A festa do Franco acabou não sendo tão divertida como costuma ser. Chegamos tarde, porque dei aula até as oito da noite, e acabamos ficando na ponta da mesa oposta à dele e dos amigos que conhecemos. Ao nosso lado, duas professoras de Inglês, uma da Università degli Studi di Perugia, e a outra da Stranieri, justamente pro curso de Comunicazione Internazionale que eu quero fazer. Foi uma pena ter sentado ali, porque o Franco e seus amigos mais íntimos são as pessoas mais cultas e engraçadas que eu já conheci aqui na Itália, senão na minha vida inteira.
Ele mesmo é professor de Inglês e tradutor, lá na Stranieri. Um homão alto, forte, peludo, e bichérrimo, e que ainda por cima tem uma queda pelo Mirco. Uma história sua famosa rolou lá mesmo na universidade: ele, fazendo mil gestos, caras e bocas pra explicar sei lá o quê, até que um aluno levanta a mão e diz:
– Pô, professor, o senhor faz tanta careta que fica parecendo até que é meio bicha!
Ao que ele responde:
– Só meio, querido?
A única vez que eu dei mais risada do que quando ele contou essa história foi ele mesmo relatando o dia em que ficou preso no carro do Mizio. Mizio também ensina Inglês e também é tradutor, mas fala Português de Portugal e sempre me cumprimenta dizendo “como estás?”, que eu acho engraçadíssimo. Ele é um amor, e de uns tempos pra cá anda trabalhando com cerâmica, usando uma técnica antiga que sempre foi segredo de família, e que ele resgatou. Temos um vaso meio dourado dele lindão aqui na sala.
Mas então: o Franco é a pessoa com menos senso prático que já pisou na face da Terra. Não sabe usar celular nem videocassete, não sabe usar o cartão do banco, e quem administra suas finanças é um amigo que trabalha num banco. Não sabe dirigir, não sabe nem ferver água pra fazer chá, e cada dia janta na casa de um amigo, ou num restaurante, ou algum amigo vai à casa dele pra cozinhar.
Um dia Mizio foi buscá-lo pra ir trabalhar, e no caminho passou no supermercado. Franco tinha caído no sono, e como era uma coisa rápida, Mizio trancou o carro, um Toyota ou outra coisa do gênero, e deixou o homem lá dentro. O tempo foi passando, o sol foi esquentando, Franco começou a suar e acabou acordando. Quis abrir a janela pra se refrescar, mas não conseguia. Tentou abrir a porta, mas não achava a alavanca ou o botão. Começou a sinalizar loucamente pras pessoas que passavam, mas obviamente ninguém se dignou a parar pra falar com aquele maluco de peito peludo que esmurrava os vidros de dentro do carro. Só quem parou foi um negão, um africano que vendia bugigangas. Franco desesperado tentando se fazer entender, e o negão nada. Franco tira da bolsa um caderninho de telefones e encosta na janela, apontando pro nome do Mizio aparentemente ele queria que o negão telefonasse pro celular do Mizio, não se sabe como, pra que ele viesse abrir a porta. Nesse momento Mizio sai do supermercado, vê aquele negão enorme parado em frente à janela do carona, e, achando que eles estavam marcando algum encontro caliente, não se aproximou, pra não interromper as negociações. O tempo foi passando, o negão nada de sair dali, Mizio achou estranho e foi ver o que tava rolando. Quando finalmente abriu a porta, o comentário do Franco foi:
– Odeio o design japonês.
Crianças, ele e o Mizio contando essa história deixam você ficar sem ar de tanto rir. A cara do Franco imitando ele mesmo quando finalmente Mizio abriu a porta e ele pôde dar aquela super-respirada, é o que há. Até hoje quando eu lembro dessa história fico rindo sozinha.
Faltou só o Francesco, ex-chefe do Mirco e da Stefania na empresa onde eles trabalharam há alguns anos. Francesco é um genovês requintadíssimo, discreto, educado, bem vestido, cheiroso, culto, divertido, viúvo e rico. Sentimos falta dele no jantar, que no final acabou sendo divertido do mesmo jeito, principalmente no momento abertura de presentes. Eu dei um livro do Ian McEwan, Mirco deu um quadro de metal com ímãs pra fotografias, que ele mesmo pintou. Mizio deu uma caneta que estica, virando um apontador daqueles tipo antena de TV, pra dar aula. Os comentários do povo, conhecendo o retardamento tecnológico do aniversariante: só não vai esquecer de encolher a antena pra escrever, hein? E ele dando risada, e fingindo que escrevia com aquele negócio compriiiido.
Quando saímos do restaurante a neve tava caindo direto, mas felizmente não tivemos problema na estrada.
Na sexta não tivemos forças pra fazer nada. Gianni veio aqui em casa resolver mais uns dos intermináveis detalhes da viagem à Argentina, e acabou indo embora depois da meia-noite. Eu chapada, com as mãos tremendo, os punhos doendo horrivelmente, os tendões gritando de tanto digitar, e ainda por cima tendo que escrever e-mail pra uma criatura chamada Sema, que não sei nem se é homem ou mulher, perguntando se há vagas no hotel em El Calafate. Devo ter picado muita salsinha na tábua dos dez mandamentos mesmo.