linguaggi della devianza

Cês lembram daquela matéria maneira sobre a comunicação no mundo do crime, né. Perdi a aula da semana em que eu estava no Canadá mas a minha mais nova colega, a argelina Karima, do primeiro ano, gravou pra mim. Ainda não ouvi mas a de quarta passada foi ótima, pra variar.

A prof falou das atividades tradicionais da máfia italiana e as “novas tendências de mercado”, em particular roubo de obras de arte. É a atividade mais lucrativa pra máfia, porque obras de arte se valorizam com o tempo. Se for o caso de achado arqueológico contrabandeado, não custa muito e se valoriza PRA CACETE. Além disso são relativamente fáceis de esconder – uma página de um livro antigo ou uma tela pequena cabe num fundo falso de uma mala, uma jóia você bota no bolso ou veste, etc – e é praticamente impossível provar que um objeto antigo é de fulano e não de beltrano. Como as casas de leilões e os museus também não fazem perguntas sobre a proveniência dos objetos, até porque senão não teriam nada nos acervos, a coisa é de uma facilidade impressionante. Lembro que na mostra sobre o Peru que vimos em Ottawa um dos painéis dizia que o segundo produto de exportação do Peru, depois das drogas, são relíquias arqueológicas contrabandeadas. E quando a prof falou que um receptador famoso aqui da zona comprava vasos etruscos inteiros, quebrava-os e vendia-os pouco a pouco, aumentando o preço a cada peça “nova”, me deu um aperto no coração. Comé que alguém tem coragem de quebrar um vaso etrusco, meudeus. Que mundo é esse.

Outras novas atividades mafiosas incluem contrabando de seres humanos (os estrangeiros que pagam pra serem transportados até a Sicília de barco e entrarem no país clandestinamente), tráfico de órgãos, que aparentemente vem crescendo muito, as tais obras de arte, obtenção de licitações com fundos da Comunidade Européia, venda de medicamentos falsos/adulterados, entre outras coisas.

A segunda parte da aula foi sobre serial killers. Eu desconfio que ela só botou isso no programa pra chamar a atenção da galera, porque foi uma coisa meio superficial, mas eu achei interessantíssimo assim mesmo. Se bem que pra mim basta não ter nenhum número nem fórmula matemática que eu acho o cúmulo do interessante…

hohohoho

O assunto da aula de Storia Contemporanea de ontem foi fascismo.

O professor é um dos meus preferidos, uma cara de português, branquinho, cabelo muito cheio e escuro, olhinhos pequenos. É simpático, usa tu em vez do Lei de cortesia com os alunos, deixa espaço pra perguntas no final da aula, é um cara legal. Explica muito bem e tenta ser imparcial, ao contrário dos outros dois docentes da matéria, um dos quais inclusive já faltou aula pra aparecer na TV ao lado do papa num evento sei lá do quê. Mas hoje, no meio da descrição de Mussolini e de como ele usou seu carisma e novas técnicas de comunicação pra conseguir o que queria, não me contive. And he gave himself away.

– Pô, vocês não aprenderam nada, então – disse eu, da primeira fila.

– Como?

– Nada não, é só uma leve sensação de déja vu.

Risos generalizados.

– Não façamos comparações – ele disse, sorrindo. – Sei que há alguns pontos em comum, mas as origens e as motivações deles são muito diferentes.

– Mas os efeitos são os mesmos…

Mais risos.

– Bem, não exatamente…

– Se você for à Wikipedia e procurar por Mussolini vai ver um microvídeo em loop muito engraçado, do Mussolini discursando. É interessante primeiro porque pela gesticulação enérgica você percebe imediatamente que ele é italiano e não, sei lá, suíço. Segundo porque eles são realmente muito parecidos.

Risos.

– Vamos evitar essas comparações, período de eleições é uma coisa complicada…

– Pra caramba.

Ele continuou a aula numa boa, mas depois, quando o pessoal se amontoou lá na frente pra assinar a lista de presença, muitos colegas vieram dizer que o meu comentário tinha sido necessário. O pessoal tem um certo medinho de se manifestar porque o professor chefe da cadeira é esse catolicão superconservador e claramente de direita. Mas a Umbria é tradicionalmente de esquerda, assim como a Emilia-Romagna, e os alunos que são aqui da zona são todos de esquerda e dava pra perceber a raiva deles hoje de manhã, durante as conversas na porta da faculdade.

