Teve uma época em que eu achava que queria ser advogada, como praticamente todo o resto da minha família. Mudei de ideia pra medicina, embora até hoje ainda esteja procurando o que eu quero ser quando crescer. Mas acho que fiz bem em abandonar a ideia de fazer Direito, porque a quantidade de situações espinhosas nas quais eu venho reparando me deixa perplexa.
Outro dia li em algum jornal italiano a história de um casal italiano, que mora há muitos anos na França, que teve uma filha, à qual deram o nome de Andrea. Quando foram registrar a garota na Itália, deu merda: em italiano Andrea é nome masculino, o funcionário da prefeitura não tinha certeza se podia aprovar o nome ou não (na verdade há outras Andreas mulheres na Itália mas a coisa sempre cria confusão), relatou o fato à Província e o juiz não autorizou – aliás, mandou mudar pra Andrée (que não existe em italiano, detalhe) pra identificar o nome como feminino.
Fiquei dividida e não tenho opinião formada até agora. Não tenho dúvida de que os pais são duas antas que foram buscar sarna pra se coçar, né, vamos combinar; tudo bem que no resto do planeta inteiro Andrea é nome de mulher, mas na Itália não é, e os dois, sendo italianos, estão carecas de saber disso. Tenho ódio mortal de gente que dá nomes malucos aos filhos (e ódio particularmente mortal a quem dá nomes estrangeiros sem necessidade, principalmente quando as modificações ortográficas pioram ainda mais a coisa – veja-se o nome Katiusha, que eu já vi escrito italianizado Catiuscia porque o “sc” tem som de “sh”). Puxa vida, estamos falando de uma coisa séria, associada a você pelo resto da vida, uma palavra que você vai ouvir todos os dias trezentas vezes por dia, a sua identidade! Pelamordedarwin, um mínimo de bom senso! Eu conheço uma que tem um filho chamado Storm – mas vai te catar, né não?
Por outro lado, restam dois fatos sacrossantos: a liberdade de expressão, que inclui a liberdade de ser um babaca e de botar um nome babaca e/ou problemático no filho, e o princípio de autodeterminação, tão em baixa aqui na Vaticália, onde o Estado, por influência desses trastes da Igreja Católica, tem mania de meter o bedelho em todos os aspectos das vidas das pessoas. Pra não falar do fato que a justificativa dada pelo juiz, a de que Andrea é nome de homem na Itália, ignora solenemente que no resto do mundo – inclusive na França, país onde mora a garota – esse nome é feminino. Vai ser alérgico ao cosmopolitismo assim na China.
Outra história que me chamou a atenção foi essa aqui. Resumindo, a criatura é programadora em uma escola católica, é solteira, fez inseminação artificial pra engravidar e por isso foi mandada embora, com a justificativa de que o que ela fez não está de acordo com a doutrina católica, que ela deveria seguir conforme estabelecido no contrato de trabalho. A coisa toda é too stupid for words à primeira vista, mas na verdade rolam várias considerações marromeno complexas aí. Ela sendo programadora, esse comportamento “que vai contra a doutrina católica” *yawn* na verdade não tem a menor relevância em termos práticos, pois ela não tem nenhum contato com os alunos, que provavelmente não têm nem ideia de que ela existe. Também não sei se esse tipo de restrição maluca com justificativa religiosa escrita em contrato (por isso que eu continuo repetindo: liberdade religiosa my ass) é constitucional nos EUA – na Itália não seria, pelo menos teoricamente. Por outro lado, se ela assinou o raio do contrato significa que aceitou as condições descritas, malucas ou não, e teoricamente deveria estar disposta a se comportar come Dio comanda, whatever that is. Não gostou das regras? Vai trabalhar em outro lugar, ou então muda de religião. Tudo bem que coerência não é o ponto forte das religiões em geral, e menos ainda dos fiéis, que tendem a adotar só as regras que acham mais legais e fáceis de seguir, mas nesse caso trata-se de uma parada enorme!
Eu, sendo advogado de qualquer uma das partes envolvidas nas duas histórias ou o juiz que tem que decidir, jogaria a toalha. Normalmente eu tendo a punir a estupidez (inclusive quando sou eu mesma que cometo o ato estúpido), mas quando a coisa é muito complexa eu não sei o que fazer.
Ainda sobre os nomes: certa vez conheci um Michele, escrito assim, à italiana. Exceto que o infeliz era nascido e criado no Brasil, e aqui vivia. Deve passar a vida tendo que se explicar nos guichês e formulários. Assim como todos os Danieles e Gabrieles.
