Acho essa coisa do Natal um porre. Porre, porre, porre. Parente da alegria forçada do Carnaval, sabe. Só que pelo menos Carnaval tem desfile, aquela cafonalha que eu adoro. Natal, nem isso. Presépios ridículos representando uma cena idiota que nunca existiu. Músicas chatas, chatas, chatas. A proliferação de coisas hediondas verdes e vermelhas. Presentes que nunca, nunca agradam. Nem das comidas de Natal eu gosto: aqui praticamente só sou fã de cappelletti in brodo, e mesmo assim prefiro cappelletti com molho de tomate do que em caldo de galo castrado.
Sim, estou de péssimo humor. Esse mês tem sido UM SACOOOO. Só trabalhos chatos. O tempo não ajuda; não pára de chover há semanas e eu vou ficando mais e mais rabugenta. Hoje até que abriu um solzinho, mas todo mundo já sabe que amanhã volta a chover e não se sabe quando vai parar. A sensação é que não vai parar nunca.
Ontem saí de casa tipo às dez da manhã pra comprar um lápis de olho urgente que o meu acabou e ir ao supermercado comprar pão, banana e sorvete porque veio gente jantar aqui em casa*. Imaginei que no meio da manhã de uma terça-feira não haveria confusão em Bastia Umbra. Doce ilusão. As ruas entupidas de gente, todo mundo de carro porque chovia a cântaros, e todo mundo estacionando à italiana, ou seja, onde dava na telha. Da minha casa até o centro, distância tão ridícula que quando não chove a cântaros eu cubro a pé ou de bici e que quando sou forçada a pegar o carro percorro em exatamente três minutos, levei dez. No estacionamento minúsculo da Coop, páro e ligo o pisca-alerta enquanto espero alguém sair e liberar uma vaga. Não passam dez segundos e uma Lancia Musa buzina forte atrás de mim, querendo entrar na vaga pra deficientes físicos que tinha acabado de ser liberada (estranhamente, por um carro de deficiente físico). Contei até vinte pra não sair e cobrir a mulher de porrada – ela não precisava buzinar porque tinha espaço atrás de mim pra manobrar, e não deveria ter estacionado ali porque A PORRA DA VAGA ERA PRA DEFICIENTES FÍSICOS. Finalmente sai uma senhora do supermercado com um carrinho com tipo três coisas dentro. Levou duas horas pra botar aquilo na mala da Panda e mais duas pra enfiar o carrinho na fila e pegar a moeda de volta. Estaciono, mas a vaga era apertada porque o cretino à minha direita tinha estacionado o BMW velho feito a cara dele. Consigo abrir a porta só um pouco, e sair dali com 1) casaco, 2) guarda-chuva (odeio guarda-chuva, mas dessa vez realmente não dava pra evitar), 3) sacola de compras, 4) a minha bolsa foi uma operação delicada. Quando consegui entrar no supermercado estava quase chorando de ódio de tudo e prometendo a mim mesma ir morar numa caverna sozinha.
Também não saí mais de casa o dia inteiro. Fiz uma faxina light, almoçamos tarde e dei uma dormidinha básica (não tinha dormido nada à noite sonhando com o último livro da trilogia da Robin Hobb). Quando acordei e fui trabalhar percebi que as 5 laudas que a Sabrina tinha me encomendado pra hoje de manhã eram um contrato. Como eles sabem que eu não faço tradução legal, nunca me mandam nada desse tipo, então eu nem sempre pergunto do que se trata quando me oferecem trabalho pelo telefone. Quando abri a merda do file e vi o maldito contrato tive ganas de jogar o computador pela janela. Já era tarde demais pra recusar, pois às cinco da tarde eles jamais achariam outro tradutor que entregasse até as nove da manhã de hoje. Lá fui eu fazer a porra do contrato, praticamente procurando cada vírgula no dicionário. Quando acabei respirei fundo e fui pra cozinha fazer o jantar.
*O jantar:
O curry que compramos no Grand Bazaar em Istambul está rendendo. O Mirco toda hora pede pra eu fazer. O Silvio nunca tinha ouvido falar de curry, mas a Oana gosta de coisas estranhas, então fiz peito de frango com curry. Em vez do arroz selvagem que costumo fazer como acompanhamento, fui de batatas gratinadas porque o Silvio, ao contrário da maioria dos italianos, adora uma batata e tenho que aproveitar essas poucas oportunidades batatais que aparecem em ocasiões sociais. Ficou tudo ótimo. Regamos com guaraná pra piorar mais ainda a mistura maluca de comidas incombináveis, e fechamos com um Barattolino Sammontana de cream caramel com pedacinhos de biscoito de chocolate. Brinquei muito com o Michele, que tem 7 meses e é um amor. O jantar salvou o dia.
E lá fui eu ler até as 3 da manhã. Mas isso é outra história.