Vejam bem, eu não sou nem de esquerda nem de direita; acho que ambas têm seus méritos e seus podres, como tudo nessa vida. Mas eu não suporto, não suporto, não suporto a idéia de ser governada por um cara que foi liberado de OITOOOOOOOOOOOO processos por associação mafiosa só porque outros foram pra cadeia no lugar dele ou porque o crime prescreveu. Um cara que dá a mão pros outros pra que eles sintam “cheiro de santidade”. Um cara que inventa multinhas pra oficializar infrações da lei só pra salvar sua própria bunda. O cara que queria criar uma lei pra dar imunidade TOTAL pros mais altos escalões do governo. E outra, que infelizmente foi aprovada, que determina que caixa dois não é mais crime. O cara cujos partidos de apoio apregoam a castração química de estrangeiros, com o argumento de que “se querem ser violentos sexualmente, que o façam com as mulheres deles”. Sabem, eu meio que TIVE que fazer o comentário.

Ando tão polemiquinha.

www.votaprovenzano.org

A aula de Linguaggi della Devianza hoje não foi aula. Assistimos a um semidocumentário rodado antes que prendessem o Bernardo Provenzano, aquele chefão da máfia que ficou foragido por 43 anos até ser “capturado” logo depois das eleições de 2006.

A idéia do documentário, que saiu da cabeça de um palermitano, foi sensacional: criar uma falsa campanha eleitoral com o Provenzano candidato a primeiro-ministro, com direito a site, santinhos e carro com alto-falante. Levaram esse carro, com aquele outdoor gigante em cima, com a cara do foragido (na época não se sabia que aspecto ele tinha, não depois de tanto tempo fugido, logicamente; usava-se um retrato falado que depois viu-se que era incrivelmente parecido com o cara mesmo) sorridente, a Palermo, Nápolis e Turim. E filmaram as reações das pessoas.

Foi uma coisa divertidíssima.

Em Palermo chamaram logo a polícia e a “campanha” foi interrompida, e o diretor foi forçado a cobrir a cara do Provenzano com um lençol. As pessoas reclamavam, diziam que aquilo piorava a imagem da Sicília, que com certas coisas não se brinca. Têm razão, e só sabe disso quem passou a vida numa cidade como Palermo, que por anos a fio via atentados de todos os tipos rolando em plena luz do dia, gente justiciada, gente dissolvida em ácido, gente jogada em tanques de cimento.

Em Nápolis também chamaram a polícia e interromperam a campanha, mas a coisa foi mais séria ainda: o político local que mais se rebelou e que chamou a polícia e exigiu que parassem com aquilo tudo era candidato nas eleições daquele ano… pelo partido de um senador que foi condenado por associação mafiosa. E que fazia parte da comissão nacional anti-máfia. O detalhe é que a notícia dessa condenação não saiu em NENHUM jornal nem televisão. Nunca vou me cansar de dizer o quanto a Itália é um país divertido.

Em Turim, onde, como em todo o norte, pensa-se que a máfia é uma coisa daqueles delinqüentes lá do sul, todo mundo achou tudo engraçadíssimo, o carro deu mil voltas na cidade, neguinho comentava que tanto fazia o Provenzano como outros políticos ladrões, foi tudo muito light.

Os comentários que neguinho deixou na internet foram terrificantes: muita, muita gente mesmo chamando o diretor e os produtores do documentário de comunistas, quando todo mundo sabe que a máfia é muito democrática e compra políticos de todas as facções, muita gente dizendo que pelo menos os mafiosos têm honra (col cazzo!), e coisas desse tipo.

Uma parte do documentário entrevistou uma professora universitária cuja tese de mestrado foi o mercado de músicas mafiosas. Isso mesmo que você ouviu. Rings a bell, doesn’t it, pra quem mora no Rio e já prestou atenção às letras de certos funks. CDs vendidos nas lojas, com o nome da máfia local na capa e tudo, na maior naturalidade. As letras são sempre singelas, tipo “aos traidores a gente corta o peito no meio”. De arrepiar os cabelos.

