Meu Harry Potter e meu

Meu Harry Potter e meu Ken Follett (The Pillars of the Earth) chegaram hoje pela Amazon! Excrusive o HP está aqui ao meu lado sobre a escrivaninha do escritório, me tentando, me chamando… (Não trouxe o tijolo pra passear nem conhecer meu escritório, é que normalmente chego na pracinha antes da hora da Marta passar, e pra não ficar esperando sem fazer nada levo sempre um livrinho. Ou livrão. Ou tijolão, como é o caso do senhor Potter.)

[Curiosidade: como ficou a tradução de “squib” em Português, hein? E de Dementor?]

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Um termo que eles usam pra definir gente meio doida é “fulminato”. Já descobri que é uma coisa Umbra, desconhecida no resto da Itália, mas eu não consigo descobrir um termo que defina melhor a maluquice alheia! Um cara que leva um raio na cabeça – ou seja, que é fulminado por um raio – realmente não pode ser normal.

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Ontem fui jantar pizza na casa da tia do Fabio (namorado da FeRnanda). Essa tia tem um irmão que mora em Firenze, e as filhas dele de vez em quando vêm aqui visitar o resto da família, que continuou morando aqui na roça. A mais velha, Francesca, 18 anos, totalmente fashion e descolada, macérrima, barriga de fora, cabelos revoando pra lá e pra cá. A mais nova, Giulia, 13 anos, meio meninão, descabelada, engraçadíssima! Demos muita risada, principalmente por conta do sotaque fiorentino das meninas. Os toscanos transformam a C entre vogais em R. Então eles falam rasa em vez de casa, rorra-rola em vez de coca-cola, etc. Ficamos dando risada até quase meia-noite, quando então voltei pra casa a pé – moro a dois passos de distância, como eles dizem aqui.

A coisa chata da noite foi a conversa com a tal tia do Fabio, que se chama Orietta. Começa já do nome, coitadinha. É nome de velha. É solteirona, sozinha, mimada – os irmãos pagam aluguel, contas da casa, consertam tudo que quebra dentro de casa, etc. Tem quase 37 anos, e há praticamente 20 trabalha numa papelaria no centro de Assis – do outro lado da praça em relaçao à loja onde eu trabalhei, aliás já fui comprar cartão lá algumas vezes, quando o doido do meu patrão precisava dar um presente a alguém. Como ela está sempre à disposição pra trabalhar, porque não tem nada melhor pra fazer, o patrão paga super bem, e o salário dela é muito além do que se esperaria pra uma pessoa na posição dela. Apesar disso, diz que vive sem dinheiro (e essa foi a primeira coisa chata da noite. Ora, me poupe, mora sozinha com o cachorro num apartamento todo pago pela família, não viaja, não tem carro, não se veste bem, não faz as unhas toda semana nem depilação, não faz escova dia sim dia não, não tem namorado, não vai ao cinema nem ao teatro nem às sagras aqui da zona [aliás, esse fim de semana tem sagra da torta al testo em Pila, perto de Perugia… nham nham] não tem porra nenhuma de despesa, comé que pode viver sem dinheiro? Isso me irrita assim MOOOOITO). Aí vem o pior: admite que não lava o cabelo quando está menstruada “porque foi criada assim”. Aaaaaaaaaaah, quer me botar doida é me dizer uma imbecilidade dessas. Viro bicho. Mas viro bicho com razão: já estive no porão do fundo do poço – essa minha crise lanterneiral de abril/maio não foi NADA perto da minha época seriamente depressiva – e sei que a gente só sai dessa quando quer sair, e que inventar desculpas ridículas é a coisa mais fácil e cômoda do mundo – e também a coisa mais inútil. E essa falta de vontade de sair do buraco, essa resignação infinita e cheia de suspiros de “e se…” e “mas eu…”, essa desculpa esfarrapada de “ter sido criada assim”, isso vai me dando uma irritação absurda, uma vontade de dar porrada. Pombas, TRINTA E SETE ANOS e até hoje não criou vontade de sair do buraco! Quequeísso! Vi que a FeRnanda tava sentindo a mesma coisa. Como esse tipo de conversa não leva a lugar nenhum, porque o cego que não quer ver não vê mesmo e com gente teimosa não tem o que discutir (eu sou teimosíssima e sei do que estou falando), nos levantamos, nos despedimos e fomos embora. O ar fresco da noite me acalmou, fez passar a vontade de falar em toscano (eu pego sotaque fácil, fácil), me fez dormir muito bem.

