Já falei aqui do livro Gomorra, de Salviano, que foi ameaçado de morte pela Camorra e anda escoltado etc e tal. Falei que o livro é MUITO maneiro e chocante.
O filme é qualquer coisa.
Primeiro que me deu vontade de rir porque o bairro de Scampia, o mais violento e drogado e pobre de Nápoles, é como uma favelona. A única diferença entre a Vela (um complexo de apartamentos GIGANTESCO e HEDIONDO, uma espécie de Cruzada aumentada, sacam) e uma favela é que os moradores são brancos. De resto, darlings, é tudo igual. Mulher mal vestida, homem com corrente de ouro no pescoço e pulseira de bicheiro nos braços, criança correndo despenteada, lixo na rua, restos de material de construção abandonados nos cantos, cachorros sarnentos passeando livres, roupas penduradas nos varais do lado de fora, vazamentos em tudo o que é lugar, carros abandonados em terrenos baldios, crianças tomando banho em piscinas Tony, gente que não faz ABSOLUTAMENTE NADA o dia inteiro, e principalmente homens armados que ficam de lá pra cá em cima das lajes pra dar o sinal quando a polícia se aproxima.
Segundo que me deu vontade de chorar porque gente que se droga me dá vontade de chorar. De ódio. Porque se tem uma coisa que eu detesto é estupidez, vocês sabem, e poucas coisas são mais idiotas nesse mundo do que se drogar/fumar/perder dinheiro em jogos de azar (e viva a rima).
E por último, Nápoles é mesmo uma irmã gêmea do Rio. Vamos combinar que a beleza do Rio é de sentar e chorar e não tem comparação com nada desse mundo, mas Nápoles também é muito bonita. Ver a degradação em que se encontra é um soco no estômago pra quem vem de uma cidade tão sofrida e injustiçada e fodida quanto o Rio de Janeiro, completamente entregue, como Nápoles, ao crime organizado, que fatura em cima de cretinos que não têm nada melhor pra fazer da vida do que entupir os narizes de coca.
O filme é esquisito, mas de um livro que não é um romance não podia mesmo sair um filme convencional; os personagens são muitos mas pouco desenvolvidos e você não cria a mínima empatia; os subplots são numerosos e nem sempre relacionados entre si; o ritmo é meio lento. Mas o filme é bárbaro e vale super a pena ver.
P.S.: O filme é todo em dialeto napoletano, e conseqüentemente legendado em italiano. Não, não se entende absolutamente nenhuma palavra. Nenhuminha.