E a reportagem que foi ao ar em vários canais italianos quando “acharam” e “prenderam” o chefão? A ênfase foi toda dada ao coitado do boss que dormia numa casa caindo aos pedaços cedida por um pastor de ovelhas, a como ele dormia numa cama desconfortável, comia ricota e chicória e queijo com mel (juro), ao fato de que as benditas ovelhas foram dadas a uma família da mesma cidadezinha depois que o pastor foi preso. De como foi possível que esse homem não tivesse sido encontrado mesmo tendo colocado os pés fora da Sicília somente uma vez, não se falou. De como a notícia da sua prisão foi dada DEZ MINUTOS depois de anunciada a vitória da esquerda (e portanto a prisão foi feita durante o governo da direita), não se comentou. Do fato de que estranhamente começaram a morrer membros do sexo masculino da família Lo Piccolo, não se disse nada, ainda que se soubesse que os dois candidatos a sucessor do Provenzano fossem um rapaz Lo Piccolo e um Denaro – logicamente, da família Denaro não morreu ninguém. Do tal SE-NA-DOR condenado por envolvimento com a máfia, nem sinal.

Vir pra Itália é quase como nunca sair do Brasil…

linguaggi della devianza

Esse é o nome da matéria opcional que estou fazendo esse ano (além de Diritti Umani, que só começa na metade de abril). Traduzido pro português seria algo como “linguagens dos comportamentos desviantes”. Devianza no lugar de crimine ou reato, porque nem todo comportamento considerado oficialmente fora da lei é visto como fora da norma pelas pessoas (exemplo clássico: baixar música ou filme pela internet), e nem todo comportamento considerado fora da norma é crime (e aqui os exemplos infelizmente são muitos. Eu pessoalmente transformaria em crime grave estacionar ocupando mais de uma vaga, but that’s just me). Devianza é mais abrangente, e ecco a explicação do nome da matéria. É opcional mas é badaladíssima e todo mundo faz; normalmente no primeiro ano, de forma que só eu e uma polonesa da minha turma estamos lá infiltradas no meio dos calouros.

O curso foi inventado na minha faculdade. Nem poderia ser de outra forma, visto que a subcultura da máfia é uma coisa interessantíssima e enraizada na Itália de uma maneira impressionante. A professora é uma gordinha engraçada com um sotaque toscano fortíssimo, ex-juíza, revoltada e sacana, que usa uns colares enormes que eu adoro por cima de roupas horrorosas.

Começamos falando do conceito de devianza, mais ou menos isso que eu expliquei ali em cima, e depois pra descrições breves das mil disciplinas que fazem parte da criminologia: criminalística, antropologia física e cultural, vitimologia, entre outras muitas. Como foi a primeira aula tudo pareceu meio teórico, mas os comentários farpadíssimos da prof apimentam qualquer assunto, e me diverti muito. Tenho a impressão de que vai ser o melhor curso do ano. E vou contando as novidades pra vocês porque acho que esse tipo de assunto é sempre muito interessante. E quem não gostar que feche o seu Thunderbird.

ainda os chineses

Depois daquele chinesismo intenso de ontem fiquei sabendo de fonte segura que chegou um “lote” de SETECENTOS chineses pra estudar italiano lá na faculdade. SETECENTOOOOOOOOOOOS!

Vai ser numeroso assim lá na China.

escolinha

Notas da semana: 27/30 em Linguistica Italiana II, 30/30 em Linguistica Generale. Êeeeeeeee!

Já me dei um presente antecipado: andei fazendo umas comprinhas na Amazon…

rofl

Esse país é realmente o lugar mais divertido do mundo. Dêem uma olhada na explicação de como vai ser a prova de Diritto Internazionale, semana que vem:

Pra todos os alunos, freqüentantes e não freqüentantes:
– Uma pergunta inicial, feita por um dos professores assistentes.
Mais:

Para alunos freqüentantes:
– Uma pergunta com o professor titular, que será:
..à escolha do aluno, se tiver presenças suficientes, ou
..decidido pelo professor, em caso de presenças insuficientes, da seguinte maneira: joga-se um dado uma vez, cujo número determina o capítulo do livro adotado; joga-se outra vez e o número que sai determina o parágrafo. Detalhe que o professor não diz o nome do parágrafo, simplesmente pede ao aluno para falar sobre o assunto descrito no parágrafo tal do capítulo tal.

