uni, de novo

Previsivelmente, a faculdade anda muito divertida.

Antes eu era só A Velha da Turma, e ninguém nem sentava na mesma fileira que eu. Eu tinha falado brevemente com algumas meninas durante as provas, mas aparentemente tenho uma cara muito nondescript e ninguém se lembrava de mim. Então foi começar do zero. Aos poucos começaram a me cumprimentar, outros perguntavam se eu tinha me inscrito diretamente no segundo ano (Ahn… Não… Até porque não é possível), alguns me viam trabalhando com o laptop e perguntavam diretamente o que diabos eu tava fazendo ali. Na última aula da segunda semana uma outra estrangeira, com cara de russa, bonitona, veio perguntar umas coisas de Diritto Internazionale que ela não tinha entendido bem, e outra garota, da província de Latina e com um corte de cabelo abominável veio tirar dúvidas de espanhol. Semana passada fiz amizade com a tal russa, que é lituana e se chama Indre, e com a Outra Velha, Alessandra. Só que a situação da Alessandra é a seguinte: ela tá na faculdade há seis anos, e ainda faltam 10 “provas” (equivalente a dez matérias; aqui ninguém mede curso em termos de tempo, mas de número de provas). Aqui não existe ser jubilado, então neguinho fica se arrastando com matérias “fuori corso” (pendentes dos anos anteriores) por anos a fio. Eu estou com três fuori corso, uma porque o livro era horrível e não consegui estudar, outra porque estava viajando nas duas chamadas, e outra, Politica Economica, porque sem ir às aulas é impossível pra mim. Mas cacetes estrelados, eu trabalhava, não assisti a aula nenhuma, tenho casa e marido pra tomar conta e não tenho pressa de me formar – minha colegas não têm nenhuma dessas desculpas, e mesmo assim muitas ficaram com matérias penduradas. Acho estranhíssimo.

O professor de Linguistica Generale é realmente confuso, e continua fazendo os barulhos estranhos com a boca. A de espanhol fica pau da vida porque neguinho não cala a boca na aula dela. O de Relazioni Internazionali, o pitéu, dá uma aula ótima, apesar de nunca se preparar e ter que ficar lendo algumas anotações suas em cartões de visita, bilhetes de ônibus, marcadores de livros. O de Diritto Internazionale é meio biruta e tendencialmente confuso, descabelado, amarrotado, mas repete tudo tantas vezes que todo mundo entende. E estou achando interessantíssima a matéria. Semana que vem começa Diritto dell’Integrazione Europea, e em janeiro volta Linguistica Italiana II. Por enquanto estou achando tudo ótimo, inclusive esse esquema de levar o laptop pra faculdade e poder trabalhar no intervalo entre as aulas. Pena que, estando na Itália e não na Suécia, não tem wi-fi na universidade…

uni

Infelizmente tem coisa chata também: vou ter que refazer Politica Economica, porque é a clássica matéria que não tem como estudar sozinha sendo retardada matemática que nem eu. Quando entrei na sala os calouros ficaram todos me olhando, tipo quem é essa velha, hohoho. Anotei várias coisas mas não entendi nada. Minha relação com gráficos cartesianos é no mínimo turbulenta, mas pelo menos é recíproca: odiamo-nos.

Terminamos o dia com o professor do barulho com a boca, que confundiu a cabeça de todo mundo enquanto explicava coisas que, suspeito, não devem ser tão complicadas assim. Ainda não vi a cara do livro, mas depois de ver as transparências do homem decidi que vou ler umas páginas antes de comprar, porque a probabilidade de ser confuso como ele é muito alta. Veremos.

Hoje fiz amizade com o porteiro do Lupattelli (um dos prédios onde temos aula). Sabe o típico cara chatinho, não chatinho porque incomoda, mas bobinho? É ele. O clássico chatinho que sabe o nome de todo mundo, a turma, em que ano está, com quem namora, que carro dirige, de onde é, que nota tirou na última prova. Faz piadas amarelas e tem dentes horríveis mas é inofensivo. Pelo menos me sinto menos sozinha – esse ano ando muito antisocial e não tenho muita vontade de bater papo furado e explicar a minha situação nada average pra vinte garotas de 20 anos que só pensam em Dolce & Gabbana, sabe. Só que quando não levo o laptop e rola algum buraco inesperado não tenho ninguém com quem falar. Vejam bem, eu não quero conversar, fico feliz da vida lendo El Club Dumas em espanhol, mas gostaria de PODER conversar se me der vontade. Entra Simone, o porteiro. Por enquanto tá de bom tamanho.

