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A aula de Linguaggi della Devianza hoje não foi aula. Assistimos a um semidocumentário rodado antes que prendessem o Bernardo Provenzano, aquele chefão da máfia que ficou foragido por 43 anos até ser “capturado” logo depois das eleições de 2006.

A idéia do documentário, que saiu da cabeça de um palermitano, foi sensacional: criar uma falsa campanha eleitoral com o Provenzano candidato a primeiro-ministro, com direito a site, santinhos e carro com alto-falante. Levaram esse carro, com aquele outdoor gigante em cima, com a cara do foragido (na época não se sabia que aspecto ele tinha, não depois de tanto tempo fugido, logicamente; usava-se um retrato falado que depois viu-se que era incrivelmente parecido com o cara mesmo) sorridente, a Palermo, Nápolis e Turim. E filmaram as reações das pessoas.

Foi uma coisa divertidíssima.

Em Palermo chamaram logo a polícia e a “campanha” foi interrompida, e o diretor foi forçado a cobrir a cara do Provenzano com um lençol. As pessoas reclamavam, diziam que aquilo piorava a imagem da Sicília, que com certas coisas não se brinca. Têm razão, e só sabe disso quem passou a vida numa cidade como Palermo, que por anos a fio via atentados de todos os tipos rolando em plena luz do dia, gente justiciada, gente dissolvida em ácido, gente jogada em tanques de cimento.

Em Nápolis também chamaram a polícia e interromperam a campanha, mas a coisa foi mais séria ainda: o político local que mais se rebelou e que chamou a polícia e exigiu que parassem com aquilo tudo era candidato nas eleições daquele ano… pelo partido de um senador que foi condenado por associação mafiosa. E que fazia parte da comissão nacional anti-máfia. O detalhe é que a notícia dessa condenação não saiu em NENHUM jornal nem televisão. Nunca vou me cansar de dizer o quanto a Itália é um país divertido.

Em Turim, onde, como em todo o norte, pensa-se que a máfia é uma coisa daqueles delinqüentes lá do sul, todo mundo achou tudo engraçadíssimo, o carro deu mil voltas na cidade, neguinho comentava que tanto fazia o Provenzano como outros políticos ladrões, foi tudo muito light.

Os comentários que neguinho deixou na internet foram terrificantes: muita, muita gente mesmo chamando o diretor e os produtores do documentário de comunistas, quando todo mundo sabe que a máfia é muito democrática e compra políticos de todas as facções, muita gente dizendo que pelo menos os mafiosos têm honra (col cazzo!), e coisas desse tipo.

Uma parte do documentário entrevistou uma professora universitária cuja tese de mestrado foi o mercado de músicas mafiosas. Isso mesmo que você ouviu. Rings a bell, doesn’t it, pra quem mora no Rio e já prestou atenção às letras de certos funks. CDs vendidos nas lojas, com o nome da máfia local na capa e tudo, na maior naturalidade. As letras são sempre singelas, tipo “aos traidores a gente corta o peito no meio”. De arrepiar os cabelos.

E a reportagem que foi ao ar em vários canais italianos quando “acharam” e “prenderam” o chefão? A ênfase foi toda dada ao coitado do boss que dormia numa casa caindo aos pedaços cedida por um pastor de ovelhas, a como ele dormia numa cama desconfortável, comia ricota e chicória e queijo com mel (juro), ao fato de que as benditas ovelhas foram dadas a uma família da mesma cidadezinha depois que o pastor foi preso. De como foi possível que esse homem não tivesse sido encontrado mesmo tendo colocado os pés fora da Sicília somente uma vez, não se falou. De como a notícia da sua prisão foi dada DEZ MINUTOS depois de anunciada a vitória da esquerda (e portanto a prisão foi feita durante o governo da direita), não se comentou. Do fato de que estranhamente começaram a morrer membros do sexo masculino da família Lo Piccolo, não se disse nada, ainda que se soubesse que os dois candidatos a sucessor do Provenzano fossem um rapaz Lo Piccolo e um Denaro – logicamente, da família Denaro não morreu ninguém. Do tal SE-NA-DOR condenado por envolvimento com a máfia, nem sinal.

Vir pra Itália é quase como nunca sair do Brasil…