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Oficialmente nós não moramos na roça. Nosso bairro é “urbanizado”, apesar de que nos fundos da nossa rua tem um campo ELORME de trigo: há mais prédios que casas, muito estacionamento, um pequeno centro commerciale (uma espécie de galeria) com bar, farmácia, supermercado, lavanderia e alguns escritórios. Mas alguém, em algum lugar aqui perto, tem um galo. E o galo canta. Não é um problema; se não fosse o galo a me acordar seria o sol mesmo, como sempre, ou a passarinhada escandalosa que volta e meia aterrissa na varanda e começa a cantar aos berros (na Itália até os passarinhos berram). E dá aquele ar bucólico interessante. Não sei de quem é o galo, pois as casas do final da rua não têm galinheiro, mas suspeito de uma casa grande, em uma rua transversal sem saída, onde mora um casal de velhinhos. Velhinho italiano não pode ver um quadradinho de terra dando sopa que planta logo um pé de tomate ou enfia uma galinha. Prática louvável, pois pelo menos assim você sabe o que está comendo.

Mas eu queria falar era de outro bicho. Além do galo, em algum outro lugar alguém tem um asno. Todo dia de manhã o bicho dá a sua cantadinha. No começo eu nem reconhecia o barulho, porque criança crescida na cidade grande aprende a imitar o barulho pra sacanear outras crianças chamando-as de burras, mas aposto que a maioria nunca nem viu um de verdade. Então eu ouvia aquele lamento solitário lá longe e pensava, o que raio será isso, caramba. Quando perguntei pro Mirco ele respondeu na maior naturalidade: é um asno, ué. Como assim, Bial. Ele também nunca viu um, porque afinal estamos na roça mas não nas imensidões rochosas da Sardenha onde judas perdeu as botas, as meias e os protetores de calo do Dr. Scholl, e as velhinhas ainda vão de burrico visitar as vizinhas, que moram a quilômetros de distância. Mas ele jurou que era um asno, e quem sou eu pra discutir. Então agora a sinfonia matutina é: galo, passarinho escandaloso, asno, depois a soldada do andar de cima caminhando com a delicadeza de um tanque de guerra, depois o marechal dos Carabinieri do andar de baixo falando aos berros no telefone na varanda. Quem disse que a vida na roça era tranqüila…