español

Acabou que a aula de espanhol não vai ser de espanhol. Quer dizer, tem uma parte de língua também, mas a prova vai ser sobre a Guerra Civil espanhola, ou seja, outros 500. Já encomendei o livro em espanhol na minha livraria, e estou adorando a idéia de aprender sobre um episódio histórico do qual não sei absolutamente nada. A professora é jovem, magrinha e bonitona, fala muito claramente e tem toda pinta de que explica bem. Bom começo! : )

E hoje cheguei em casa num estado de agitação ímpar. Porque tivemos aula de Relazioni Internazionali com o professor bonitão que deu Comunicazione Politica ano passado, e depois Linguistica Generale. O professor faz uns barulhos estranhos com a boca, limpa a garganta e tem dentes horríveis, além de ser muito confuso, mas o programa é interessantérrimo, fiquei doidinha de felicidade só de ver as coisas que vou aprender. Saí da faculdade correndo pra encomendar os livros, um em italiano e um em inglês – esse último eu procurei na Borders em Las Vegas mas me disseram que só tem em livrarias especializadas em material universitário. Blé. Estou doida pra começar logo a estudar. Tá todo mundo desesperado porque além de ter 9 créditos a matéria tem fama de ser muito complicada (desconfio que é o professor que complica, mas enfim) e a prova, muito difícil. Vamos ver… Confio no meu taco lingüístico, e ainda por cima tem fonética e fonologia no programa, que já estudei durante o curso de italiano em 2002 e ainda lembro tudinho, então pode ser que não seja tão difícil quanto dizem. Mas time will tell.

uni

A prova de Marketing foi na quarta. Eu tinha lido o livro quase inteiro só uma vez (ficou faltando a última parte, sobre distribuição do produto), e achei muito interessante – os exemplos são ótimos e a cara do livro é legal, sabe, a gráfica e tal. Lá fui eu pra prova.

Normalmente a última chamada não tem muito aluno, principalmente se não é uma matéria cascuda com professor carrasco, porque a maioria tenta se livrar logo das matérias com mais créditos (Marketing tem 6). Cheguei no prédio novo onde temos aulas agora e sentei pra dar uma lida na revisão que o livro dá no final de cada capítulo. Pouquíssima gente na sala, pensei, show, vou fazer logo e ir embora – quando eu me inscrevi na prova ganhei o número 15, mas sempre tem gente que não aparece. Dez minutos antes do horário da prova começa a entrar uma cabeçada fenomenal na sala, mas muita, muita gente mesmo. Caraca! O professor chegou logo depois, olhou pra turma e falou:

– Cazzo, quanta gente.

O lance é que o pessoal de TEP (Tecnica Publicitaria) também faz Marketing, e o professor, não imaginando que ia ter aquela gente toda, não marcou dias diferentes pra COMINT (Comunicazione Internazionale) e TEP, e todo mundo apareceu junto, entupindo a sala. Por sorte ele mandou o pessoal de TEP dar uma voltinha e voltar depois do almoço, e quando começou a fazer a chamada vi que ia ser a quinta ou sexta, em vez da décima-quinta. Beleza. Vão as primeiras meninas, e logo notamos, eu e a garota que tava na minha frente, que conheci na prova de Comunicazione Politica, que o professor assistente fazia doze mil, novecentas e quatorze perguntas, enquanto que o professor titular estava reclinado na cadeira, com as mãos atrás da cabeça, falando mais do que ouvindo. Pensei logo, do jeito que eu sou cagada vou cair com o assistente filho da puta que vai perguntar um monte de siglas idiotas cujo significado não lembro, em vez de me fazer raciocinar. Pensando no quão humilhante seria levar bomba de um professor mais jovem que eu, com gravata de nó gigante e calça de perna justa, ainda por cima, nem acreditei quando a garota que tava com o professor titular levantou, pegou o boletim e se mandou. Me aboletei imediatamente na cadeira, dei bom dia e começou.

– Por que tanto sobrenome?

– Porque blah blah blah.

– De onde você é?

– Brasil.

– Ah, esses nomes compridos… Só brasileiro e espanhol mesmo. Gostou do livro?

– Gostei. Eu não trabalho com marketing e nem pretendo, mas gosto quando alguém me faz ver as coisas de um jeito diferente. Quando eu fiz um curso de roteiro cinematográfico passei a ver os filmes de um outro ponto de vista. Depois desse livro vejo as propagandas de um jeito diferente.

