O Mirco não tem paciência, e nem experiência com essas coisas, pois sempre morou em casa. Então depois do jantar ele se joga no sofá e me manda em missão condominial. Os outros vizinhos sempre perguntam, mas o teu marido nunca vem às reuniões, e eu sorrio educadamente e respondo simplesmente “não”.
O prédio é pequeno, somos poucas famílias, e mesmo assim tem gente que enche o saco. Eu tento não ser a primeira a reclamar pra não ser chamada de estrangeira chata, porque já sei que é isso o que acontece, e a coisa acaba descambando no argumento mais idiota do planeta (“se não gosta, volta pro lugar de onde você veio”). Na penúltima reunião eu estava decidida a esperar até que alguém mencionasse o lance da porta de entrada, e minha paciência foi recompensada: a vizinha gorducha do andar de cima (não a soldada, a do outro lado) falou exatamente o que eu queria dizer: PAREM DE BATER A PORTA DO PRÉDIO, PORRA! O edifício inteiro treme e não há a menor necessidade de bater, basta deixar que ela feche sozinha. É tão difícil? Dei um suspiro de alívio e concordei, animada. Mas jacaré parou de bater a porta depois disso? Não, né. Então eu perdi a paciência e botei um cartaz imenso na porta: Per l’amor del cielo, non sbattere la porta!!! PELAMORDEDEUS, NÃO BATAM A PORTA!!! Assim mesmo, com três pontos de exclamação, o que demonstra claramente o quão exasperada eu estava. Aconteceu o que eu já esperava: não só continuaram batendo a porta, como arrancaram o cartaz e botaram no meu escaninho.
Na sexta passada tivemos outra reunião, pra discutir o novo orçamento, feito pelo novo administrador (aqui não tem esse lance de síndico, quem administra normalmente é uma agência ou profissional liberal especializado, que não mora no prédio). O cara é um velho barrigudo, ex-professor, que fica puto da vida quando neguinho fala tudo junto e não se entende nada, e pede pra calarem a boca – meu ídolo. Depois de discutir os assuntos em pauta eu levantei a mãozinha, muito civilizadamente. Ele sorriu, deu uma piscadinha e me deu a palavra.
[paca] Na última reunião a Simona reclamou da porta batendo, vocês lembram. Todo mundo sabe que fui eu que coloquei o cartaz na porta, porque mesmo a gente tendo falado sobre o assunto as pessoas CONTINUAM batendo a porta. Não sei quem foi que teve a atitude infantil de arrancar o cartaz e botar no meu escaninho, e não quero saber. O que eu quero saber é qual é a dificuldade em NÃO BATER A PORRA DA PORTA. Vejam bem, o fato de que as pessoas não percebam, sozinhas, que fazer barulho incomoda os outros já é grave o suficiente. Mas quando outras pessoas reclamam e mesmo assim neguinho continua, realmente, crianças, é o cúmulo da falta de educação. O CÚMULO DA FALTA DE EDUCAÇÃO.
[senhora napolitana odiosa odiosa odiosa que fuma tanto que mesmo estando no andar de baixo e com as portas fechadas o cheiro chega aqui em casa] Não vamos fazer drama, acontece só de vez em quando…
[paca] Acontece vinte mil vezes por dia. Agora que estou de férias da faculdade e fico em casa o dia inteiro levo cada susto della madonna, porque quando batem com força o prédio inteiro treme.
[senhora napolitana odiosa] Sei lá, eu nunca escuto nada…
[paca] A senhora mora nos fundos e passa o dia com a televisão ligada ou no quintal. Todas as minhas janelas dão de frente pra rua e eu passo os dias trabalhando ou lendo; EU ESCUTO O BARULHO VINTE MIL VEZES POR DIA.
[Simona e a mulher do marechal confirmam]
[mulher do caminhoneiro do apartamento igual ao nosso, do outro lado] Sabe como é, às vezes a gente vem com as mãos cheias de sacolas de compras e não consegue segurar a porta…
[paca] Não precisa segurar a porta, ela fecha delicadamente sozinha. É SÓ NÃO BATER. A batida é voluntária, proposital, não é uma coisa passiva. Se a porta fez barulho é porque quem passou puxou com força, com vontade. E quem está com as mãos cheias de sacolas de compras tem que realmente se esforçar pra liberar dois dedinhos e puxar a porta.
[senhora napolitana odiosa, com quem eu nunca tinha falado antes] Sabe de uma coisa, estou achando ótimo que dessa vez eu vim à reunião, assim a gente passa a se conhecer [tradução: Agora já sei que você é um pé no saco que reclama de tudo]. A gente só precisa ser civilizado pra poder viver em harmonia, não é verdade. Não precisa se exaltar por coisas menores.
[paca, incazzatissima] NÃO SÃO COISAS MENORES. Faz barulho, treme o prédio, e sobretudo NÃO É NECESSÁRIO! Por que bater a porta se basta NÃO FAZER NADA PRA PORTA NÃO BATER E NÃO INCOMODAR OS OUTROS? É tão difícil assim não fazer nada?
[senhora napolitana odiosa, acendendo um cigarro] De repente são as crianças…
[paca, olhando pro cigarro com a cara mais nojenta que os músculos faciais humanos são capazes de reproduzir] Bom, em algum momento as crianças precisam ser educadas, né não.
[silêncio]
[paca] Tipo, se alguém disser pra elas que não se deve bater a porta, se elas forem minimamente obedientes e educadas não vão mais bater, né não.
[silêncio]
[velhinho administrador] Bom, a gente pode checar a mola, que de tanto baterem a porta já deve ter ido pras cucuias, e depois de regulá-la novamente de modo que a porta feche delicadamente sozinha ninguém vai ter mais desculpa pra batê-la. Vou botar um cartaz com a minha assinatura embaixo, e aí ninguém vai botar de volta no escaninho, ok?
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O cartaz do velhinho diz assim: “bater a porta incomoda os outros e portanto é falta de educação. Pede-se a gentileza de deixar que a porta feche sozinha”. Hohoho.
A bateção não parou, mas diminuiu sensivelmente. Estamos na Itália, afinal.