Acabamos de voltar do casamento de M. e M. (são quase 8 da noite). Foi assim um evento retumbante, e eu TINHA que dividir essa coisa com vocês.
O noivo é amigo de infância do Mirco, praticamente um irmão. Conheceu a noiva num barzinho aqui em Bastia, ela engravidou “acidentalmente” uns cinco meses depois, casaram-se no civil (com comunhão de bens, pro desespero do nosso contador em comum) um dia antes de mim e do Mirco, e hoje fizeram o casamento na igreja e o batizado do coitado do filho, que é uma fofura. A garota não quer nada com a hora do Brasil, morava numa espelunca em Ponte San Giovanni, aquela cidade-dormitório cheia de imigrantes, num prédio habitado por marroquinos e prostitutas, com o pai caminhoneiro e a mãe doméstica. Eu já tinha visto os pais antes, ambos sem dente na metade da boca, cabelos oleosos e roupas de viscose cheias de bolinhas. Também já tinha conhecido a sobrinha, que o Mirco logo comentou, todo orgulhoso do seu vocabulário erudito, que “tem cara de pobre”. Tem mesmo.
Toda a história deles é muito muito esquisita, aquele esquisito que te dá nervoso, sabe, a começar pela gravidez “acidental”, passando pela comunhão de bens (ela não trabalha, ele tem um empregão trabalhando pouquíssimo e com um salário que por essas bandas nem diretor de agência de banco tem), incluindo um carro comprado no nome dela que não vale um figo seco mas que precisaram pegar um empréstimo pra pagar os 16.000 euros que custou, uma cozinha que é dois terços da nossa e custou QUATRO VEZES o preço, incluindo uma máquina de café embutida de 800 euros (o detalhe é que ela não toma café e ele é que nem o Mirco, bebe mas não liga), e culminando nesse casamento absurdo que deve ter custado uns 25.000 euros. O empréstimo que eles pegaram é muito maior do que o nosso e pelo dobro do tempo – 30 anos! – apesar do nosso apartamento ser maior. Ele é funcionário de uma empresa e ela não trabalha, enquanto que o Mirco é DONO de microempresa e eu trabalho, só pra vocês entenderem a proporção do horror.
Mas tudo bem, ele tá feliz (ela, não tenho dúvidas, já que tirou a sorte grande), o filho é uma gracinha, ele é um ótimo pai e é isso o que conta, não é mesmo, meus queridos.
Mas vamos ao casório. Foi na igreja ao lado da basílica de S. Maria, onde praticamente todos os amigos do Mirco se casaram. Começou ao meio-dia, com uma hora de atraso porque tinha trânsito no caminho (uma feira de agropecuária aqui em Bastia). Cerimônia compriiiiiiiiiiida, chatérrima, crianças correndo e berrando interrompendo o padre, eu sentadinha (vocês não tinham nenhuma dúvida de que eu me recuso a ficar de pé em igreja, né, por favor) com os dedos coçando de vontade de pescar o livro do Guy Gavriel Kay de dentro da minha bolsa da Furla pra me distrair. Pelo menos a igreja é toda coloridinha, fofinha, e tinha muitas coisas legais pra ficar olhando no teto e nas paredes. Aqui o casamento é assim, ó: os convidados e o noivo não esperam dentro da igreja pela entrada bombástica da noiva; fica todo mundo lá fora, fofocando e batendo papo, inclusive o noivo. A noiva chega, desce do carro, cumprimenta praticamente todo mundo, entra todo mundo junto, sem dama de honra, sem padrinhos, sem o pai levando a noiva, sem nada. Não tem padrinhos de casamento. Os noivos ficam horas ajoelhados enquanto o padre fala, e depois é igual ao que a gente conhece, aquela ladainha surreal de até que a morte os separe, troca de alianças, etc. Dentro da igreja, todo mundo com óculos escuros gigantes apoiados na testa. A maioria espalhafatosos, Dolce e Gabbana e Dior, alguns mais discretos, Prada e Armani, uns poucos com Ray-Bans nondescript, espécimes Chanel raríssimos. Tinha mãe de sobrancelha pintada a lápis dando safanão em criança mal educada, tinha homem de paletó de xantungue, tinha bota branca de cano alto, tinha bebê de colo vestido de Burberry da cabeça aos pés. Divertidíssimo.