– Eu acho que vou trocar o livro ano que vem… Só tem exemplo de empresas americanas, pros italianos fica meio abstrato.

– Eu gostei. Talvez porque eu ensino inglês e leio muito em inglês também, então tenho uma certa familiaridade com o estilo de vida. Pra mim tudo fez muito sentido.

*Chegando mais perto*
– Ah, ensina inglês, é… Faz traduções também?

– Aham.

– Vem cá… Eu falo inglês direitinho, viajo muito e tal, mas quando escrevo um paper gostaria que alguém desse uma olhada antes de publicar ou mandar… Quanto custa uma revisão, por lauda?

– Normalmente revisão custa por hora e não por lauda.

– Por quê?

– Porque é um porre, e se o texto for mal escrito dá mais trabalho revisar do que traduzir do zero.

– Interessante… Então você é formada em línguas?

– Hm, bem… Não exatamente.

– Em quê então?

*baixinho*
– Em Medicina.

*cruzando os braços e se reclinando ainda mais na cadeira*
– Não entendi nada, explica.

– Olha, é uma história muito complicada, melhor pular.

– Um dia você me conta então.

– Tá.

– Escuta… Fala um pouco do processo de pricing.

– Pô, é chatão…

– Depois eu faço outra pergunta legal.

Falei, mas realmente é uma parte que eu detesto e não soube explicar direito um dos métodos de definição de preço.

– De qual capítulo você gostou mais?

– Marketing internacional.

– Não tava no programa.

– Não sabia, eu não venho às aulas, estudei o livro todo.

– Não tem problema, fala aí.

Falei. Ele ficou me olhando, pegou meu boletim e escreveu ventisei/30, crediti: 6, assinou e me mandou embora.

**

Na sexta fui pra faculdade de manhã. Não tinha conseguido estudar porque o livro era chatéeeeeerrimo, daqueles que falam, falam, falam e não dizem nada. O outro livro do programa era sobre a história da televisão e da mudança dos meios de comunicação até chegar à TV, era interessante. Mas o da outra professora, socorro! Não consegui passar do segundo capítulo. Li, reli, trili e não entendia aonde o cara tava querendo chegar. Então quando botei o pé na faculdade me deu uma crise de cold feet, dei meia-volta e peguei o ônibus pra Ponte San Giovanni, onde estaciono o carro quando vou a Perugia. Ainda deu tempo de almoçar em casa com o Mirco. Fiquei meio pau da vida comigo mesma, porque eram 9 créditos, mas cara, sem anotações da aula já vi que essa matéria não rola. Vai ficar pro próximo semestre.

**

Hoje recomeçam as aulas. Segunda só tem uma hora, espanhol, que eu obviamente não vou assistir porque não tem sentido me deslocar até Perugia pra uma hora de aula de língua estrangeira com mil pessoas na sala. Hoje vou porque antes tenho que passar em uma escola de línguas que me contatou pra um curso pra polícia em janeiro, e depois tenho consulta com o médico da companhia de seguros, pro lance da batida que levei no dia do casamento. Amanhã tem um monte de aula e vou ficar o dia inteiro na faculdade.

Ainda não descobri se a faculdade é wireless, e duvido que seja, mas de qualquer maneira já me deram trabalho pra semana inteira hoje de manhã e posso perfeitamente trabalhar na biblioteca com o laptop entre uma aula e outra. Também já arrumei uma aluna particular três vezes por semana, mulher de um ex-aluno que eu adorava. E tem mais aluno na fila, todo mundo esperando meu horário na faculdade se definir (porque aula chata eu não assisto, lógico). Devagarzinho a graninha vai entrando, cês vão ver.

provas

Nem comentei a prova de inglês, né.

Ganhei um 27/30. O problema é que essa professora, que é famosa na faculdade por ser completamente maluca, não dá aula, ela entra na sala e começa: como se diz fatura em inglês? E documento de transporte? E hipoteca? E petróleo bruto? Distribuiu uma xerox com uma lista de termos de business, muito, MUITO específicos, e quer que neguinho decore aquilo.

A prova escrita foi na segunda. O sistema de segurança parecia coisa dos exames de Cambridge: todo mundo arrumado por ordem alfabética, as cadernetas idem, bolsas e celulares no fundo da sala, documento de identidade sobre a carteira. A prova dividida em partes, cada parte com um limite de tempo e ninguém podia sair antes. Eu doida pra terminar logo aquela chatice e ir pro trabalho porque tinha uma aula às dez, mas não deu. O legal é que a minha parte escrita era uma carta… de demissão. Hohohoho!!!