Que bom que dormi bem e fiz um estoque de sono, porque essa noite vai ser Harry Potter na cabeçaaaaaaaaaa.ù

Se tem uma coisa que

Se tem uma coisa que eu odeio é gente termicamente desregulada. Um calor do cacete – quem nao concordar que 35 C sao um calor do cacete, eu mato – e neguinho fechando janela porque o vento é muito forte, botando casaquinho leve nos ombros… Até prova em contrario, vento nao é sinonimo de frescor – ou vento quente refresca alguma coisa? Ou entao um frio danado – 5 C SAO um frio danado, nao tem discussao – e neguinho saindo do escritorio e deixando a porta aberta. Nao é possivel! Vai ser desregulado assim na casa do chapéu!

Sim, eu sou preconceituosa às

Sim, eu sou preconceituosa às vezes. Mas vejam se nesse caso eu nao tenho razao: digam se voces comprariam um produto de limpeza chamado Mastro Lindo – sendo que o Mastro Lindo em questao é um careca fortao desenhado no rotulo – cujo jingle na propaganda televisiva inclui os seguintes versinhos:

contra a gordura causa furor
a magia é o seu poder

Pois é. Eu também nao compro.

Gostaria de ter conta corrente

Gostaria de ter conta corrente (em italiano é masculino, conto corrente) na Banca di Roma (em italiano é feminino, banca em vez de banco), soh pra ter talao de cheques com o desenho do Coliseu.

Pensando bem, gostaria de ter dinheiro pra abrir uma conta corrente. Ponto.

Adormeço com um dedo marcando

Adormeço com um dedo marcando a página em Lolita (do qual, aliás, estou gostando; bom contraste com aquela chatice do Catcher in the Rye), e acordo uma hora depois com um barulho de portas e janelas fechados com pressa, e mais alguns rumores meteorológicos vindos de fora. Parece que o temporal que não houve ontem, o terrível temporal que todo mundo, inclusive eu, jurava que ia desabar por aqui mas ficou restrito a Foligno e a Spello (Spello está do outro lado do Subasio em relação a Assis, mas o clima é completamente diferente), hoje veio parar nessas bandas com uma força escandalosa, sem que ninguém suspeitasse. O dia foi muito muito quente, de sol muito muito forte, do tipo ao qual você se expõe por 30 segundos e sente seus melanócitos todos pimpões bombeando melanina pra lá e pra cá em resposta aos raios solares. Aíagora às cinco e meia da tarde eu acordo com o mundo caindo.

Como eu já disse aqui antes, o único fenomeno meteorológico que eu abomino é o vento. Chuva, trovões, relâmpagos, não me assustam nem incomodam. O que rolou hoje foi um ventinho básico, acompanhando uma chuva avassaladora que molhou todo o chão embaixo da minha janela no intervalo de 10 segundos que eu levei entre acordar e interpretar o que estava acontecendo, e levantar pra fechar a janela. Arranquei uma das cortinas sujinhas, daquelas que se prendem à janela e não a um trilho acima dela, pra poder ver a chuva mesmo com a janela fechada. Os grossos pingos viraram pesadas pedras de granizo se esborrachando contra o vidro, plaft, plaft, PLOFT, plect. As plantas do jardim do vizinho se balançavam furiosamente com o vento. Lá longe, no alto de um prédio em obras, vejo confusamente, contra o céu cinzento, uma coisa lençol-like balançando loucamente – um pedaço de plástico que eu vira um operário estender sobre seu pedaço de telhado horas antes que a chuva caísse.