O noivo estava com um terno preto com um leve toque de PURPURINA AZUL. Sapatos de bico mais fino que chocolate belga, de verniz cor de coca-cola, com umas espécies de rachadurinhas amareladas. E sobrancelhas feitas, com direito a uma ferida bem no meio das duas.
A noiva, por quem não nutro a mínima simpatia e que só agüento socialmente, e mesmo assim só porque está com um amigo do Mirco, estava… Não sei nem por onde começar. O vestido era assim… Uma espécie de bustiê com uma parte de elástico atrás, um negócio esquisito. Por cima, um bo-le-ro hediondo. Ela não tem a pele muito boa, uma cor amarelada de ex-bronzeada, cheia daquelas bolinhas não identificadas. Em plena luz do dia os detalhes dermatológicos saltam aos olhos, vocês sabem. A saia era mal cortada, deixando ver a marca da calcinha, com as costuras mal feitas, sabe, quando o tecido enruga dos lados da linha de costura. O comprimento, incompreensível. A maquiagem parecia uma coisa assim feita por mim, ou seja, uma merda. Mas o melhor ainda estava por vir. Os cabelos. FRISADOS. Montados no alto da cabeça como um pudim. Com direito a mecha pendente por cima do ombro e tudo. Tudo isso coroado não com grinalda, florezinhas, véu, nada disso, crianças: com um pedaço de TRE-PA-DEI-RA. Artificial. Trepadeira mesmo, não tão horripilante como aquela jibóia que você tem num pote de maionese na cozinha, mas quase. Tive que me controlar pra não rir quando a vi, ainda mais com o Mirco falando “olha, olha” com sotaque umbro (leia-se óia, óia).
A irmã da noiva, a mãe da cara-de-pobre, é imensa. Imensa. Baixinha e imensa. Estava espremida em um vestido mais ou menos dourado. Mirco disse que parecia um Ferrero Rocher.
Até a roupa da sobrinha cara-de-pobre era horrorosa, com uma manga furadinha mais curta e sem sentido por cima da manga comprida, e uma saia com um caimento horripilante.
Céus.
E pensar que foi tudo carissimissimíssimo. Eu, com uma camisa da Zara linda que custou exatamente 4,99 euros em Roma e uma saia preta da Sisley bem cortadíssima que custou 10 na liqüidação, sapatos da Arezzo que herdei da minha mãe e minha bolsa linda da Furla que não vou dizer quanto custou na liqüidação, só pude rir. Less is more, definitivamente.
A recepção foi numa casa de festas muito bonita perto de onde morávamos antes, quase em Cipresso. Com direito a piscina ornamental (com ponte), casinha de bonecas e outros brinquedos pra crianças, etc. Serviço ótimo, comida idem. Primeiro, como sempre, o antipasto (um bufê gigante) no lado de fora, à sombra de quiosques. Depois todo mundo vai pra porta do salão pra saber onde vai sentar: tradicionalmente os noivos fazem, eles mesmos, um tabelão com os convidados distribuídos em cada mesa. Cada mesa tem um nome; tem quem escolha nomes de frutas, de cantores, de filmes, de cidades… Sendo muito criativos, eles escolheram flores, como 99% dos noivos italianos.
Nós caímos numa mesa com um casal que já conhecíamos e já recebemos em casa pra jantar, a irmã dessa garota, um outro casal formado por um vendedor de carros muito conhecido aqui na zona e sua namorada até então anônima, o dono da loja de móveis mais in de Santa Maria, amigo de infância dos meninos (a mulher dele chegou mais tarde, com a filhinha pequena), e um outro cidadão que não conseguimos descobrir quem era, porque passou o dia inteiro calado. Acabou que rimos horrores, falamos muito de viagens, de comida, de filmes, e foi bem legal. Mas acabou às oito da noite, e eu não agüentava mais. Socializar cansa.