conceitos

Ontem escrevi à Criss contando as minhas atuais intenções, que são 1) voltar pro Rio e 2) depois não sei bem o que fazer. Ela me respondeu mais ou menos assim: que tem raiva da bagunça, do descaso, do falso moralismo, do modo nojento dos italianos de falar mal de estrangeiros e acrescentar “mas com você é diferente”. Bom, pra começar, acho a bagunça deles muito parecida com a nossa. O descaso idem. Falso moralismo também não é exclusividade deles. E quanto ao modo de falar mal dos estrangeiros, vou dar o meu pitaco. Precisava mesmo de um gancho pra falar de preconceito…

Não acho que o preconceito seja uma coisa necessariamente horripilante ou abominável. E acho que vai existir sempre, porque é uma forma de defesa, baseada predominantemente em estatística. Por exemplo: se TODOS os marroquinos que eu já vi, e todos os que eu vi foram aqui na Itália, são filhos da puta, a próxima vez que eu vir um, ainda que em outro contexto, vou ficar de pezinho atrás que eu nao sou boba. Se quase 100% das brasileiras encontradas num vôo Rio/SP/Roma são mulatinhas caça-gringo, que falam alto, se vestem como as prostitutas que são, jamais aprendem a língua e vêm pra Italia pra virar um misto de escrava sexual e doméstica, é ÓBVIO que quem pega um vôo desses e não conhece a realidade da classe média alta das grandes cidades brasileiras vai ficar achando que todas as brasileiras são assim. E quer saber? Não estão errados não. Ontem mesmo vi uma caça-gringos, nos correios em Bastia. Chamava-se Rosemeire (meus olhos mais afiados do que o Hubble conseguiram ler de longe os endereços nos caixotes que ela queria enviar à Freguesia do Ó, a uma pessoa chamada Maria Pureza. Ui.). Vestida como uma piranha, parada em pé na fila emanando aquela vulgaridade que só as mulheres latino-americanas têm, os olhos lançando aquela pobre arrogância sem sentido que só os brasileiros furrecas que vão morar fora adquirem (lembrem-se dos patetinhas brasileiros que se acham oooooooos germânicos. Aqueles do forum. Aqueles que me acusaram de ter comprado o diploma porque não gostei de Berlim. Hohoho). Podemos realmente culpar os europeus por ter essa imagem horrível de nós, mulheres brasileiras? Eu acho sinceramente que não. Acho que é só estatistica mesmo, é defesa; eu também não gostaria de ver esse tipo de gente desfilando pelas ruas da minha pacata cidade, se eu fosse nativa de uma pacata cidade. Não tenho raiva nem de quem acha que eu sou ou fui prostituta, nem raiva dessas pobres mulheres, que OBVIAMENTE não se submeteriam a sair do conforto de seus lares pra virar escravas sexuais se houvessem um lar confortável, um emprego legal, famílias normais, um mínimo de grana pra se divertir. Tenho raiva de nós, que escolhemos mal nossos governantes; tenho raiva dos nossos governantes de merda, que com seu descaso e filha-da-putice criam uma massa de gente sem perspectiva, que acaba tendo que se submeter a tudo pra ter o que comer, pra ter um mínimo de conforto; tenho raiva dos nossos órgãos de divulgação, que só vendem bundas, bundas, sempre essas MERDAS de bundas, como se no país todo não houvesse nada de mais interessante; tenho raiva de quem deveria coibir o turismo sexual mas fica de bico calado; tenho raiva dos hotéis que admitem prostitutas, de luxo ou não, quando há turistas estrangeiros; tenho raiva de todos os homens idiotas do mundo que têm que pagar por um buraco pra enfiar o dito cujo.

O dia em que eu encontrar um marroquino, ou cigano, ou albanês, que não seja filho da puta, eu também vou pensar “mas você é diferente”. A amostra pode ser pequena, afinal tive contato com muito poucos aqui, mas se 100% dessa amostra é filha da puta, alguém pode querer que eu tenha uma boa opinião sobre eles? Levanta a mão quem, mesmo depois de ser assaltado cem vezes por gente de cor (e não vou entrar no mérito disso agora, não venham me chamar de racista porque todo mundo sabe que quem assalta é pobre, fora os retardados drogadinhos filhinhos de papai, e os pobres são negros, e os negros são pobres porque foram escravos, e etc etc etc. Mais uma vez, é pura estatística.), não fica com medo quando vê um negão suspeito na rua, no ônibus, na porta de casa. Levanta a mãozinha, quero ver.

