Ontem, pela primeira vez em muito tempo, tive uma folguinha à noite. Cancelei a aula com os Salames porque teve jogo do Perugia com o Torino, partida de ida decisiva pra conseguir a última vaga pra série A do campeonato italiano. A torcida (tifoseria) do Perugia é das mais ferozes e fanáticas do país, ainda mais em uma situação crítica como essa de ontem. São os chamados grifoni, porque o grifo é o simbolo antiqüíssimo da cidade de Perugia. Melhor não arriscar, porque o horário do jogo coincidia exatamente com o da aula, e o estádio fica na mesma zona onde fica a escola. Pior ainda com a loucura no trânsito que rola toda vez que tem jogo. O Mirco detesta futebol, e eu até gosto de ver uma bela partida mas não presto a menor atenção no que acontece no mundo esportivo a não ser em copa do mundo ou olimpíadas, então os jogos sempre nos pegam de surpresa. Já perdemos a conta de quantas sessões de cinema já perdemos por não saber que tinha jogo na cidade, sair de casa lépidos e fagueiros e dar de cara com engarrafamentos homéricos, carros da polícia em tudo que é lugar, saídas da estrada bloqueadas. Ontem eu jamais teria conseguido chegar à escola, e ainda corria o risco de levar umas porradas pelo caminho, porque quem é que entende a cabeça de torcedor fanático como funciona. Então depois da aula com o Aluno Endocrinologista, que terminou às duas e meia, vim direto pra oficina, arrumei umas coisas, fui a Bastia resolver uns lances com o contador, voltei pra oficina, resolvi mais umas coisas, estudei um pouco de francês, e miraculosamente conseguimos mandar os operários pra casa e enxotar os clientes chatos às seis e meia, horário completamente teórico de fim de expediente. Corremos pra casa, tomamos banho e fomos pra Foligno, pra pegar um cineminha.
Eu adoro Foligno. É uma cidade muito civilizada, limpa, muito arborizada, com um centro histórico lindo e imensas alamedas com villas de cair o queixo. Lugar de gente rica; não é à toa que, juntamente com Città di Castello, tem fama de ter as mulheres mais lindas da Umbria (e é verdade). Demos umas voltas a pé até as sete e meia, e fomos os primeiros a entrar no restaurante chinês. O alto-falante tocava música pop chinesa. Quando perguntei à nossa garçonete do que falava a canção, ela custou um pouco a responder, mas disse que era “uma coisa mista, meio de amor e meio de outras coisas”, o que quer que isso signifique. Nós vamos muito a esse restaurante e tem dois garçons que sempre nos atendem: um novinho de penugem no bigode que não entende xongas de italiano e só nos traz as bebidas, e uma com cabelo até a cintura que fala italiano muito bem, com o sotaque ridículo de Foligno, o que nos faz morrer de tanto dar risada. Ontem não tinha nenhum dos dois. Comemos o de sempre (ravioli de carne no vapor, frango com amêndoas, carne com cogumelos e bambu, arroz cantonês), pagamos, peguei meu anel chinês tabajara de brinde (já tenho uma coleção) e tocamos a pé pro cinema. Tava um calor do cacete, apesar de já serem oito e meia da noite, e foi um alívio entrar no cinema fresquinho. Só nós e um outro casal. Vimos White Noise, que eu achei bem legal. Não acredito em espírito nem alma; pra mim quando morremos viramos húmus, e destino mais nobre não consigo conceber, mas gosto desses assuntos sobrenaturais. Bem tratados, dão o maior medão. Adoro.
A soirée terminou às dez e meia. Às onze estávamos mimindo. Só de pensar que normalmente eu estaria chegando em casa àquela hora, tenho vontade de chorar.