ode ao rio

Sem internet por um certo período, graças à Net. Pânico. A lista de pessoas às quais preciso telefonar é infinita, mas quando chego em casa acabo caindo no sono e não ligo pra ninguém. Várias coisas burocráticas resolvidas, outras semi. Tudo bem. Basicamente venho batendo perna em Ipanema com a minha mãe. Boticário, Sacada (recomendo a loja do Centro, perto da Travessa do Ouvidor, e em particular a Luciene), padaria Eldorado, sapatos na Datelli, a Travessa, as galerias da Visconde de Pirajá, a feira na N. S. da Paz. Compramos umas uvas ótimas.

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Isso dito, vocês me desculpem, mas a minha cidade é absolutamente um desbunde.

Tipo:

desbunde
substantivo masculino
ato ou efeito de desbundar
1 ato ou efeito de ficar deslumbrado, extasiado com alguém ou algo
2 Derivação: por extensão de sentido.
pessoa ou coisa deslumbrante, que causa impacto
Ex.: o irmão dela é um d.
3 estado de quem fica desconcertado, estupefato com algo imprevisto, inesperado
4 o Rio de Janeiro

O Rio é um desbunde, apesar. Tudo no Rio é um desbunde. E não estou falando só da parte física, que por si só já é um desbunde, mas de todo o resto. Do ar, da atmosfera, das pessoas, dos cheiros, das idéias, da personalidade. De tudo.

Eu viajo mais do que a média mas muito menos do que gostaria, e, com a exceção talvez da Sérvia, sempre pra lugares civilizadinhos. Não existe outro lugar, de todos os que eu já visitei, que chegue aos pés do Rio. O Rio deixa o resto do mundo no chinelo. Não consigo imaginar uma cidade com tamanho potencial pro turismo, pra negócios, ou mais simplesmente pra felicidade. Istambul? Qual o quê. É irmã quase gêmea do Rio, se você descontar a quantidade de bigodes e mulheres de cabeça coberta e o aaaaaaaaaaaiaaaaaaaaaaaaiaaaaaaaaaaaaa das mesquitas chamando pra reza e a relação com o mar completamente diferente. Essa intimidade do Rio com o mar é uma coisa fascinante – e olha que eu ODEIO mar e não vou à praia há anos, e não sinto falta nenhuma. Não sinto falta da praia, mas sim de como as pessoas aqui se relacionam com ela. Acho bárbaro, um desbunde. Nápolis, que dizem ser a outra gêmea? É bonita mas não tão bonita quanto; também zoneada e cheia de mazelas, embora não tanto quanto; simpática e interessante, mas não tanto quanto. Paris é Paris, Roma é tudo na vida, mas têm um charme muito diferente. São cidades sensacionais, que eu amo de paixão e nas quais tenho a impressão de que adoraria viver, mas o conjunto da obra não é o Rio. Já visitei muitas cidades bonitas, mas nenhuma delas é um desbunde. Só o Rio.

O que vêm fazendo com a minha cidade é desumano.

Tipo:

desumano
adjetivo
1 falto de humanidade; bárbaro, cruel, desalmado
2 que demonstra desumanidade; anti-humano, atroz, duro
3 o que vêm fazendo com o Rio de Janeiro

A paranóia constante, a desconfiança; a maneira com que o medo molda nossas vidas, decide por nós, planeja por nós, nos impede de fazer coisas, muda nossos hábitos de maneira impensável, nos impede de viver comme il faut, são desumanas. E tudo isso fica tão enraizado que mesmo depois de todos esses anos morando no interior do Butão eu ainda mantenho todos os meus pavores. Voltando pra casa de táxi em Barcelona, depois de uma festa, no meio da madrugada, um motociclista pára ao lado do nosso táxi e se aproxima da janela. Pensei: “morremos”. O taxista abriu a janela na maior calma, o motociclista levantou o visor, sorriu e pediu uma informação. O taxista respondeu, o sinal abriu, fomo-nos todos. Mirco perguntou por que eu tinha ficado tão pálida de repente; respondi “porque sou carioca”.

Toda vez que viajo a alguma grande cidade fico imaginando o quão seria maior o desbunde do Rio se fosse possível sair de casa com todos os documentos originais e cartões de crédito na carteira; se fosse possível voltar pra casa a pé à noite de onde quer que seja; se fosse viável subir num ônibus qualquer a qualquer hora sem ficar olhando com cuidado pra todos que entram, pronto pra sair voando pela porta de trás em caso de passageiro suspeito; se fosse possível escolher o itinerário de acordo com a sua própria vontade e não pela probabilidade estatística de assalto; se o metrô não fosse a máfia que é e seguisse uma logística civilizada (sim, o metrô funciona, mas não tem sentido e é ridiculamente caro e anti-turista); se a bicicleta fosse um meio de transporte viável em termos de segurança e com isso aliviasse o trânsito; se tirar a máquina fotográfica da bolsa pra poder mandar aquele pôr-do-sol pro Flickr fosse seguro e possível. E pensando nisso tudo me dá vontade de chorar.