O que quero dizer é que preconceito não é ódio gratuito, e não é uma coisa contra a qual se deve lutar cegamente. Não adianta nada eu sair por aí dizendo que nem toda brasileira é caça-gringo, se na TV as propagandas que se referem ao Brasil só mostram bundas, se os vouchers de companhias de turismo que voam para o Brasil só mostram bundas, se a imensa maioria das brasileiras no exterior é caça-gringo mesmo. O que adiantaria seria, e aqui sou muito hipotética porque não creio absolutamente que o Brasil tenha jeito, a gente ter um país melhor, com oportunidades mais justas, de modo que ninguém precisasse sair caçando gringo por aí.

Estou indo embora. Não sei quando, preciso me livrar do apartamento, mas vou embora. Não porque aqui tem preconceito, porque aqui tem bagunça, porque isso ou aquilo. Vou embora porque sair de casa, ainda mais pro brasileiro, e mais ainda pro carioca, é muito difícil, um sacrifício muito grande. Sacrifícios valem a pena se há um objetivo, uma compensação. Senão deixa de ser sacrifício pra virar desperdício, e pra mim desperdcio é sinônimo de imbecilidade. Como estou longe de ser imbecil, vou-me embora. Vim, como muitas outras brasileiras educadíssimas, pra curtir uma história de amor. A minha história acabou, e com isso acabaram também as minhas razões pra ficar nesse fim de mundo. A Umbria é pequena demais pra mim, não tem mais nada a me oferecer. Vou ficar fazendo o que aqui, jogando fora a minha juventude, a educação que meus pais me deram, meu céLebro brilhante, vou jogar fora tudo isso numa cidadezinha onde nada acontece, em um emprego chatíssimo, com um chefe que eu desprezo profundamente? Se eu ainda estivesse em Roma, ou Firenze, ou Bologna, ou qualquer outra cidade animada, cheia de gente diferente na rua, cheia de opções de lazer ou cultura, se eu tivesse um emprego muito legal, um chefe super interessante que me ensinasse taaaaaantas coisas, provavelmente não pensaria em voltar. Mas não é absolutamente o caso. Regredi. Saí do conforto do meu lar pra ir parar num buraco onde nada acontece, onde vivo sozinha e faço sozinha todas as refeições, a menos que chame alguém pra jantar em casa, não tenho carro, a bicicleta que uso não é minha, nao tenho TV nem telefone fixo nem computador nem internet. Regredi! Então chega, chega de andar pra trás! É hora de cortar o cabelo e voltar correndo pra casa. Assim que encontrar alguém pra ficar com o apartamento, é claro – o aviso prévio é de seis meses…

Eu gosto da Itália, e acho que um dia vou acabar voltando. Acho um país muito divertido, cheio de pessoas divertidas. Só sair na rua e ver aqueles italianos todos vaidosíssimos, montadíssimos, cheios de gel, de óculos abelhão, de calça justa, de olhar Cepacol, sempre gesticulando muito, batendo papo até enquanto dirigem lambreta, a gente já tem vontade de rir. Eles sabem se divertir, mas, ao contrário dos espanhóis, que segundo testemunho de amigos que moram na Espanha não querem saber de dureza, os italianos trabalham muito. Mas brincam, sacaneiam uns aos outros, cantam, comem bem, bebem idem. Claro que ainda são terceiro mundo em muitos aspectos – nos banheiros sem ralo e na frequência com a qual se lavam, no serviço bancário que é neanderthalesco, no quesito atendimento ao cliente em qualquer loja/banco/agência dos correios, nos correios que funcionam malíssimo; claro que há muitos defeitos – as cenouras que são nojentamente adocicadas, o limão que não é verde mas aquele abominável amarelo, o pão sem sal de todo o centro da Itália, a mania de comer lentilhas com molho de tomate, a mania de fumar em tudo que é lugar, enfim. Mas pombas, o paraíso nao existe, e home is where the heart is. Ou não?