A prova oral foi na quarta. Ela comentou que não tinha feito nenhuma correção na minha prova escrita e saiu perguntando o que eu fazia, o que eu queria fazer da vida, etc. Depois passou pra parte dos malditos termos de business, e é lógico que eu só sabia as coisas mais comuns, que toda hora traduzo, como fatura, procuração, responsabilidade legal, bens móveis e imóveis, mas muita coisa eu não saberia dizer nem em português. Quando eu falei No clue pela segunda vez ela falou, infelizmente aqui a senhora bombou. Os outros dois professores da banca olharam bem pra cara dela e começaram a perguntar outras coisas mais normais, que eu sabia. E depois de conversar mais sobre outras coisas que não tinham nada a ver mandaram que eu saísse da sala porque nunca tinham se deparado com um caso semelhante e não sabiam que nota me dar. Demoraram quase 15 minutos (eu estava lendo o último do Camilleri, então nem me afobei) e quando voltei pra sala me disseram: senhora, se a senhora tivesse assistido às aulas e decorado as palavras (e eu pensando, quando quiser saber o que significa uma palavra que se eu nunca encontrei até hoje, mesmo lendo a quantidade de coisas que eu leio e traduzindo a variedade de coisas que eu traduzo, eu vou ao dicionário, né, fofa) teria tirado 300 em vez de 30, mas infelizmente só podemos dar 27. Eu falei que não tinha problema, que visto que a minha carta de demissão da prova escrita era exatamente o que eu vou escrever na semana que vem, o que significa que em outubro vou poder assistir às aulas, vou poder participar do curso de inglês do segundo ano. Ela ficou toda pimpã e perguntou se eu gostava de literatura. Falei que já li praticamente todos os livros da lista (também, são todos clássicos) e ela se acendeu toda, tomara que a senhora consiga freqüentar o curso.

E ontem fiz a última prova do verão, Estudos Culturais. Como passei o sábado fazendo um trabalho pro Flash e depois lendo Harry Potter, e domingo lendo Harry Potter e fazendo escova no cabelo, só deu pra estudar ontem de manhã mesmo, antes da prova, que foi ao meio-dia. Eu tinha assistido a algumas aulas ano passado, e cheguei inclusive a fazer a prova, mas como não tinha número de matrícula acabou não valendo. A apostila era mal escrita pacas, repetitiva e cheia de nomes, e foi uma manhã chatíssima. Mas eu só não respondi a uma pergunta, que aparentemente pra ele era importante porque me deu 26. Tá ótimo. Os dois que fizeram prova antes de mim, que não só freqüentam as aulas mas não trabalham, tiraram 22.

prova de novo

E não é que tive outra crise enxaquecal? Porre.

Fiz a prova de Linguistica com a dor de cabeça começando a martelar. Ultimamente já reconheço quando vem a maldita: me sinto como se estivesse meio de ressaca, meio debaixo d’água, com os reflexos lentos, a imagem que não acompanha o movimento dos olhos ou da cabeça, uma sensação bizarra de estar flutuando e de não ter controle sobre as próprias pernas. Tive tudo isso na sexta, quando a dor veio com tudo, mas hoje não rolou, e a crise me pegou desprevenida, enquanto me controlava pra não estrangular a mala que sentou do meu lado e não parava de batucar, esperando a professora.

Hora de fazer a chamada. Ela lê todos os nomes, parando apenas antes de alguns obviamente estrangeiros (não só de outros países, mas de outras regiões da Itália. A essa altura do campeonato até eu já sou capaz de reconhecer sobrenomes daqui e “de fora”). Longa pausa, testa franzida. Levanto a mão. Os outros estudantes começam a rir.
– Como a senhorita sabe que é a senhorita?
– Aposto que a senhora está tentando identificar quais são os sobrenomes e qual é o nome.
– Exatamente.
– Sou eu.
– Veira (por algum motivo TODOS ignoram o primeiro i) Moniz (pronunciado Mónitz) Bareto de Aragao (sem nasal) Daquer (pronunciado Daqüér)?
– Eu.
– Por quê?
– (Porque meu avô tem mania de grandeza e de árvore genealógica) Porque a minha família é muito antiga e acumulou sobrenomes ao longo dos anos.
– Mas como a senhorita faz com os documentos?
– Abrevio tudo, e mesmo assim às vezes não cabe.
– Que interessante…

