pane

Poucas coisas nessa vida são mais bonitas, poéticas e antropologicamente significativas do que um campo de trigo, tão dourado quanto os pães em que um dia vai se transformar. Muitos já estão maduros o suficiente pra colheita, alguns já foram devidamente colhidos. Tratores imensos e muito coloridos e cheios de luzes cortam as estradas das cidadezinhas do interior do Zâmbia.

Os girassóis já estão assanhadíssimos, espichando os rostinhos pro sol que, a essa altura do campeonato, já torna os dias quentes de verdade, estilo fritemos um ovo no asfalto. Girassóis são flores lindas, mas as plantas propriamente ditas são feinhas que dói. O milho também é uma planta feia pacas, como eu já disse aqui, mas as espigas são simpáticas.

Mas o trigo me impressiona. A cor é sugestiva, e não consigo deixar de imaginar quanto pão e quanto macarrão vão sair daqueles mares dourados. Ainda mais porque aqui pão é uma coisa muito séria. Mais até do que o macarrão. Italiano que é italiano não come sem pão, hábito que felizmente não incorporei – pra mim pão é pra fazer sanduíche e só. Quando eu explico o que é farofa, ou faço arroz branco, a primeira reação de TODO MUNDO é: aaaah, no lugar do pão vocês comem arroz/farofa. Fulano é pobre de marré deci, dizemos nós; aqui dizem que fulano é tão pobre que só come pão com cebola. O pão é figura central na culinária italiana, leia-se na cultura italiana. Não os culpo. Quer coisa mais simples, e mais gostosa, do que uma bruschetta das mais frugais, com alho, azeite e sal?

Tudo que é cidadezinha tem seu próprio tipo de pão. Em toda a Itália há zilhões, literalmente, de tipos de pão. Infelizmente fui cair aqui no centro da Bota, onde o pão, por razoes históricas que já mencionei aqui ene vezes, é completamente desprovido de sal. Eu acho superbroxante e só como o pão cascudo umbro sob forma de bruschetta. Pro meu café da manhã, que continua contrariando os costumes botenses, mantendo-se fielmente salgado, uso pão de forma integral, que eu adoro. Eu sou louca por pão, mas pão que eu considero “de verdade” – pãozinho francês, pão careca, baguete, ou pão árabe, que aqui obviamente neguinho não sabe fazer, nem quer, porque são considerados pães “inferiores”. Quando estive na Sicília quase enlouqueci, porque as padarias são maravilhosas e têm váaaaaaarios tipos de pães maneiros. De região pra região, não muda só o formato do pão, nem o tipo de farinha, nem a quantidade de sal: o sabor e a textura são influenciados pelo tipo (dureza) da água, pela umidade e pela temperatura média local, pelo tipo de moinho usado (aqui ainda há moinhos que usam mós de pedra, e o pão sai mais escuro, com gosto esquisito de terra, e dura mais), pelo tempo de fermentação, pela adição de ingredientes (queijo, azeitonas, bacon, sementes de erva-doce, de gergelim, de papoula, entre tantos outros), pelo humor do padeiro, pelo tipo da lenha usada no forno, se você tiver sorte de ter um padeiro que tem forno a lenha. Muita gente ainda faz pão em casa, no forno a lenha do quintal. Muita gente ainda tem inclusive o móvel que se usava antigamente pra armazenar a massa-mãe e o pão, muito interessante – a tia do Mirco tem um, se chama mattera no dialeto local. Uma boa mattera, antiga de verdade, bem feita e bem conservada, hoje vale uma pequena fortuna nos mercados de antiquariado.

Hoje jantei uma saladinha com os dois tipos de alface que a mãe do Aluno Endocrinologista me deu, feijão branco (que aqui felizmente encontra-se enlatado, sem tempero, praticíssimo) e um punhado de milho verde. E pra fechar a noite, bruschettinha. Diliça.