Mirco. Houve ruptura de um pedacinho posterior do menisco lateral esquerdo, o que significa que terá de ser feita uma artroscopia pra remover o pedacinho, que o incomoda muito. Sexta-feira vou falar com o ortopedista dele pra marcar essa cirurgia e tentar convencê-lo a me deixar assistir.

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Estou lendo “Sob o Sol da Toscana”, de Frances Mayes, que a FeRnanda me emprestou sexta-feira passada. Tive que começá-lo logo, antes de Huxley, porque a FeRnanda é que nem eu, ciumenta dos livros, e quer que eu o devolva logo. Aliás, tem um da Sark que eu deixei com ela pra ela treinar Inglês, e esqueci de pegar…

O livro é delicioso. A autora é americana e mora em Cortona, última cidade toscana na zona de fronteira com a Umbria, não muito longe daqui. Conta suas desventuras na casa que ela e o marido compraram ali em Cortona: as reformas, as maluquices italianas, a dificuldade de ter horários cumpridos aqui, descrições de jardins, dicas de botânica, receitas gostosas. Realmente uma delícia de livro. Pena que é traduzido, porque o Inglês da FeRnanda não é lá essas coisas. Não tem jeito: livro traduzido é uma merda até quando foi traduzido bem.