**

Como sempre, fui a primeira a terminar. Eram 20 minutos pra quinze questões de múltipla escolha. Eu gosto de lingüística e já tinha estudado no ano passado, lembram?, mas a prova não valeu porque eu não tinha número de matrícula. Dessa vez estudei menos porque ela mudou de livro e eu não achava em lugar nenhum, e ainda por cima juntou com a enxaqueca e com a IKEA. Mas tenho certeza que passei. Ela recebe a prova das minhas mãos com um sorriso, e quando eu digo que não posso vir no dia seguinte pra “verbalizar” a nota, ou seja, escrever na caderneta, e conseqüentemente não posso fazer a prova oral que ela sempre dá pra aumentar a nota, ficou meio assim. Que pena, não vai poder tentar aumentar a nota! Não tem problema, respondi. Nunca fui paranóica com nota, não vai ser agora, velha e já formada. Pra mim esse curso é só pra eu medir o quanto entendi das matérias que me agradam, mais nada.

Estou pensando seriamente em fazer a minha tese em Linguistica Italiana.

Perugia

Saí cedo de casa. Deixei o carro no estacionamento do mercado em Ponte San Giovanni e peguei o ônibus das 8 e quinze pra subir pra Perugia. Fui me matricular, de novo. Acho que dessa vez vai. Que horas vou estudar, não se sabe, mas um jeito a gente sempre dá. Faltava um documento, que até o ano passado não servia, então voltei pra casa só com o comprovante de pagamento e tenho que mandar todos os documentos juntos pelo correio.

Acendam velinhas.

sociologia

Esonero de Sociologia hoje. Esonero é uma prova que não é prova; é como um teste parcial, que resulta em uma nota que não vai direto pro “boletim”, mas vai ser usada pra fazer a média com as outras notas dos outros esoneri. Entenderam? Nem eu, não importa.

Eu tinha estudado pra esse esonero na semana passada, porque deveria ter sido feito no dia 24, véspera de feriado, mas o professor não deu as caras, lembram? Se já não gosto de estudar sozinha em casa, imaginem re-estudar. Então dei só uma repassada rápida e lá fui eu fazer a prova.

A sala era pequena, a turma enorme (porque tinha gente de outros períodos fazendo também) e todo mundo sentado grudado nos vizinhos, com livros e anotações embaixo da carteira. A mesma casa da mãe Joana que foi a prova de Linguistica… O maluco do professor semi-hippie chegou e escreveu com sua letra tremida as três perguntas no quadro-negro. Perguntas chatíssimas e que eu iria levar séculos pra pensar na minha cabeça até achar todas as informações necessárias. E tempo eu não tinha, porque depois tinha que ir correndo pra Foligno trabalhar. Então resolvi dar um golpe baixo e fazer a prova de múltipla escolha feita especialmente pros pobres estrangeiros que têm pouca intimidade com a língua italiana. Horrível, eu sei, mas fiz assim mesmo. A prova tava ridícula e só precisei olhar no livro uma vez, pra procurar um nome de um sociólogo que eu não lembrava se tinha escrito a teoria A ou a B. Acho sinceramente que tirei 30/30. O próximo esonero é terça que vem; são mais dois capítulos longos e chatos. Mas minha mãe é socióloga e o que eu não entender, estudo com ela. E vamos que vamos.

o glamour da universidade européia… cof cof

Hoje tinha prova de sociologia na faculdade, às quatro da tarde. Tinha.

Saí de casa logo depois do almoço, porque tinha que passar no contador pra pegar um cheque, aos correios pra depositar, e à Libreria Grande pra pegar o último Mankell que me faltava, e que, ai de mim, veio com a nova capa da Vintage, diferente de todos os outros livros da coleção. Dou de cara com os correios fechados, porque amanhã é feriado e então à tarde os funcionários públicos não trabalham. Lógico que não tinha nenhum cartaz avisando, e havia dúzias de pessoas paradas na porta, tentando olhar lá pra dentro através do vidro, procurando entender se estava fechado porque era hora de almoço (mas a agência de Ponte San Giovanni não fecha pro almoço) ou porque tava fechada mesmo. Quando estava voltando pro carro Ludovica manda um SMS avisando que tinha um cartaz na porta da sala de aula, dizendo que a aula de hoje tinha sido cancelada. Como hoje não era aula mas prova, ela achava melhor o pessoal aparecer no horário combinado, pra evitar perder a prova, se tivesse rolado um erro da secretaria. Lá fui eu com a fubica subindo as ladeiras infinitas pra Perugia, parei o carro no estacionamento caríssimo perto da faculdade (eu tinha que sair correndo pra Foligno depois, senão tinha ido de ônibus) e quando chego na faculdade dou de cara com as meninas putas da vida: a prova tinha mesmo sido cancelada, o cartaz apareceu só de manhã, nada de aviso no site da universidade nem aviso prévio, e assim foi um feriadão perdido pra turma inteira, porque todo mundo voltou mais cedo de casa – de Nápolis, da Calábria, da Puglia, de Ascoli Piceno, de Pordenone – pra fazer o raio da prova. Não sabemos o que aconteceu, o professor não comunicou nada nem pediu desculpas, mas qualquer compromisso cancelado numa segunda-feira véspera de feriado cheira a viagem de última hora e não a emergência, não acham? Fui direto pra Foligno pra três horas de aula e voltei pra casa pra jantar piadina e ver Lost.