Para alunos não freqüentantes, passa-se diretamente para o dado.

Vista a total relatividade do conceito de presenças suficientes ou não, o professor deixou o número de celular: você manda um SMS perguntando se vai ter dado ou pergunta à escolha, o professor conta as presenças e te manda um SMS dizendo qual versão de prova você vai fazer.

Não venham me dizer que não é a coisa mais criativa que vocês já viram.

tia

Posso dizer que fui oficialmente aceita pela turma. São pequenas coisas, sinais mínimos que indicam que passei de Velha Estranha e Leprosa a Ser Evitada ao simples status de Tia de todo mundo. Começou quando eu não apareci na primeira aula de espanhol, porque não sabia que já tinha começado o curso (não colocaram o aviso na internet), e quando cheguei pra aula mais tarde um monte de gente veio perguntar onde eu tinha me metido. Outro dia uma menina com quem praticamente nunca falo parou no meio da ladeira quando me viu, pra me esperar e pra descermos juntas. E ontem não só um colega pediu pra eu guardar lugar ao meu lado na aula, “pra gente se divertir”, como também fez uma tatuagem no meu braço com Bic preta (I love mamma, bem coisa de presidiário, né não). Então agora eu sou A mais enturmada. Tié.

uia

A última aula de ontem foi de Diritto dell’Integrazione Europea, uma matéria opcional, e foi incrivelmente confusa. O professor falou de tudo mas não disse muito, apesar das três horas de duração. O pouco que tinha sentido era interessante, então estou otimista (principalmente porque ele viaja muito e toda hora o professor substituto fica no seu lugar. Dizem que esse é mais sucintinho).

Mas o interessante foi descobrir que na minha turma dessa matéria (são todos do primeiro ano, a não ser eu e mais dois garotos) só tem uns quatro italianos. Muitos poloneses, romenos e albaneses, e, cerejinha no chantilly, um da Mongólia (o que é do segundo ano), um da Síria (semana que vem vou perguntar a ele como se pronuncia meu sobrenome), um do Afeganistão e, tcham tcham tcham, um do Tadjiquistão (e admito que tive que olhar na Wikipedia como se escreve). É mole ou quer mais.

uni

A faculdade aqui é assim: cada hora de aula tem oficialmente realmente 60 minutos de duração, mas na prática há o maldito “quarto d’ora accademico”, os 15 minutos de folga não-oficiais que nenhum professor ousa desrespeitar. Então quando você vê duas horas seguidas de alguma coisa no seu horário, fique sabendo que vai ter no máximo, se der sorte, uma hora e meia de aula. Porque tem o quarto d’ora accademico antes, a pausa pro café no meio e a saída antecipada no final. Ainda por cima as primeiras aulas dificilmente são antes das onze da manhã, senão os alunos reclamam que é cedo. Vai gostar de mamata assim na casa do chapéu. Por isso que a Itália não vai pra frente.

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Hoje assisti à aula de Informatica Generale I com o primeiro ano (perdi as provas no ano passado porque caíram sempre quando eu tava viajando). O professor é novinho, branquiiiiinho, cabelos preto-graúna, com um bico-de-viúva invejável no meio da testa. O coitado até traz o laptop mas rola sempre algum problema com o projetor e ele nunca consegue dar aula direito. Tenho a impressão que ele não tem muita experiência como professor, porque fala muito baixo e pula metade dos slides que mostra, dizendo que não são importantes, além de dizer várias coisas seguidas de “podem até esquecer isso que não tem importância”. Tipo assim, você até pode incluir curiosidades pra deixar a aula mais interessante, mas os alunos devem ter a capacidade de entender o que é importante e o que é floreio, né não. Eu, hein.