Mas temos que chamar as crianças de algo. Sou totalmente contra esse sistema português, mas tem coisa no Brasil que também me dá arrepios na alma, como a invasão de Maicons de vinte e poucos anos, surgidos na época que você-sabe-quem era famoso. O que eu sou a favor é que, na vida adulta, não se crie tantos obstáculos para mudar de nome se a pessoa quiser. Na Inglaterra o processo é simples, já no Brasil…amo, amo, amo o sistema anglo-saxônico para essas coisas (e outras). E na Alemanha a mulher não pode eliminar totalmente o sobrenome de solteira quando se casa, no uso oficial o sobrenome de solteira está sempre nos documentos – até gosto disso, mas as pessoas deveriam também ter liberdade de mudar o sobrenome se quiserem.
Sobre os nomes eu tenho opinião formadíssima: nomes idiotas e grafias rdículas são deploráveis, mas por que raios o escrivão tem mais autoridade no assunto do que os pais da Madenusa ou da Raphaelly? Não, não deve ter. Nomes devem ser liberados, assim como sobrenomes – bota o que quiser, como quiser, e quem quiser que troque depois.
Porque se você for pensar, sobrenomes também não devem ser tratados com respeito demais. Sobrenomes surgiram porque alguém era filho do John (Johnson), ou vinha da Cidade Tal (Assis) ou era o sapateiro da vila (Schumacher) ou ainda, morava perto do pé de azeitona (Oliveira). Nomes e sobrenomes são apenas convenções, e é só ver a quantidade de homônimos (de nome e sobrenome) que existe em qualquer sociedade para ver que nomes não servem tão bem assim para identificar ninguém.
E se você restringe as opções, aí fica pior ainda. Tenta encontrar algum amigo português no google. Todo mundo tem os mesmos nomes (se eu fosse inglesa e meu sobrenome fosse Smith, eu não teria um filho com um nome menos estranho do que Atticus ou Tiresias, para o coitado ter um minimo de individualidade)
Mais uma questão: algumas grafias parecem idiotas (por exemplo, chamar uma criança de Enrik pode ser o fim na baixada fluminense, mas se a pessoa é finlandesa e mora em Portugal, por que carambolas deveria nomear a criatura de Henrique? E aí a criança volta a morar na Escandinávia e fica com um nome despropositado? Imagina se a Inglaterra seguisse essa lógica e eu fosse obrigada a chamar o Jonas de Jonah? Cafona!)
Além disso, graças a deus o Reino Unido não tem essas palhaçadas, assim o Jonas tem os sobrenomes do pai e da mãe. Já imaginou se ele tivesse nascido na Alemanha e só pudesse ter um sobrenome?
Se eu morasse em Portugal não poderia ter uma filha chamada Sophia com PH, sabia? Provavelmente o Hiro não poderia se chamar Hiro lá. Teria que ter um nome português, imagina que ótimo um japinha chamado Nuno :)
Ai, chega, me exaltei. Tenho um milhão de outras razões pelas quais a lei não deve se meter nisso. Cada família é de um jeito e no mundo do jeito que é, cheio de gente se mudando de lá e para cá e com famílias multi culturais, forçar as pessoas a adotar nomes específicos (e ainda por cima das pitaco na grafia) é muita falta de respeito.
E agora eu desço do meu caixotinho e vou cuidar da vida. Me empolguei, desculpe aí :)
Há pouco acabei de ler Foundation’s Edge, do Asimov. Pois, no planeta Gaia, todos os habitantes têm um nome que é uma palavra só, igual aos vulcanos. Exceto que essa palavra só é constituída de dezenas de sílabas e, assim, não há dois nomes iguais. Claro que isso desafia a memória dos amigos e cansa desnecessariamente — já pensou? Pedrodealcântarafranciscoantóniojoãocarlosxavierdepaulamiguelrafaeljoaquim joségonzagadeorleansebragança. Para evitar isso, no círculo de pessoas mais próximas só se usa uma ou duas sílabas, e bastam. D. Pedro I seria chamado só de Pê dentro de casa, Pedro no clube, Pedrodealcântara na multidão.
Já li, mas há muito tempo, tinha me esquecido desse detalhe :) Na verdade eu acho que as crianças deveriam não ser chamadas de nada e poder escolher o próprio nome quando crescem. É uma coisa pessoal demais pra ser imposta pelos pais!