:)

Por uma feliz coincidência de cancelamento de aulas, consegui passar o dia inteiro na faculdade hoje. No total, sete horas de aula, obá! De manhã, inglês com aquela louca desvairada, que, fora alguns assassinatos fonéticos, fala muito bem. Mas é louca, então não conta. Eu tinha levado meu almoço, como sempre, mas como fiquei depois da aula corrigindo deveres de inglês dos colegas, que a maluca manda fazer mas NUNCA corrige, acabou ficando tarde e fui convidada pra almoçar na mensa (o bandejão) pela Giorgia, felizmente o único exemplar perugino da turma. Acabamos dividindo a mesa com o Ioannes, o tal grego que tinha me aconselhado a colar na prova de Linguistica Generale, e que usa aquela faixa no cabelo que nem jogador de futebol argentino. Vou dizer uma coisa, não comi nada mal (tortiglioni, que é um tipo de macarrão que eu e o Mirco odiamos, com molho de tomate bem gostosinho; mais uma porção de batatas fritas meio murchas mas OK, mais pão que levei pra casa e mais maçã e mais água) e paguei míseros 1,80 euros. Eu teria direito à carteirinha pra comer de graça, porque sou pobre, mas não tenho tempo de passar na agência pra pegar e como não assisto às aulas mesmo, o bandejão não me serve.

Depois do almoço, direto pra aula de Linguaggio della Devianza, que basicamente estuda a criminalidade organizada ou não. A professora é uma criminóloga toscana (todos os nossos melhores professores são toscanos) gordinha, com voz firme e claramente pulso idem. O assunto foi máfia; duas horas de máfia, desmascarando mitos e esclarecendo coisas – as bolsas Gucci falsificadas que se encontram em todo camelô senegalês de qualquer grande cidade italiana são fabricadas, e muito bem fabricadas, em estruturas pertencentes às diversas organizações mafiosas do sul da Itália. São tão bem feitas que a Guardia di Finanza já encontrou várias vezes bolsas falsificadas nas lojas originais – nem os próprios gerentes das lojas, habituados a lidar com os produtos originais, reconheciam a diferença. As fábricas ficam no sul do país, lógico, e são especializadíssimas. O comércio ilegal organizado pela máfia é todo bem compartimentalizado: senegaleses não se envolvem com drogas, então vendem bolsas falsificadas. Com os chineses ninguém consegue se misturar (muito menos compreender). A “importação” de imigrantes ilegais é quase sempre uma atividade mafiosa, assim como a especulação imobiliária. o desembarque das tropas americanas na Sicília na Segunda Guerra só foi possível porque os chefes mafiosos deixaram. Foram duas horas muito interessantes.

E à tarde tivemos três horas de Teorie e Tecniche di Comunicazione di Massa, com a jovem professora toscana que fala rápido e deixa os meus colegas desesperados e revoltados, ho ho ho. Falou-se de Matrix pra ilustrar o fato de que hoje só sabemos do mundo o que a mídia nos diz, que não é tão fácil distinguir realidade de ficção, etc. Falou-se da versão italiana de The Nanny, que rebatizou a Fran como Francesca e lhe deu uma origem ciociara, uma coisa meio Sophia Loren, meio vulgar, meio desbocada, pra permitir que os espectadores italianos achassem graça na coisa, já que por aqui ninguém sabe nada da cultura judaica e piada de judeu não existe. Também foi interessante, mas perdi os últimos dez minutos, porque tive que sair correndo pra dar aula pro arquiteto, aquele do cachorro preto.

Mas eu adoro dias assim. Vou dormir com o cérebro devidamente exercitado e devidamente agradecido.