Ontem foi um dia especial. Fomos convocados ao tribunal de Perugia pra falar mal da nossa ex-chefe.
O lance é que o Careca, que hoje tem sua própria agência de tradução e que é meu maior cliente, está processando o Dragão Laranja por mobbing, que é uma coisa meio complicada de provar. Não nesse caso, visto que só eu vi, em um ano e meio, PELO MENOS 20 pessoas se demitirem por causa de um ambiente de trabalho absolutamente impraticável. Então quando me ligaram pra perguntar se eu estava disposta a ir lá pra descrever como era trabalhar naquele manicômio, minha resposta foi “só se for agora”.
Encontrei o pessoal na esquina da Via Settevalli com a rua onde fica a agência. Dois carros cheios de gente; praticamente um comboio. Todo mundo usando ou vestindo alguma coisa roxa, que é a cor que o Dragão Laranja mais odeia. Éramos dez. DEZ. Dez pessoas usando roxo, contentes e risonhas, doidas pra falar mal da ex-chefa.
Vislumbramos o Dragão e seu fiel escudeiro, o Salame-mor (o amante que ela botou pra trabalhar na agência, mesmo ele sendo engenheiro e retardado, e conseqüentemente não entendendo nada de coisa nenhuma, muito menos de tradução ou administração de empresas), em frente à saída das escadas rolantes por onde chegamos ao centro. (Sim, Perugia é uma cidade estranha, um dia eu explico de novo). Passou, viu aquela muvuca toda e nos deu um olhar congelante, nem cumprimentou. Todos demos nosso melhor sorriso falso.
Enquanto o Careca subia ao fórum pra saber se a gente ia mesmo ser chamada pra falar, ficamos na calçada trocando figurinhas. Acabou que a convocação não era pra hoje, porque não era uma audiência, mas não importa. Subimos assim mesmo e fomos catar a sala onde tava rolando a conversa entre o juiz, os advogados e ambas as partes. A porta estava aberta, o Salame-mor estava sentado numa cadeira antiga exatamente em frente à porta, e nós distribuídos nos sofás estranhos e cadeiras desconfortáveis no corredor. Ficamos quietinho ouvindo tudo o que os advogados disseram, fizemos gestos de uhuuuuu e de vaffanculo, dependendo de quem estava falando, fizemos dancinhas de comemoração, reviramos os olhinhos, foi lindo.
O mais legal foi quando o advogado dela saiu da sala e deu de cara com aquela multidão roxa. Virou-se pro Dragão e perguntou, mas todas essas pessoas estão putas da vida com você? Hohohoho. Essa louca é muito subestimada; quando a gente conta as nossas histórias do manicômio ninguém acredita, e só começa a ver que é tudo verdade, e que é muito pior do que o seu pior pesadelo, quanto nos juntamos e compartilhamos causos. A ficha deve ter caído na cabecinha do advogado dela só naquela hora. Também deve ter entendido, naquele momento de click, que não tem como o Careca perder a causa. Não com tantas, tantas testemunhas. E isso porque várias pessoas não foram, algumas porque não moram mais na Itália.
Segunda que vem vamos nos encontrar com o advogado do Careca lá na agência pra contar mais detalhes sórdidos e ver qual a probabilidade de ganhar uma causa coletiva contra ela. Porque todos nós saímos de lá estressados, psicologicamente destruídos e fisicamente doentes – alguns com dor de cabeça crônica, alguns com enxaqueca recorrente (eu), outros com psoríase (eu), outros com distúrbios do sono, outros com fadiga crônica, outros com gastrite. Não faço questão de ser indenizada por nada. Quero só vê-la fodida. Muito. Chafurdando na lama, sangüinolenta, cagada, fodida e mal paga. Principalmente mal paga.