Os últimos dois posts da Barbara me fizeram pensar.
No caso do mizifio, fiquei pensando na coisa porque uns dois dias antes de ler o post peguei o ônibus de manhã cedo pra uma aula excepcionalmente transferida pra manhã. Como eu sempre pego ônibus em horários diferentes, e quase sempre não-rush porque dificilmente temos alguma aula antes das dez, nunca reconheço nenhum dos meus colegas passageiros. Mas toda sexta eu pego o mesmo ônibus das 8.13, e além de entupido, está sempre entupido com as mesmas pessoas. Nessa vez sentei ao lado da garota com gorro branco de pom-pom preto, que sempre usa o mesmo gorro, mesmo casaco e mesmas luvas, e sempre senta no mesmo lugar. No ponto depois do meu subiu um negão que também sempre pega o ônibus no mesmo horário, com seu carrinho de compras estilo feira carioca. Sentou em frente a nós, tirou o celular do bolso (imigrante ADORA um celular, puta que pariu) e começou a falar.
Juro que minha primeira reação foi uma careta. Céus, que língua será essa, pensei com meus botões. Deve ser neandertalês do sul, arcaico, ainda por cima. Lembrei imediatamente daquele clip do filme South Park, sabem, Kyle’s Mom is a Bitch (que eu tenho aqui no computador e revejo sempre que estou de mau humor. Fico rindo sozinha). Naquela parte que as crianças de diferentes países do mundo cantam em coro, cada um na sua língua estilizada. Então, quando as crianças africanas cantam as palavras soam exatamente como os sons dos tambores. Bom, o negão não parava de falar, e ainda por cima foi se alterando e começou a berrar no telefone, e todos os passageiros se viraram pra assistir, e a garota pom-pom ao meu lado segurava o riso, a doméstica russa ao lado dele foi ficando assustada, o cara gritava, gritava, e eu só pensando que língua mais primitivinha, socorro. E foi aí que ele ficou muito, mas muito puto com quem quer que fosse o seu interlocutor telefônico, e consegui entender a seguinte frase:
– Fock your sistah!
Fez-se a luz. Era inglês. Pelas barbas do profeta, era inglês! Deformado até o infinito, mas era. Depois que entendi de que língua se tratava comecei a entender outros pedaços isolados da história – aparentemente a tal sistah da pessoa com quem ele estava no telefone tinha pedido dinheiro emprestado (môni) e não tinha devolvido.
Que tristeza. Tudo bem que línguas mudam, absorvem, são absorvidas; entendo o processo e é perfeitamente normal, natural e inevitável. Mas não por isso deixa de doer no ouvido. E fiquei pensando no quanto eu sou feliz de falar uma língua que não é primitiva quando falada direito (deixa quieto o office-boy paulistano, que ultimamente tenho ouvido muito em imitações que humoristas fazem na TV e minha mãe manda por email). Primitivo sucks.
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Por outro lado, o outro post da Barbara fala de ser considerada estranha porque lê. Eu também sempre fui, e aqui a coisa ainda é pior, se é que isso é possível. Digo pior não em números, porque acho que em termos absolutos o italiano lê tão pouco quanto o brasileiro. Mas é pior porque o Brasil tem a desculpa de ser pobre e fodido; o italiano é europeu, cacete! Não tem justificativa!
Mas a minha pinimba com o post vem do fato que eu acho terrível ter que usar a cor do meu passaporte como desculpa pra ser diferente. Quando eu digo que não sou batizada, que não gosto de tomate cru, que não como cérebro de carneiro, que gostaria de ter ralo no chão da cozinha pra lavar a coisa direito, as pessoas me olham estranho e dão logo a culpa ao fato de ser brasileira. Mas que vão todos praquele lugar! Tenho ou não tenho o direito de ser o que eu bem entender simplesmente porque sou assim, porque PREFIRO ser assim? Não acho nada legal ter que usar minha nacionalidade como justificativa. Acho um porre. Porre, porre. Inclusive porque eu, como a Barbara, não sou a carioca típica, nem a brasileira típica. Também não sou italiana. Eu não sou nada. Eu sou eu. O fato de ter nascido no Brasil é puramente acidental, não depende de mim, não fui eu que escolhi, e tem tão pouco de Brasil, ou de qualquer outro lugar, dentro de mim que se existisse um passaporte branco, pra quem não se identifica com lugar nenhum, eu adotaria numa boa. Sem problemas. Sem remorsos. Sem estranheza. Sem problema.
Eu levo dentro de mim um pouco muito pequeno do Rio, um pouquinho de Valença, um tico de Itália, um farrapo de cada lugar que visitei, um fiapo (pensando bem, um pouco mais que um fiapo…) de cada livro que li, um retalho de cada conversa que escutei, de cada filme que vi, de cada aula à qual assisti (cá pra nós, vai fazer concordância verbal bem lá na casa do chapéu, hein), de cada aula que dei, de cada matéria que estudei, de cada música que ouvi, de cada coisa que comi. Eu sou isso aí.