A coisa continua por alguns minutos, e depois pára. Os plaft ploft contra o vidro cessam; do outro lado da minha janela descortinada os pingos vão rareando, até sumirem por completo. Levanto com muita preguiça, escancaro as janelas; o ar que entra é limpinho, cheiroso, fresco.

A pausa dura cinco minutos. Trovões de quinze, vinte segundos cortam o silêncio, e a chuva cai outra vez. Na verdade essa chuva é muito bem vinda, já que fazia mais de um mês que não chovia decentemente, mas o granizo é um saco, causa prejuízos às lavouras, aos carros deixados na rua, a gente que não acha uma marquise pra se abrigar em tempo e leva pedradas de gelo na cabeça. Coisas da vida.

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Uma outra lenda da roça italiana, parente do antibiótico com ovo e da já mencionada “corrente de vento”, é a bebida gelada. Assim como no Brasil a gente pobre e ignorante tem conhecimentos médicos reduzidos ao trio sistema nervoso/problema no fígado/febre interna, febre na cabeça e outras variações do mesmo tema, aqui o pessoal tem cisma, além da tal corrente de vento, com as bebidas geladas. Aaaah, mas fulano teve uma congestão bebendo água gelada! Na boa, o mundo INTEIRO toma bebida gelada, por que é que é só na Itália que isso faz mal à saúde? E vocês pensam que eu consigo convencer esse povo que dor de estômago, gastrite, enxaqueca, dor nas costas, insônia, indigestão não são causados diretamente por água gelada? Nananinana.

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Roma melou. Papai ligou hoje de manhã, enquanto eu estava fazendo nada no escritório (sábado é dia de fazer nada no escritório; no máximo botamos as faturas em ordem e limpamos a sala, hoje nem a limpeza fizemos), dizendo que não iria mais a Roma. Como não estou podendo gastar grana sem uma boa justificativa, desisti da viagem. Fiquei jururu; queria muito ver as meninas, queria muito ver Roma, queria muito comprar meu Harry Potter, que todo o mundo civilizado já leu mas eu, que estou realmente morando na Serra Leoa aparentemente, ainda não vi nem a cor. Minha última esperança de ler o livro antes da próxima passagem do cometa Halley é a Silvia, amiga da Martinha que estuda em Firenze e ficou de procurá-lo pra mim antes de voltar aqui pra Costa do Marfim hoje.

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O piso do meu quarto é de ladrilhos. Ladrilhos decorados, cada quatro formando um desenho antiquado em cores de marrom-cocô e verde-catarro. Em alto relevo. Uma maraviiiilha pra limpar. Não só você não percebe quando tá sujo ou não, mas mesmo durante o processo de limpeza não consegue saber direito se já tá limpo ou é pra continuar varrendo. Se eu encontro a criatura que teve a idéia de botar um treco desses no chão de casa, eu juro que eu mato.

A espécie humana só vai poder ser considerada evoluída quando pessoas que têm idéias de jerico dessa magnitude não nascerem mais. E, claro, quando o apêndice vermiforme (aquele que só serve pra inflamar), os dentes do siso, os genes da calvície, da dependência da nicotina, das varizes, da crueldade com crianças e animais, do chulé, da vontade de escarrar no chão, e principalmente da compulsão alimentar forem eliminados do nosso código genético. Vai por mim. Tamos mooooito atrasados ainda…

A ultima novidade aqui no

A ultima novidade aqui no escritorio é home banking.

Vou repetir: A ULTIMA NOVIDADE, coisa revolucionaria, state-of-the-art, modernidade pura, é home banking.

Tem dias que eu acho que to morando no Gabao: hoje passei a manha inteira procurando Harry Potter aqui em Perugia, e soh tinha em UMA livraria, que tinha encomendado a enormidade de 5 exemplares, todos jah devidamente reservados e pré-vendidos – claro, a cidade é cheia de estudantes do mundo todo, o que nao falta é gente de madrelingua inglesa.

O lanterneiro tem razao. Sob muitos aspectos, o Terceiro Mundo é aqui…

Eu adoro a lingua italiana

Eu adoro a lingua italiana – claro, senao nem tava aqui, tudo começou com o curso de italiano. De vez em quando descubro uma coisa que eu nao gosto, e uma delas é o verbo piacere, pobre equivalencia do nosso verbo gostar. O problema com o piacere é que ele significa exatamente agradar, e nao gostar. Ou seja, o sujeito é a coisa que agrada, e nao quem gosta. E’ uma “gostaçao” passiva, o mérito da gostaçao é todo da coisa (ou pessoa) da qual se gosta, e eu, que odeio qualquer tipo de passividade, fico levemente irritada. Tem vezes que eu fico louca de vontade de dizer “adoooooooooooooro chocolate” e tenho que me contentar com um “quanto mi piace la cioccolata”, como se a culpa toda da gostaçao fosse do chocolate e eu nao tivesse muita escolha… Sei lah, dificil explicar, mas nao gosto.

Fora a complicaçao gramatical, jah que a conjugaçao muda de acordo com a coisa gostada: mi piace la cioccolata, mi piacciono i cani, Tizio (o Fulano) non mi è mai piaciuto (jamais gostei do Fulano), ah, ma queste cose non mi sono mai piaciute (jamais gostei dessas coisas), quei ragazzi non mi sono mai piaciuti (jamais gostei daqueles garotos).

Entao fica assim: eu gosto de gostar em Portugues e Ingles, mas gostar em Italiano é muito chato. E ponto final.

Meu cabelo hoje experimentou a

Meu cabelo hoje experimentou a combinaçao shampoo de andiroba Natura, creme de massagem andiroba Natura, e a pimbice total e absolutaaaaaaaaa: creme de mocotoh Eboni! E nao é que ficou legal, menina?

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Em breve, fotos do escritorio, das meninas do escritorio, do cachorro do escritorio, e da ultima moda aqui na Italia: os malditos scarpins de salto alto com as malditas calças apertadinhas na batata da perna. Nao percam.

Ontem chegou um caixotao que

Ontem chegou um caixotao que minha mae mandou pelo correio. Conteudo bem eclético:

– 1 barrona de Diamante Negro que, com o calor, virou uma pasta;
– 3 pares de chinelos: um par de Havaianas azuis com flores e tiras brancas, um par de sandalias Ipanema rosa claro, um par de chinelos do Guga com bandeirinha do Brasil;
– 1 par de sandalias de dedo da Pontapé;
– 1 par de mocassins croco da Sacada, que eu esqueci no Brasil na ultima vez;
– 1 touca de banho;
– 1 creme de massagem pra cabelos ruins de andiroba da Natura;
– varios sabonetes cheirosos da Natura;
– 2 escovas de dente novinhas;
– 2 laminas de barbear novinhas;
– 1 leiteira em teflon;
– 1 garrafa de suco de maracujah;
– 1 pacote de Bom-Bril;
– 2 Trident azuis;
– uma infinidade de camisetinhas, blusinhas, frescas pro verao;
– uma infinidade de calcinhas e sutias;
– Lolita, que veio com o Globo hah duas semanas;
– luvas de latex descartaveis (mas hein?)
– canetinhas coloridas;
– adesivo da bandeira do Brasil;
– uma nota de 1 pound escocesa que meu pai trouxe quando esteve por lah
– 1 sabonete Phebo;
– 2 latas de leite condensado Moça desnatado;
– 1 caixinha de creme de leite Gloria;
– 1 vidrinho de adoçante tabajara;
– 1 vidro de condicionador para os cabelos com protetor solar;
– 1 sabonete Basis pro rosto que eu nem lembrava mais que tinha.

Acho que foi soh.